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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CORRUPÇÃO PASSIVA, FRAUDE FISCAL, BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 13/07/2010

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
712/00.9JFLSB.L1-5
Relator: CARLOS ESPÍRITO SANTO
Descritores: CORRUPÇÃO PASSIVA
ABUSO DO PODER
FRAUDE FISCAL
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
TRIBUNAL DE JÚRI
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
PARECERES
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
EFEITO À DISTÂNCIA
PRESCRIÇÃO
NOTÍCIA DA INFRACÇÃO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 13-07-2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL

Sumário: I - Os crimes de corrupção e os crimes de abuso de poder não podem ser julgados por tribunal de júri. A norma que o impede não foi revogada nem é inconstitucional.
II - Um crime de branqueamento de capitais se, nos termos em que está acusado, revestir complexa organização e grande danosidade (se puder pois considerar-se como estando abrangido no conceito de criminalidade altamente organizada), também não pode ser julgado por um tribunal de júri. Tal como não o pode ser se, nos termos em que está acusado, tiver sido praticado por um titular de cargo político no exercício das suas funções.
III – Documentos que digam respeito à interpretação de conceitos técnicos usados pelo acórdão recorrido podem ser juntos com o recurso, pois que sempre poderiam ser transcritos no texto do recurso.
IV – Pareceres jurídicos que se reportem às posições jurídicas tomadas no acórdão recorrido podem ser juntos com o recurso.
V - As condutas que podem integrar o crime de corrupção passiva têm de consubstanciar o exercício do cargo, mas poderão importar a simples actuação de meros ‘poderes de facto’ decorrentes da posição ‘funcional’ do agente (Prof. Manuel da Costa Andrade).
VI - O crime de corrupção passiva é um crime instantâneo - que se consuma, em caso de solicitação, no momento em que ela chega ao conhecimento da outra parte e, em caso de aceitação, no momento em que a disponibilidade para aceitar, manifestada pelo funcionário, chega ao conhecimento do “corruptor”, com a aceitação do suborno - e não um crime permanente ou duradouro (Professores Manuel da Costa Andrade e Germano Marques da Silva).
VII - O crime de corrupção não é um crime de resultado cortado, mas sim um crime tipicamente de resultado, pelo que não lhe pode ser aplicada a norma do art. 119/4 do CPP, pois que esta diz respeito a crimes tipicamente formais.
VIII – Quando a supressão de factos leva a que um crime só se possa dizer consumado em 1996, quando, com aqueles factos, se tinha de considerar consumado em 1992, há uma alteração substancial de factos, que só pode ser tomada em conta se se cumprirem as normas do art. 359, nº.s 2 e 3 do CPP.
IX - O art. 7 do CPP permite o conhecimento de questões não penais no e para efeitos do processo penal e isso justifica-se materialmente, não pondo em causa a competência dos tribunais administrativos.
X – Para o preenchimento do crime de abuso de poderes: a) tem de haver um acto de abuso de poderes ou de violação de deveres que tem de manifestar-se exteriormente através da lesão do bom andamento e imparcialidade da administração; b) acto esse que tem de ser praticado com a intenção de obter uma vantagem ilícita ou prejudicar alguém (neste sentido, Profª Paula Ribeiro de Faria).
XI – Não pratica este crime, o agente de quem não se pode dizer que tenha praticado determinados actos com vista a receber uma doação de um terreno.
XII – Depois de 01/01/2002, é possível considerar - indo-se mais longe do que aquilo que, para o período anterior, já o Prof. Almeida e Costa defendia - sem prejuízo das questões que tenham a ver com a adequação social da conduta, que um funcionário ou titular de cargo político que aceite prendas dadas por pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções, comete um crime de corrupção passiva do art. 373/2 do CP ou 17/2 da Lei 34/87. No caso deste processo, os factos são anteriores a tal data e o arguido não vinha acusado por este crime relativamente a estes factos.
XIII - O crime de fraude fiscal praticado pelo arguido tem as características necessárias para poder ser considerado uma escroquerie fiscale no sentido do direito suíço e uma fraude fiscale (= art. 186 da LIFD).
XIV - A Suíça concedeu a assistência para prova do crime de fraude fiscale (podendo entender-se que o fez limitadamente e partindo do princípio de que se tratava de uma fraude fiscale e uma escroquerie fiscale ou também porque a fraude fiscale era invocada em simultâneo com o branqueamento fiscal) e para o crime de branqueamento de capitais e a prova fornecida serviu de facto para prova destes dois crimes.
XV - O facto de não ser admissível – e de não ter sido admitido - recurso da decisão que se pronunciou sobre a questão da proibição da prova, no despacho de pronúncia, não implica que tal despacho tenha feito caso julgado sobre a questão, pelo que a questão da utilização de provas proibidas, na decisão final, continua a poder ser colocada legitimamente e dela há que conhecer.
XVI - Uma condição de utilização de um documento, não corporiza uma proibição de prova, se no caso não está em causa qualquer questão de afronta à dignidade humana, à liberdade de decisão ou de vontade ou à integridade física ou moral das pessoas, como o revela também o facto de a autorização da utilização poder ser concedida para outro tipo de situações que nada têm a ver com crimes.
XVII - O arguido confirmou, de forma livre e esclarecida (até por estar representado, como não podia deixar de ser, por advogado e também por ter antes sido notificado de um outro acórdão no qual se faz referência à doutrina do Tribunal Constitucional no sentido da validade da confissão apesar de ser subsequente a uma prova declarada nula…), no essencial, quase todos (com uma excepção considerada a seguir) os factos objectivos que foram considerados necessários para o preenchimento do crime de fraude fiscal e de branqueamento de capitais, pelo que todos estes factos poderiam ser considerados provados com base naquelas declarações [ao abrigo da restrição do efeito-à-distância, na espécie de “mácula dissipada” (purged taint limitation)].
XVIII - A questão da propriedade da totalidade do dinheiro depositado nas contas bancárias nacionais e suíças, foi apenas parcialmente confirmada pelo arguido. Na parte em que o não foi, todos os elementos de prova e as regras da experiência comum e da lógica das coisas invocadas pelo tribunal, descontados os documentos suíços, permitiriam à mesma considerar que o dinheiro depositado na Suíça era todo do arguido (e não da irmã do arguido ou do seu sobrinho e mulher), tal como a igual conclusão chegou o tribunal quanto ao dinheiro depositado nas contas bancárias nacionais de terceiro embora não tivesse para tal o documento suíço que está em causa [pelo que estaria aqui a coberto de outra restrição do efeito-à-distância, na espécie da “descoberta inevitável” (inevitable discovery limitation)].
XIX - Parafraseando o Prof. Germano Marques da Silva, o que releva para efeito da fraude fiscal são os valores que devam constar das respectivas declarações a apresentar à administração tributária, o que, afasta o englobamento periódico para além da periodicidade de cada declaração, nos termos da lei. Ou seja, um crime por cada declaração/ano. Depois pode ser ou não ser possível unificar tais condutas num crime continuado (art. 30/2 do CP). Se for, fica-se com um único crime continuado, a ser punido nos termos do art. 79/2 do CP. Se não for, fica-se com uma pluralidade de crimes a serem punidos em concurso, nos termos do art. 79/1 do CP.
XX - Como a norma do art. 103/3 do RGIT não pode deixar de ser considerada, sempre teria que ser considerado o valor de cada declaração, por cada ano, para ver se, em relação a cada uma delas, era ou não ultrapassado o limite da criminalização da conduta previsto no nº. 2 do art. 103.
XXI - O prazo de prescrição dos crimes fiscais é de 5 anos (arts. 15/1 do RJIFNA e 21/1 do RGIT). Como o 1º acto com capacidade de interromper a prescrição só ocorreu com a constituição de arguido (09/06/2005), todos os crimes fiscais anteriores a 09/06/2000 estão prescritos.
XXII – (…) são por demais conhecidos os óbices levantados à utilização da pena de multa neste tipo de criminalidade… para que se possa prescindir da pena de prisão. Esta será, em abstracto, a pena mais adequada por ser a única capaz (eficácia) de responder às necessidades, por vezes acrescidas, de promover a consciência ética fiscal, não se lhe podendo assacar, por seu turno, os efeitos criminógenos que normalmente andam ligados ao cumprimento deste tipo de pena. Para além disso, fazendo apelo aos factores da sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser influenciado pela pena…, penas curtas de prisão, bem como pequenas variações quantitativas de pena, são susceptíveis de produzir aumentos exponenciais de taxas de eficácia. (…) Acresce o requisitório contra as penas curtas de prisão perde aqui muita da sua força: os efeitos dessocializadores que lhe andam ligados, na maior parte dos casos, não se fazem sentir ou são substancialmente minorados - o destinatário da pena ou é imune a esses efeitos ou é detentor de um maior potencial de delabelling (Prof. Anabela Miranda Rodrigues).
XXIII - Quanto à substituição da pena, por um lado, não existem quaisquer razões fundadas e sérias que levem a crer que o arguido, de futuro, por ter pendente a ameaça da execução da pena e ter sido alvo da censura que a pena representa, não cometerá novos crimes. Mas mesmo que fosse de concluir em sentido contrário, exigências mínimas de prevenção geral opor-se-iam a isso.
XXIV - Aquilo que se provou não permite concluir que os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais - que não estão previstos na lei penal geral com referência expressa ao exercício de funções de titulares de cargos políticos -, se mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.
XXV - A aplicação do art. 22/2 do RGIT não implica a suspensão do processo.
XXVI - O nº. 4 do art. 42 do RGIT não prevê uma condição de procedibilidade consubstanciada na prévia “liquidação dos impostos”. Esse artigo versa sobre a duração do inquérito e seu encerramento e o nº 4 fala em “situação tributária da qual dependa a qualificação criminal dos factos” e a expressão “situação tributária” referida no art. 4/2 e 4 do RGIT nem sempre é sinónimo de “liquidação tributária” (acórdão, do TRC, de 13/05/2009, publicado sob o nº. 33/05.0JBLSB-L.C1 da base de dados do ITIJ).
XXVII - A caducidade do direito à liquidação é a caducidade do direito à liquidação da obrigação tributária, não da liquidação do valor que o arguido evitou pagar com o cometimento do crime e na qual foi – bem - condenado.
XXVIII - “[…] sendo de natureza pública o crime, deve considerar-se, com a sua notícia, imediatamente impedido ex lege o início do prazo de prescrição por estarem franqueadas para o lesado não só o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal como ainda a faculdade de exercício da acção cível em separado com o aproveitamento de todas as faculdades consideradas no artigo 72 do CPP, não carecendo o lesado de exprimir, como sucede quando a acção penal depende de queixa, uma intenção de exercício do direito à indemnização que não pode deixar de se presumir (artigos 323/1 e 350/1 do CC). Deve, por conseguinte, pendente inquérito por crime público (…), aguardar-se o desfecho do inquérito só então se iniciando (com o arquivamento ou com a acusação) o prazo de prescrição a que alude o artigo 498 do CC, considerando que só a partir desse momento o lesado tem encerradas ou definitivamente abertas as portas para o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal […]” (ac. do STJ de 13/10/2009, publicado sob o nº. 206/09.7YFLSB da base de dados do ITIJ).

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4ea124142619cd83802577740038bf4d?OpenDocument&Highlight=0,CORRUP%C3%87%C3%83O,PASSIVA

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