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terça-feira, 16 de agosto de 2011

ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO, CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 26/05/2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
936/07.8.TBVVD.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 26-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I – Celebrado contrato de aluguer de longa duração de veículo sem opção de compra pelo locatário, estamos mais perto do regime de mero aluguer que do contrato de financiamento.
II - Daí que, atendo-nos ao contrato, e interpretando-o de harmonia com as regras da interpretação do negócio jurídico – arts. 236º, nº1, e 238º, nº1, do Código Civil – por não haver nele qualquer manifestação da intenção do locatário, ainda que imperfeitamente expressa, em exercer opção de compra mas dele resultar, meramente, ter sido assumido o compromisso de pagamento das rendas acordadas durante o prazo de vigência, se não possa considerar ter sido transmitida a propriedade para o recorrente, nem sequer estar pendente condição suspensiva habilitante, quando verificada, à transferência do domínio.
III – E, sendo assim, é inaplicável ao contrato dos autos o regime jurídico do DL 359/91, 21.9 – [que regula o crédito ao consumo – RJCC] – alterado pelos Decretos-Lei nº 101/2000 e n° 82/2006, de 3.5, uma vez que não se verifica in casu a excepção prevista na 2ª parte do seu art. 3º, al. a), ou seja, ter o locatário “o direito de adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato”.


Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
H… , S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra ANTÓNIO… , pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 7.326,00 (sete mil, trezentos e vinte e seis euros), a título de danos patrimoniais.
Fundamentando a sua pretensão, alega a autora, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial, em 8 de Março de 2001, celebrou com o réu um contrato de aluguer de veículo sem condutor, nos termos do qual veio a adquirir um veículo automóvel cuja utilização facultou ao réu, mediante o pagamento de 60 (sessenta) rendas mensais, sendo a primeira no valor de € 5.856,61, acrescido de IVA, e as restantes no valor de € 179,11, acrescido de IVA. Como o réu não pagou as rendas vencidas nos dias 15 dos meses de Fevereiro a Junho de 2004, a autora resolveu o contrato através de carta registada com aviso de recepção, datada de 8 de Julho de 2004, mas como o réu não procedeu à restituição do veículo em causa, a autora intentou uma providência cautelar no âmbito da qual logrou concretizar a respectiva apreensão e entrega.
Na data da entrega o veículo apresentava-se danificado na parte lateral esquerda, na parte lateral direita e na parte traseira, sendo que o valor de mercado daquela viatura, com uma desvalorização do uso normal, à data da sua apreensão, ascenderia a € 7.200,00 (sete mil e duzentos euros), mas em consequência dos estragos que apresentava, a autora vendeu-o apenas pelo montante de € 600,00 (seiscentos euros), e teve de suportar o valor de € 726,00 com a sua retoma.
O réu contestou, contrapondo que não entregou o veículo por ter sido interveniente num acidente de viação, no dia 7 de Novembro de 2003, quando nele circulava, tendo-o levado para as oficinas da marca para que procedessem à sua reparação, sendo que a autora teve conhecimento dessa situação, através de uma carta remetida pela companhia de seguros “Generali”, datada de 9 de Dezembro de 2003, tendo esta seguradora proposto adquirir o veículo pelo montante de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), alegando desconhecer qual o valor da indemnização que terá concretamente pago à autora, tendo o autor pago a quantia de € 6.000,00 pela sua reparação.
A autora respondeu, esclarecendo nada ter recebido daquela seguradora e concluindo como na petição inicial.
Posteriormente, já depois de designada data para a realização da audiência preliminar, apresentou o réu o “articulado” de fls. 82, qualificando o contrato celebrado entre autora e réu como um contrato de ALD a que se aplica o Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, que regula os contratos de crédito ao consumo, os quais devem conter a TAEG (taxa anual efectiva global) e as condições em que esta pode ser alterada, sob pena de nulidade, elementos que o contrato em apreço não contém, sendo por isso nulo O facto da nulidade poder ser invocada a todo o tempo, não significa que o possa ser em qualquer estado dos autos com desrespeito das regras processuais, pelo que a mesma devia ter sido invocada pelo réu por via de excepção, na contestação, e não em articulado superveniente, não consentido por lei. Assim, à semelhança do que sucedeu com outro requerimento apresentado pelo réu também antes da realização da audiência preliminar - no qual desenvolveu extensos argumentos em defesa da sua tese, pretendendo a ampliação da base da instrutória -, devia o articulado em causa ter sido mandada desentranhar dos autos. .
A autora respondeu, sustentando a inaplicabilidade do referido diploma legal ao contrato dos autos que é um contrato de aluguer e não de crédito.
Realizada a audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador tabelar com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto controvertida decidida pela forma constante do despacho de fls. 197 a 199, sem reclamação.
Por fim, foi proferida a sentença que, julgando a acção procedente, condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 7.326,00 a título de danos patrimoniais.
Inconformado com o decidido, recorreu o réu para esta Relação, encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões:
«1- Os presentes autos iniciaram-se com a acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, intentada pela apelada, onde esta, tendo por base um contrato, por si denominado de „Contrato de Aluguer de Veiculo Sem Condutor”, pedia que o aqui apelante fosse condenado a pagar-lhe o montante de 7.326,00€ (sete mil trezentos e vinte e seis euros), a titulo de danos patrimoniais.
2- Porque não está o Tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, concluiu o Digníssimo Tribunal a quo que “Do clausulado a que as partes submeteram o contrato em apreço cremos poder reconduzi-lo à figurado “contrato de aluguer de longa duração” (ALD).
3- Invocou o aqui apelante a nulidade do contrato dos presentes autos, na medida em que entende que está em causa um contrato de crédito ao consumo sujeito à disciplina prevista pelo D.L 359/91, de 21 de Setembro, que exige que do contrato conste a TAEG (taxa anual efectiva global) e as condições em que pode ser alterada, sob pena de nulidade. Tudo conforme disposto nos arts. 2.º alínea a) e b; art. 3.º al a); art. 6.º, n.º 2 al a) e c) e art 7, n.º 1 todos do D.L 359/91, de 21 de Setembro.
4- E no caso em sub judice, do contrato celebrado entre a apelada e o apelante não consta nem a TAEG nem tão pouco as condições em que pode ser alterada.
5- Entendeu, porém, o Digníssimo Tribunal a quo que não assistia razão ao apelante na medida em que do D.L 359/91, de 21 de Setembro, “excluem-se os contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro, excepto se o locatário tiver o direito de adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato (cfr. artigo 3.º alínea a))” – cfr. se pode ler na douta sentença recorrida.
6- Ora, no que tange ao disposto na primeira parte deste normativo legal vai dito que nos contratos de ALD – seguindo a qualificação jurídica atribuída pela douta sentença de que se recorre ao contrato em mérito nos autos – e como se pode até mesmo ler na douta sentença de que se recorre, “…cada uma das prestações mensais a cujo pagamento se obriga o designado locatário não é mais do que uma parcela ou fracção do montante global, previamente definido a reembolsar ao locador. Do que se trata, portanto, não é de remunerar o locador pela concessão temporária do gozo da coisa locada, mas reembolsá-lo da quantia que adiantou na sua aquisição, acrescida dos juros remuneradores da intermediação financiadora em que, afinal se traduz a sua intervenção(…) – vide “Algumas Questões sobre o ALD, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 3, 2001, p.310”- o sublinhado é nosso.
7- E como prossegue a douta sentença recorrida “(…) a obrigação do locatário no âmbito do ALD não tem por objecto uma prestação de execução periódica , como sucede num genuíno contrato de locação, mas uma verdadeira prestação de execução fraccionada. Nestas circunstâncias só violentando a realidade (isto é: os interesses e o regime negocial efectivamente pactuado pelas partes intervenientes) se poderia qualificar o aluguer inserido na operação de ALD como um contrato de natureza locatícia, como um contrato, afinal, em que uma das partes se obriga a proporcionar temporariamente à outra, contra retribuição, o gozo de certa coisa (…) – vide ob. Cit., p.311”.
8- Na verdade, “O locador, durante o período de vigência do negócio, percebe não só o valor suportado com a compra, mas ainda o lucro financeiro. (…) Acresce que tal negócio envolve a prévia aquisição do bem pelo locador com o intuito de, ulteriormente, conceder o seu gozo ao locatário. Este, por sua vez, obriga-se ao pagamento de uma renda que não corresponde ao mero gozo in Manual da Locação Financeira, de Fernando de Gravato Morais, Almedina, 2006, pág. 53 e 54; o sublinhado é nosso.
9- Aliás, só assim se compreende também que a primeira renda do contrato em causa nos autos tenha tido um valor muito mais elevado que as seguintes, sendo que in casu a primeira renda paga pelo apelante foi no valor 5.856,61€ acrescido de IVA e as restantes no valor de 179,11€, acrescido de IVA – cfr. ponto 5.º dos factos provados constantes na douta sentença de que se recorre - e também só assim se compreende que se estipule a prestação de uma caução, que no caso em mérito foi no montante de 2.936,67€ -vide clausula 9.ª das condições particulares do contrato em mérito nos autos.
10- E também só assim se compreende que a apelada, aquando da junção pelo apelante de 3 documentos com a ref: 2120415, veio responder, por meio do requerimento com a ref 2223601, que os documentos 2 e 3 juntos pelo ora apelante “ (…) tratam-se de documentos emitidos para efeitos financeiros da A….” – o sublinhado é nosso.
11- Pelo que efectivamente, o contrato em mérito nos autos, não pode de modo algum, salvo respeito por melhor opinião, ser equiparado à mera locação do direito civil, não correspondendo a renda paga pelo apelante ao mero gozo.
12- De acordo com Fernando Gravato Morais “Aliás, o aluguer de longa duração também configura um contrato de crédito ao consumo ( art. 3.º, al a), parte final e art 2.º al a) DL 359/91” – in Manual da Locação Financeira, de Fernando de Gravato Morais, Almedina, 2006, pág. 53 e 54; o sublinhado é nosso.
13- Sendo que também na própria douta sentença de que se recorre é mencionado o Ac do STJ de 14 de Maio de 2009, onde se pode ler que “: I) O vulgarmente designado contrato de ALD, de modo algum, é um contrato a se, assimilável à mera locação do direito civil (…) isto porque o preço da renda pode visar a amortização do preço do bem que o consumidor poderá ou não comprar(…), sem embargo de se considerar que o contrato de ALD pode ser enquadrado no regime jurídico do crédito ao consumo, como modalidade de financiamento…”. – o sublinhado é nosso.
14- Pelo que, in casu, está-se na presença de um contrato de crédito ao consumo, tendo assim um consumidor – o apelante – ou seja pessoa singular que actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional, que celebra com a apelada um contrato – qualificado pela douta sentença de que se recorre como sendo um contrato de ALD – por meio do qual o credor – aqui apelada – promete conceder ao consumidor um acordo/modalidade de financiamento para a aquisição de um bem móvel. – cfr. art. 2 alínea b) e a) do D.L 359/91, de 21 de Setembro.
15- E como tal devia o contrato dos presentes autos conter, sob pena de nulidade, a TAEG (taxa anual de encargos efectiva global) bem como as condições em que a referida taxa pode ser alterada – cfr. artigos 6.º alínea a) e c) e art. 7.º, n.º 1 do diploma legal supra referido.
16- Elementos que o contrato em causa nos autos não contem e como tal é, salvo respeito por melhor opinião, um contrato ferido de nulidade.
17- Não obstante, o até aqui alegado, concluiu ainda a douta sentença de que e recorre pela validade do contrato na medida em que “(…) no „contrato de aluguer de longa duração”, a aquisição do bem, pelo locatário, no fim do contrato, não constitui um elemento caracterizador essencial, sendo certo que no caso vertente, a opção de compra do veiculo automóvel, com a matricula 51-51-RG, não foi objecto de negociação entre a autora e o réu.”
18- Ora, porém, não resulta do contrato em causa qualquer clausula que impedisse o apelante de, no fim de contrato adquirir o veículo automóvel objecto do contrato.
19- Até porque como resulta da própria douta sentença de que se recorre “(…) a previsão da entrega da viatura à locadora, findo o contrato, não é incompatível com a opção de compra”.
20- E no fim do contrato, satisfaz o interesse do locatário – aqui apelante – adquirir o bem até porque o mesmo se encontra pago, concretizando, deste modo a expectativa de compra com que celebra o contrato.
21- “ Aliás, a aquisição do bem é o objectivo primordial a atingir pelo locatário (de longa duração), dado que no termo do contrato já o pagou na totalidade.” - in Manual da Locação Financeira, de Fernando de Gravato Morais, Almedina, 2006, pág. 54;
22- Sem prescindir do até aqui exposto, é de referir outrossim que no âmbito dos autos de processo n.º processo n.º 904/05.4TVLSB, que correu termos na 12.ª Vara Cível de Lisboa, já transitado em julgado - que opôs a apelada ao apelante e que teve na base o mesmo contrato dos presentes autos, acção que foi intentada no seguimento dos autos de providencia cautelar referida no ponto 10 dos factos provados dos presentes autos - foi proferida sentença – junta como doc.2 pela apelada no seu articulado de resposta – onde entendeu aquele Digníssimo Tribunal estar na presença de um contrato de locação financeira.
23- Contrato de locação financeira que tendo na base uma relação de consumo se vê também assim sujeita à disciplina que regula os contratos de crédito ao consumo prevista no DL 351/91, de 21 de Setembro, for força no disposto nos artigos 2.º, alínea a), em especial quando se alude a “qualquer outro acordo de financiamento semelhante, e por força do disposto no art. 2.º alínea b) e art. 3.º alínea a) daquele diploma legal.
24- E como tal, sob pena de nulidade, sendo um contrato de locação financeira inserido numa relação de crédito ao consumo – com um consumidor ( o apelante) e um credor (a apelada) que concede um acordo/modalidade de financiamento - devia o contrato conter a TAEG e as condições em que a mesma pode ser alterada – cfr. artigos 6.º aliena a) e c) e artigo 7.º, n.º 1 do DL 351/91, de 21 de Setembro.
25- Assim sendo, por todo o exposto, e salvo respeito por melhor opinião, o contrato em causa nos presentes autos, quer se trate de um contrato de ALD quer se trate de um contrato de locação financeira, será sempre um contrato de crédito ao consumo, no qual não consta a TAEG nem as condições em que a mesma pode ser alterada.
26- E como tal está-se perante um contrato nulo.
27- Nulidade que ao não ser decretada pela douta sentença proferida pelo Digníssimo Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 2.º alínea a) e b); art. 3.º alínea a); art 6.º alínea a) e c) e art. 7.º, n.º 1 todos do DL 359/91, de 21 de Setembro.»
A ré contra-alegou e, finalizando a alegação, formulou as seguintes conclusões:
«A) A recorrida subscreve a todos os títulos a douta sentença proferida pelo juiz a quo reconhecendo a qualificação jurídica do contrato como contrato de Aluguer de Longa Duração (ALD), julgando a acção procedente, por provada, e condenando o Réu, ora recorrente a pagar á Autora, ora recorrida, o montante de € 7.326,00, a título de danos patrimoniais.
Vejamos,
B) A qualificação jurídica do contrato, celebrado entre a recorrida e o recorrente, é aferida pelos factos provados pelo Tribunal a quo.
C) A douta sentença considera “ Da factualidade assente resulta que a autora HBF- Aluguer e Comércio de Viaturas S.A., no exercício da sua actividade, no dia 08 de Março de 2001, obrigou-se a proporcionar ao réu António Freitas Fonseca, mediante retribuição o gozo temporário de um veículo de marca Rover, modelo 45, com matricula 51-51-RG,”
D) Mais adiante a douta sentença salienta “ na situação em análise a aquisição do veículo automóvel com matricula 51-51-RG, não foi objecto de negociação entre a autora HBF- Aluguer e Comércio de Viaturas SA e o réu António Freitas Fonseca, não integrando nem as “ Condições Gerais”, nem as “ Condições Particulares” do contrato sob apreciação. Em fase dos dados disponíveis, consideramos que o contrato visado não pode ser qualificado como simples contrato de aluguer de veículo sem condutor, antes devendo enquadrar-se nos contratos atípicos, e nestes, nos vulgarmente conhecidos por ALD”.
E) Defende o Acórdão do STJ de 26-06-2008 “ O contrato de Aluguer de Longa Duração é um contrato atípico que se rege pelas estipulações das partes, pelas disposições dos contratos nominados com que apresentam forte analogia, entre elas o contrato de locação de coisas moveis e as normas da actividade de aluguer de veículos estabelecidas pelo D.L. nº 354/86 de 23 de Outubro. A aquisição de veículos automóveis com recurso ao “ Aluguer de Longa Duração”, tem de obedecer, obrigatoriamente à celebração de dois contratos distintos: um contrato de aluguer, e um contrato de promessa de compra e venda da respectiva viatura. A falta da celebração deste ultimo contrato implica que estamos perante um contrato de locação, na forma de aluguer o que conduz necessariamente, a que no termos do contrato o consumidor tenha de devolver o veículo”. ( proc. nº 3513/208-6im www.dgci,pt).
F) Afastando-se a tese defendida pelo recorrente de qualificar o contrato como um contrato de crédito ao consumo.
G) A recorrida subscreve a douta sentença do Tribunal a quo ao estipular: “invoca o réu a nulidade do contrato de Aluguer de Longa Duração celebrado com a autora, na mediada em que tratando-se de um contrato de crédito ao consumo dele não conta a TAEG e as condições em que pode ser alterada conforme impõe o Art.º 6, nº 2 al. a e c) do D.L. nº 359/91, de 21 de Outubro. Não lhe assiste todavia razão. Com efeito deste diploma excluem-se os contratos que uma das partes se obriga, contra retribuição a conceder à outra o gozo temporário de coisa móvel de consumo duradouro, excepto se o locatário tiver o direito de adquirir a coisa locada, no prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato. Ora deixamos já supra mencionado (…) no caso vertente a opção de compra do veículo automóvel de matrícula 51-51-RG, não foi objecto de negociação entre a autora e o réu”».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões do recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, aqui aplicável), consubstancia-se nas seguintes questões:
- qualificação do contrato celebrado entre as partes;
- saber se a esse contrato é aplicável o regime o jurídico do DL. 359/91, 21.9, que regula o crédito ao consumo e, em caso afirmativo, se é nulo o contrato.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A autora, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com o réu o contrato de ‘Aluguer de Veículo sem Condutor’, com o nº 1.097, composto de “Condições Gerais” e de “Condições Particulares”, junto aos autos a fls. 8 e segs..
2. O contrato referido em 1. foi celebrado no dia 8 de Março de 2001.
3. Nos termos do contrato referido em 1., a autora veio a adquirir um veículo automóvel, marca “Rover”, modelo “R45”, de matrícula 51-51-RG.
4. A autora facultou a utilização da viatura de matrícula 51-51-RG ao réu de acordo com a cláusula 1ª das “Condições Gerais” e 3ª das “Condições Particulares”.
5. O réu obrigou-se, nos termos do contrato em causa, ao pagamento de 60 (sessenta) rendas mensais, sendo a primeira renda no valor de Esc. 1.174.145$00 (correspondente ao contravalor de € 5.856,61) acrescido de IVA, e as restantes 59 (cinquenta e nove) rendas mensais no valor de Esc. 35.909$00 (correspondente ao contravalor de €179,11) acrescido de IVA.
6. O réu não pagou as rendas vencidas em 15 de Fevereiro de 2004, 15 de Março de 2004, 15 de Abril de 2004, 15 de Maio de 2004 e 15 de Junho de 2004.
7. Em consequência do facto referido em 6., a autora resolveu, por carta registada com aviso de recepção, que o réu recebeu, datada de 8 de Julho de 2004, o contrato referido em 1.
8. Em 2 de Julho de 2004, a propriedade do veículo de matrícula 51-51-RG estava registada a favor da autora.
9. O réu não restituiu o veículo 51-51-RG à autora.
10. No âmbito da providência cautelar que correu termos na 11ª Vara Cível de Lisboa, 3ª Secção, sob o nº 553/05.7TVLSB, o veículo matrícula 51-51-RG foi apreendido em 23 de Agosto de 2005 e entregue ao fiel depositário da autora.
11. A autora, em 9 de Dezembro de 2003, recebeu uma comunicação escrita da Seguradora “Generali - Assicurazioni Generali”, onde se menciona que foi recebida a “participação do sinistro” com a viatura 51-51-RG, ocorrido no dia 7 de Novembro de 2003.
12. Na data da apreensão referida em 10., o veículo matrícula 51-51-RG apresentava toda a sua zona envolvente danificada, lateral esquerda, lateral direita e traseira da viatura.
13. À data da entrega da viatura matrícula 51-51-RG com uma desvalorização do uso normal, o seu valor seria, pelo menos, de € 7.200,00 (sete mil e duzentos euros).
14. No dia 28 de Outubro de 2005, a viatura foi vendida por € 600,00 (seiscentos euros).
15. Com a retoma da viatura, a autora despendeu € 726,00 (setecentos e vinte e seis euros).
16. O veículo matrícula 51-51-RG foi interveniente num acidente de viação.
*
B) O DIREITO
Em face da factualidade que se considerou adquirida, importa começar por qualificar o tipo de contrato celebrado entre autora e réu.
"A qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém. Este relacionamento traduz-se num movimento espiral e hermenêutico, assente numa pré-compreensão que se traduz em pré-qualificações experimentais precárias feitas com apoio na cultura jurídica e na 'experiência do mundo' de quem qualifica" Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, págs. 164-165..
Autora e réu não dissentem, no essencial, da qualificação como contrato de aluguer de longa duração (ALD) feita na sentença recorrida Se bem que o réu não exclua a qualificação do contrato como de locação financeira, como terá sido decidido em acção instaurada pela autora contra o réu na sequência dos autos de procedimento cautelar referidos no nº 10 dos factos provados (cfr. conclusões 22ª a 25ª)., mas já não estão de acordo quanto à sua regulamentação.
Assim, segundo o réu, que entende tratar-se de um contrato de crédito ao consumo, ser-lhe-ia aplicável o DL 359/91, de 21 de Setembro. Já a autora, por sua vez, louvando-se na sentença recorrida, defende a inaplicabilidade daquele diploma por dele estarem excluídos os contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição a conceder à outra o gozo temporário de coisa móvel de consumo duradouro, excepto se o locatário tiver o direito de adquirir a coisa locada, no prazo convencionado, o que não se verifica no contrato em apreço.
Na sentença recorrida, após longa excursão doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria, conclui-se do seguinte modo:
«Do clausulado a que as partes submeteram o contrato em apreço cremos poder reconduzi-lo à figura do ‘contrato de aluguer de longa duração’ (“ALD”).
Aqui chegados, importará, desde logo, esclarecer que o ‘contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor’ não encerra a consagração do direito potestativo de aquisição futura, reconduzindo-se a sua disciplina a um típico aluguer de automóvel sem condutor, com a particularidade de a sua execução continuada se prolongar por um prazo dilatado.
O contrato de locação financeira (aprovado pelo Decreto-Lei nº149/95, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº265/97, de 02 de Outubro, Decreto-Lei nº285/2001, de 03 de Novembro e Decreto-Lei nº30/2008, de 25 de Fevereiro) é que contém a possibilidade de, ao fim do contrato, o locatário ficar com o direito de comprar o bem, mediante um preço pré-estabelecido em conformidade com as rendas ajustadas, de forma que esse preço tenha a ver com o valor residual da coisa locada.
No que concerne ao ‘contrato de aluguer de longa duração’, ao abrigo da liberdade contratual (cfr. artigo 405º, nº1, do Código Civil), nada impede que o veículo possa ser adquirido pelo locatário no fim do contrato.
Todavia, nos “ALD” isso não é indispensável.
Com efeito, nestes contratos podem não constar quaisquer cláusulas relativas à previsão de compra, havendo por isso, muitas vezes, que fazer integração e interpretação da vontade das partes, manifestada através de outros meios com a mesma forma, designadamente, em contratos paralelos, a ele acoplados ou associados ao primeiro e que façam supor o direito de o locatário poder optar pela respectiva aquisição, cumpridas integralmente as obrigações estipuladas no contrato.
(…).
Na situação em análise, a aquisição do veículo automóvel, com a matrícula 51-51-RG, não foi objecto de negociação entre a autora (…) e o réu (…), não integrando nem as “Condições Gerais”, nem as “Condições Particulares” do contrato sob apreciação.
Deste modo, a autora é dona da identificada viatura.
Em face dos dados disponíveis e considerando tudo quanto fica supra exposto, consideramos que o contrato visado não pode ser qualificado como um simples ‘contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor’, com regulamentação própria, dada pelo Decreto-Lei nº 354/86, de 23 de Outubro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 373/90, de 27 de Novembro) e pelo Decreto-Lei nº 44/92, de 31 de Março), antes devendo enquadrar-se nos contratos atípicos, indirectos, e, nestes, nos vulgarmente conhecidos por “ALD”.
Vejamos.
Na doutrina existem teses diversas sobre o tipo contratual inominado ALD.
Para alguns, o protótipo do denominado contrato de aluguer do uso de veículo automóvel de longa duração (ALD), tem por objecto a cedência do gozo temporário de coisa móvel, mediante retribuição, e constituiria uma das modalidades do contrato de locação, designada por aluguer, sendo regulado pelas normas do Código Civil (CC) que regem o contrato de aluguer e pelas respectivas cláusulas contratuais nele insertas que não contendam com qualquer normativo de natureza imperativa, atento o preceituado pelos artigos 16º e seguintes, do DL nº 354/86, de 23 de Outubro, e 1022º e seguintes, do Código Civil.
O contrato de ALD seria, assim, para esta corrente doutrinária, com forte expressão jurisprudencial Cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 12.07.2005 (proc. 05B2352) e de 22.03.2007 (proc. 07B708), in www.dgsi.pt. , um subtipo do contrato de aluguer e, consequentemente, do contrato de locação, revestido de particularidades especiais.
Porém, diferentemente, o designado contrato de ALD tem sido configurado como um contrato indirecto em que o tipo de referência é o aluguer e o fim indirecto é o da venda a prestações com reserva de propriedade.
Qualificar este contrato simplesmente como contrato de aluguer de automóveis ou como contrato de venda de venda a prestações com reserva de propriedade resulta, em qualquer dos casos, no desrespeito pela vontade contratual” Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pág. 245..
O fim indirecto que é tido em vista pelos contraentes é conseguido através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer e de venda a prestações com reserva de propriedade, gerando-se um verdadeiro contrato misto (que nada tem “de reprovável ou de nocivo”, resultando sim, “num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos para a satisfação dos seus interesses, e num aumento dos meios jurídicos disponíveis no comércio” - ob. cit. pág. 245-246). Configura-se, assim, o aluguer de longa duração, “sob a forma de uma locação acoplada de uma promessa unilateral de uma proposta irrevogável de venda” Teresa Anselmo Vaz, Revista Portuguesa de Direito do Consumo, nº 114, págs. 125-126..
Paulo Duarte In Estudos de Direito do Consumidor - Centro de Direito do Consumo, nº 3, 2001, págs. 301 a 327. rejeita as teses do contrato misto e do contrato indirecto, realçando a afinidade do ALD com o contrato de leasing [Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL. nº 265/97, de 2.10, rectificado no DR, I, de 31.10.97, pelo DL nº 285/2001, de 3.11, e pelo DL nº 30/2008, de 25.2 (arts. 3°, 17° e 21º)], embora admita diferenças de regime.
Considera este autor que não se trata de um contrato de locação, já que as rendas visam a amortização do preço da coisa, não sendo contrapartida da sua fruição temporária, como é típico da locação (art. 1022º do Código Civil).
“Do que se trata, portanto, não é de remunerar o locador pela concessão temporária do gozo da coisa locada, mas de reembolsá-lo da quantia que adiantou na sua aquisição, acrescida dos juros remuneradores da intermediação financiadora em que, afinal, se traduz a sua intervenção” Ibidem, pág. 310..
Considera, assim, aplicável ao ALD o regime jurídico do DL. 359/91, 21.9 – [que regula o crédito ao consumo – RJCC] – alterado pelos Decretos-Lei nº 101/2000 e n° 82/2006, de 3.5.
“Deste modo, para que de um contrato de crédito se possa falar, o que, em cada caso, importa é que se trate de um instrumento técnico-jurídico capaz de permitir que alguém conceda temporariamente a outrem o poder de compra de que este não dispõe. Só então se poderá dizer que se está perante um “acordo de financiamento semelhante” aos esquemas contratuais listados no art. 2.°/l -a) do RJCC.
Pois bem, à luz deste entendimento, parece-me que o ALD é passível de se considerar como um contrato de concessão de crédito. Sendo que a concessão de crédito opera, no ALD, por meio do fraccionamento (e inerente diferimento) da execução da obrigação de o mandante (o “locatário”) reembolsar o mandatário (o “locador”) da despesa efectuada na aquisição do bem objecto do contrato” Ibidem, págs. 317-318..
Alinhando pelo mesmo diapasão, escreve F. Gravato Morais Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, pág. 57.:
“O contrato de aluguer de longa duração pode conter uma promessa (unilateral ou bilateral) de venda ou até uma proposta irrevogável de venda inserida na própria locação.
Naquele caso, a transferência da propriedade ocorre com a posterior celebração do contrato de compra e venda (na promessa unilateral, depende da vontade do locatário, enquanto que, sendo a promessa bilateral, ambos os contraentes se encontram vinculados à celebração).
Nesta hipótese, tal efeito opera com a simples aceitação do locatário da proposta de venda, considerando-se deste modo realizado o contrato de compra e venda.
O locador, durante o período de vigência do negócio, concede ao outro o gozo temporário de um bem móvel e percebe não só o soma relativa à aquisição, mas ainda o lucro financeiro.
No seu termo, o objecto encontra-se integralmente pago, pelo que naturalmente o locatário tem todo o interesse na sua aquisição.
Depois de manifestar essa vontade ao locador, proceder-se-á à venda - só aqui se transferindo a propriedade do bem - por um preço pré-determinado, em regra equivalente ao valor do objecto à data do aluguer de longa duração.
A possibilidade de aquisição da coisa, que se encontra integralmente paga no termo do prazo, está consagrada no art. 3°, al. a), parte final do DL nº 359/91.
O negócio está previsto no art. 2°, nº 1, al. a), in fine DL. nº 359/91”.
Feita esta digressão doutrinal, pode dizer-se, como se escreveu no Acórdão do STJ de 14.05.2009Proc. nº 08P4096, in www.dgsi.pt. , “(…) que o ALD, de modo algum, “é um contrato a se assimilável à mera locação do direito civil - contrato não comercial - pese embora a componente funcional-económica de fruição temporária do bem locado, isto porque o preço da renda pode visar a amortização do preço do bem que o consumidor poderá ou não comprar, esgotado o prazo por que vigora o contrato, se tiver sido estabelecida opção de compra ou contrato-promessa de compra e venda, ainda que unilateral.
A existência desta opção de compra é essencial para se considerar se o contrato deve ser assimilável ao de locação financeira - a opção de compra final seria o lugar paralelo do “preço residual” (no leasing).
Não existindo, ab initio, expressa ou tacitamente estipulada a opção de compra pelo locatário, mais a mais, tendo o contrato sido reduzido a escrito e daí não resultando que as partes tiveram em vista tal opção, sem embargo de considerarmos que o contrato de ALD pode ser enquadrado no regime jurídico do crédito ao consumo como modalidade de financiamento, [não sendo de afastar a sua natureza de negócio misto], o facto é que, para se aferir da questão da propriedade, importa saber se as partes, na dinâmica e execução do contrato, previram a alienação findo o prazo do aluguer, elemento decisivo como parece depreender-se da tese defendida por Gravato Morais.
Se não existir essa opção de compra, estamos mais perto do regime de mero aluguer que do contrato de financiamento” Cfr., em sentido idêntico, o Ac. do STJ de 11.02.2011, proc. 884/09.7YXLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. .
É justamente o que se verifica no caso em apreço, em que a opção de compra do veículo em causa não foi objecto de negociação entre a autora e o réu, sendo certo que este aceitou na contestação a factualidade alegada pela autora relativamente ao contrato, sem que aí tivesse suscitado a questão do financiamento da compra do veículo.
Só mais tarde, em momento processual desajustado, através de articulado mandado desentranhar dos autos, veio o réu requerer a ampliação da base instrutória por forma a que nela se incluíssem factos tendentes a demonstrar que o contrato dos autos era um contrato de locação financeira mobiliária.
A circunstância da 1ª renda do contrato ser de valor mais elevado não demonstra que entre as partes tenha sido negociada a opção de compra do veículo pelo réu.
Impõe-se neste aspecto salientar que o locador suporta um duplo risco: o da obsolescência técnica e financeira da coisa e o inerente à propriedade do bem.
Naquela hipótese, aquilo que o locador percebe durante o período de vigência do contrato pode não cobrir o valor da aquisição do objecto. Acresce que ao locatário assiste, por via de regra, uma (dupla) escolha no termo do prazo contratual: ou restitui a coisa ou prorroga o negócio. Ainda que possa eventualmente acrescer uma promessa unilateral de venda que confira ao locatário o direito de comprar a coisa, a transmissão da propriedade é meramente eventual. Caso o locatário tenha interesse na utilização de um novo bem, exclui-se a via da prorrogação contratual.
Nesta situação, aplica-se o regime geral: o locador, porque proprietário (jurídico e económico), suporta o risco de perda ou de deterioração da coisa.
Quanto à caução, normal nos contratos de locação, o valor da mesma (€ 2.936,67), não constitui sequer indício de que tenha havido intenção das partes em que o réu viesse a adquirir o veículo, destinando-se apenas a garantir o bom e integral pagamento das obrigações do réu (locatário) no contrato ajuizado.
Sustenta ainda a ré que o pagamento da renda no contrato dos autos não corresponde ao mero gozo da coisa, lançando mão dos documentos que constituem fls. 141 a 143.
Tais documentos respeitam a uma declaração de venda da firma “Bragamal” do veículo dos autos à autora (fls. 141) e a dois documentos contabilísticos “Hispamer” dirigida à “Deloitte”, expressando a sua concordância com a “relação de crédito concedido pela HBF em 30 de Novembro de 2003” descrita em tais documentos (fls. 142-143).
A referida declaração limita-se a comprovar o que está definitivamente adquirido nos autos, ou seja, a aquisição pela autora do veículo automóvel que deu em locação ao réu.
Os outros dois documentos, além de não se encontrarem assinados por quem quer que seja, são documentos contabilísticos da autora, nos quais vêm especificados os valores do capital em dívida reportados a 31.12.2003 e 31.12.2004 e o montante mensal das rendas acrescidas de IVA à taxa legal, não tendo por isso a virtualidade de comprovar que tenha havido um qualquer financiamento ou concessão de crédito ao réu.
O que resulta da análise das “condições gerais” e das “condições particulares” é que as partes celebraram um contrato em que autora (locadora) se obrigou a proporcionar ao réu (locatário) o gozo temporário de uma viatura automóvel, mediante retribuição.
Trata-se, portanto, antes de mais, de um contrato de aluguer (cfr. artigos 1022º e 1023º CC), embora de longa duração.
Inexistindo opção de compra, nem cláusula de reserva de propriedade, como no caso ocorre, e não tendo sido estipulado contrato-promessa de compra e venda, nem sequer se pode considerar que o contrato celebrado e em discussão é um contrato de compra e venda ainda que a prestações - querido indirectamente pelas partes - e que, por mero consenso negocial, teria transferido a propriedade do bem para o réu/recorrente, que apenas ficaria devedor do preço a pagar em prestações (rendas).
Daí que, atendo-nos ao contrato, e interpretando-o de harmonia com os critérios da hermenêutica negocial - arts. 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil - por não haver nele qualquer manifestação da intenção do locatário, ainda que imperfeitamente expressa, em exercer opção de compra mas dele resultar, meramente, ter assumido o compromisso de pagar as rendas acordadas durante o prazo de vigência, se não possa considerar ter sido transmitida a propriedade para o recorrente, nem sequer estar pendente condição suspensiva habilitante, quando verificada, à transferência do domínio.
E, sendo assim, é inaplicável ao contrato dos autos o regime jurídico do DL 359/91, 21.9 – [que regula o crédito ao consumo – RJCC] – alterado pelos Decretos-Lei nº 101/2000 e n° 82/2006, de 3.5, uma vez que não se verifica in casu a excepção prevista na 2ª parte do seu art. 3º, al. a), ou seja, ter o locatário “o direito de adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato”.
Deste modo, não colhe a tese do recorrente. Tanto basta para se perceber que o recurso não pode proceder.

Concluindo:
I – Celebrado contrato de aluguer de longa duração de veículo sem opção de compra pelo locatário, estamos mais perto do regime de mero aluguer que do contrato de financiamento.
II - Daí que, atendo-nos ao contrato, e interpretando-o de harmonia com as regras da interpretação do negócio jurídico – arts. 236º, nº1, e 238º, nº1, do Código Civil – por não haver nele qualquer manifestação da intenção do locatário, ainda que imperfeitamente expressa, em exercer opção de compra mas dele resultar, meramente, ter sido assumido o compromisso de pagamento das rendas acordadas durante o prazo de vigência, se não possa considerar ter sido transmitida a propriedade para o recorrente, nem sequer estar pendente condição suspensiva habilitante, quando verificada, à transferência do domínio.
III – E, sendo assim, é inaplicável ao contrato dos autos o regime jurídico do DL 359/91, 21.9 – [que regula o crédito ao consumo – RJCC] – alterado pelos Decretos-Lei nº 101/2000 e n° 82/2006, de 3.5, uma vez que não se verifica in casu a excepção prevista na 2ª parte do seu art. 3º, al. a), ou seja, ter o locatário “o direito de adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato”.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Guimarães, 26 de Maio de 2011

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade

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