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domingo, 21 de agosto de 2011

CRÉDITOS LABORAIS, INDISPONIBILIDADE, CESSAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 04/07/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1151/10.9TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
INDISPONIBILIDADE
CESSAÇÃO

Nº do Documento: RP201107041151/10.9TTVNG.P1
Data do Acordão: 04-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I – O direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se considera indisponível durante a vigência da relação laboral, ou seja, uma vez cessada a relação laboral nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus créditos laborais, quer salariais quer outros emergentes da relação de trabalho ou da respectiva cessação.
II – Se a renúncia ocorre durante a vigência do contrato, mesmo que apenas falte um dia para o seu termo, e que esse termo ocorra através de decisão unilateral da entidade patronal, portanto sem qualquer negociação, deve-se ter como inválida tal renúncia.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 1151/10.9TTVNG.P1 Reg. Nº 95
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: B…
Recorrida: C…, Lda.

Acordam os Juízes que compõem a secção social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
B…, divorciado, residente na Rua …, Nº…, …, Vila nova de Gaia, deduziu em 19 de Outubro de 2010, contra C…, Lda., com sede em Rua …, …, …, …, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, pedindo a acção seja julgada procedente por provada e, por via disso:
i
Ser reconhecida a existência de um verdadeiro contrato de trabalho celebrado e vigente entre a ré e o autor.
ii
Ser declarado absolutamente ilícito, nulo e de nenhum efeito o despedimento operado pela ré relativamente à pessoa do autor, porque sem precedência de competente e correspondente processo disciplinar e sem invocação de qualquer justa causa, com todas as legais consequências.
iii
Ser a ré condenada a pagar ao autor uma indemnização pela antiguidade a aferir em função da sua antiguidade e vencimento à data do trânsito em julgado da decisão final, nos termos do artº 439, nº1 do código do trabalho e que ascende a € 2.700,00 (dois mil e setecentos euros);
iv
Ser a ré condenada a pagar ao autor o valor de € 5.000 (cinco mil euros) a título de compensação pelos danos morais causados face ao despedimento ilícito do autor por ela operado, nos termos do nº1 al.a do artº 436 do código do trabalho;
v
Ser a ré condenada a pagar ao autor todas as retribuições mensais que o autor deixou de auferir em virtude daquele descrito despedimento ilícito e até ao trânsito em julgado da sentença ou acórdão, e que até ao momento montam a € 6.600,00 (seis mil e seiscentos euros);
vi
Ser a ré condenada a pagar ao autor a importância relativa a férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2009, de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros);
vii
Ser a ré condenada a pagar ao autor a título de retribuição pelas horas prestadas a título de trabalho suplementar e descanso compensatório, no mínimo, a quantia de €892,50 (oitocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos)
viii
Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 600,00 (seiscentos euros) correspondente à retribuição vencida nos trinta dias anteriores à data da propositura da presente acção
ix
Ser a ré condenada no pagamento do valor das comissões sobre as vendas realizadas pelo autor, atento o correspondente valor percentual de 1% sobre as vendas concretizadas pelo mesmo (para o efeito devendo juntar aos todos os documentos e valores atinentes a tais vendas);
x
Ser a ré condenada a efectuar o pagamento dos correspondentes juros sobre as indicadas quantias em dívida à taxa legal desde a data do vencimento das respectivas obrigações, até efectivo e integral pagamento; xi
Caso o autor venha a optar nos termos legais pela reintegração, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, ser a ré condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia que a ré por sua imposição não permita ao autor a prestação de trabalho pós sentença que declare a ilicitude do despedimento e a consequente reintegração do autor nos quadros do pessoal da ré;

Alegou, em síntese, que a Ré admitiu o Autor ao seu serviço através de contrato escrito com início em 1 de Março de 2008, para prestar os serviços próprios de comercial, mediante a retribuição mensal de € 600,00. Apesar de tal contrato ser denominado de «contrato de prestação de serviços», o que efectivamente as partes celebraram foi um contrato de trabalho.
A ré no dia 6 de Outubro de 2009 enviou ao autor uma carta com a seguinte missiva:
«EX.MO SR. B…
R. …, Nº … – …
VILA NOVA DE GAIA

Carta Registada c/AR
…, 6 de Outubro de 2009

Exmo. Senhor
Os nossos melhores cumprimentos.
Reportando-se ao contrato de prestação de serviços, entre nós celebrado em 29 de Fevereiro de 2008, vimos pela presente comunicar a V. Exª. a nossa intenção de denuncia do mesmo, que terá o seu termo conforme previsto na cláusula 7º do referido contrato no próximo dia 31 de Outubro de 2009.
Agradecendo a colaboração prestada, subscrevemo-nos
De V. Exª.
Atenciosamente
C.... Lda.»

Esta declaração unilateral constitui um despedimento ilícito, tendo o autor direito assim a receber as quantias peticionadas.
_____________
A audiência de partes foi infrutífera.
_____________
A ré contestou alegando que não foi celebrado qualquer contrato de trabalho, mas de prestação de serviços, pois foi com total autonomia que o Autor se manteve ao serviço da Ré até 31 de Outubro de 2009. Além do mais, referiu que o Autor subscreveu a seguinte declaração:
“Para os devidos e legais efeitos declaro que nesta data recebi de C…, LDA” o valor de 1052,40€ Euros, relativo ao pagamento da prestação de serviços, relativo ao contrato de prestação de serviços de 29/02/2009, que tem o seu termo no próximo dia 31 de Outubro.
Mais declaro que com o recebimento de tal valor nada mais tenho a receber ou a reclamar da supra identificada sociedade, seja a que titulo for, declarando-me assim integralmente pago de todos os valores devidos até ao ultimo dia de vigência do contrato.
Vila Nova de Gaia, 30 de Outubro de 2009
O declarante
B…»

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e o Autor seja condenado como litigante de má-fé, com a correspondente multa e indemnização a favor da Ré, em multa.
_____________
O Autor respondeu reiterando o que disse na petição inicial e no que se refere à declaração de 30/10/2009 alega «que se limitou a assinar, pois de outra forma não receberia o dinheiro que pelo menos assim consegui receber».
Pede que se julguem improcedentes as excepções deduzidas, bem como o pedido de condenação em litigância de má fé.
_____________
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou a acção «totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré C…, Lda., do(s) pedido(s) formulado(s) pelo Autor B….
Custas pelo A., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Registe e notifique.»
_____________
Inconformada com esta decisão o Autor, atempadamente, interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
I
O recurso versa sobre a douta sentença que atendeu à excepção peremptória suscitada pela Ré, ora Recorrida, na Contestação, implicando a prematura exclusão da realização de julgamento para apreciação da factualidade aduzida perlas partes e análise do material probatório pelas mesmas carreado para os autos, e absolvendo-a logo do pedido, entendendo estarem precludidos os direitos laborais invocados pelo Autor/Recorrente.
II
Assim concluiu o Mº Juiz a quo pela interpretação que fez do documento junto pela Ré ora Recorrida, a fls 138 no qual se verte o seguinte:

“Declaração
Para os devidos e legais efeitos declaro que nesta data recebi de C…, LDA, o valor de 1052.40 € Euros, relativo ao pagamento da prestação de serviços, relativo ao contrato de prestação de serviços de 29/02/2009, que tem o seu termo no próximo dia 31 de Outubro.
Mais declaro que com o recebimento de tal valor nada mais tenho a receber ou a reclamar da supra identificada sociedade, seja a que título for, declarando-me assim integralmente pago de todos os valores devidos até ao último dia de vigência do contrato.

Vila Nova de Gaia, 30 de Outubro de 2009
O Declarante
B…”
III
O Mº. Juiz a quo adjectivou tal excepção uma remissão abdicativa de direitos por parte do Autor, ora Recorrente.
IV
Salvo o devido respeito por tão douto entendimento, sem razão.
V
Importa aferir do valor de tal declaração e compaginá-la com toda a factualidade aduzida pelo autor e naturalmente também com a deduzida pela Ré, ora Recorrida, perscrutar o seu real valor até mesmo por poder traduzir-se e implicar um ponto final definitivo, um efeito absolutamente extintivo dos direitos laborais invocados pelo Autor, ora Recorrente, no âmbito da acção em causa.
VI
Começa o meritíssimo por trazer á colação o cânone interpretativo estatuído no artigo 236º nº1 do Código Civil, entendendo que da interpretação de tal declaração com o sentido que lhe daria uma pessoa normal, de acordo com a teoria da interpretação do destinatário, terá de ser extraído um valor anuitivo dos quantitativos nelas expressos e sua respectiva quitação e bem assim um valor abdicativo de quaisquer outros direitos laborais.
VII
Ora, a seguir-se tal visão quanto a muitos dos factos trazidos a juízo e constantes de declarações documentadas, teríamos certamente resultados verdadeiramente cristalizados, desvirtuados da realidade.
VIII
À justiça laboral não pode deixar de pedir-se um esforço acrescido na interpretação dos factos e bem assim dos documentos que muitas das vezes por detrás de uma roupagem escondem uma realidade diametralmente oposta.
IX
Com efeito, são mais que frequentes as hipóteses factuais em que abundam verdadeiros contratos de trabalho formal e perfeitamente ocultados em textos onde nenhuma referência á realidade laboral é feita – É disto típico exemplo a hipótese factual explanada nos presentes autos.
X
No caso vertente o documento contratual assinado pelas partes em lado algum revela a verdadeira natureza vinculística laboral subjacente, tal como as declarações de quitação subscritas pelo Autor ora Recorrente e por ele entregues à R., ora Recorrida, os chamados “recibos verdes”.
XI
Pois bem, se o critério interpretativo de tais declarações a seguir pela jurisdição laboral fosse aquele escolhido pelo Mº Juiz a quo na sua douta sentença recorrida, nomeadamente quando analisou a referida declaração subscrita pelo A./ Recorrente, então muito poucos seriam as situações laborais.
XII
A “Vexata questio” CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO / CONTRATO DE TRABALHO“ não pode pura e simplesmente ser resolvida com o mero recurso à interpretação de uma pessoa normal, com o entendimento que uma pessoa mediana teria face às correspondentes declarações das partes.
XIII
A Justiça Laboral é uma Justiça especializada, o Julgador Laboral não pode deixar de realizar um trabalho interpretativo correctivo e profundo que vá muito mais além das aparências, do formalmente revelado nas declarações das partes.
XIV
O Mº Juiz a quo evidencia na sua douta sentença plena consciência de tal interpretação cuidada selectiva pesquisadora da verdade material mesmo que escondida e não directamente reflectida no testo dos documentos das partes.
E tal resulta por exemplo quando escreve:
“Temos entendido, na senda do que se nos afigura ser a jurisprudência maioritária, que as declarações dos trabalhadores no sentido de “nada mais lhes ser devido” ou sentido equivalente, quando emitidas na vigência do contrato, provam apenas o recebimento das quantias que referem, sendo ilegítimas extrapolações além disso.
Normalmente tais documentos não são elaborados pelos subscritores mas pelas beneficiárias da declaração e na vigência dos contratos, encontrando-se o trabalhador no âmbito da autoridade patronal, com todas as consequências que isso implica ao nível da sua liberdade psicológica.
Também normalmente tais documentos são elaborados e surgem do decurso de todo um processo negocial com o trabalhador no sentido da sua desvinculação, a culminar muitas vezes um “criado” mau relacionamento e pressões de vária ordem.
Em tais circunstâncias, o trabalhador, muitas vezes desgastado, ainda sob a autoridade da entidade patronal, temendo por vezes nada vir a receber – arma por vezes utilizada pelas entidades patronais – necessitado do dinheiro, acaba por assinar tal tipo declarações.”
Não obstante, todavia, O Mº Juiz a quo contradiz-se logo em seguida ao concluir:
“Não é isso porém, o que se passa no caso dos autos”.
“Estamos aqui face a uma declaração subscrita aquando do termo da relação laboral….subscrita em acerto final de contas, aceitando o autor a totalidade dos créditos pagos pela R., e declarando nada mais ter a receber, o que se traduz em relação a quaisquer outros eventuais créditos, numa clara vontade de remissão abdicativa nos termos e com os efeitos do artigo 863º, nº1, do Cód. Civil”.
XV
O Autor, ora Recorrente teve de assinar tal declaração, pois sem liberdade alguma foi-lhe a mesma pela R / Recorrida – pois de outra forma correria grave risco de não receber qualquer dinheiro – estão em causa direitos laborais / créditos irrenunciáveis.
XVI
Por outro lado, os créditos laborais do A./ Recorrente invocados na presente acção fundam-se igualmente num momento ulterior ao da aposição da sua assinatura na dita declaração, radicam maioritariamente no seu despedimento ilícito operado pela R.(Recorrida).
XVII
A declaração em causa não pode de forma alguma ter-se por válida.
XVIII
Todo o contexto contratual, desde o momento da aposição das assinaturas no apelidado “contrato de prestação de serviços”, à realidade da relação vinculística desenvolvido entre as partes, é reveladora não só do estado de dependência económica, jurídica do Autor/Recorrente face à Ré/Recorrida Mas igualmente de reserva mental, de divergência entre a vontade documentada e vontade real e a própria realidade em si mesma.
XIX
A declaração em crise não é portanto nenhuma excepção. XX
O critério cuidadoso da sua análise não pode deixar de ser exactamente aquele que serve para os diversos documentos juntos aos autos.
XXI
Assim não deveria o Mº Juiz a quo considerar extintos os vários direitos invocados pelo A./Recorrente só por força do conteúdo literal do escrito em apreciação.
XXII
Não lhe deveria ter atribuído qualquer remissão abdicatória.
XVIII
Por outro lado – reitera-se – o A. limitou-se tão só assinar a declaração em causa unicamente por pressão da R./ Recorrida que de outra forma não lhe pagaria o dinheiro que desse modo dela conseguiu receber.
XXIV
O cenário do não recebimento nem sequer dos valores previstos na dita declaração colocou-se pois ao A/ Recorrente, como se coloca a qualquer trabalhador em análoga situação.
XXV
O que associado ao despedimento iminente, próximo, do A./ Recorrente por parte da R./ Recorrida como aliás se extrai da mesma declaração ainda que naturalmente assim se não apelide, constitui um mal muito penalizador para o trabalhador.
XXVI
A coação sobre o trabalhador, o A. ora Recorrente, resulta por isso manifesta e extrai-se do próprio documento.
XXVII
A aferição dessa pressão, dessa coação sobre o A/Recorrente tem de ser contextualizada com os restantes factos vertidos nos autos, com os documentos juntos e naturalmente com a prova testemunhal e outros meios probatórios que deveriam ser produzidos em julgamento, que é afinal e sua sede própria.
XXVIII
Ora salvo todo o devido respeito por mais douto entendimento, o Mº Juiz a quo afastou prematuramente a possibilidade de tal prova, impedindo à nascença o cabal apuramento dos factos, inviabilizando assim a boa aplicação da justiça ao caso em lide.
XXIX
Por tudo o exposto supra, é de concluir que a douta decisão recorrida mostra-se violadora do princípio favor laboratoris, sendo este princípio do tratamento mais favorável um prius relativamente ao esforço interpretativo, e faz uma desadequada aplicação dos diversos normativos que invoca, nomeadamente, o artigo 244º, 255º do Código Civil.
XXX
Impõe-se por isso a revogação da douta decisão judicial que ao acolher a excepção invocada pela Ré/Recorrida prejudicando a análise de todas as outras questões suscitadas, o cabal apuramento dos factos, logo julgou improcedente a acção, devendo antes ser ordenado o prosseguimento do processual com a realização do julgamento para aí sim ser apurada a verdade material e consequentemente a justiça material poder ser realizada.
_____________
A Ré apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
1. Na declaração referida e junta aos autos o A. declarou receber a importância de € 1052,40, relativo ao contrato de prestação de serviços e declarou também nada mais ter a receber ou a reclamar da Ré “seja a que titulo for”, declarando-se assim integralmente pago de todos os valores devidos até ao ultimo dia de vigência do contrato.
2. O documento/declaração em causa contém pois duas declarações negociais: uma de quitação da importância recebida e outra de que nada mais tinha a receber ou a reclamar, “seja a que titulo for”.
3. De acordo com a regra estabelecida no nº 1 do artº 236º do Código Civil, em caso de divergência das partes, a declaração negocial deve ser interpretada no sentido que um declaratário normal, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou susceptíveis de o serem, podia e devia entender como sendo a vontade do declarante.
4. Não destacando a lei quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação deverão ser havidas como tal aquelas que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz teria efectivamente considerado. Condições integralmente preenchidas pelo Autor/Recorrente, ao tempo com 66 anos de idade e tendo como habilitações o curso de engenharia (vide curriculum do junto com a contestação como doc. 1 e não impugnado).
5. É pois evidente que o sentido da declaração do Autor/Recorrente só pode ter sido o de renunciar a todos os créditos que eventualmente pudessem emergir da relação cessada.
6. Tal declaração com remissão abdicativa de direitos assinada e admitida pelo A. e junta aos autos pela Ré com a sua contestação foi clara e tacitamente aceite pela Ré (artºs 863º e 217º, 219º e 234º do C.C.), havendo pois consenso quanto ao contrato de remissão em causa.
7. Mesmo considerando como o A./Recorrente estarmos perante direitos laborais (o que a Ré/recorrida não concede pois é seu entendimento estarmos perante uma prestação de serviços) o contrato de remissão abdicativa tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar os créditos devidos pela cessação do vinculo pois, nessa fase, já não colhe o principio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho.
8. A inadmissibilidade da disponibilidade de eventuais créditos laborais, levaria ao absurdo de se concluir que os acordos de cessação do contrato de trabalho entre a entidade empregadora e o trabalhador seriam sempre irrelevantes, apesar de estarem expressamente previstos na lei como uma das modalidades da cessação da relação laboral (artº 349 do Código do Trabalho).
9. E não se pode sequer chamar aqui a “Vexata questio” Contrato de prestação de serviços/Contrato de Trabalho, conforme pretendido pelo Autor/Recorrente para afastar o sentido interpretativo da declaração, uma vez que, reitere-se, a qualificação jurídica atribuída pelo Autor/Recorrente ao contrato é um elemento meramente subjectivo que não pode ser considerado para determinar o sentido da declaração, face à teoria de impressão do destinatário.
10. Não invoca o Autor/Recorrente qualquer mal de que tenha sido ilicitamente ameaçado (para além, naturalmente, do não pagamento, a que a R. também não estaria obrigada se o A não lhe desse quitação) e admite ter tomado consciência do resto da declaração, designadamente quanto ao recebimento da quantia que ali declarou ter recebido.
11. Não tendo o Autor/Recorrente no articulado/resposta, apresentado (indicado) prova tendente a demonstrar de que foi coagido a assinar a declaração (pois apenas foi suscitada depois da contestação), é de rejeitar liminarmente qualquer vicio que pudesse inquinar a sua vontade ao emitir aquela declaração.
12. Nos termos do artº 376 do C. Civil, quando a assinatura do documento está reconhecida (artº 374º) o mesmo “faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor” (nº 1), considerando-se provados (todos) os factos compreendidos na declaração “que forem contrários aos interesses do declarante” e sendo a declaração “indivisivel” (nº2).
13. Também o vício do citado artº 246º do C. Civil pressupõe a total ausência de consciência de estar a “fazer uma declaração negocial”, pois que só assim se compreende que tenha por consequência a inexistência (e não mera invalidade) da declaração emitida … e que esteja colocado a par do vicio da “coacção fisica” (em que o declarante não tem o mínimo domínio da vontade).
14. Ora, não é nada disso o que se passa com a declaração em causa, que o A reconhece ter assinado sem ameaças expressas ou de monta e ter compreendido na generalidade.
15. É ainda de reiterar que o A não estava já, na altura em que subscreveu a declaração, sob a dependência ou influência da “entidade patronal”, pois que sabia ter já terminado o contrato.
16. Ainda que, apesar do exposto, se pudesse equacionar a hipótese de o A não ter tomado consciência da totalidade da declaração – curiosamente, da parte que agora não lhe interessa reconhecer – sempre se teria de concluir que, se o A não leu ou se apercebeu da parte em causa (segunda parte), foi porque o não quis ou por descuido dele próprio, pelo que nunca o erro se poderia reconhecer como “desculpável” e implicaria a obrigação de indemnizar o “declaratário” (no caso, a R) em montante não inferior ao que lhe viesse a causa a perda desta demanda – cfr a 2ª parte do artº 246º e os artºs 562º a 564º do Cód. Civil.”
17. Devem as pessoas (e concretamente o Autor) assumirem a responsabilidade pelo que escrevem ou assinam, não gorando as expectativas das outras partes – essenciais à segurança do comércio jurídico -, nem desencadeando litígios ou processos judiciais que, justamente com declarações como a dos autos, se quiseram evitar.”
18. Verifica-se pois a existência da excepção peremptória – remissão abdicativa de direitos por parte do Autor/Recorrente, que justifica em pleno a absolvição total da Ré dos pedidos por aquele formulados.
19. Deve assim confirmar-se in totum, a sentença apelada.
_____________
O Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
_____________
Foram colhidos os vistos legais.
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II – Delimitação do Objecto do Recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questões a decidir consiste unicamente em saber se a declaração exarada no documento de folhas 138 consubstancia ou não um contrato de remissão abdicativa, nos termos do artigo 836º, nº 1 do Código Civil.
Vejamos a questão.
A remissão constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, a estrutura de negócio bilateral (contrato), em que o credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao direito de exigir a prestação.
Dada a sua natureza contratual, pressupõe duas manifestações de vontade ou declarações – a do credor no sentido de perdoar a dívida e a do devedor de aceitar o perdão.
A declaração negocial pode ser expressa – feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade – ou tácita – quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil). E o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (n.º 2 do artigo 217.º).
No que diz respeito ao contrato de remissão, a lei não exige a declaração expressa, por isso que rege o princípio da liberdade declarativa, o que significa que tanto a vontade de perdoar a dívida como a de aceitação do perdão podem deduzir-se de manifestações que, não tendo expressão directa por palavras ou escritos, as revelem com um grau de probabilidade que as tornem inequívocas, quando apreciadas à luz do padrão de comportamento que rege a tomada de decisões por uma pessoa sensata.
Entre os possíveis sentidos da declaração negocial, vale aquele que um declaratário normal – medianamente instruído e diligente –, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, e, em caso de dúvida, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigos 236.º, n.º 1 e 237.º do Código Civil).
Nos negócios formais, em princípio, só pode valer o sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, se bem que, sendo outro o sentido correspondente à vontade real das partes, será este o válido, desde que as razões determinantes da forma do negócio a tal não obstem (artigo 238.º do Código Civil).

No caso que nos ocupa, trata-se de interpretar o que foi declarado pelo Autor na declaração que se encontra consubstanciada no documento de folhas 138, cujo conteúdo é o seguinte:
“Para os devidos e legais efeitos declaro que nesta data recebi de C…, LDA” o valor de 1052,40€ Euros, relativo ao pagamento da prestação de serviços, relativo ao contrato de prestação de serviços de 29/02/2009, que tem o seu termo no próximo dia 31 de Outubro.
Mais declaro que com o recebimento de tal valor nada mais tenho a receber ou a reclamar da supra identificada sociedade, seja a que titulo for, declarando-me assim integralmente pago de todos os valores devidos até ao ultimo dia de vigência do contrato»

A sentença recorrida refere que tal declaração «revela, antes de mais, uma acordo com a R. (quanto à contabilização “global dos créditos vencidos” até ao termo do contrato); depois, um reconhecimento do A. de recebimento desses créditos; e ainda, um reconhecimento do A. de que não tem a haver qualquer outro crédito da R. e, como se frisa no documento, “a qualquer título”».
Mais menciona que estamos perante «uma declaração subscrita aquando do termo da relação laboral – e isto admitindo que, como pugna o A., a mesma fosse laboral (pois que a R. e o contrato junto aos autos a qualificam de mera prestação de serviços); e, mais, subscrita em acerto final de contas, aceitando o autor a totalidade dos créditos pagos pela R. e declarando nada mais ter a receber, o que se traduz, em relação a quaisquer outros eventuais créditos, numa clara vontade de remissão abdicativa, nos termos e com os efeitos do artigo 863º, nº 1, do Cód. Civil.»
E que «no caso, é manifesto, pelo seu teor, que o A. subscreveu o documento de remissão aquando da cessação da sua prestação laboral, pelo que nada obsta, sob esse aspecto, à validade do acordo.
Por outro lado e ainda que o A. tivesse a convicção, na altura da subscrição, de que não tinha direito a outras quantias e só posteriormente tenha constatado que não era assim, também tal circunstância não obsta à validade e eficácia da declaração, pois que esse ou outros considerandos do género não relevam para o caso, face à referida teoria da impressão do destinatário que foi adoptada no art. 236º do Cód. Civil».
Conclui que «com o acordo documentado nos autos, o A. renunciou, validamente, a outros eventuais créditos, sem distinção, incluindo os emergentes do próprio despedimento, como é o caso das retribuições e indemnizações peticionadas pela ilicitude daquele».
Perante a posição assumida pelo Autor na Ré refere que este «numa tentativa para obstar à validade da declaração que o própria admite ter subscrito, alega na resposta de fls. 148 e segs. que a subscrição ocorreu sob pressão da R, que lhe teria exigido que assinasse sob pena de doutra forma não lhe pagar “o dinheiro que pelo menos assim conseguiu receber”», ou seja, o que o Autor pretende, continua, «com a referida argumentação, é demonstrar que a sua declaração, na parte em que declara nada mais ter a receber, foi viciada por “coacção” ou “falta de consciência da declaração”, nos termos e com os efeitos dos arts. 255º e 246º, respectivamente, do Cód. Civil.
Contudo, a A. não invoca qualquer mal de que tenha sido ilicitamente ameaçado (para além, naturalmente, do não pagamento, a que a R. também não estaria obrigada se o A. não lhe quitação) e admite ter tomado consciência do resto da declaração, designadamente quanto ao recebimento da quantia que ali declarou ter recebido).
Ora, como resulta do art. 376º do C. Civil, quando a assinatura do documento está reconhecida (nos termos do art. 374º), o mesmo “faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor” (nº 1), considerando-se provados (todos) os factos compreendidos na declaração “que forem contrários aos interesses do declarante” e sendo a declaração “indivisível” (nº 2).
Acresce que o vício do citado art. 246º do C. Civil pressupõe a total ausência de consciência de estar a “fazer um declaração negocial” (por julgar que se trata, por exemplo, de uma conversa informal, por estar sedado ou a ser forçado por outrem a assinar), pois que só assim se compreende que tenha por consequência a inexistência (e não mera invalidade) da declaração emitida (a qual, como diz a letra da lei, “não produz qualquer efeito”) e que esteja colocado a par do vício da “coacção física” (em que o declarante não tem o mínimo domínio da vontade).
Ora, não é nada disso o que se passa com a declaração em causa, que o A. reconhece ter assinado sem ameaças expressas ou de monta e ter compreendido na generalidade.
É ainda de reiterar que o A. não estava já, na altura em que subscreveu a declaração, sob a dependência ou influência da entidade patronal, pois que sabia ter esta posto já termo ao contrato. E, assim sendo, não se compreende porque haveria de sentir-se pressionado ou não pudesse ler a totalidade do documento, aliás pouco extenso e sem partes ocultas, dissimuladas ou menos legíveis. Ao invés, tendo sido despedido (contra a sua vontade), até seria normal que o A. tivesse maiores cautelas na subscrição de qualquer documento que a ex-entidade patronal lhe desse para assinar.
Acresce que, se fosse só para dar quitação do recebimento da quantia inscrita na declaração, a R. não precisaria de solicitar ao A. a sua assinatura, pois que bastaria para o efeito a assinatura (pelo A.) de recibos idênticos aos que vinha assinando pelos serviços prestados, como os exemplarmente juntos a fls. 139 e segs. (conhecidos por “recibos verdes”, como refere o A.). A solicitação de uma declaração complementar, numa altura em que o A. sabia já ter sido despedido, deveria naturalmente tê-lo colocado de sobre-aviso sobre se não estaria a comprometer quaisquer direitos, designadamente os que lhe poderiam advir de uma impugnação do despedimento».

Diremos desde já que em termos teóricos sufragamos o entendimento perfilhado na decisão recorrida. Contudo, não nos parece que em termos factuais a decisão recolhida tenha sustentação. Na verdade, a sentença parte do pressuposto de que tal declaração foi subscrita pelo Autor aquando da cessação da sua relação laboral, pelo que nada obsta, refere, sob esse aspecto, à validade do acordo. Com o devido respeito que nutrimos pela opinião acabada de expor, entendemos que não é essa a conclusão que se retira dos factos. A declaração em apreço foi subscrita pelo Autor em 30 de Outubro de 2009 e o contrato (e aqui não estamos a qualificar o mesmo – embora partamos do princípio de que estamos perante um contrato de trabalho, pois se já estivesse provado que o não era a questão sob recurso nem sequer se punha) seja ele de trabalho ou de prestação de serviços cessou apenas no dia 31 de Outubro de 2009. E, ao contrário do que se poderia supor, tal contrato não cessou através de um consenso entre a vontade das partes, através da negociação da cessação do vínculo laboral, ou seja por mútuo acordo, mas sim por decisão unilateral da Ré. Portanto, quando o Autor subscreveu aquela declaração ainda se encontrava vinculado contratualmente perante a Ré, ainda era seu subordinado (partindo do princípio de que se trata de um contrato de trabalho), ainda dependia economicamente dela. Assim, a declaração do Autor de que «com o recebimento de tal valor nada mais tenho a receber ou a reclamar da supra identificada sociedade, seja a que titulo for, declarando-me assim integralmente pago de todos os valores devidos até ao ultimo dia de vigência do contrato», deve ser tida como uma renúncia não válida, uma vez que o direito à retribuição (e aos restantes créditos laborais) se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral, o que se justifica, quer pela natureza da retribuição, entendida como crédito alimentar, indispensável ao sustento do trabalhador e da sua família, quer pela situação de subordinação económica e jurídica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial em que se encontra face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de algum modo poder vir a ser prejudicado na sua situação profissional[1].
Cessada a relação laboral, aí sim, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, uma vez que já não se verificam os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação. Só que a relação laboral tanto está em vigência quer falte um dia, um mês ou um ano para o seu terminus.
Assim, apesar de subscrevermos os fundamentos doutrinários mencionados na decisão recorrida, não podemos subscrever a sua conclusão, uma vez que entendemos que a renúncia aos créditos laborais feita pelo Autor não é válida, já que ocorreu durante a vigência do contrato – isto independentemente de o Autor ter de provar que celebrou um contrato de trabalho – altura em tais créditos, se laborais forem, se têm por indisponíveis e irrenunciáveis.

Assim sendo, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente a excepção invocada, seguindo-se a normal tramitação do processo.
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As custas do recurso ficam a cargo da Recorrida (artigo 446º do CPC).
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III. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção invocada, ordenando a que os autos prossigam a sua normal tramitação.
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Condenam a Recorrida no pagamento das custas (artigo 446º do CPC).

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 04 de Julho de 2011
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Cfr. João Leal Amado, A Protecção do Salário, 1973, pag. 196-222; J. Barros Moura, A Convenção Colectiva entre as Fontes do Direito, pag. 210-212 e Parecer de J. Mesquita, na Revista do Ministério Público, Ano I, T. 1, pago 43-47
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S U M Á R I O
I – O direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se considera indisponível durante a vigência da relação laboral, ou seja, uma vez cessada a relação laboral nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos seus créditos laborais, quer salariais quer outros emergentes da relação de trabalho ou da respectiva cessação.
II – Se a renúncia ocorre durante a vigência do contrato, mesmo que apenas falte um dia para o seu termo, e que esse termo ocorra através de decisão unilateral da entidade patronal, portanto sem qualquer negociação, deve-se ter como inválida tal renúncia.

António José da Ascensão Ramos


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