Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

domingo, 9 de outubro de 2011

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - UNIÃO DE FACTO MORTE PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA SEGURANÇA SOCIAL - 06/09/2011


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
322/09.5TBMNC.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
MORTE
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SEGURANÇA SOCIAL
REQUISITOS
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

Data do Acordão: 06-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DA FAMÍLIA - ALIMENTOS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12, Nº2, 2ª, PARTE, 2009.º, 2020.º.
DECRETO REGULAMENTAR Nº 1/94, DE 18-1: - ARTIGO 3.º.
D.L. Nº 322/90, DE 18-10: - ARTIGOS 3.º, 8.º, 15.º.
LEI N.º 7/2001, DE 11-5: - ARTIGO 6.º, N.º1, 7.º, N.º1, AL. A).
LEI Nº 23/2010, DE 30-8: - ARTIGOS 1.º, 3.º, 6.º, 11.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 7/6/2011, PROCESSO Nº 1877/08.7TBSTR.E1.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- Nº 614/2005, DE 9-1-2005.

Sumário :
I – A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, passou a reconhecer ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, designadamente à prestação de sobrevivência.

II – Ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início da vigência da nova lei nº 23/2010, uma vez constituída a situação jurídica de membro sobrevivo da união de facto dissolvida por morte, não deixa de se lhe aplicar o regime da nova lei, que concede ao membro sobrevivo a prestação de sobrevivência, independentemente da necessidade de alimentos, nos termos do art. 12, nº2, 2ª, parte, do C.C..

III – A prestação de sobrevivência é devida a partir do momento em que a Lei nº 23/2010 passou a produzir efeitos, pelo que, no caso concreto, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.


Decisão Texto Integral:

8. Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


9. Em 2-7-09,AA instaurou a presente acção ordinária contra o réu Instituto de Segurança Social, IP / Centro Nacional de Pensões, pedindo que se declare que a autora viveu em união de facto com BB por mais de dois anos e que é titular do direito às prestações por morte do seu companheiro, previstas no dec-lei nº 322/99, condenando-se a ré a reconhecer esses factos, com as legais consequências.
10. Alegou que vivia há mais de dois anos com o falecido BB, beneficiário da Segurança Social, em união de facto, e que, à data da sua morte, este não possuía quaisquer bens, inexistindo rendimentos da herança.
11. Acrescenta que sobrevive fazendo horas ou frequentando cursos de formação profissional, não conseguindo prover à sua subsistência, tendo apenas uma filha que não está em condições de a ajudar e quatro irmãos, nas mesmas circunstâncias.
12. Contestou o réu, por impugnação, alegando desconhecimento dos factos, com excepção do número de beneficiário e da data da sua morte.
1.
13. Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

14. Apelou a autora, com êxito, pois a Relação de Guimarães, através do seu Acórdão de 22-2-2011, julgou procedente a apelação, revogou a sentença recorrida e reconheceu à autora a qualidade de titular das invocadas prestações sociais por morte, da Segurança Social.
1. *
15. Agora é o Instituto da Segurança Social, IP/ Centro Nacional de Pensões que pede revista, cujas alegações culminam por extensas conclusões, onde pede a improcedência da acção e a revogação do Acórdão recorrido, por considerar que não foi feita prova da impossibilidade dos familiares constantes das alíneas a) e c) do art. 2009 do C.C. poderem prestar alimentos à autora ou já terem falecido, e ainda por a nova Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, não ter eficácia retroactiva e só poder aplicar-se aos óbitos ocorridos a partir de 4 de Setembro de 2010, data da sua entrada em vigor.
1. *
16. A autora contra-alegou em defesa do julgado.

1. *
17. Corridos os vistos, cumpre decidir.

1. *
18. A Relação considerou provados os factos seguintes, após as alterações a que procedeu.

19. 1 – Em 23-4-08, faleceu BB, na freguesia de ......., Melgaço, no estado de viúvo de CC, pré-falecida em 6-9-90.

20. 2 – A autora havia contraído casamento com DD, em 1-9-1999, casamento esse entretanto dissolvido por divórcio decretado por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de Monção, datada de 22-3-01 e transitada nessa mesma data.

21. 3 – BB era beneficiário da Segurança Social com o nº 00000000000.

22. 4 – A autora e BB viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, pelo menos desde 2001, residindo num apartamento arrendado sito no Edifício ..........,..º andar esquerdo, do .... corpo, Monção e, cerca de uma semana antes do referido BB ter falecido, o mesmo foi para casa dos pais.

23. 5 – A autora e o BB eram considerados como se de esposa e marido se tratassem, respectivamente, e assim se apresentavam às pessoas com quem conviviam.

24. 6 – Os encargos da vida em comum partilhada entre a autora e o BB eram suportados pelos rendimentos de ambos.

25. 7 – BB exercia a profissão de operário da construção civil e auferia à data da morte, um rendimento mensal de cerca de 450 euros.

26. 8 – A autora trabalha numa empresa que presta serviços na área da viticultura, fornecendo mão de obra no tratamento das vinhas, actividade da qual retira um rendimento na ordem de 450 euros mensais.

27. 9 – A autora continua a residir na morada indicada em 4, pagando a renda mensal de 235 euros, sendo a sua irmã quem figura no contrato de arrendamento como arrendatária.

28. 10 – Além da actividade referida em 8, a autora já frequentou cursos de formação profissional e faz, por vezes, ao fim de semana, horas de trabalhos agrícolas.

29. 11 – Entre Outubro de 2008 e Maio de 2009, frequentou quatro cursos de formação profissional, tendo, enquanto duraram os mesmos, auferido valor equivalente ao salário mínimo nacional.

30. 12 – A autora tem uma filha de maior idade, que aufere, do seu trabalho, quantia mensal que varia entre os 450 euros e os 500 euros, e que esta filha tem um filho menor.

31. 13 - A autora tem quatro irmãos, três dos quais emigrados (dois em França e um em Espanha), sendo que estes têm famílias constituídas, auferindo vencimentos próximos dos rendimentos mínimos nacionais dos referidos países. A irmã que reside em Portugal trabalha na limpeza de ruas, auferindo o salário mínimo nacional.

32. 14 – Não existem no acervo da herança aberta por óbito de BB bens suficientes para garantirem à autora o pagamento de uma pensão de alimentos.

1. *

33. A sentença da 1ª instância considerou a acção improcedente, por ter entendido que a autora não provou todos os requisitos de que depende o reconhecimento do direito a prestações de sobrevivência por morte de um beneficiário da Segurança Social, impostos pela Lei 7/2001, de 11 de Maio, na redacção anterior à alteração decorrente da Lei 23/2010, de 30 de Agosto.

34. Ao contrário, o Acórdão recorrido julgou que estão verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito a prestações de sobrevivência, por morte de um beneficiário da segurança social, exigidos pela Lei 7/2001, de 11 de Maio, também na redacção anterior à introduzida pela Lei 23/2010, de 30 de Agosto.

35. O recorrente discorda do decidido, sustentando que a autora não logrou provar o pressuposto de que os familiares constantes das alíneas a) e c) do art. 2009 do C.C. (ex-cônjuge e ascendentes) não possam prestar alimentos à mesma autora ou já tenham falecido.

36. Por outro lado, defende que não pode ser atribuída eficácia retroactiva à nova Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, pelo que esta só pode aplicar-se, na sua óptica, a óbitos ocorridos a partir do dia 4 de Setembro de 2010, data da sua entrada em vigor.
37. Que dizer ?
38. A lei vigente à data do óbito do companheiro da autora era a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, na sua primitiva redacção, pois aquele faleceu em 23-4-2008.
39. Nos termos dos seus arts 1º, 3º e 6º, as pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos, à data da morte do beneficiário, têm direito, à protecção social no caso de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral de segurança social e da lei.
40. No entanto, este direito encontrava-se limitado, pois dele só podia beneficiar quem reunisse as condições constantes do art. 2020 do C.C.
41. Assim, o direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte (art. 3, do dec-lei nº 322/90, de 18, de Outubro), dependia da prova da união de facto há mais de dois anos, da necessidade de alimentos, da inexistência ou insuficiência de bens da herança do falecido para prestar alimentos, ou, provada essa impossibilidade, da inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por parte dos familiares do unido de facto sobrevivente, referidos nas alíneas a) a d) do art. 2009 do C.C., ou seja, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
42. Sendo certo que existiu alguma divergência na jurisprudência no que tange aos requisitos essenciais a provar nestas acções instauradas contra a Segurança Social, é hoje pacífica a orientação jurisprudencial que se vem firmando, nomeadamente aquela que resulta do Plenário do Tribunal Constitucional e que foi proferida no seu Acórdão nº 614/2005, de 9-1-2005, no qual se considerou não discriminatória, nem desproporcionada ou inconstitucional, a exigência de prova por parte da companheira sobreviva, para além da convivência em condições análogas às dos cônjuges por mais de dois anos, o reconhecimento judicial do direito a receber alimentos, nas condições previstas no art. 2020 do C.C., por remissão efectuada pelos arts 8 do dec-lei nº 322/90, de 28 de Outubro e art.3 do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro.
43. Daí que, face à Lei nº 7/2001, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 23/2010, além da união de facto por mais de dois anos e da necessidade de alimentos, a autora tinha de provar que os não podia obter da herança do falecido companheiro, bem como dos familiares referidos nas alíneas a) a d) do art. 2009 do C.C. (ou seja, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos).
44. Ora, apesar de ter sido considerado provado que os descendentes e os irmãos não podiam prestar alimentos à autora, esta não demonstrou, como vem invocado pelo recorrente, que o ex-cônjuge e os ascendentes da mesma autora (al. a) e c) do art. 2009 do C.C.) já tivessem falecido ou que, sendo vivos, não pudessem prestar-lhe alimentos.
45. O que significa que a acção devia improceder, se lhe fosse aplicável o regime anterior à mencionada Lei nº 23/2010.

46. Consequentemente, a questão fulcral a decidir consiste em saber se a alteração legislativa introduzida pela nova Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, se aplica ao caso concreto.

47. Ora, de acordo com a nova redacção do art. 6, nº1, da Lei nº 7/2001, introduzida pelo art. 1º da Lei nº 23/2010, para atribuição da pensão de sobrevivência, basta provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário, tendo o direito às prestações sociais deixado de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.

a. Aqui chegados, resta analisar se tal alteração legislativa se aplica às situações de união de facto já dissolvidas à data da entrada em vigor da nova Lei nº 23/2010, ou se apenas tem aplicação aos casos em que o óbito do beneficiário da segurança social ocorra posteriormente à sua vigência.

48. Como é sabido, um dos modos da dissolução da união de facto é através do falecimento de um dos seus membros - art. 7, nº1, al. a) da Lei nº 7/2001.
49. A definição das condições de atribuição das prestações sociais afere-se com referência à data da morte do beneficiário – art. 15 do dec-lei nº 322/90.

a. Todavia, se é certo que o momento da morte tem relevância para a definição das condições de atribuição das prestações sociais, a verdade é que o facto da morte não é um elemento constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, mas tão somente o facto que desencadeia a dissolução da união de facto cuja existência nesse momento é indispensável para a atribuição do direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte.
b. Quer isto dizer “ que o facto - morte não é facto integrativo ou constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência. Esse direito, no domínio da LA era composto pela existência da união de facto à data da morte do membro sobrevivo e pela impossibilidade de os obter daqueles que estavam para com ele obrigados a alimentos. A LA não reconhecia o direito à pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto que não carecesse de alimentos. A LN reconhece tal direito ao membro sobrevivo da união de facto independentemente da necessidade de alimentos” (Ac. S.T.J. de 7-6-2011, proferido na Revista nº 1877/08.7TBSTR.E1.S1 e relatado pelo Ex.mo Conselheiro Salazar Casanova).
50. Assim, a extinção da relação jurídica “união de facto” em consequência da morte de um dos seus membros, que seja beneficiário do regime da segurança social, dá lugar a uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito às prestações sociais, que pode fazer valer contra a Segurança Social.
51. A nova lei contempla apenas esta situação do membro sobrevivo de uma união de facto, sem estabelecer qualquer limitação quanto ao momento em que cessou a união de facto.
52. E, como se escreve no douto Acórdão deste S.T.J. de 7-6-11, atrás citado, “tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do facto que lhe deu origem ou do momento em que se constituiu, ficando consequentemente sujeita, ao domínio da LN, pois ela autonomiza-se – abstrai - da realidade que a desencadeou : a dissolução por morte de uma união de facto preexistente”.
53. O que permite concluir que as alterações introduzidas na Lei nº 7/2001, por via da Lei nº 23/2010, são aplicáveis no caso em questão, nos termos do preceituado no art. 12, nº2, 2ª parte do Cód. Civil, tendo a autora direito às reclamadas prestações sociais, independentemente da necessidade de alimentos, como decorre da actual redacção do art. 6, nº1, daquela Lei.

54. A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, entrou em vigor no quinto dia posterior à sua publicação, ou seja, em 4 de Setembro de 2010, por nela não ter sido estabelecido qualquer prazo especial de “vacatio legis” .

55. Porém, vem estabelecido no art. 11 da mesma Lei nº 23/2010, que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor “.

56. Não oferece dúvida que a aplicação da Lei nº 23/2010 às situações de dissolução, por morte, de união de facto, independentemente da necessidade de alimentos do membro sobrevivo, tem repercussão económica no Orçamento do Estado, pelo acréscimo de despesa que necessariamente acarreta e que não foi considerada no Orçamento anterior.
57. O que significa que a aplicação da Lei 23/2010 ao caso concreto em apreciação, nos termos supra descritos, conduz a que o direito às prestações sociais, cujo recebimento é reconhecido à autora, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011.

1.
58. Sumariando:

59. I – A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, passou a reconhecer ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, designadamente à prestação de sobrevivência.
60. II – Ainda que o óbito do beneficiário haja ocorrido em momento anterior ao início da vigência da nova lei nº 23/2010, uma vez constituída a situação jurídica de membro sobrevivo da união de facto dissolvida por morte, não deixa de se lhe aplicar o regime da nova lei, que concede ao membro sobrevivo a prestação de sobrevivência, independentemente da necessidade de alimentos, nos termos do art. 12, nº2, 2ª, parte, do C.C.
61. III – A prestação de sobrevivência é devida a partir do momento em que a Lei nº 23/2010 passou a produzir efeitos, pelo que, no caso concreto, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.

1.

62. Termos em que negam a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido, embora com diversa fundamentação e tendo-se em conta que o direito às prestações sociais, cujo recebimento é reconhecido à autora, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011.
63. Custas pelo recorrente.

Lisboa, 6 de Setembro de 2011


Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/02aed789c443ad6980257904003c2cc7?OpenDocument

Pesquisar neste blogue