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sábado, 6 de agosto de 2011

JOGO DE FORTUNA E AZAR - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 31-05-2011

Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
100/07.6TACCH.E1
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR

Data do Acordão: 31-05-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO

Sumário: I – O jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão (uma moeda de € 0,50) e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado (entre € 1 € e € 200), deve ser qualificado como modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar.

II – A exploração da máquina por onde o jogo corria não constitui um crime de exploração ilícita de jogo.

III - Podendo constituir uma contra-ordenação, seria abstractamente punível com uma coima máxima de € 2.493,99, pelo que, tendo sido cometida entre os dias 01-01-2004 e 24-07-2004, há muito que se verificou o decurso do prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora (2.ª Secção Criminal):

I - Relatório.

1. Filipe…, foi submetido a julgamento, no processo em epígrafe, acusado da prática, em co-autoria material com outro, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art.º 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

2. Efectuada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz proferiu sentença, na qual, além do mais, condenou aquele Arguido, nos termos em que fora acusado, na pena, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, que substituo por uma pena de 120 (cento e vinte) dias multa e numa pena de 90 (noventa) dias de multa; e, somando estas duas penas vai condenado na pena de multa de 210 (duzentos e dez) dias à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros).

3. Inconformado com a sua condenação, recorreu o Arguido, pedindo que se revogue a sentença recorrida, e que se a substitua por outra que o absolva, rematando a motivação com as seguintes conclusões:

1 - As modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, previstas no artigo 159.º da Lei do Jogo, não são abrangidas pela tutela penal;
2 - O tipo de crime previsto no art. 108 da Lei do Jogo tem como elemento objectivo a exploração ilícita de jogos de fortuna e azar tout court;
3 - A doutrina e a jurisprudência têm procurado um critério de fronteira entre os dois;
4 - O Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2010 (DR. 46 Série 1 de 2010-03-08) atribui especial relevância ao critério teleológico, como expressão do princípio da legalidade;
5- O tribunal recorrido deu como provado que a aposta era de 0,50 euros, quantia de irrelevante valor económico;
6 - Deste modo, a máquina de jogo apreendida no café Girassol, e aí colocada pelo recorrente, atentas as suas características e modo de funcionando, no cabe no conceito penal de jogos de fortuna ou azar;
7 - Pelo que, por falta de um elemento objectivo do tipo, impunha-se a absolvição do arguido;
8 - A sentença violou o artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal, o n.º 1 do artigo 159.º e 108.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n2 10/95, de 19 de Janeiro.

4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora Adjunta concluindo deste modo:

1. No Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 está em causa uma máquina com funcionamento distinto da máquina apreendida nos autos, tratando-se de um “jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.

2. A máquina em causa nos autos desenvolve um jogo semelhante ao das roletas dos casinos, em que o objectivo é conseguir que, após introdução de moeda e início do movimento circulatório de um ponto luminoso, este se imobilize num dos orifícios com direito a prémio.

3. A propósito da distinção entre modalidade afim e jogo de fortuna e azar pronunciou-se concretamente o referido Acórdão de Fixação de Jurisprudência quando diz: “No caso das máquinas de fogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:

- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam lemas próprios dos jogos de for/una ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

4. E precisamente a propósito destas máquinas semelhantes às rifas ou às tômbolas que o Acórdão do STJ n.º 4/20 10 faz apelo a outros critérios para a distinção entre jogo de fortuna e azar e modalidade afim: Tal é a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar) não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada possibilitando uma série praticamente ilimitadas de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente” (sublinhados nossos).

5. Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta secundou a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do Arguido.

7. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação.
1. Da decisão recorrida.
1.1. Factos julgados provados:

1. Em data não concretamente apurada, mas entre 01 de Janeiro de 2004 e 24 de Junho de 2004, o arguido Filipe… dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado "Café… ", sito no B…, Coruche, explorado por Maria…
2. Aí chegado, o arguido Filipe…, com o acordo do arguido António… deixou um jogo para que o arguido António… o colocasse no aludido estabelecimento comercial, à disposição de quem quisesse jogar com o mesmo, o que este fez.
3. Tal jogo denomina-se "Euro Dreams" e é composto por um móvel tipo portátil, predominantemente de cor azul claro, com estrutura de madeira e metal, tendo na parte frontal um painel em vidro acrílico.
4. No canto superior esquerdo está o mecanismo de introdução de moedas de 0,50 euros, e no canto direito existe uma frase em língua italiana: "Instruzioni d'uso", seguida de um texto na mesma língua, explicando o jogo e o funcionamento da máquina.
5. Ao centro do aludido painel situa-se um mostrador circular dividido em oito pontos, os quais, observados no sentido dos ponteiros do relógio, são identificados pelos seguintes números: 1; 50; 2; 100; 5; 20; 200; 10.
6. No enfiamento de cada número situa-se um orifício, que se ilumina à passagem de um sinal luminoso que gira no sentido dos ponteiros dos relógios quando a máquina desenvolve uma jogada. O mostrador circular está dividido em sessenta e quatro pontos luminosos equidistantes, sendo que apenas oito estão identificados.
7. Ao centro do referido círculo há uma janela digital, onde são apresentados os pontos ganhos em cada jogada, acumulando-os para as jogadas seguintes.
8. Quando o ponto luminoso pára, num dos pontos acima referidos, todo o círculo se ilumina, dando conta que o jogador tem uma jogada premiada.
9. No lado direito da máquina situa-se um pequeno cofre que guarda o dinheiro das jogadas introduzidas pelo jogador.
10. A máquina funciona com corrente eléctrica através de um transformador de Tensão.
11. O jogo funciona da seguinte forma: após a introdução de uma moeda (0,50 € equivale a 50 créditos), automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre, no sentido contrário dos ponteiros do relógio, os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem.
12. A exemplo do que se passa nas roletas tradicionais dos casinos, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados.
13. A partir desse momento, pode suceder uma de duas situações: - o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 (equivalente a 1 €) e 200 (equivalente a 200€); o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio monetário.
14. O jogo supra descrito serve para a prática de jogo de fortuna ou de azar, semelhante ao das roletas dos casinos em que o objectivo é o de conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, resultado esse que sucede sem depender minimamente da perícia do jogador.
15. O arguido António…, não possuía qualquer autorização para exploração de jogos de fortuna ou azar, nem tal estabelecimento estava autorizado a essa mesma exploração.
16. O arguido António… colocou o supra referido jogo à disposição dos utentes do estabelecimento comercial explorado por Maria Antónia Neves, mediante acordo com o arguido Filipe… de repartição do dinheiro utilizado no jogo pelos jogadores do mesmo.
17. Os arguidos sabiam que para fazer a exploração do jogo supra descrito é necessária a autorização do organismo competente para tal e não obstante esse conhecimento expuseram o referido jogo no citado estabelecimento comercial para que os clientes jogassem no mesmo, acordando em dividir os lucros entre ambos, o que previram, quiseram e conseguiram, bem sabendo que não o podiam fazer.
18. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
19. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
20. O arguido Filipe… é electricista, trabalha por conta própria, sem empregados, auferindo quantia não apurada.
21. O arguido Filipe… é casado e tem um filho de 12 anos.
22. A mulher do arguido Filipe… é cabeleireira e trabalha por conta própria.
23. O arguido António… é casado e tem um filho maior, o qual não depende de si economicamente .
24. O arguido António… encontra-se reformado e aufere uma pensão do montante de 370,00€ por mês.
25. A mulher do Arguido António… trabalha num restaurante e aufere a cerca de 500,00€ por mês.

1.2. Factos julgados não provados:
Não se provaram os demais factos que não se compaginem com a matéria provada, designadamente que:
1. O dinheiro produto do jogo fosse dividido em partes iguais entre os arguidos.

1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto:
A convicção da matéria de facto provada e não provada, baseou-se na análise critica da prova produzida, consubstanciada nas declarações dos arguidos, nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e toda a prova documental e ainda na prova pericial dos autos, tendo-se em conta:

Prova pericial:
- Relatório Pericial de fls. 28 a 34.

Prova documental:
- Auto de notícia e apreensão de fls. 6 a 8 – donde se constata além do mais, a apreensão da máquina e do dinheiro que nela se encontrava.

Declarações dos arguidos:
O arguido António referiu que a máquina foi colocada no café, por seu intermédio, mas não sabia tratar-se de uma máquina de fortuna ou azar.
O arguido Filipe... admitiu ter colocado a máquina no café referido na acusação, foi o arguido António… que aceitou a máquina e era com este arguido que eram estabelecidos os contactos. Referiu que tal máquina não era de fortuna ou azar e que existiam muitas do género noutros estabelecimentos.
A testemunha José M…, militar da GNR, lembra-se da apreensão e que a máquina se encontrava ligada; e quanto a pormenores relativos ao funcionamento da máquina revelou não se lembrar.
A testemunha José G…, militar da GNR aposentado não se lembrava dos factos, no entanto, confrontado com o auto de notícia e apreensão referiu ser sua uma das assinaturas que aí constam como sendo dos agentes autuantes.
A prova foi valorada em globo, conjugada com as regras da experiência. Donde se concluí que os arguidos exploravam em conjunto aquela máquina de jogo, a qual se mostrava ligada à disposição de quem nela pretendesse jogar, repartindo entre ambos os lucros resultante da utilização dessa máquina, mais sabiam que a suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Foi determinante para se apurar o funcionamento da máquina o exame pericial à máquina.
Embora se tenha apurado que os arguidos repartiam os lucros que adviessem da exploração da máquina, desde logo, pelas regras da experiência e o conhecido modus operandi neste tipo de jogos e, ainda, pela análise crítica das declarações dos arguidos, não se logrou apurar a medida exacta em que era feita essa repartição de proventos.
No que concerne às condições económicas dos arguidos relevaram as respectivas declarações.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos resulta dos certificados juntos aos autos.
***
2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios da sentença ou do acórdão e das suas nulidades que se não devam considerar sanadas, tudo de acordo com o disposto no art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[3]

Assim, considerando que se não detecta qualquer vício ou nulidade na sentença recorrida de entre os que se devesse conhecer ex officio, diremos que a questão a apreciar neste recurso seja apenas a seguinte:

Na máquina em causa corria um jogo de fortuna ou azar ou um jogo afim desses?
***
2.2. Vejamos então a questão atrás enunciada.

Como está bem de ver, a primeira asserção corresponde à posição seguida pela douta sentença recorrida e, a segunda, à propugnada pelo Recorrente. Sendo certo que ambas têm presente a uniformização jurisprudencial saída do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, de 4 de Fevereiro de 2010, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 46, de 8 de Março de 2010. De todo o modo, é de toda a conveniência ter presente o quadro normativo relevante para a apreciação do caso ora trazido ao desembargo desta Relação.

Assim, em primeiro lugar importar dizer que a lei genericamente estabelece que os «jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»[4] e, de seguida, a mesma delimita esses tipos de jogo, primeiro reservando a sua prática aos casinos[5] e, por fim, exemplificando a sua tipologia.[6]

Considerando a lei autorizada a exploração em casinos dos jogos de fortuna ou azar bancados[7] e não bancados[8] e, ainda, jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas[9] e jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte,[10] deixa claro que fora dessas condicionantes a exploração, prática ou presença ilícita em locais onde decorram este tipo de jogos é tipificada como crime.[11]

A par destes jogos de fortuna e azar, a lei admite a existência de outros jogos de fortuna e azar cuja exploração e prática não é livre mas dependente de autorização do membro do Governo responsável pela administração interna, mas que, sendo levada a cabo fora dessas condicionantes legais, não é tipificada como crime mas como uma contra-ordenação.[12] A lei refere-se-lhes como sendo «modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico»[13] e exemplificadamente considera como tais «… rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.»[14]

Concatenando aqueles e estes jogos de fortuna ou azar, parece evidente que tanto os jogos bancados como os não bancados tipificados na lei são sempre de reserva para exploração pelos casinos e quando o sejam fora deles essa actividade é tipificada como um ilícito criminal. E o mesmo se diga, mutatis, mutandis, relativamente aos jogos em máquinas que paguem directamente prémios em fichas ou em moedas.

A dúvida pode residir, portanto, como no caso sub iudicio, nos restantes jogos em máquinas, que não paguem directamente prémios em fichas ou moedas mas que apresentem como resultado pontuações dependentes, no todo ou em parte, da sorte.[15] Nesses casos, só são tipificados como crimes os que desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou[16] apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.

Ora, foi precisamente porque no caso concreto o jogo apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte do jogador[17] e indirectamente atribui como prémio quantias em dinheiro,[18] que o Mm.º Juiz a quo o sentenciou como ilícito. Porém, as coisas não são tão simples como parecem, sequer à luz da jurisprudência recentemente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça,[19] de acordo com o qual «constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.»

No caso dos autos e ao contrário do que foi objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, o jogo prescinde de qualquer actividade do jogador para além da introdução de uma moeda pela ranhura indicada para esse efeito, pois que logo que isso ocorra «… automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre, no sentido contrário dos ponteiros do relógio, os vários orifícios existentes no mostrador circular, iluminando-os à sua passagem …» enquanto que naquele se exigia que rodasse um manípulo.

No entanto, parece evidente que o automatismo do jogo referido neste processo, por contraponto ao mecanicismo daqueloutro, não tem qualquer relevância, uma vez que esse diverso modo de operar não é qualificativo dos jogos de fortuna ou azar[20] como também dos considerados como modalidades afins deles.[21]

Por outro lado, também parece claro que o elemento sorte no contexto de uns e de outros não pode servir como elementos diferenciador entre eles, pois que a lei exige genericamente a sua presença nos reservados de fortuna ou azar e que, por isso mesmo, são reservados à exploração pelos casinos[22] como a admite nas modalidades de jogos afins.[23]

O mesmo modo se poderá dizer relativamente aos efeitos do prémio sobre o jogador: nos jogos de fortuna ou azar, essa recompensa é atribuída em fichas ou moedas e nas modalidades afins que atribuam pontos que se vão somando indefinidamente, pelo que em qualquer dos casos o apelo à renovação é premente e acrescenta ou pelo menos favorece a compulsividade do jogador para que continue a jogar.

Por outro lado, não é a temática própria dos jogos de fortuna ou azar nem a substituição por dinheiro ou por fichas dos prémios atribuídos que, em si mesmos, surgem como factores diferenciadores entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses jogos. É certo que a lei proíbe que nas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar sejam usadas temáticas próprias desses jogos e se substitua por dinheiro ou por fichas os prémios por atribuídos.[24] Porém, quando tal aconteça, a sua exploração é tipificada como contra-ordenação.[25] E se assim é, impõe-se concluir que não integra o crime de exploração ilícita de jogo[26] a exploração de uma modalidade afim[27] quando nesta corra uma temática própria dos jogos de fortuna ou azar ou seja trocado por dinheiro ou fichas o prémio que atribua, pois que então estamos perante uma contra-ordenação. É, portanto, o princípio da legalidade que nos impõe essa conclusão.[28]

Vejamos então o que verdadeiramente separa os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses jogos.

Em primeiro lugar, podemos isolar uma característica comum a todas as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, de resto imediatamente apreensível e que se não verifica nos jogos de fortuna ou azar:[29] a predeterminação do respectivo prémio.[30] A que acresce estoutra: a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante.[31]

Baixando ao caso concreto, constamos que o jogo desenvolvido na máquina em questão apresentava as seguintes características:

. o prémio era o seguinte: oscilava entre € 1 € e € 200.
o valor arriscado pelo jogador era sempre este: uma moeda de € 0,50.

Assim sendo as coisas, parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar. Pelo que a exploração da máquina por onde o jogo corria não constituía um crime de exploração ilícita de jogo.

E se é verdade que poderia constituir uma contra-ordenação, a verdade é que, nesse caso, seria abstractamente punível com uma coima máxima de € 2.493,99.[32] Pelo que, tendo a mesma sido cometida entre os dias 01-01-2004 e 24-07-2004, em qualquer dos casos há muito que se verificou o prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional.[33] Pelo que resta concluir pela procedência do recurso.
***
III - Decisão.
Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, se revoga a douta sentença recorrida e se absolve o Arguido / Recorrente da acusação contra ele deduzida.

Sem custas (art.º 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
*
Évora, 31-05-2011.
(António José Alves Duarte - relator)
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz - adjunta)

_________________________________________________
[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

[2] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»

[3] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.

[4] Art.º 1.º da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[5] Art.º 3.º da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro). Que apenas estão autorizados para funcionarem nas zonas concessionárias do jogo, a saber, Açores, Algarve, Espinho, Estoril, Figueira da Foz, Funchal, Porto Santo, Póvoa de Varzim, Troia e Vidago-Pedras Salgadas (Decretos-Lei n.ºs 10/95, de 19 de Janeiro e 15/2003 de 30 de Janeiro, este último criando um casino em Lisboa mas incluindo-o na zona de concessão do Estoril).

[6] Art.º 4.º da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[7] Art.º 4.º, n.º 1, alíneas a) a d) da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro), a saber: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero; black jack/21, chukluck e trinta e quarenta; bacará de banca limitada e craps; e keno.

[8] Art.º 4.º, n.º 1, alíneas f) e g) da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro), ou seja: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo.

[9] Art.º 4.º, n.º 1, alínea f) da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[10] Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[11] Art.º 108.º e seguintes da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[12] Art.os 159.º a 163.º da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[13] Art.º 159.º, n.º 1 da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[14] Art.º 159.º, n.º 2 da Lei do Jogo (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro).

[15] Naturalmente que se dependerem apenas da perícia do jogador ou não derem nenhum prémio de valor monetário ou económico deverão ser considerados jogos de mera diversão e não de fortuna ou de azar.

[16] Elementos tipificados em alternativa, portanto.

[17] Mas o mesmo se não pode dizer da sua temática, ao contrário do que conclusivamente se disse na douta sentença recorrida.

[18] Já que a um ponto obtido corresponde um euro e por aí adiante.

[19] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 4/2010, de 04-02-2010, tirado no processo n.º 2485/08 e publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 46, de 8 de Março de 2010.

[20] E por isso reservados aos casinos.

[21] Desse modo licenciáveis fora dos casinos pelo membro do Governo competente.

[22] O citado art.º 4.º da Lei do Jogo é decisivamente claro nesse aspecto: «… são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.»

[23] Cfr. o cit. art.º 159.º, n.º 1 da Lei do Jogo: «… a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte …»

[24] Art.º 161.º, n.º 3 da Lei do Jogo.

[25] Art.ºs 161.º, n.º 3 e 163.º, n.º 1 da Lei do Jogo.

[26] Art.º 108.º, n.º 1 da lei do Jogo.

[27] Art.ºs 159.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Jogo.

[28] Art.º 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 1.º, n.º 1 do Código Penal.

[29] Exemplificativamente enunciadas no art.º 159.º, n.º 2 da Lei do Jogo: rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

[30] Acórdão da Relação de Coimbra, de 02-02-2011, processo n.º 21/08.5FDCBR.C2, publicado em http://www.dgsi.pt.

[31] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, de fixação de jurisprudência, de 04-02-2010, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 46, de 08-03-2010. Casos há, de resto notórios, em que a participação em algumas dessas modalidades afins organizadas por jornais ou televisões, legalmente permitidas pelo art.º 161.º, n.ºs 1 e 2 da lei do Jogo, o que se arrisca não excede o valor do jornal ou de um a chamada telefónica.

[32] Art.º 163.º, n.º 1 da lei do Jogo.

[33] Que o art.º 27.º, alínea b) do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas fixa em um ano. Isto porque sendo competente para o procedimento o membro do Governo responsável pela administração interna, com poderes de delegação nos governadores civis, como resulta do art.º 164.º, n.º 1 da Lei do Jogo, não tendo sobrevindo nenhuma causa de suspensão nem de interrupção da prescrição, como se vê dos art.ºs 27.º-A e 28.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (note-se que o caso não é de concurso de infracções mas, outrossim, dos factos integrarem e só a contra-ordenação e não, ainda que aparentemente, também o crime). E mesmo na hipótese de assim ter sido, o que apenas se admite por necessidade de raciocínio, sempre se teria de considerar prescrito o procedimento contra-ordenacional. Isto porque o prazo normal da prescrição é, como vimos atrás, de um ano e o art.º 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas estipula que «a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.» Ora, como já dissemos, entre a data da comissão da contra-ordenação (que na pior das hipóteses para o ora Arguido teria sido o dia 24-07-2004) e o presente já decorreu um período de tempo muito superior a um a no e meio.

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/6b6311f0a7d606c8802578cb003d1dd9?OpenDocument

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