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sábado, 13 de agosto de 2011

EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE FUNDAMENTOS NATUREZA PROCESSUAL - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 06/07/2011

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7295/08.0TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: CIRE
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
FUNDAMENTOS
NATUREZA PROCESSUAL

Data do Acordão: 06-07-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

Sumário : I – A distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo A. deve procurar-se na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes.
II – A esta luz, os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art. 238º, nº1, do CIRE têm natureza impeditiva da pretensão de exoneração do passivo restante formulada pelo insolvente.

III – Por isso, e considerando o preceituado no art. 342º, nº/s 1 e 2 do CC, o respectivo ónus de prova impende sobre o administrador e credores da insolvência.


Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – AA, declarada insolvente por sentença de 20.11.08, transitada em julgado, deduziu o incidente de exoneração do passivo restante, o que foi indeferido liminarmente, ao abrigo do disposto no art. 238º, nº1, al. d) do CIRE, decisão que veio a ser mantida pela Relação de Guimarães, por seu acórdão de 14.12.10, que julgou improcedente a correspondente apelação, agora porque pela requerente não foram afastados os fundamentos de indeferimento de tal pretensão contemplados nas als. b), c), e), f) e g) do sobredito art., cujo ónus de alegação e prova da respectiva inverificação se sustentou impender sobre a requerente daquela pretensão.

Inconformada, traz esta última a presente revista, admitida como excepcional pela formação referida no art. 721º-A, nº3 do vigente – e ao caso aplicável – CPC, tendo, ainda, em conta o preceituado na al. c) do nº1 do mesmo art. e nos arts. 14º, nº1 e 17º, ambos do CIRE.

Culminando as respectivas e doutas alegações, formulou as seguintes conclusões:



1ª – Nos termos do nº3 do art. 659º do CPC, o juiz deve tomar em consideração “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal (colectivo ou singular) deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer;

2ª – A decisão em mérito ignorou factos que estavam admitidos no processo e provados por documentos;

3ª – Está junto, a fls. dos autos o certificado de registo criminal da recorrente, constando, igualmente, do relatório da Sra. Administradora que “nada consta no registo criminal” – ver fls. 84;

4ª – Em face deste documento, o tribunal teria de concluir pela não verificação do requisito negativo a que alude o art. 238º, nº1, al. f), do CIRE. E não concluiu;

5ª – Do relatório da Sra. Administradora retira-se, sem grande esforço conclusivo, que não se verificam os requisitos previstos nas als. b), e) e g) daquela norma, factos a que o tribunal “a quo” também não atendeu;

6ª – Por se não verificar o requisito previsto na al. e), a insolvência da requerente veio a ser qualificada como fortuita – cfr. decisão proferida, em 08.05.09, a fls. dos autos;

7ª – A verificação do requisito previsto na al. c) da norma em referência não pode ocorrer porque ainda não decorreram dez anos desde a data da entrada em vigor do CIRE, que introduziu o regime;

8ª – Consta, igualmente, do processo o período temporal em que a requerente foi sócia-gerente da sociedade comercial “BB – …, Lda”, bem como a sua idade – 33 anos – e consta também dos autos que seus pais e irmão foram exonerados do passivo restante, sendo estes quem geria a empresa;

9ª – Assim, a decisão em mérito contradiz os factos assentes, carreados ao processo e que devem ser tidos em conta na decisão final, havendo, assim, oposição entre os fundamentos de facto e de direito, o que integra a nulidade prevista na al. c) do nº1 do art. 668º do CPC, o que se requer seja declarado;

10ª – A única questão ventilada, no recurso em apreço, como no anterior, foi a de saber se se verificava o requisito negativo previsto na al. d) do art. 238º, nº1;

11ª – apenas um credor se opôs à exoneração do passivo restante da requerente, alegando a intempestividade do pedido, não alegando a verificação de quaisquer dos outros requisitos fundamento do indeferimento do requerido;

12ª – O tribunal “a quo” extravasou o âmbito do conhecimento do objecto do recurso, pois decidiu de questões que não foram carreadas ao mesmo;

13ª – Sendo pelas conclusões que se afere do objecto do recurso, quando a decisão recorrida vai além dele, ocorre excesso de pronúncia, nulidade que se invoca e vem prevista no art. 668º, al. d) do CPC, tanto mais que a verificação dos demais requisitos da exoneração do passivo, previstos na lei, não é do conhecimento oficioso;

14ª – Os referidos requisitos apenas poderiam servir de fundamento a uma decisão de indeferimento se e na circunstância de ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância. No entanto, seria imperativo que o tribunal desse oportunidade à requerente para aperfeiçoar o seu requerimento, cabendo aplicar, analogicamente, o art. 27º, nº1, al. a) do Código. O tribunal “a quo” não tomou tal procedimento;

15ª – O objectivo geral do instituto da exoneração do passivo restante é o de aplicar o remédio adequado à situação de penúria e, neste caso, estamos em face de uma jovem, no começo da sua vida, que se viu desgraçada pelo alcoolismo do seu pai e que, afinal, com a decisão em causa, será a única a arcar durante a flor da idade e até à sua velhice, com uma dívida que nenhum proveito lhe trouxe e para a qual não contribuiu;

16ª – A exoneração do passivo restante e a subsequente libertação dos seus créditos por parte do devedor justificar-se-á se ele observar a conduta recta que o cumprimento dos requisitos legalmente previstos pressupõe (cfr. o art. 239º do CIRE);

17ª – É a esta luz que se devem entender os requisitos enunciados no nº1 do art. 238º do CIRE;

18ª – Entendeu a decisão de que se recorre que cabia à recorrente, requerente da exoneração, alegar e provar os requisitos previstos no art. 238º, mais concretamente os previstos nas als. b), c), d) e f). Mais entendeu que, destes, só teria logrado afastar o requisito previsto na al. b), tendo, por essa razão, decidido julgar improcedente o recurso e manter o despacho de indeferimento da exoneração proferido pela 1ª instância;

19ª – A nosso ver, entendeu mal, pois que, contrariamente ao defendido na decisão em crise, o STJ já decidiu, por Ac. de 21.10.10, ITIJ, Proc. nº 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1, que “o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos previstos no nº1 do art. 238º do CIRE”;

20ª – As diversas als. do nº1 do art. 238º do CIRE estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante;

21ª – Tais normativos não contêm factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração. Antes e pelo contrário, contêm factos impeditivos desse direito;

22ª – Nesta medida, verificando-se a inversão do ónus da prova, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº2 do art. 342º do CC;

23ª – Ao requerente cabe apenas referir que preenche os requisitos do art. 238º do CIRE;

24ª – A recorrente alegou tal facto, como lhe competia e como, de resto, a Sra. Administradora consignou no seu relatório;

25ª – Na assembleia de credores, apenas foi suscitada por um credor a questão da intempestividade do pedido, por entender que se verificava o impedimento previsto na al. d);

26ª – E esta questão foi decidida – e bem – favoravelmente à recorrente, no acórdão, ora, recorrido;

27ª – Por não caber à requerente a prova dos requisitos previstos no nº1 do art. 238º do CIRE, mais nenhum impedimento ocorre para se negar à recorrente a exoneração do passivo restante;

28ª – Ao decidir como decidiu, o acórdão em apreço fez uma incorrecta aplicação do disposto no art. 238º do CIRE;

29ª – Impõe-se, assim, pelas razões apontadas, conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra em que se decida conceder à recorrente a exoneração do passivo restante.

Contra-alegando, defendeu o Ex. mo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães a procedência do recurso, tanto mais que a posição sustentada no acórdão impugnado é contrariada por algumas outras daquela e doutras Relações e pelo sobredito Ac. deste Supremo.

Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.



2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:



1 – AA requereu a sua insolvência, em 10 de Novembro de 2008, a qual veio a ser declarada por sentença proferida, em 20 de Novembro de 2008, e já transitada em julgado - cfr. fls. 2 a 10 e 19 a 24 dos presentes autos;

2 – A requerente nasceu, em … de … de 19.., na freguesia de Braga (São João do Souto), concelho de Braga, e é filha de CC e de DD - cfr. o teor do documento junto a fls. 17;

3 – O activo da insolvente é constituído por: metade de um prédio rústico, com a área de 1 100m2, sito na freguesia de Viade de Baixo, concelho de Montalegre, com o valor patrimonial estimado de € 8 000,00; remuneração ilíquida mensal fixa de € 530,00; remuneração média mensal variável, no valor de € 400,00 - cfr. o teor do apenso "A";

4 – O valor total dos créditos reconhecidos é de € 190 722,12, distribuídos por dois credores, a saber: “Banco EE, S. A.”, no valor de € 100 270,59 de capital e de € 2 708,46 de juros vencidos; “Banco FF, S. A.”, no valor de € 85 231,60 de capital e de € 2 511,50 de juros - cfr. o apenso "D";

5 – A requerente foi sócia e gerente da sociedade “BB - …, Lda”, com sede no Parque …, lote …, freguesia de …, concelho de Braga;

6 – Por sentença proferida, em 18 de Janeiro de 2008, transitada em julgado, em 22 de Fevereiro de 2008, no processo nº 9310/07.TBBRG, do 1.º Juízo Cível deste Tribunal, foi declarada a insolvência da referida sociedade - cfr. fls. 150 a 160 dos presentes autos;

7 – Os créditos referidos em 4 resultam de avales prestados pela insolvente em livranças subscritas por essa mesma sociedade, mais concretamente: livrança à ordem de “Banco EE, S. A.”, no montante de € 100 270,59, com data de emissão de 01.01.03 e vencimento em 28.03.08; livrança à ordem de “Banco FF, S. A.”, no valor de € 85 231,60, com data de emissão de 16.04.04 e vencimento em 31.03.08 - cfr. fls. 96 e 97 e fls. 103 e 104 dos presentes autos;

8 – “Banco EE, S. A.” intentou acção executiva contra a insolvente com base na livrança referida em 7, a qual correu termos na Vara de Competência Mista desta comarca com o nº 3423/08.3TBBRG e no âmbito da qual a insolvente foi citada, em 20.06.08 - cfr. fls. 138 a 140 dos presentes autos;

9 – “Banco FF, S. A.” intentou acção executiva contra a insolvente com base na livrança referida em 7, a qual correu termos na Vara de Competência Mista desta comarca com o nº 2543/08.9TBBRG e no âmbito da qual a insolvente foi citada, em 21.07.08;

10 – A requerente foi sócia e gerente das sociedades “GG, Lda” e “HH, Lda”;

11 – Proveniente da sua actividade como médica dentista, em part-time, numa clínica dentária denominada “II, Lda”, a requerente aufere o valor ilíquido de € 530,00 e um rendimento variável, no valor de € 400,00;

12 – A insolvente foi apenas gerente de direito, pois que se limitava a assinar alguma documentação e os avales, quando o seu pai lhe pedia; e

13 – Só teve conhecimento das datas de vencimento destas livranças quando lhe foi exigido o pagamento, em Junho e Julho de 2008, quando foi citada para as execuções instauradas pelos credores/entidades bancárias.

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1 e 726º, todos do vigente CPC[1]) –, constata-se que as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso podem, assim, resumir-se:



I – Se o acórdão recorrido enferma das nulidades previstas no art. 668º, nº1, als. c) e d), 2ª parte; e

II – Se os factos que integram os fundamentos do indeferimento liminar previsto no nº1 do art. 238º do CIRE têm natureza impeditiva ou, na sua formulação negativa, (natureza) constitutiva do direito à exoneração do passivo restante por parte do insolvente.

Apreciemos, pois.

4 – I – Nos termos do disposto no art. 668º, nº1, al. c), a sentença – acórdão, “ex vi” do preceituado no art. 716º, nº1 – é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Uma das nulidades de que pode enfermar a sentença – acórdão, no caso dos autos – ocorre quando os respectivos fundamentos estejam em oposição com a (sua) parte decisória – art. 668º, nº1, al. c).

Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete – a construção da sentença é, então, viciosa, pois os fundamentos invocados pelo Juiz conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (Prof. A. Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, 1952, pags. 141). “A oposição referida na al. c) do nº1” (do art. 668º) “é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir” (Cons. Rodrigues Bastos, in “NOTAS ao CPC”, Vol. III, pags. 246).

Conforme Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed., 1985, pags. 690), a causa de nulidade em apreço abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples “lapsus calami” do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente. No mesmo sentido, aliás e entre muitos outros, podem ver-se os Acs. do STJ, de 22.01.98 – Proc. nº 604/97 – e de 29.09.98 – Proc. nº 567/98.

Em suma, no que concerne à nulidade em apreço, indispensável será, para que a mesma possa ser tida como verificada, que os fundamentos invocados pelo Juiz devam logicamente conduzir a resultado oposto ao que vem expresso na sentença: se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (Acs. do STJ, de 30.10.96 – Proc. nº366/96 – e de 14.05.98 – Proc. nº 297/98). Ou seja, constituem realidades distintas a aludida nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo este uma apreciação da questão em desconformidade com a lei. Ou, dito de outro modo, conforme Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in ob. citada, pags. 686), “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado «erro de julgamento», a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Cfr., também, o Ac. do STJ, de 26.06.99 – Bol. 488º/299).

Ora, no caso dos autos, não é possível vislumbrar a mencionada oposição, porquanto o sentido em que a decisão foi proferida se situa na clara sequência e decorrência lógica dos fundamentos em que a mesma se estriba: não teve por preenchido o fundamento de indeferimento liminar previsto na al. d) do nº1 do citado art. 238º, não tendo indeferido, com tal fundamento e em perfeita consonância lógica, o formulado pedido de exoneração do passivo restante; mas, em contrapartida e também com coerência lógica, porque atribuiu natureza constitutiva do sobredito direito à formulação negativa dos fundamentos de indeferimento liminar previstos no citado preceito legal e dado que a requerente os não havia, desde logo, alegado e provado, indeferiu o correspondente pedido formulado pela insolvente.

Como, adiante, se expenderá, não subscrevemos, por dupla razão, um tal entendimento. Só que, ainda assim, não ocorre, de modo algum e nos termos expostos, a pretensa nulidade do acórdão, antes se tendo incorrido, simplesmente, em erro de julgamento, o que é realidade processual totalmente diferente, como se deixou dito.

Improcedendo, pois, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente.



II – Mas a recorrente tem absoluta razão quando imputa ao acórdão recorrido a nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. d), 2ª parte.

Com efeito, o objecto da interposta apelação era, tão só, constituído pela questão de saber se ocorria o fundamento de indeferimento liminar previsto no art. 238º, nº1, al. d) do CIRE, único que a sentença recorrida considerou ocorrer e que determinou a decretada improcedência da correspondente pretensão da requerente-insolvente.

Assim, estava vedado à 2ª instância conhecer da verificação, ou não, dos demais fundamentos de indeferimento liminar: não só porque constituíam verdadeira questão nova não apreciada e decidida na 1ª instância, como também porque, nos termos do disposto no art. 684º, nº4, “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso…” (sob pena, diremos nós, de este poder acarretar ao recorrente um verdadeiro efeito perverso…), como, ainda e finalmente, porque, ao assumir tal conduta processual, se entrou na frontal violação do preceituado nos arts. 660º, nº2, 661º, nº1, 684º, nº3 e 685º-A, nº1, tanto mais que, como, adiante, virá a decidir-se, não temos por oficioso o conhecimento dos sobreditos fundamentos, aos quais, por outro lado, atribuímos – por quanto, a propósito, virá a ser expendido – natureza impeditiva do direito à exoneração do passivo restante por parte do requerente-insolvente.

Assim, nos termos do disposto no art. 731º, nº1, expurga-se o acórdão recorrido de quanto, a propósito, foi considerado e decidido, o que, desde logo e por si só, consequencia que, tendo sido julgado inverificado o fundamento de indeferimento liminar previsto na al. d) do nº1 do citado art. 238º – único, como dito ficou, de que a Relação poderia conhecer –, a apelação tivesse de ser julgada – como, por esta via de recurso, julgamos – totalmente procedente, com a inerente revogação da sentença apelada e deferimento do formulado pedido de exoneração do passivo restante por parte da requerente-insolvente.

Procedendo, pois, as correspondentes conclusões tiradas pela recorrente.

5 – Mas, a idêntico desfecho conduz a apreciação e decisão da questão enunciada em II de 3 supra.

Com efeito, contra o entendimento perfilhado no acórdão recorrido e em sintonia com o decidido no sobredito Ac. de 21.10.10, deste Supremo, consideramos que os fundamentos de indeferimento liminar[2] previstos no art. 238º, nº1 do CIRE têm natureza impeditiva do direito à exoneração do passivo restante por parte do requerente-insolvente, sobre o qual, por isso (art. 342º, nº2, do CC), não impende o ónus processual de, desde logo, alegar e, subsequentemente, provar a inexistência, no caso, de tais fundamentos (numa das previsões constantes da al. e), tal exigiria, mesmo, a subsequente tramitação do incidente “até ao momento da decisão”, com dotes divinatórios que ao requerente não poderiam, obviamente, ser exigidos…).

No sentido propugnado, pensamos dever entender-se o expendido por Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[3], os quais, sobre a temática, assim dissertam: “Quanto ao conteúdo do requerimento de exoneração, manda o nº3 do art. 236º que o devedor, além de formular, como é evidente, o correspondente pedido, declare expressamente que: a) – se verificam todos os requisitos de que depende a exoneração; b) – se dispõe a observar todas as condições referidas no art. 239º, que sejam impostas no despacho inicial…” Sendo para nós elucidativo o total silêncio assim demonstrado – na linha, aliás, do que, antes, expendem sobre a matéria – quanto ao pretenso ónus que se pretende fazer impender sobre o requerente.

Mas se dúvidas subsistissem sobre a matéria, elas teriam de dissipar-se se tido em consideração o correspondente ensinamento do saudoso e insigne Mestre Antunes Varela, na R. L. J., Ano 117º, pags. 26 e segs., em anotação ao Assento – hoje, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – deste Supremo, de 21.06.83.

Aí, após se estabelecer a clara distinção entre factos constitutivos e factos extintivos do direito ou da pretensão, pondera-se: “A mesma facilidade se não encontra já na aplicação prática da destrinça entre os factos constitutivos e os factos impeditivos do direito ou da pretensão relativamente à repartição do ónus da prova (…) Ambas as categorias se referem a ocorrências ou situações imputadas ao mesmo momento ou período temporal: o da formação do direito ou da pretensão (…) Mas enquanto os factos constitutivos são essenciais à criação do direito ou pretensão, os factos impeditivos obstam, pelo contrário, à formação de um ou de outra”.

E, após considerar que “o critério da normalidade ou anormalidade do facto (solto de qualquer outro elemento ou ponto de referência) não pode, pela extrema imprecisão do seu subjectivismo, servir de base a uma distinção tão importante, do ponto de vista prático, como a fixada no art. 342º do CC”, continua, na linha do sustentado, na Alemanha, por ROSENBERG (aí citado): “…a repartição do ónus da prova entre as partes tem que processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas (teoria da norma) (…) Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. O autor terá assim o ónus de provar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão (…) Ao réu incumbirá, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva (do efeito jurídico pretendido pelo autor) por ele (réu) invocada. Compete-lhe, portanto, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada (…) Cada uma das partes terá, em suma, de alegar e provar, sobre o terreno da situação concreta em exame, os pressupostos da norma que lhe é favorável”. Apontando, em jeito de conclusão, que “…a distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo autor se deve procurar na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes”.

Não restando, pois, dúvidas, a esta luz, que têm natureza impeditiva da pretensão formulada pelo requerente do benefício de exoneração do passivo restante os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art. 238º do CIRE, bastando-se aquela pretensão com a alegação da qualidade de insolvente e do que exigido se mostra no art. 236º, nº3 do mesmo Cod.

Em consonância, não tendo tais factos sido invocados/alegados pela Sra. Administradora e credores da insolvência, nem, tão pouco, pelo Mº Pº em representação destes últimos, vedado estava à Relação fazer incidir a respectiva apreciação sobre os mesmos, como, aliás, já se deixou dito, por complementar razão, em II de 4 antecedente.

Procedendo, pois, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente, impõe-se a revogação do acórdão recorrido e da sentença pelo mesmo confirmada, havendo, antes, lugar à prolação do despacho inicial previsto no art. 239º do CIRE.

6 – Concluindo:



I – A distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo A. deve procurar-se na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes.

II – A esta luz, os factos integrantes dos fundamentos do “indeferimento liminar” previsto no art. 238º, nº1, do CIRE têm natureza impeditiva da pretensão de exoneração do passivo restante formulada pelo insolvente.

III – Por isso, e considerando o preceituado no art. 342º, nº/s 1 e 2 do CC, o respectivo ónus de prova impende sobre o administrador e credores da insolvência.


7 – Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que, revogando-se o acórdão recorrido e a sentença pelo mesmo confirmada, se determina que, na 1ª instância, seja, antes, proferido o despacho inicial previsto no art. 239º do CIRE.

Custas a cargo da massa insolvente (art. 304º do CIRE).


Lisboa, 6 de Julho de 2011


Fernandes do Vale (Relator)

Marques Pereira

Azevedo Ramos

_____________________________
[1] Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[2] O Prof. Menezes Leitão adverte (in “Direito da Insolvência”, 2ª Ed., pags. 310) não julgar “correcto falar-se neste caso em indeferimento liminar, dado que normalmente há que produzir prova dos fundamentos de indeferimento”.
[3] In “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, pags. 284.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/330973b5290b31a2802578c500469633?OpenDocument

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