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terça-feira, 30 de agosto de 2011

CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO, RECONSTITUIÇÃO NATURAL - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 21-06-2011

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1115/02.6TAFAR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
DANOS PATRIMONIAIS
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
JUROS DE MORA

Data do Acordão: 21-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDOS

Sumário: 1 - Em sede de pedido cível deduzido em processo penal é irrelevante saber se o documento foi ou não impugnado, necessário é saber se os factos são relevantes para o objecto do processo e se o tribunal deu esses factos como provados após uma global apreciação dos meios de prova sopesados.

2 -O dano biológico, enquanto dano futuro, deve ser qualificado como dano patrimonial.

3 - A privação do uso de um veículo constitui um ilícito que causa um dano indemnizável, desde que provado o seu uso.

4 - O princípio base indemnizatório é a reconstituição natural e essa reconstituição natural passa pela reparação do veículo desde que esta se não mostre excessivamente onerosa, mas que pode ser superior ao valor de “salvado”.

5 - Os critérios definidos nas Portarias nº 377/2008, de 26-05 e 679/2009, de 25-06 são meramente orientadores de valores razoáveis para efeito de apresentação aos lesados por acidente automóvel, com o objectivo último de evitar a judicialização de conflitos e não afastam a fixação de valores de indemnização superiores aos propostos.

6 - Pretende-se a agilização de apresentação de propostas razoáveis de compensação e não a fixação definitiva de valores indemnizatórios.

7 - Na fixação de juros moratórios impera a jurisprudência obrigatória do acórdão nº 4/2002 (Processo nº 1508/2001 — 1ª Secção) do STJ de 9 de Maio de 2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n. 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

8 - Se os danos patrimoniais foram contabilizados pelo valor dos bens à data do sinistro ou antes de prolatada a sentença recorrida, haverá que fazer operar as regras básicas da constituição em mora.


Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Tribunal da Comarca de Faro – 2º Juízo Criminal - foi lavrada sentença que julgou procedente, por provada, a acusação deduzida contra o arguido IS, …, com residência…., em Faro, a qual lhe imputava a prática dos factos descritos na acusação de fls. 126 a 129 dos autos, os quais em seu entender são susceptíveis de integrar a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b) do Cód. Penal, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Cód. Penal e um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1do Código Penal.

A fls. 115 a 117, o Hospital Distrital de Faro deduziu pedido de indemnização civil contra o Fundo de Garantia Automóvel e IS, peticionando a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 2.994,33, acrescida de juros de mora, que se vencerem na pendência do pedido de indemnização civil, desde a notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização, querendo, com custas e procuradoria.

A fls. 123, NB deduziu acusação particular contra o arguido, por adesão à acusação deduzida pelo Mº Pº a fls. 104 a 107, com excepção da parte respeitante ao sentido de marcha dos veículos indicada na acusação, por ser o contrário do indicado, tendo nessa sequência pelo Mº Pº sido deduzida nova acusação a fls. 126 a 129, corrigindo o lapso.
A fls. 138 a 144, NB deduziu pedido de indemnização contra o Fundo de Garantia Automóvel e IS, peticionando a condenação destes a pagar-lhe a indemnização global de € 184,735,42, sendo € 163.000,00 a título de dano patrimonial futuro decorrente de I.P.P., € 4521,48, a título de danos patrimoniais por lucros cessantes, € 2.250, por danos patrimoniais no veículo de matrícula ---, € 14.963,94, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

A fls. 682 a 689 (original a fls. 697 a 700), a assistente NB deduziu alteração ao pedido de indemnização civil por si deduzido, reduzindo o valor global peticionado para € 62.721,46, sendo € 21.717,10 a título de dano patrimonial futuro, decorrente da IPP, € 8.754,36, a título de lucros cessantes, € 2.250,00 por danos patrimoniais do veículo de matrícula --- e € 30.000,00 a título de danos de natureza não patrimonial. Juntou documentos.

A final decidiu o tribunal recorrido:

1) - Julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência condenar o arguido, IS pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do Código Penal (em concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, al. b) e nº 3 do Cód. Penal), na pena de 9 (nove) meses de prisão;

2) Condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

3) Efectuado o cúmulo jurídico das penas referidas em 1) e 2), condenar o arguido na pena única de 12 (doze) meses de prisão;

4) Suspender a pena de prisão referida em 3) pelo período de 12 meses, sujeitando a mesma á condição de o arguido se submeter a tratamento do alcoolismo, bem como à frequência do curso de prevenção rodoviária, em articulação com a DGRS.

5) Condenar o arguido em sanção acessória de proibição de conduzir, p. e p. pelo art. 69º, nº 1, al. a) do Cód. Penal (quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário consumido pelo crime de ofensa à integridade física por negligência), pelo período de 15 (quinze) meses;

6) Condenar o arguido em sanção acessória de proibição de conduzir, p. e p. pelo art. 69º, nº 1, al. a) do Cód. Penal (quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez), pelo período de 12 (doze) meses;

7) Efectuado o cúmulo jurídico das penas referidas em 5 e 6), condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir única pelo período de 20 (vinte) meses;

8) Ordenar que o arguido, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, entregue a sua carta de condução, neste Tribunal ou em qualquer posto policial da sua residência, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de violação de imposições;

9) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal e art. 85º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais) e em 1/4 da taxa de justiça de procuradoria (art. 41º, nº 1 do CCJ) e nas demais nas custas do processo (art. 514º, nº 1 do C. P. P.);

10) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Distrital (actualmente Central) de Faro e, em consequência, condenar os demandados, Fundo de Garantia Automóvel e IS, solidariamente, a pagarem ao mesmo a quantia € 2.994,33, acrescida de juros de mora sobre a mesma, vencidos, à taxa de 4%, desde a data das respectivas notificações para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 – fls. 208 e 212 - e 12/12/04 – fls. 205 e 214 -, respectivamente) e vincendos até integral pagamento;

11) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por NB e, em consequência, condenar os demandados, Fundo de Garantia Automóvel e IS, solidariamente, a pagarem à mesma a quantia global de € 62.684,74 (sessenta e dois mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia de € 10.967,64 (dez mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos) e, sobre a restante quantia (€ 51.717,10), desde a data da sentença até integral pagamento, absolvendo na parte restante os demandados;
12) As indemnizações referidas em 9 e 10 são deduzidas, quanto ao Fundo de Garantia Automóvel, da franquia a que alude o artigo 21º, nº 3 do Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12 (€ 299,28);

13) Custas do pedido de indemnização civil do Hospital Central de Faro a cargo dos demandados e do pedido de indemnização civil da NB por demandante e demandados, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 446º, nºs 1 e 2 do C. P. C.), sem prejuízo da isenção de que beneficia o Fundo de Garantia Automóvel e do apoio judiciário que beneficia a assistente.
*
Inconformados, recorreram NB e o Fundo de Garantia Automóvel, com as seguintes conclusões:

NB
1º, A douta Sentença julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por NB e, em consequência, condenou os demandados no pagamento da quantia global de €62.684,74 a título de indemnização civil, à ora recorrente, sendo €21.717,10 a título de Dano Patrimoniais Futuros, €8.754,36 a título de Lucros Cessantes, €2.213,28 a título de danos emergentes e €30.000,00 a título de danos não patrimoniais. Mais condenou, no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia de €10.967,64 e, sobre a restante quantia (€51.717,10), desde a data da sentença até ao integral pagamento.

2º, Para tanto, considerou o Tribunal, ora recorrido que (fls. 63 da Sentença): na presente sentença se fixou uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros actualizada à data da sentença, os juros apenas são devidos desde a data da sentença e não, como peticionado, desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil.

3°, Do teor da própria sentença ora recorrida verifica-se que o Tribunal condenou os Demandados no valor do pedido formulado pela ora Recorrente - €21.717, 10 a título de dano patrimonial futuro, decorrente da IPP; €8. 754,36, a título de danos patrimoniais por lucro cessante; €30.000,00 por danos de natureza não patrimoniais (fls. 54 e 63 da Sentença) julgando, assim, parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela ora recorrente, pela única e exclusiva razão, quanto à diferença existente no valor pedido a título de danos patrimoniais por dano emergente do veículo de matricula LX­--- - €2.250,OO - e o valor pelo qual foram os demandados condenados - €2.213,28 ­quanto ao resto, foram aqueles condenados, integralmente, nos valores peticionados pela recorrente.

4°, A recorrente discorda do Tribunal, ora recorrido, ter decidido, como decidiu, quanto aos juros de mora, alegando que se fixou uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais futuros actualizada à data da sentença, quando, conforme se alegou, condenou os demandados nos valores, integralmente, peticionados pela recorrente, com a excepção supra aduzida.

5°. Na verdade, se a indemnização peticionada pela recorrente tivesse sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.? 2 do art.? 566° do CC, não seriam os demandados condenados no pagamento das quantias, integralmente, peticionadas pela demandante, mas sim, por estas quantias, devidamente, actualizadas, ou seja, num valor superior ao peticionado, ao contrário do efectivamente decidido e ora impugnado.

6°. Assim, invés do decidido, e ora impugnado, o Tribunal não operou o disposto no n.? 2 do artigo 566° do Código Civil, sem embargo de, a douta sentença, salvo o devido respeito, erradamente, arrogar ter realizado tal actualização.

7°, Em consequência, julga-se que, o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, quanto aos juros de mora devidos, violou as normas previstas no n.º 2 do art. 566°; n.º 3 do art.º 805° e; 806° n.º1, todos do Código Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação das mesmas, bem como, do Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2002 de 09/05/2002, para além de, tal decisão, consistir numa contradição insanável entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito e a conclusão nos termos do art.º 4100 n.? 2, aI. b) do Código de Processo Penal.

8°, Em conformidade, deveria o Tribunal recorrido, fazendo jus às normas supra citadas e à fundamentação de facto e de direito, ter concluído e decidido condenar os demandantes no pagamento de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil (07/12/04 e 12/12/04, respectivamente) sobre a quantia global de €62.684,74, o que se requer no presente Recurso.
*
Fundo de Garantia Automóvel
I - Nos autos supra identificados, foram o Recorrente e o arguido, solidariamente, condenados no pagamento à demandante NB do montante total de 62.684,74 euros, sendo 21.717,10 Euros a título de Dano Patrimoniais Futuros, 8.754,36 Euros a título de perdas salariais, 2.213,28 Euros a título de danos emergentes e 30.000,00 a título de danos não patrimoniais.

II - No que concerne aos danos patrimoniais futuros, tendo em conta os factos provados ns. 10 e 58, não poderia o douto Tribunal ter concluído como o fez a fls. 60 da douta sentença pela obrigação do demandado FGA de lhe pagar uma quantia, neste caso de 21.717,10 Euros a título de danos futuros.

III - Nos termos do art. 410, n.2 al a) do CPP, em sede de impugnação da matéria de facto, o Relatório Pericial de Clínica Médico-Legal subscrito pelo perito-médico Dr. Henrique Cruz, em 24 de Março de 2009 e entrado em juízo por requerimento do mandatário do FGA em 16/04/2009, pela referência "habillus" 803704, indica na conclusão 8.ª, "não é considerado dano futuro", na conclusão 10.ª "ausência de rebate profissional" e na conclusão 11.ª "ausência de prejuízo de afirmação pessoal".

IV - Embora apenas em parte, é verdade que tal realidade está vertida no facto provado 10, mas, era necessário que constasse explicitamente que não há rebate profissional e que não há prejuízo de afirmação pessoal. A inclusão destes factos, tal qual constam das conclusões do relatório pericial aludido, é essencial para a boa decisão da causa e, portanto, devem os mesmos ser integrados na matéria de facto provada porque constam de documento junto aos autos, o qual não foi objecto de impugnação.

V - Mas, ainda que assim não fosse concebido, o que só por mera hipótese se aduz, é o próprio facto 10 que diz explicitamente "e não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária a actividade laboral habitual ( ... )", pelo que nos termos do art. 410., n. 2, al. b) do C.P.P. a concessão a fls. 60 de uma indemnização a título de dano patrimonial futuro é uma contradição insanável entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito e a conclusão.

VI - Aliás, sustenta o demandado que este dano, contrariamente ao sustentado na douta sentença, sendo um dano biológico, não é um dano patrimonial, mas antes um dano não patrimonial. Onde não há rebate profissional ou dano futuro não pode haver lugar a indemnização por dano futuro, pois aí, para além das normas violadas já identificadas supra também se viola o art. 473. do Código Civil.

VII - No que respeita a lucros cessantes, os montantes pagos pela Companhia de Seguros Global correspondem, naturalmente, à quantia líquida a que a demandante tinha direito.

VIII - Não havendo a possibilidade de cumular indemnizações, quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho, como é o caso do dos autos, tem-se entendido que os lucros cessantes e o dano patrimonial futuro, quando exista, ou seja, todo o eventual prejuízo salarial é coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, sendo apenas responsabilidade do terceiro responsável pelo sinistro automóvel, a parte relativa aos danos não patrimoniais e ao reembolso à seguradora de acidentes de trabalho das quantias despendidas.

IX - Constitui, pois, enriquecimento sem causa, a condenação do FGA no pagamento de 8.754,36 euros, relativo a salários -Violação do art. 473.º do C. Civil.

X - Relativamente a danos emergentes, dando por provado no n.º 61 ao mesmo tempo que a reparação do veículo custaria 2213,28 Euros, mas que o valor venal do veículo da demandante era de 1.000,00 Euros, para além de constituir também enriquecimento sem causa da demandante, em violação do art. 473.º do C.Civil, a atribuição do valor da reparação em detrimento do valor venal do veículo também constitui violação do art. 16.º, n.º 1 aI. b) do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro que, como lei especial que é, e se aplica à perda ou deterioração dos veículos em caso de acidente de viação, afasta a aplicação da lei geral, isto é as normas do Código Civil relativas à restauração natural. Deve, pois, ser exclusivamente concedido o valor de 1.000,00 Euros.

IX - Quanto a danos não patrimoniais, relevante para os danos não patrimoniais e de acordo com o relatório pericial supra referido, temos 21 dias de internamento, quantum doloris de 6/7, IPG de 7 pontos, dano estético de 4/7.

X - De acordo com os valores da Portaria n.º 679/2009, o valor adequado para os danos não patrimoniais da demandante corresponde a 15.000,00 euros, ou seja, o dano biológico, o quantum doloris, o dano estético e os dias de internamento, únicos itens a considerar nesse universo.

XI - Na verdade, quando perito médico-legal define o grau do quantum doloris já está a integrar aí o tempo de doença, o sofrimento, todas as dores.

XII - Aliás, pese embora esteja argumentado nesse sentido na douta sentença, a verdade é que não faz sentido argumentar com a situação económica dos demandados (fls. 62 da sentença) porquanto não é a situação económica do FGA que releva para efeitos da fixação da indemnização, em respeito ao art. 494. do C. Civil. Não se olvide que o responsável é o arguido e co-demandado, sendo o FGA um mero garante que contra o arguido vai exercer o seu direito de reembolso e no que respeita à situação económica do arguido, com respeito ao art. 494. do C. Civil que resultou violado, temos que - facto 67 - "o arguido encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma no montante de 197 euros mensais, fazendo, porém, pequenos biscates na área da pintura da construção civil, mas muito raramente."

XIII - Requer-se seja rectificado quanto consta do n. 12 da decisão, porquanto, com certeza pretendia o julgador dizer que se tratava das indemnizações referidas em 10 e 11 e não em 9 e 10 como ali ficou plasmado.

Respondeu a assistente ao recurso do FGA e este ao recurso da assistente, defendendo ambos a manutenção do decidido no que à contra-parte diz respeito.

O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação teve vista dos autos.
Foram colhidos os vistos legais.
*
B - Fundamentação:
B.1. - Pelo Tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1- No dia 05 de Junho de 2002, cerca das 19 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ---BG, pela E. N. nº 125, ao Km 98,6, área da comarca de Faro, no sentido de trânsito Faro/Loulé.

2- No referido local, a via era composta por três faixas de rodagem no sentido de trânsito em que o arguido circulava (Faro/Loulé) e por duas faixas de rodagem no sentido de trânsito contrário (Loulé/Faro).

3- A terceira faixa de rodagem no sentido de marcha em que o veículo do arguido circulava, sita mais à esquerda, junto ao eixo da via, destinava-se ao trânsito que intentava mudar de direcção para a esquerda, tendo aposta no topo, no pavimento uma marca horizontal de STOP.

4- Ao atingir o Km acima mencionado – 98,6 – junto ao “Cruzamento da Sumol”, o arguido, que seguia naquela faixa da esquerda, efectuou uma manobra de mudança de direcção à esquerda, invadindo a faixa de rodagem no sentido de trânsito oposto àquele em que circulava.

5- O arguido efectuou tal manobra de forma repentina, sem que a tivesse previamente sinalizado e sem parar na marca de STOP, pintada no pavimento.

6- Naquelas exactas circunstâncias de tempo e lugar, NB, conduzia o motociclo com a matrícula LX----, pela via descrita, no sentido de trânsito Loulé/Faro, isto é, no sentido oposto àquele em que o arguido circulava, circulando pela faixa da direita, das duas que compunham o referido sentido de trânsito.

7- Dada a simultaneidade de circunstâncias, o arguido ao efectuar a referida manobra e ao atravessar-se na faixa de rodagem contrária, fez com que o motociclo de matrícula LX---, que circulava dentro da sua mão de trânsito, fosse embater com a sua dianteira na parte lateral traseira do veículo ---BG, conduzido pelo arguido.

8- Em consequência directa e necessária do embate, a condutora do motociclo, NB, beneficiária da Segurança Social Portuguesa com o número xxxx, foi projectada ao solo, ficando inconsciente, sofrendo politraumatismo com escoriações múltiplas, traumatismo craneo-encefálico, fractura da clavícula esquerda, fractura tipo Colles do punho direito, fracturas da tíbia e perónio da perna direita (fractura cominutiva) e escoriações diversas, que careceram de intervenção cirúrgica, com a utilização de anestesia geral e incluindo a colocação de material de osteosíntese, que teve lugar no Hospital Distrital de Faro, onde foi de imediato transportada e onde após a intervenção cirúrgica ficou internada.

9- As lesões referidas demandaram 1491 dias para a sua cura, (consolidação em 09/06/2006), com incapacidade temporária geral total, correspondente à fase durante a qual a mesma esteve internada ou impedida de realizar com razoável autonomia as actividades da vida diária, familiar e social, fixável em 236 dias, incapacidade temporária geral parcial, correspondente ao período em que a assistente ainda permanecia em reabilitação funcional, com desempenho profissional esporádico, marcha com uma canadiana ou com duas canadianas, podendo realizar carga sobre o membro, inferior direito, com razoável autonomia para as actividades básicas da vida diária, social e familiar, apesar de ainda manifestar algumas limitações, fixável em 1255 dias, de 01/01/2003 a 09/06/2003, com interrupção de 31 dias referente a ITAG após intervenção cirúrgica, a incapacidade profissional total, correspondente ao período durante o qual a assistente esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional, de 06/06/2002 a 20/08/2003, de 10/09/2003 a 29/03/2004, de 04/10/2005 a 14/11/2005 e de 21/02/2006 a 03/04/2006 e incapacidade temporária profissional parcial, correspondente ao período durante o qual foi possível à assistente desenvolver, ainda que com limitações, a sua actividade profissional, entre 20/03/2004 a 03/10/2005, de 15/11/2005 a 20/02/2006 e de 04/04/2006, a 09/06/2006.

10- Resultaram ainda como sequelas permanentes das lesões: dor da perna, ligeira limitação da flexão dorsal do tornozelo direito, pequena amiotrofia da coxa de 1 cm/atrofia muscular do quadricípete de 1 cm à direita, consolidação hipértrofica da clavícula esquerda perceptível a 50 cm, limitação da mobilidade da dorsiflexão do tornozelo, ligeira, 10º comparando com o tornozelo esquerdo e cicatriz cirúrgica do joelho direito e da perna direita com 5 cm, perturbação de stress pós traumático com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional, fixável em 7 pontos numa escala de previsão de pontos de 2 e de 4 a 10, sendo ainda o quantum doloris fixável em 6 numa escala de 7 e o dano estético em 4 numa escala de 7 e não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária e actividade laboral habitual, mas implicando dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de lazer a que estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico.

11- Na sequência do embate, o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo apresentado uma taxa de álcool no sangue de 3,03 g/l, em virtude de antes do exercício da condução ter ingerido bebidas alcoólicas, pelo menos vinho tinto.

12- O embate ocorreu numa recta com boa visibilidade e o estado do tempo era bom.

13- O arguido não chegou, como podia e devia, a prever que podia fazer perigar a integridade física de outrem, uma vez que não chegou a aperceber-se que na faixa contrária circulava o motociclo, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

14- O embate e as lesões sofridas pela assistente só ocorreram porque o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue, que não lhe permitia conduzir em condições de não colocar em perigo a segurança dos restantes utentes da via e devido à falta de cuidado do arguido, que efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda, sem parar à marca de STOP e sem previamente a sinalizar e se certificar que a iniciava e concretizava em segurança, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

15- Não previu o arguido que esse resultado poderia derivar da sua conduta, violando dessa forma um dever de cuidado que se lhe impunha e de que era capaz.

16- O arguido conduzia de forma livre e voluntária, sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e que conduzia com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l, o que quis, sabendo que a sua conduta lhe estava vedada por lei penal.

Do pedido de indemnização civil da NB

17- A assistente permaneceu internada no Hospital Distrital de Faro desde 05/06/2002 até 25/06/2002.

18- Durante esse período de tempo, 20 dias, esteve sempre acamada e imobilizada, situação que se manteve durante duas semanas após a alta hospitalar.

19- Ao fim de 533 dias a assistente ainda não tinha tido alta médica.

20- Tendo sofrido durante esse período de grandes dores.

21- A assistente foi sujeita a intervenção cirúrgica, em 24/06/2003, para dinamização da cavilha que lhe havia sido colocada na perna direita aquando da primeira cirurgia.

22- Durante todo esse período de tempo, a assistente foi assistida pelos serviços médicos da seguradora do trabalho por conta de outrem, Global Companhia de Seguros S. A., com a apólice nº ----.

23- Essa assistência consistiu em consultas médicas de ortopedia, fisioterapia, psicologia e intervenção cirúrgica acima referida.

24- Os tratamentos de fisioterapia, ainda realizados na data da dedução do pedido de indemnização (03/12/2003), com periodicidade semanal, revelam-se extremamente dolorosos.
25- Só em 10/08/2002 é que se verificou que a assistente podia exercer carga sobre o membro inferior direito, passando a deslocar-se com auxílio de bengalas tipo canadianas.

26- Até essa data, durante 30 dias, deslocava-se em cadeira de rodas.

27- O défice funcional daquele membro não lhe permitia até àquela data deslocar-se sozinha ou fazer quaisquer tarefas pessoais sem depender do auxílio de outra pessoa.

28- Este facto causou-lhe grande embaraço e sofrimento.

29- Em 20/02/2003, a assistente ainda não apresentava calo ósseo, o qual já apresentava em 15/05/2003, embora com atraso na consolidação.

30- Em 10/07/2003, sujeita a Perícia Médico-Legal, para avaliação do dano corporal em Direito Penal, a assistente queixava-se de dores e falta de força com défice funcional do membro inferior direito.

31- Na referida data apresentava material de osteosíntese do M. I. D. e consolidação deficiente das fracturas da tibial, por esquirolosas.

32- Além das referidas supra, foi a assistente sujeita a mais três operações cirúrgicas, sempre com anestesia geral, em 20.01.2004, em 04.10.2005 e, em 21.02.2006.

33- Sendo que, na intervenção de 20.01.2004, por pseudoartrose da tíbia: rencavilhamento estático osteotomia do peroneo; na de 04.10.2005, por EMOS e; na de 21.02.2006 para limpeza de tendão rotuliano tendo-lhe sido diagnosticado ruptura parcial do tendão.

34- Sujeitando-se, desta forma, a novos internamentos hospitalares, anestesias, fortes dores, privada da sua locomoção e liberdade e acamada.

35- No total a assistente foi sujeita a cinco intervenções cirúrgicas.

36- A assistente nasceu em 28/02/1980, pelo que à data do embate, tinha 22 anos de idade.

37- Antes do embate era uma jovem cheia de força, vigor, alegria de viver e constante boa disposição.

38- Gozava de boa saúde e sem qualquer defeito físico.

39- Adorava praticar desporto, nomeadamente body board e equitação, tendo o seu avô uma égua que utilizava.

40- Actualmente não pode correr nem saltar sem que sinta dor no membro inferior direito.

41- Não consegue estar muito tempo sentada sem que sinta dor.

42- Ou de pé, devido às dores que sente no membro inferior direito.

43- O que a deixa profundamente desgostoso e complexada.

44- Complexos agravados pelas cicatrizes extensos e bem visíveis no membro inferior direito.

45- Como consequência destas, a assistente mudou alguns dos seus hábitos de vida.

46- Assim, deixou de frequentar a praia, local onde adorava permanecer e praticar desporto.

47- Alterou o seu estilo de vestuário, deixando de usar saias, ao contrário do que fazia no passado.

48- A sua feminilidade e amor-próprio encontram-se diminuídos.

49- Caso pretenda eliminar as cicatrizes, no futuro terá que ser sujeita a uma ou mais cirurgias plásticos às cicatrizes.

50- Careceu de acompanhamento psicológico, sendo o seu quadro clínico composto por síndrome pós traumático encefálico, traduzido por instabilidade, ataques de pânico, ansiedade difusa com claustrofobia, tristeza aparente, dificuldade de concentração, alterações marcadas mnésicas, sintomatologia compatível com o diagnostico nosológico de perturbação pós-traumático de stress (com flash-back e sonhos relacionados com o acidente).

51- Na data referida em 1, a assistente despenhava funções administrativas na categoria de 3º escriturário para o empresário PM, contribuinte n.º xxxxx, com sede nas……, Loulé.

52- Recebia a remuneração mensal líquida de 553.72€ (quinhentos e cinquenta e três euros e setenta e dois euros).

53- Devido às lesões decorrentes do embate e, ao longo período de Incapacidade Temporária Profissional Global e de Incapacidade Temporária Profissional Parcial supra referidos o seu vencimento mensal foi garantido parcialmente, a título de indemnização, pela GLOBAL, Companhia de Seguros S.A., em virtude da apólice nº ---- para acidentes de trabalho por conta de outrem.

54- A título dessas indemnizações salariais, a assistente recebeu da companhia de seguros quantia de € 13.400,98 (treze mil quatrocentos e noventa e oito cêntimos), sendo até à data da dedução do pedido de indemnização civil (03/12/2003), a quantia de 7.994,40€ (sete mil novecentos e noventa e quatro euros e quarenta cêntimos).

55- E durante o mencionado período auferiu a assistente da sua entidade patronal a quantia salarial de € 9.955,94 (nove mil novecentos e cinquenta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), assim discriminadas: ano de 2002 - de 06/06/2002 a 31/12/2002: € 0,00 (não auferiu qualquer rendimento salarial); ano de 2003: €0,00(não auferiu qualquer rendimento salarial); ano de 2004: €4.484,95 (quatro mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos); ano de 2005: € 4.031,06 (quatro mil e trinta e um euros e seis cêntimos; ano de 2006 - de 01/01/2006 até 09/06/2006: €1.439,93 (mil quatrocentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).

56- Porém, desde a data do embate até à data da alta médica, a assistente deveria ter recebido a quantia de € 32.111.28 (trinta e dois mil e cento e onze euros e vinte e oito cêntimos), como remuneração salarial por: meses de Junho a Dezembro de 2002 (€3.876.04); Subsídio de Natal de 2002 (€498.80); Subsídio de Férias de 2002 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2003 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2003 (€498.80); Subsídio de Férias de 2003 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2004 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2004 (€498.80); Subsídio de Férias de 2004 (€498.80); meses de Janeiro a Dezembro de 2005 (€6.644.64); Subsídio de Natal de 2005 (€498.80); Subsídio de Férias de 2005 (€498.80); meses de Janeiro a Junho de 2006 (€3.322,32); Subsídio de Natal de 2006 (€498.80); Subsídio de Férias de 2006 (€498.80);

57- O valor total dos montantes salariais que a assistente deixou de receber é, assim, de € 8.754,36 (oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

58- A assistente recebeu a título de indemnização por acidente laboral devido à IPP, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Faro, sob o n.º 727/04.8TTFAR, pelo menos a pensão remida no valor de €4.652,97 (quatro mil seiscentos e cinquenta e dois euros e noventa e sete cêntimos).

59- Na data referida em 1 a assistente tinha como seu único veículo de transporte de casa para o trabalho e vice-versa o motociclo com matrícula LX---.

60- Carece a assistente que o mesmo seja reparado.

61- Para a reparação daquele veículo é necessária a quantia de pelo menos 2.213,28 € (dois mil duzentos e cinquenta euros), sendo o seu valor venal de € 1000.

62- A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ----BG, na data referida em 1, não se encontrava transferida para qualquer companhia de seguros através de contrato de seguro válido ou eficaz.

Do pedido de indemnização civil do Hospital Distrital (actualmente Central) de Faro

63- O demandante Hospital Distrital de Faro é uma pessoa colectiva de Direito Público dotada de Autonomia Administrativa e Financeira.

64- Que presta cuidados de saúde à população em geral.
65- No âmbito da sua actividade assistencial o demandante prestou ao sinistrado, NB, os cuidados de saúde constantes das facturas n°s 22006554, 22007966 e 22012389, no valor total de € 3.064,34.

66- Nessas facturas estão descritos os seguintes tratamentos prestados à sinistrada: uma incidência ao tórax, duas incidências à coluna cervical, duas incidências à coluna dorsal, duas incidências à coluna lombo-sagrada, bacia, uma incidência ao ombro, duas incidências ao braço, duas incidências ao ante-braço, duas incidências ao joelho, duas incidências ao pé, episódio de urgência, realização de análises clínicas e procedimento ao membro inferior, úmero, anca, pé e fémur.

Da discussão da causa

67- O arguido encontra-se reformado, auferindo uma pensão de reforma, no montante de € 197 mensais, fazendo, porém, pequenos biscates na área da pintura da construção civil, mas muito raramente.

68- Não tem residência própria, pernoitando em casa de amigos.

69- Tem dois filhos, com 33 e 47 anos de idade.

70- Tem o 4º ano de escolaridade.

71- Não tem exercido a condução de veículo automóvel.

72- Consome habitualmente bebidas alcoólicas em excesso, tendo já sido submetido a tratamento do alcoolismo no ano de 2002, mas em data anterior à referida em 1, que o arguido não completou.

73- Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

74- O mesmo não tem averbada no seu registo individual de condutor a prática de qualquer contra-ordenação.

75- Actualmente a assistente não exerce actividade profissional remunerada com carácter regular, limitando-se a auxiliar os seus progenitores na exploração de estabelecimento de restauração, o que faz com carácter esporádico, nas alturas de maior afluência de clientela e em horário reduzido.

E como não provados os seguintes:
1- O arguido previu que da sua conduta pudesse resultar perigo para a integridade física de outrem, perigo com que se conformou.

Do pedido de indemnização civil deduzido por NB
1- Só em 12/12/2002 é que se verificou que a assistente podia exercer carga sobre o membro inferior direito, passando a deslocar-se com auxílio de bengalas tipo canadianas.
2- A assistente desloca-se ainda com claudicação da marcha.
3- A assistente apresenta edema crónico com imagem radiológia o favor de um Síndrome volkmann.
4- A assistente havia adquirido uma égua.
5- Actualmente, devido às sequelas das lesões sofridas de que é portadora, está impossibilitado de praticar qualquer tipo de actividade física ou desportiva.
6- A assistente carece da reparação do veículo para que a sua actividade profissional não venha a ser afectada.
7- Para a reparação daquele veículo é necessária a quantia de 2.250 € (dois mil duzentos e cinquenta euros).

Não se provaram os seguintes factos constantes do pedido de indemnização civil do demandante Hospital Distrital de Faro:
1- Que o valor dos tratamentos prestados pelo Hospital Distrital de Faro á assistente N. ascenderam a € 2.994.33, tendo-se provado que ascendeu ao valor referido em 65 dos factos provados.

Não se provaram os seguintes factos constantes da contestação do arguido:
1- A assistente N circulava no dia, hora e local da EN 125, desatenta, conduzindo sem perícia e com excesso de velocidade para o local, na sua moto de elevada cilindrada, matricula LX---.

2- Local onde, somente poderia circular a velocidade de 70 km/ hora E
3- O acidente deu-se porque a assistente N. circulava desatenta e com excesso de velocidade indo embater na parte traseira da viatura do arguido carrinha de caixa aberta, matrícula ---BG, quando esta já se encontrava em face de inversão de marcha e no interior da pequena rotunda que há data existia no local.

4- Isto após ter parado no local no STOP aí existente, e em virtude da não existência de tráfego ter entrado para 3 rotunda de inversão de marcha.

E fundamentou a sua apreciação da prova nos seguintes considerandos:

“O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.

Concretamente, revelaram-se fundamentais para criar a convicção do Tribunal, os seguintes meios de prova:
Os factos descritos em 1, 2, 3 e 4 e 11 dos factos provados resultaram da confissão do arguido.

Quanto aos demais factos descritos na acusação, o arguido referiu não recordar os mesmos.

Assim, quanto aos factos descritos em 5, 6, 7, 8 primeira parte e 12, resultaram do depoimento da assistente NB, que os confirmou, bem como da participação de acidente de viação de fls. 34 a 40.

Particularmente no que concerne aos factos descritos em 5, pese embora a assistente não os tenha reconhecido de forma expressa, referindo não se ter apercebido se o arguido parou no Stop, atendendo aos demais factos descritos pela mesma, de que presenciou o arguido a circular devagar na faixa de mudança de direcção, tendo o mesmo entrado na sua faixa de rodagem quando já se encontrava próxima da faixa de mudança de direcção, sem que o tenha visto parar, terá de se concluir, atendendo a esta dinâmica, que o arguido não parou no Stop, facto que o arguido também não impugna. De resto, a invasão da faixa de rodagem da assistente, em momento em que a mesma já circulava próxima do local de intercepção com a faixa de rodagem para mudança de direcção em que circulava o arguido, apenas tem explicação não tendo o arguido imobilizado o seu veículo no Stop. Caso o arguido tivesse imobilizado a viatura no Stop, não avançaria por certo, após tal imobilização, no momento em que um veículo transitava na faixa de rodagem para onde pretendia entrar. Tal apenas se explica, de acordo com as regras da experiência comum, não tendo o arguido imobilizado o veículo no Stop, prosseguindo sempre a marcha, sem atentar aos veículos que circulavam na faixa em que pretendia passar a circular, sendo certo, repita-se, que a assistente viu sempre o veículo em andamento.

Por outro lado, pese embora o arguido tenha tentado atribuir a verificação do embate à condução desatenta da assistente e em excesso de velocidade, nenhuma prova foi produzida de onde se possa concluir pela verificação desse excesso.

Com efeito, não ficou demonstrada a existência de qualquer sinal limitativo da velocidade, já que nenhuma testemunha confirmou a sua existência, não tendo também as Estradas de Portugal, S. A., na informação junta aos autos em sede de audiência de discussão e julgamento confirmado tal existência. Por outro lado, a assistente refere que circulava a cerca de 70 km/h e que se apercebeu da aproximação da viatura conduzida pelo arguido à faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que ela seguia, confiando, no entanto, que o mesmo não iria entrar nessa faixa de rodagem, por aí estar a circular a assistente, não tendo, assim, reduzido a velocidade, tendo o arguido entrado na faixa de rodagem quando a mesma já se encontrava próxima da intercepção ao mesmo, não lhe tendo, assim, sido possível evitar o embate, não obstante ter accionado o sistema de travagem.

Face a estas declarações, que não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova, não se pode concluir que a assistente conduzia em excesso de velocidade e desatenta.

A prova dos factos descritos em 8, segunda parte, 9 e 10 dos factos provados, bem como dos factos descritos em 17 a 21, 25 a 35, 49, 50 resultou do teor da cópia do cartão de beneficiário da assistente que consta de fls. 71, dos boletins clínicos de fls. 28 a 32, 150 a 155, autos de exame directo e de sanidade que constam de fls. 44, 64, 76, relatórios periciais de fls. 85 a 87, 100 a 102, 351 a 356 e 625 a 631, elementos clínicos e referentes à situação de sinistro de fls. 103, 156 a 159, 250 a 252, 364 a 385, 525 a 545 e informação de fls. 569.

De referir, quanto à prova de que entre as sequelas resultantes da lesão se conta dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de laser a que a assistente estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico, o decidido funda-se na conjugação dos relatórios periciais de fls. 100 a 102, 351 a 356 e 625 a 631, com as declarações prestadas pela assistente. Com efeito, aquele último relatório considerou ausência de rebate profissional e de prejuízo de afirmação pessoal anteriormente considerados, apenas considerando a profissão habitual da assistente e não ser conhecida à mesma actividade de relevo, em virtude de o desporto praticado pela mesma não o ser em termos federados. Porém, atendendo a que a assistente desempenhava actividade desportiva com habitualidade, embora não em termos federados, tal não deve deixar de ser considerado nos factos provados, face à alteração no modo de vida da assistente que o deixar de desempenhar certas actividades desportivas implicou e implica.

Quanto as factos descritos em 13 a 16 dos factos provados, o decidido resulta dos demais factos provados referentes à dinâmica do acidente, nomeadamente ao facto de o arguido não ter imobilizado o seu veículo no sinal Stop, exercer a condução sob a ingestão de bebidas alcoólicas, com as regras da experiência comum. Com efeito, pese embora o arguido refira não recordar o embate e os momentos imediatamente anteriores ao mesmo, refere que se aproximou da faixa de mudança de direcção e que não se apercebeu da presença de veículos a circular na faixa de rodagem onde circulava a assistente, o que se considera credível, atendendo à muito elevada taxa de álcool com que conduzia o arguido. Com efeito, sendo conhecidos os efeitos provocados pela ingestão de bebidas alcoólicas na diminuição dos reflexos e percepção da realidade, conduzindo o arguido com uma taxa de álcool no sangue elevadíssima (3,03 g/l), é credível e compatível com as regras da experiência que o mesmo não se tivesse chegado a aperceber da presença da assistente na via onde entrou.

Dessa forma, no entanto, o arguido violou um dever de cuidado que se lhe impunha de prestar mais atenção, o que teria por certo sucedido caso tivesse imobilizado o veículo no Stop.

A prova dos factos descritos em 22, 23 53, 54 e 56 a 58 dos factos provados resultou do teor do recibo de vencimento de fls. 161, recibos de indemnização de fls. 162 a 179, documentos de fls. 250 a 252, 375 a 385, 525 a 538, da informação de fls. 569, da certidão de fls. 583 a 586, carta de fls. 589, cópia do termo de entrega do capital de remição de fls. 590 e da sentença de fls. 591 a 594.

A prova dos factos descritos em 55 dos factos provados resultou do teor dos documentos de fls. 701 a 714 e 729 a 732.

A prova dos factos descritos em 61 dos factos provados resulta do teor dos documentos de fls. 635 a 637, cujo teor não foi impugnado e contrariado.

A prova dos factos descritos em 62 dos factos provados resulta do teor participação de acidente de viação de fls. 34 a 40, não tendo sido contrariado por qualquer outro meio de prova.

Os factos descritos em 63 e 64 dos factos provados são do conhecimento geral.

A prova dos factos descritos em 65 e 66 dos factos provados e 1 dos não provados do pedido de indemnização civil do HDF, resultaram do teor das facturas de fls. 118 a 121, em conjugação com as declarações prestadas pela assistente NB.

A prova dos factos descritos em 67 a 72 dos factos provados (situação pessoal do arguido), resultou das declarações prestadas pelo arguido acerca dos mesmos, bem como do depoimento das testemunhas AM, DC, EG e e JT, todos amigos do arguido, que depuseram quanto ás condições de vida do mesmo, tendo confirmado ter o mesmo abandonado o exercício da condução de veículos motorizados após o embate.

A prova dos factos descritos em 73 dos factos provados resultou das declarações prestadas pelo arguido e depoimento da testemunha AR, médico, que tem conhecimento de tais factos em virtude de o arguido ter sido seu paciente.

A prova do facto descrito em 74 dos factos provados, resultou do teor do certificado do registo criminal do arguido que consta de fls. 737 e dos factos descritos em 75 do teor do registo individual de condutor do arguido, que consta de fls. 777.

A prova dos factos descritos em 76 dos factos provados resultou das declarações prestadas pela assistente e depoimentos da sua mãe e irmã, MB e DB.

No mais, quanto aos demais factos do pedido de indemnização civil da assistente NB ainda não referidos, o decidido funda-se no seguinte:

A assistente NB prestou declarações, relatando no essencial os factos descritos em 18, 22, 23, 24, 26 a 28, 34, 35, 36 a 50, primeira parte, 51, 53 59 e 60.
JP, amigo da assistente N. há cerca de 8 anos, confirmou os factos descritos em 18, 20, 26, 27, 34, por deles ter conhecimento em virtude de ter visitado frequentemente a N. durante o período de internamento hospitalar, tendo mantido também contacto com a mesma após a alta.

Também confirmou os factos descritos em 37 a 48 e 59, por deles ter conhecimento em virtude da relação de amizade que mantinha com a assistente N. antes da ocorrência do embate e manteve após, tendo relatado a mudança no quotidiano e maneira de ser e estar da mesma na sequência do embate de que foi vítima.

CF, relatou os factos descritos em 18, 20, 26 a 28, 34, 35, 37 a 48, 51 e 59, por deles ter conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente há cerca de 15 anos e de ter vivido juntamente com a mesma, situação que se verificava na época do embate, tendo descrito, tal como a anterior testemunha, as alterações no quotidiano e maneira de ser e de estar da demandante na sequência do embate de que foi vítima.

DB, relatou os factos que se deram como provados sob os nºs 37 a 48, de que tem conhecimento, em virtude da relação de proximidade que mantém com a assistente, sua irmã.

TP, descreveu os factos descritos em 37 a 48 e 51 dos factos provados, de que tem conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente N. há cerca de 15 anos, bem como de terem sido colegas de trabalho antes do embate que a vitimou.

A testemunha PM, relatou os factos descritos em 37 a 43, 46, 51, 52 e 59 dos factos provados, de que tem conhecimento em virtude de ser, na data da ocorrência dos factos, patrão da assistente, sendo certo que já a conhecia desde data anterior ao início da relação laboral, por frequentar a praia onde os progenitores da assistente exploram um estabelecimento de restaurante e onde a mesma se encontrava habitualmente. Quanto aos descritos em 51 e 52, este depoimento articulou-se com o teor do contrato de trabalho por termo indeterminado de fls. 160 e recibo de remuneração de fls. 161.

MB, descreveu os factos assentes sob os nºs 24, 37 a 48, 50, primeira parte e 51, primeira parte, de que tem conhecimento devido à relação de proximidade com a assistente, sua filha.

DA, relatou os factos que se deram como provados sob os nºs 37 a 48, de que tem conhecimento em virtude da relação de amizade que mantém com a assistente N., desde há 20 anos.

LJ, militar da GNR que acorreu ao local descrito na acusação na sequência do embate, confirmou os dados constantes da participação de acidente de viação que consta de fls. 34 a 36, da autoria do seu colega JS, entretanto falecido.

Esclareceu que, não obstante não recordar a existência de rastos de travagem no local, caso os mesmos existissem teriam sido assinalados na participação de acidente de viação, uma vez que todos os vestígios relacionados com o embate foram recolhidos na ocasião. Igualmente quanto à eventual existência no local de sinais limitadores da velocidade, atento o sentido de marcha da assistente (Loulé/Faro), a testemunha refere não recordar a sua existência, mas de novo referindo que, caso existissem, estariam mencionados no croquis, onde sempre colocam todos os sinais de trânsito existentes nos locais em que ocorreram acidentes. Já quanto à existência de um Stop no pavimento para quem pretendia mudar de direcção, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido (Faro/Loulé), a testemunha recorda a sua existência. Finalmente, esclareceu que o local provável do embate apontado no croquis, foi indicado com base nos vestígios existentes no local (tais como vidros partidos).

Quanto à taxa de álcool apresentada pelo arguido (factos provados sob o nº 11 dos factos provados, além da confissão do arguido), o decidido funda-se no seguinte: o talão emitido pelo aparelho DRAGER 7110 MKIII P que consta de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

Tem sido muitíssimo discutida recentemente na jurisprudência a questão da forma de valoração dos talões emitidos pelos aparelhos quantitativos de medição de álcool através do ar expirado, existindo, como em muitas questões de interpretação, duas posições dominantes e divergentes sobre essa matéria, propugnando nós actualmente (e contrariamente a posição já anteriormente por nós sustentada) que não deve, em princípio, ser efectuado qualquer desconto à taxa indicada pelo aparelho alcoolímetro.

Com efeito, dispõe o art 153º, nº 1 do Cód. da Estrada que o exame de pesquisa de álcool ao ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

Como se constata da previsão legal do preceito, o teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado é considerado um exame, que pode ser efectuado através de aparelho analisador qualitativo e quantitativo (aparelhos de despiste e alcoolímetros evidenciais, respectivamente), sendo que apenas este último permite quantificar a taxa de álcool no sangue, podendo ainda ser efectuado através de análise ao sangue, sempre que não se revelar possível a realização de exame através de analisador quantitativo.

A matéria de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue está regulamentada actualmente em diploma regulamentar do Código da Estrada (cfr. alínea a) do nº 1 do art 158º do C. E. e art. 4º, nº 2, al. d) do DL 44/2005, de 23/02).

O referido diploma regulamentar foi aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05 e entrou em vigor em 16/08/2007, tendo revogado o Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10, que regulamentava os procedimentos para a fiscalização da condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas (v. art 1º, nºs 1 e 2 do referido Regulamento).

Segundo os nºs 1 e 2 do art 14º do Regulamento, por seu lado, nos testes quantitativos de álcool ao ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, devendo tal aprovação ser precedida de homologação do modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Quanto aos requisitos dos analisadores quantitativos, estão os mesmos definidos na Portaria 902-B/2007, de 13/08.

Por seu lado, o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal obedece ao regime constante do DL nº 291/90, de 20 de Setembro, às disposições regulamentares gerais constantes do Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria nº 962/90, publicado no DR, I série, de 09 de Outubro de 1990 e ainda às disposições constantes das portarias específicas de cada instrumento de medição. Isto mesmo resulta do preâmbulo da Portaria nº 1556/2007, de 19/12, que aprovou o regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que entrou em vigor em 11/12/2007.

Igualmente resulta do disposto no artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 244/2005, de 23 de Fevereiro (diploma preambular do Código da Estrada revisto), que os alcoolímetros estão sujeitos a aprovação da Direcção-Geral de Viação (a Direcção Geral de Viação foi extinta pelo art 16º, nº 2, al. e) da Lei Orgânica do MAI, nos seus domínios das políticas de prevenção e segurança rodoviária das contra-ordenações de trânsito, tendo-lhe sucedido em parte das suas atribuições a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, cuja Lei Orgânica foi aprovada pelo DL 77/2007, de 29/03), devendo para o efeito ser previamente submetidos a controlo metrológico no Instituto Português da Qualidade, para verificação da sua qualidade metrológica, o que se verifica relativamente ao aparelho em que foi efectuado o teste cujo talão consta de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

A partir da entrada em vigor do Novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, passou a ser exigível que os registos de medição contenham a data da última verificação metrológica (art 9º, nº 2). Salvaguarda-se, contudo, a utilização de alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo de legislação anterior, enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica (art 10º).

Tais erros máximos admissíveis são os que se encontram plasmados nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal, por remissão para a norma NFX20701, conforme quadro que se segue:
Taxa de Álcool no Sangue (TAS) Erro Máximo Admissível
<0,92 g/l ± 0,07 >0,92 < 2,30 g/l ± 7,5% >2,30 < 4,60 g/l ± 15% >4,60 < 9,90 g/l ± 30%

Porém, a definição pelo Regulamento acima referido de determinados erros máximos admissível, quer para a aprovação de modelo de primeira verificação, quer para a verificação periódica, não significa que os valores da TAS indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados estejam errados.

A este propósito, escrevem M. Céu Ferreira e António Cruz, em comunicação apresentada no 2º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, com o título “Controlo Metrológico de Alcoolímetros do Instituto Português da Qualidade (disponível no sítio www.spmet.pt): ”A definição, através da Portaria nº 748/94, de determinados erros máximos admissíveis, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizados nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis apara os fins legais. Os EMA (Erros Máximos Admissíveis) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais ou para menos, não representam valores reais de erro, numa medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.

De acordo com os resultados laboratoriais obtidos durante as operações de controlo metrológico, demonstra-se que os EMA não são uma margem de erro, nem devem ser interpretados como tal. O valor da indicação do instrumento é, em cada situação, o mais correcto”.

Daqui resulta que os EMA são, assim, erros que, aquando do controlo metrológico não podem ser ultrapassados pelo aparelho que está a ser sujeito a tal controlo. Ou seja, são os erros admissíveis que o aparelho pode apresentar no momento do controlo e que variam, também, em função da etapa – aprovação do modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária. Os alcoolímetros obedecerão às qualidades e características e satisfarão os ensaios estabelecidos na norma NF X 20-701. V.

Qualquer alcoolímetro que respeite os factores de correcção nos momentos de Aprovação do Modelo, de Primeira Verificação e de Verificação Periódica, torna-se a partir de então um instrumento viável e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA, sendo certo que a Portaria nº 1556/2007, de 10/12 se limitou, no que releva, a recepcionar os novos requisitos advenientes do acatamento da Recomendação OIML R 126.

Acresce ainda que o art. 170º do Cód. da Estrada estabelece, no seu nº 3 que o auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé em juízo sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário. Por seu lado, o seu nº 4 estabelece que o disposto no nº anterior se aplica aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.

O quadro regulamentar existente, de acordo com os princípios gerais do controlo metrológico, visa proporcionar a garantia do Estado de os aparelhos funcionarem adequadamente para os fins respectivos e as respectivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos.

A sua comprovação, para todos os efeitos legais, faz-se pela aposição dos símbolos de controlo metrológico, nomeadamente pelo da Aprovação de Modelo e o da verificação anual válida, em cada aparelho submetido ao controlo metrológico, garantindo a sua inviolabilidade.

“Dado que estamos perante máquinas, existe sempre a possibilidade de erro no resultado (...). Máquinas que têm que ser rigorosa e periodicamente aferidas e, por entidades idóneas, oficiais, por forma, a que se não obtenham resultados adulterados. No caso concreto, estamos perante um aparelho de elevado nível tecnológico – com características funcionais que permitem efectuar a medição de teor de álcool no sangue, pelo método do ar expirado – sujeito previamente a exames pelo Instituto Português da Qualidade (momento que é o adequado a configurar as margens de erro possíveis) quer aquando da sua aprovação, quer de controlo periódico, determinantes para a sua entrada e manutenção, em funcionamento. Assim, observados que sejam os procedimentos correctos na sua recolha, o resultado tem carácter objectivo, sendo de presumir a sua exactidão, sem que se coloque, em causa, naturalmente, desde que de forma fundada e razoável, a possibilidade de o examinando poder questionar a utilização correcta do instrumento bem como a sua fiabilidade técnica” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/09/2008, in www.dgsi.pt).

Caso tal situação se não verifique, não subsistirá qualquer dúvida razoável que imponha não se dê como assente o valor registado no talão do aparelho alcoolímetro.

“Donde, os valores a ter em conta para efeito de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue serão os que o alcoolímetro detectar e a que corresponde o valor indicado no talão por ele emitido” (Ac. do Trib. da Relação do Porto supra referido e, neste sentido, entre inúmeros outros, Ac. do Tribunal da mesma Relação de 24/09/2008, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 26/07/2003, 03/10/2007, 09/10/2007, 18/10/2007, 23/10/2007, 29/10/2007, 19/02/2008,21/02/2008, Acórdão da Relação de Coimbra, de 09/04/2008, Acs. da Relação de Évora de 29/04/2008, de 23/06/2008 e de 22/04/2008, e Ac. do STJ, de 11/01/2007, todos in www.dgsi.pt).

Assim sendo, face a tudo o supra exposto, terá de se concluir que a taxa de álcool no sangue com que conduzia o arguido era a que consta do talão de fls. 3 do apenso de inquérito nº 199/02.1GTABF.

Quanto aos demais factos não provados, o decidido funda-se na circunstância de, quanto a tais factos não ter sido produzida qualquer prova, a produzida ter sido insuficiente ou ter sido feita a prova do contrário.

Assim, quanto aos factos constantes da acusação, bem como da contestação do arguido que se deram como não provados, o decidido resulta já da fundamentação da matéria de facto provada.

Quanto aos factos não provados do pedido de indemnização civil do Hospital de Faro, o decidido resulta de a soma do valor constante das facturas de fls. 118 a 121 ser o constante dos factos provados e não constante dos factos não provados.

Quanto aos factos não provados do pedido de indemnização civil da assistente N., o decidido funda-se na circunstância, quanto aos descritos em 1, 3 e 7 dos factos não provados, o decido funda-se na circunstância de não ter sido feita qualquer prova quanto aos mesmos; quanto aos descritos em 2, 4, 5 e 6, o decidido funda-se na circunstância de ter resultado o contrário das próprias declarações da assistente, em conjugação com o relatório pericial de fls. 625 a 631”.
*
Cumpre decidir.

B.2 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente, a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/1 0/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

Não está o tribunal de recurso impedido, no entanto, de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

Mas é certo que se não descortina na sentença recorrida a existência de qualquer desses vícios.

Face às conclusões de recurso resta analisar a decisão do tribunal recorrido quanto aos seguintes pontos:
a) – Do lapso constante do nº 12 da decisão;
b) - Do erro notório na apreciação da prova e do dano patrimonial futuro quanto ao facto provado sob 10);
c) – Do lucro cessante;
d) - Dos danos emergentes;
e) – O montante de danos não patrimoniais;
f) - O momento de contagem de juros moratórios;

B.3 – Quanto ao lapso constante da decisão recorrida no nº 12, já o mesmo foi objecto de correcção pelo despacho de fls. 917-918.
Acrescenta-se que se procedeu à eliminação de um facto provado, o 72º, porquanto idêntico ao que constava do facto 74º e que ora constam do facto provado sob 73).
*
B.4 – O primeiro motivo de inconformidade do recorrente diz respeito ao erro notório na apreciação da prova e do dano patrimonial futuro, quanto ao facto provado sob 10).

Afirma o recorrente FGA que deveriam ter sido incluídos no facto provado sob 10º as conclusões 10ª e 11º do relatório do perito médico, designadamente, as expressões “não há rebate profissional” e “não há prejuízo de afirmação pessoal”, com fundamento de que tais expressões constam dum documento e não foram objecto de impugnação.

Ambos os argumentos são inatendíveis, pois que não estamos em sede de apreciação da prova segundo os modelos espartilhados, superficiais e anacrónicos do processo civil, sim no âmbito de apreciação da prova segundo o modelo de racionalidade da livre apreciação da prova em processo penal.

Assim, é irrelevante saber se o documento foi ou não impugnado, necessário é saber se os factos são relevantes para o objecto do processo e se dele constam, no caso de resposta afirmativa. E se o tribunal deu esses factos como provados após uma global apreciação dos meios de prova sopesados.
E não há dúvida de que constam como, aliás, o recorrente reconhece, até de forma mais completa, como se constata pela leitura do facto provado sob 10): “não tendo resultado sequelas definitivas para o desempenho das actividades da vida diária e actividade laboral habitual, mas implicando dificuldade em alguns casos e impossibilidade em outros de manter actividade de lazer a que estava habituada, devido a dor, bem como podendo exigir esforço acrescido para realização de tarefas que impliquem esforço físico”.

Ainda nesta sede insurge-se o recorrente contra a invocada contradição entre o provado em 10), que se acaba de referir, com a atribuição de um dano patrimonial futuro, dano esse que se deveria qualificar como não patrimonial.

Entendemos que o recorrente não tem razão, pois que a dor e o esforço acrescido para a realização de tarefas que incluem esforço físico, incluem toda a vida da lesada que implique esforço físico e, nesse campo, até a simples vida doméstica é afectada, para além de que, as tarefas profissionais também serão afectadas em maior ou menor medida.

E, não há dúvida, os danos sofridos pela lesada devem caracterizar-se como dano biológico que é e sempre será sentido no futuro, com reflexos quer na vida profissional quer na sua vida não profissional, no seu dia-a-dia.

Que tal dano biológico, enquanto dano futuro, deve ser qualificado como dano patrimonial não restam dúvidas, pois que assim são caracterizados pelo Código Civil e pela abundante jurisprudência.

E, secundando o afirmado pelo tribunal recorrido, as portarias indicadas pelo recorrente não revogaram, como não poderia deixar de ser, o dito diploma civil.

Que o recorrente defenda, de iure constituendo, toda uma nova conceptualização, uma nova dogmática, diversa qualificação dos danos é aceitável. Que queira revogar o Código Civil com a vigência das Portarias é questão que encontra algumas dificuldades conceptuais.

Para a primeira pretensão teria todo o nosso apoio. Para a segunda não tanto.
*
B.4 – Já o segundo motivo de recurso se concentra no lucro cessante, aqui concretizado no montante de 8.754,36 € devidos a título de salários, subsídios de férias e Natal que deixou de auferir.

Alega o recorrente nas suas conclusões VII a IX:

VII - No que respeita a lucros cessantes, os montantes pagos pela Companhia de Seguros Global correspondem, naturalmente, à quantia líquida a que a demandante tinha direito.

VIII - Não havendo a possibilidade de cumular indemnizações, quando o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho, como é o caso do dos autos, tem-se entendido que os lucros cessantes e o dano patrimonial futuro, quando exista, ou seja, todo o eventual prejuízo salarial é coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, sendo apenas responsabilidade do terceiro responsável pelo sinistro automóvel, a parte relativa aos danos não patrimoniais e ao reembolso à seguradora de acidentes de trabalho das quantias despendidas.

IX - Constitui, pois, enriquecimento sem causa, a condenação do FGA no pagamento de 8.754,36 euros, relativo a salários - Violação do art. 473.º do C. Civil.

Olvida o recorrente que o contrário resulta do provado nos factos provados sob 53º e 57º.

53ª - Devido às lesões decorrentes do embate e, ao longo período de Incapacidade Temporária Profissional Global e de Incapacidade Temporária Profissional Parcial supra referidos o seu vencimento mensal foi garantido parcialmente, a título de indemnização, pela GLOBAL, Companhia de Seguros S.A., em virtude da apólice nº 202009599 para acidentes de trabalho por conta de outrem.

57º - O valor total dos montantes salariais que a assistente deixou de receber é, assim, de € 8.754,36 (oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos).

Não há, pois, cumulação de indemnizações.

Por outro lado, sendo certo que a assistente não trabalhou nesse período e não teve gastos inerentes ao seu desempenho profissional, nada se provou quanto a essas despesas, o que sempre seria ónus do recorrente alegar e provar.

B.5 – Dos danos emergentes.

Este motivo de inconformidade do recorrente centra-se no valor venal do veículo, inferior ao quantificado para a sua reparação.

Argumenta o recorrente com o instituto do enriquecimento sem causa e com o disposto na al. b) do nº 1 do artigo 16 do Dec-Lei nº 2/98, de 03-01 [“Para efeitos do disposto no artigo anterior entende-se por salvado o veículo a motor que, em consequência de acidente, entre na esfera patrimonial de uma companhia de seguros por força de contrato de seguro automóvel e (b) cujo valor de reparação seja superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro”]

Tal artigo apenas contém o conceito de salvado, desde logo para efeitos contra-ordenacionais.

Daí não decorre que o valor de um veículo danificado (e não perdido e mesmo que o fosse) seja quantificado pelo seu valor de “salvado” para efeitos indemnizatórios.

No caso, nem sequer se pode falar em salvados, pois que o que é pedido é a sua reparação.

A privação do uso de um veículo constitui um ilícito que causa um dano indemnizável, sendo certo que a assistente provou o seu uso e o montante da quantia necessária à sua reparação. Ou seja, alegou e provou factos que demonstram um dano específico.

Por outro lado, parece o recorrente olvidar que o princípio base indemnizatório é a reconstituição natural e, no caso, essa reconstituição natural passa pela reparação do veículo que nem sequer se mostra excessivamente onerosa (sequer onerosa).

Face à prova desse dano em montante não excessivamente oneroso, enriquecimento sem causa haveria, da banda do recorrente, se fosse fixada a indemnização pelo valor do “salvado”.

Aliás, é abundante a jurisprudência do STJ sobre a matéria.

II - Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, excepto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.

III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo.

IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial.

V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial.

VI - A simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar, sendo necessário alegar-se e provar-se factos no sentido de que a imobilização possa significar danos para o seu proprietário.

VII - Provando-se circunstâncias que não consubstanciem simples incómodos ou transtornos (em relação aos quais a tutela do direito não se justifica – art. 496.º, n.º 1, do CC), mas sim elementos de alguma relevância que se repercutiram negativamente na qualidade de vida dos autores – v.g., utilização do veículo facilitava o acesso ao trabalho e contribuía para a fruição de momentos livres – é de considerar que a privação do uso do veículo lhes causou danos não patrimoniais. - Ac. STJ de 21-04-2010 – Proc. 17/07.4TBCBR.C1.S1

1. Em matéria de obrigação de indemnização há uma clara opção da lei civil pela reconstituição in natura face à indemnização pecuniária: a obrigação de indemnização cumpre-se, fundamentalmente, através da reparação do objecto danificado ou da entrega de outro idêntico.

2. A obrigação pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou é demasiado gravosa para o devedor, verificando-se esta última situação sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável.

3. Na ponderação da situação da excessiva onerosidade para o devedor não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro.

4. Não é de considerar excessivamente onerosa para a ré – uma companhia de seguros – a reparação do veículo do autor, danificado em acidente de viação ocorrido por culpa do segurado daquela, sendo de € 15.500,00 o valor de mercado do veículo à data do acidente, de € 1.000,00 o valor dos salvados, e de € 17.277,89 o valor da reparação, estando garantido que, uma vez reparado, o veículo manterá os níveis de equilíbrio e segurança que possuía antes do acidente, e tratando-se de um automóvel com 10.200 Km, pelo qual o autor tem grande estima, utilizando-o diariamente na sua vida profissional e não possuindo outra viatura. - Ac STJ de 05-06-2008 – Proc. 08P1370

1 - Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.

2 - Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.

3 - Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.

4 - Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.

5 - Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas» - Ac. do STJ de 04-12-2007 – Proc. 06B4219

1. A reconstituição natural é inadequada se for manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo para o lesante que ela envolva, em termos de representar para o último um sacrifício manifestamente desproporcionado quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.

2. Não basta para se aferir da onerosidade da reparação in natura de um veículo automóvel a consideração do seu valor venal ou de mercado, antes se impondo o seu confronto com o valor de uso que o lesado dele extrai pelo facto de dele dispor para a satisfação das suas necessidades.

3. Justifica-se, por não ser inadequada, a reparação do veículo automóvel matriculado em 1983, melhorado, bem conservado, com 111.410 quilómetros andados, cujo custo excede o seu valor de mercado em € 1.247.

4. A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil. - Ac. do STJ de 12-01-2006 – Proc. 05B4176

É, pois, improcedente este motivo de inconformidade do recorrente.

B.6 – Outro motivo de divergência do recorrente centra-se no montante arbitrado a título de danos não patrimoniais.

Defende o recorrente que o dano não patrimonial deve ser fixado em função dos critérios da Portaria nº 679/2009.

Os critérios definidos nas Portarias nº 377/2008, de 26-05 e 679/2009, de 25-06 são meramente orientadores de valores razoáveis para efeito de apresentação aos lesados por acidente automóvel e não afastam a fixação de valores de indemnização superiores aos propostos – artigo 1º, nsº 1 e 2 da primeira daquelas portarias.

Pretende-se, como aliás consta do preambulo do diploma, a agilização de apresentação de propostas razoáveis de compensação e não a fixação definitiva de valores indemnizatórios.

O objectivo último é evitar a judicialização de conflitos, sendo certo que, no caso, tal objectivo não foi obtido.

E, não obstante se não poder afirmar que a judicialização acarreta uma sanção pelo fracasso da proposta pré-judicial (o que deveria), certo é que esse fracasso de mediação informal não pode ser erigido à dignidade de verdade inatacável pelo poder judicial, sendo aceitável (até por razões pragmáticas e de acordo com os objectivos dos diplomas, o evitar a judicialização) que o valor indemnizatório seja fixado em montantes superiores aos constantes das referidas portarias.

Acresce, pelo que se lê do preâmbulo da Portaria nº 377/2008, os valores das “propostas razoáveis” tiveram por base, em parte significativa, estudos do mercado segurador, do Fundo de Garantia Automóvel e das companhias seguradoras e não, não consta, qualquer intervenção de organismos de defesa de interesses dos sinistrados, mormente de defesa do consumidor, pelo que mais não são que a consagração dos estudos de um lobby económico muito bem definido que não pode vincular o poder judicial enquanto não constantes de legislação revogatória do Código Civil.

Quanto ao montante da indemnização devida por danos não patrimoniais alega o recorrente que se deve ter em conta apenas a situação económica do lesante e não a do FGA.

Não nos parece, desde logo porque o FGA também é garante do pagamento indemnizatório. Aliás, por alguma razão a condenação é solidária.

Depois porque o montante arbitrado bem poderia ser mais elevado, considerando o sofrimento da lesada assistente, bem patenteado nos autos.

Não há, pois, que alterar o decidido.

B.7 – O último motivo de recurso, agora de banda da assistente, diz respeito ao momento a partir do qual são devidos juros de mora.

Aqui impera a jurisprudência obrigatória do acórdão nº 4/2002 (Processo nº 1508/2001 — 1ª Secção) do STJ de 9 de Maio de 2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n. 3 (interpretado restritivamente), e 806º, n. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

O cálculo de danos futuros e não patrimoniais é, claramente, uma decisão actualizadora, já que os danos foram quantificados pelos critérios existentes à data da prolação da sentença lavrada pelo tribunal recorrido.

Já os danos patrimoniais foram contabilizados pelo valor dos bens à data do sinistro ou antes de prolatada a sentença recorrida, pelo que haverá que fazer operar as regras básicas da constituição em mora.

Houve, portanto, dois momentos de contabilização de juros: desde a notificação quanto aos danos patrimoniais (lucros cessantes e danos emergentes, quantificados em 10.967,64 € (8.754,36 + 2.213,28); desde a data de prolação da sentença em 1ª instância quanto aos danos futuros e danos não patrimoniais no montante de 51.717,10 € [21.717,10 (por redução processual) + 30.000 €].

Não se vê como criticar a sentença recorrida, na medida em que a contabilização de juros se encontra feita de acordo com a natureza dos danos e com a citada Jurisprudência obrigatória.

Não é a circunstância de os danos (o seu quantum) terem procedido na totalidade quanto aos danos não patrimoniais que indicia uma errada quantificação, sem esquecer que os danos futuros foram quantificados em montante superior ao peticionado, não obstante reduzidos por razões processuais.

É, pois, improcedente o recurso da assistente.

C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal deste tribunal em declarar improcedentes os recursos interpostos.

Custas por ambos os recorrentes, nos termos dos artigos 513º e 520, al. a) do CPP e 87º, nº 1, al. b) do CCJ, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.Cs. para cada um deles.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 21 de Junho de 2011

João Gomes de Sousa


António Alves Duarte


http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ca6013527eba5eb2802578cb003d1ded?OpenDocument

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