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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - FIANÇA GERAL NULIDADE INDETERMINABILIDADE DO OBJECTO SOCIEDADES COMERCIAIS SÓCIO GERENTE - 08/09/2011


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6065/04.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: FIANÇA GERAL
NULIDADE
INDETERMINABILIDADE DO OBJECTO
SOCIEDADES COMERCIAIS
SÓCIO GERENTE

Data do Acordão: 08-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA

Sumário :
Não é nula, por indeterminabilidade do objecto negocial, a fiança prestada por sócio gerente da sociedade afiançada, a que estava especialmente confiado o pelouro da respectiva gestão comercial, reportada a dívidas futuras, emergentes do desenvolvimento de relação contratual perfeitamente determinada e sujeita a termo certo e decorrentes de fornecimentos de bens e serviços, directamente conexionados com o giro e normal e previsível actividade da sociedade - que o sócio gerente/fiador podia, aliás, conformar e influenciar decisivamente através do exercício dos poderes de gestão que lhe resultavam da lei e do contrato de sociedade.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA - Portuguesa Petróleos, S.A., intentou acção de condenação, na forma ordinária, contra BB Lda, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 686.247,39 (€ 662.003,21 a título de capital e € 24.245,18 referentes a juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva de 12% ao ano , aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais). Alega a Autora que, por contrato de cessão de exploração e fornecimento, celebrado por dez anos, tacitamente renovado por períodos anuais, que podia ser denunciado com trinta dias de antecedência relativamente ao seu fim ou à sua renovação, cedeu a exploração de um posto de abastecimento de combustíveis à 1ª co-Ré (BB, Lda). Tal contrato, veio a ser, por aditamento de 12 de Dezembro de 2000, prorrogado por cinco anos, que decorreriam entre 01 de Julho de 2001 e 30 de Julho de 2006.
Por outro lado, por termo de fiança datado de 17 de Outubro de 1991, os 2º, 3º, 4º e 5º co-Réus (CC, DD , EE e mulher, FF), responsabilizaram-se solidariamente, como fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício de excussão prévia, pela integral liquidação de das as obrigações contraídas ou a contrair pela 1ª co-Ré (BB, L.da) no âmbito do contrato celebrado.
Ora, tendo feito diversos fornecimentos à 1ª co-Ré, que os não pagou, celebrou-se, em 27 de Novembro de 2002, um acordo mediante o qual a BB, L.da se confessou devedora da quantia de € 1.117.365,10, obrigou-se a pagar pontualmente todos os futuros fornecimentos que lhe fossem feitos, ficando, ainda, estipulado que o incumprimento do acordado conferia o direito à resolução do contrato; por sua vez, os 4º e 6º co-Réus (EE e GG) constituíram-se como fiadores e principais pagadores de todas as obrigações estipuladas ou emergentes do dito acordo, com renúncia ao benefício de excussão prévia.
Não obstante, - acrescenta a Autora - forneceu à 1ª co-Ré BB, Lda produtos no valor de € 662.003,21, que os não pagou, nem os restantes co-Réus o fizeram, apesar da sua vinculação como fiadores. Por isso, por carta de 29 de Julho de 2004, resolveu o contrato de cessão de exploração e fornecimento celebrado com a 1ª co-R., que lhe restituiu, no dia 30 de Julho de 2004, o posto de abastecimento de combustíveis.
Deste modo, permanecendo por pagar a quantia de € 791.440,03, a A. vem reclamá-la de todos os co-Réus, - devedor principal e fiadores - sendo que os 2º, 3º, 4º, 5º e 6º (CC, DD, EE e mulher, FF e GG) são demandados em virtude da fiança que prestaram, e que, mercê do acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002 reclamou, em acção executiva, o pagamento do remanescente montante em falta, que ascende a € 416.929,84.

Todos os réus contestaram, impugnando, nomeadamente, a sua vinculação como fiadores da sociedade 1ª R..
Assim, o 2º co-Réu, CC, alegou que, sendo ao tempo sócio-gerente da 1ª co-Ré, BB, L.da, prestou fiança em 17 de Outubro de 1991, a qual garantia o pagamento de um montante máximo de € 49.879,79, valor que correspondia ao estabelecido para fornecimentos no contrato de cessão de exploração e fornecimento de que a fiança era acessória; na sequência de divórcio, a sua quota foi adjudicada, em 21 de Novembro de 1995, à sua ex mulher, a 3ª co-Ré DD , tendo, em 27 de Maio de 1998, renunciado à gerência da 1ª co-Ré –sendo certo que, por força do aditamento ao contrato de cessão e do acordo de pagamento, as obrigações e garantias iniciais que o vinculavam foram substituídas, surgindo, então, outros fiadores.
De qualquer modo, - prossegue o 2º co-Réu CC - por força do art. 654º do C.C., o prazo de validade da fiança que prestou em 17 de Outubro de 1991 já expirou; e, ainda que assim se não entendesse , tendo a autora, no decurso de 2004, continuado a fornecer a 1ª co-Ré, BB, L.da, apesar de haver três meses que as facturas não eram liquidadas , permitindo que o débito atingisse a quantia de € 791.440,03, comprometeu o direito de sub-rogação que, como fiador, lhe assistia, ficando por isso desonerado nos termos do art. 653º do C.C..

A 3ª co-Ré DD contestou, dizendo que a fiança que subscreveu em 17 de Outubro de 1991 estava limitada a um valor máximo de responsabilidade de € 49.879,79, já que era esse o valor da obrigação principal do contrato de cessão de exploração e fornecimento de que a mesma era acessória. Mais alegou que, tendo o contrato em referência uma duração inicial de dez anos, a sua fiança estaria necessariamente limitada àquele período, ou às suas eventuais renovações anuais, e nunca também à prorrogação por mais cinco anos, acordada em 12 de Dezembro de 2000 sem a sua participação e, até mesmo, sem o seu conhecimento.
Acresce, - continua a 3ª co-Ré – que, no aditamento então celebrado, foi afastada a fiança inicialmente prestada, que foi substituída por uma garantia bancária de Esc. 50.000.000$00; além de que, com o acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002, subscrito pelos 4º e 6º co-Réus (EE e GG), ocorreu a substituição dos fiadores.
Por outro lado, - diz, ainda, a mesma co-Ré - a fiança por si prestada em 17 de Outubro de 1991 é nula por indeterminabilidade do seu objecto, pois não se fixaram critérios que permitissem definir o prazo de responsabilização ou o montante máximo afiançado, havendo apenas uma referência genérica a todas as obrigações presentes e futuras da 1ª co-Ré, BB, L.da, resultantes do contrato de cessão de exploração e fornecimento invocado pela A.
E, tendo a Autora continuado a fornecer a 1ª co-Ré, BB, L.da, apesar dos seus reiterados incumprimentos, que totalizaram € 791.440,03, impossibilitou o exercício do seu próprio direito de sub-rogação, pelo que sempre estaria liberada das suas obrigações de fiadora, nos termos do art. 653º do C.C..

Os 1º (BB, Lda), 4º e 5º co-Réus (EE e mulher, FF), na contestação que apresentaram, pediram que fossem julgadas procedentes as excepções por eles invocadas, tendo, para o efeito, alegado que a fiança que prestaram é nula por indeterminação do seu objecto e que, tendo a Autora outorgado um seguro de crédito com Corface Ibérica, esta já teria notificado a 1ª co-Ré BB, L.da para lhe pagar a quantia de €589.063,20; e que aquela, invocando perante os seus próprios clientes uma inexistente cessão de créditos, teria recebido directamente dos mesmos a quantia global de € 31.047,91, tudo perfazendo o total de € 620.111,11.
Sustentam ainda os 1º, 4º e 5º co-Réus que, perfazendo o somatório das facturas reclamadas nos autos o montante total de € 662.003,21, sempre teria que ser subtraída a quantia de €77.479,62, respeitante a duas facturas que nunca foram apresentadas ou remetidas à 1ª co-Ré, reduzindo-se assim aquele primeiro montante a € 584.523,59, havendo, ainda, que subtrair a quantia correspondente ao stock de combustíveis que ficaram nos tanques e às mercadorias da loja de apoio, que se encontravam no posto de abastecimento quando o mesmo foi entregue à Autora ( valores a liquidar oportunamente).

O 6º co-Réu (GG contestou pedindo que se declare nula a fiança, por ter sido coagido a prestá-la e por ser indeterminável o seu objecto.
Diz, ainda, aquele co-Réu que se tornou sócio da 1ª co-Ré, BB, L.da, em 1999, tendo pago, com recurso a crédito bancário, a quantia de €129.687,45. A Autora - acrescenta - sempre o pressionou a assumir, por fiança, a responsabilidade pelos débitos anteriores à sua entrada para a sociedade, o que recusou, cedendo, porém, relativamente ao acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002 e à fiança que aí prestou, por lhe ter sido dito pela Autora que a 1ª co-Ré perderia de imediato a exploração do posto de abastecimento de combustíveis (perdendo assim ele próprio o seu investimento que ainda se encontrava a pagar) se assim não agisse - sendo que o texto que assinou foi integralmente elaborado pela A. e apresentado aos subscritores para que o assinassem, sem discussão e sem negociação possível: daí que sustente a existência de coação moral, sendo assim nula a fiança, que o é também por não ter sido fixado prazo da sua duração nem o quantitativo máximo de responsabilidade.
Por fim, invocando não ser factualidade do seu conhecimento pessoal, o 6º co-Réu impugna a matéria alegada pela Autora, nomeadamente a exactidão dos montantes reclamados, precisando, ainda, nunca ter ele próprio participado na gestão financeira da 1ª co-Ré, BB, L.da, não recebendo ou controlando quaisquer facturas ou pagamentos.

A Autora replicou às contestações apresentadas.
Assim, na réplica à contestação do 2º co-Réu CC, a Autora alega que a fiança por ele prestada não está extinta já que a obrigação principal subsiste, não resultando do texto da fiança assumida qualquer limitação quanto ao valor máximo de responsabilidades do fiador.

A Autora alegou ainda que a adjudicação da quota do 2º co-Réu, CC, à 3ª co-Ré, DD, só seria idónea a desonerá-lo da fiança prestada se isso mesmo tivesse ficado previsto no texto desta, ou se ela própria, aqui Autora, tivesse aceite a desoneração, o que não foi o caso. E, quanto ao aditamento ao contrato, de 12 de Dezembro de 2000, ele não refere qualquer alteração na composição da 1ª co-Ré BB, L.da, não alterando nem afastando a anterior fiança (sendo que a garantia bancária, prevista então prestar, de Esc. 50.000.000$00, nunca chegou a concretizar-se) - o mesmo sucedendo com o acordo de pagamento, de 27 de Novembro de 2002 , em que as fianças aí prestadas por outros também não substituíram as anteriores.
Quanto ao prazo supletivo de cinco anos previsto no art. 654º do C.C., a Autora defende que tal normativo só se aplica enquanto a obrigação futura afiançada se não constituir, e apenas a partir do momento em que essa declaração seja feita ao credor (sendo que a mesma não teria sido oportunamente realizada pelo 2º co-Réu e, efectuada agora com a sua contestação, só valeria para obrigações contraídas pela afiançada que fossem posteriores à data da sua apresentação).
Por fim, alega a Autora que efectuou fornecimentos posteriores ao acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002 na convicção de que o mesmo seria cumprido, pelo que não se extinguiram os direitos de sub-rogação dos fiadores.
Por sua vez, na réplica à contestação da 3ª co-Ré, DD, a Autora pediu que as excepções por ela invocadas fossem julgadas inteiramente improcedentes, reiterando o seu pedido inicial de condenação, alegando para o efeito, em síntese, não resultar do texto da fiança por ela prestada qualquer limitação quanto ao valor máximo de responsabilidades assumidas, nomeadamente os € 49.879,79 por ela invocados, que se reportam exclusivamente ao montante da garantia bancária prevista no contrato de cessão de exploração e fornecimento. Mais alegou que o aditamento de 12 de Dezembro de 2000 não alterou nem afastou a anterior fiança (sendo que a garantia bancária aí prevista prestar, de Esc. 50.000.000$00, nunca chegou a concretizar-se) e que as fianças prestadas com o acordo de pagamento de 19 de Dezembro de 2002, não substituíram as anteriores (quando deixou de ser sócia da 1ª co-Ré, cabia à 3ª co-Ré libertar-se da fiança prestada em 17 de Outubro de 1991, o que por inércia não terá feito).
A Autora sustenta ainda que a fiança prestada não é nula, uma vez que a 3ª co-Ré, DD, era, então, sócia da 1ª co-Ré BB, Lda, podendo por isso determinar-se o seu objecto, isto é, as obrigações resultantes para aquela do contrato de cessão de exploração e fornecimento celebrado, reiterando que efectuou fornecimentos em datas posteriores ao acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002 na convicção de que o mesmo seria cumprido - daí que não se mostrem extintos os direitos de sub-rogação dos fiadores.
Finalmente, na réplica à contestação dos 1º, 4º e 5º co-Réus (BB, Lda, EE e mulher, FF), a Autora pediu que as excepções por eles invocadas fossem julgadas inteiramente improcedentes, reiterando o seu pedido inicial de condenação.
A Autora alega, para o efeito, não ser nula a fiança prestada, uma vez que o 4º co-Réu EE era então sócio gerente da 1ª co-Ré BB, Lda, pelo que participava no desenvolvimento da respectiva actividade comercial podendo, por isso, determinar-se o objecto daquela fiança. A Autora alega ainda que não recebeu da Corface Ibérica a quantia de € 589.063,20 e discrimina a natureza e quantidade de combustíveis que ficaram nos tanques no momento em que o posto de abastecimento lhe foi devolvido.

E, na réplica à contestação do 6º co-Réu, GG, a Autora pediu que as excepções por ele invocadas fossem julgadas inteiramente improcedentes, reiterando o seu pedido inicial de condenação; alega que - devendo a 1ª co-Ré BB, Lda, à data do acordo de pagamento de 27 de Novembro de 2002, a quantia de € 1.117.365,10, condicionou a continuação dos fornecimentos à prestação de alguma garantia, o que foi aceite pelo 6º co-Réu, que prestou a sua fiança de livre vontade, não tendo por isso existido qualquer coacção moral; e sustenta ainda não ser nula a fiança então prestada, uma vez que o 6º co-Réu GG era, então, sócio gerente da 1ª co-Ré BB, L.da, participando nessa qualidade no desenvolvimento de toda a sua actividade comercial.

Foi proferido despacho saneador, registados os factos assentes e elaborada a base instrutória.
A 1ª co-Ré BB, L.da, deduziu incidente de liquidação, nos termos do art. 378º do C.P.C. , requerendo que se fixasse em € 25.000,00 o pedido genérico oportunamente deduzido (por forma a permitir a compensação de tal quantia com o valor dos fornecimentos reclamado nos autos pela Autora), sendo tal pedido impugnado e reformulado, em consequência de convite ao aperfeiçoamento.

Após audiência, foi proferida sentença em que se decidiu:

A) Condenar a 1ª co-Ré, BB, Limitada, a pagar à Autora, AA -Portuguesa Petróleos, S.A., a quantia de € 636.847,21 a título de capital, e respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados às taxas que sucessivamente têm vigorado;
B) Condenar o 4º co-Réu, EE, a pagar à Autora, AA - Portuguesa Petróleos, S.A., solidariamente com a 1ª co-Ré (BB, Limitada) as quantia referidas na alínea anterior.
C) Absolver os 2º (CC), 3ª (DD), 5ª (FF) e 6º (GG) co-Réus do pedido contra eles formulado.
Inconformada com tal sentido decisório, apelou a A. AA, questionando a sentença , na parte em que absolveu alguns dos demandados, sustentando que todos os fiadores deveriam ter sido condenados no pedido formulado.
E tal recurso foi julgado parcialmente procedente na Relação, que condenou o 6º co-réu, GG, a pagar à Autora, AA - Portuguesa Petróleos, S.A., solidariamente com a 1ª co-Ré (BB, Limitada) as quantias em que esta última foi condenada e discriminadas no relatório do Acórdão.
Como fundamento de tal inflexão do decidido em 1ª instância, considerou o acórdão ora recorrido:
Com efeito, sócio gerente da devedora BB, L.da desde 1998, o 6º co-Réu GG teve, logo em 12.12.2000, uma intervenção relevante no destino da sociedade, negociando com a credora, ora apelante, o pagamento faseado da dívida que, em representação daquela mesma sociedade confessou. Daí que, pelo menos em 12.12.2000, aquele co-Réu tenha ficado, seguramente, ciente da situação financeira da sociedade evidenciada pela significativa dívida acumulada, o que não foi impeditivo da assunção do risco inerente à prestação duma garantia pessoal.
Visto aquele desempenho, as funções que exercia de responsável pela relação com os clientes e o poder que detinha que lhe permitia influenciar o desenvolvimento da actividade comercial da sociedade, o 6º co-Réu não era, apenas, um gerente de direito. Era, também, um gerente de facto e, nessa medida, podia controlar o nível de endividamento da 1ª co-Ré e, consequentemente, os limites da garantia que havia prestado.
2. Inconformados com a decisão constante do acórdão proferido pela Relação, interpuseram recursos de revista a A. AA e o co-réu GG : porém, o recurso da A. foi julgado deserto por falta de alegações ( fls. 2163) , pelo que apenas prosseguiu o recurso interposto pelo outro recorrente, que encerrou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
1ª O Recorrente mostra-se inconformado com a decisão do tribunal a quo, pretendendo com o presente recurso ser absolvido do pedido.
2ª Analisada a fundamentação vertida no acórdão em crise, o Recorrente discorda daquela fundamentação.
3ª No nosso ordenamento jurídico, não serão admissíveis fianças de obrigações futuras quando o fiador declare garantir todas as dívidas que, a qualquer título, se vierem a constituir sem limite temporal, por violação do art. 280°, n.° 1 do C.C.
4ª Ou seja, a indeterminabilidade do objecto da fiança não pode ser de tal modo vaga e genérica que exponha o fiador ao risco patrimonial resultante da imprudência com que o credor outorgue no contrato principal, ou de ver o devedor principal multiplicar as suas obrigações só porque o fiador lhe garantiu o respectivo pagamento - vide Vaz Serra, RU, 107° pág. 25.
5ª Ora, tendo em linha de conta o que ficou provado na sentença proferida pelo Tribunal de Ia instância, do texto da fiança assinada pelo ora Recorrente não resulta qualquer limite temporal para a respectiva vigência, isto é, um termo final para a vinculação dos fiadores.
6ª Verifica-se também que da aludida fiança não consta qualquer limite para o montante da mesma.
7ª Porquanto, neste ponto, a fiança é nula por ser indeterminável nos termos do artigo 280 do C.C., quer quanto ao limite temporal para a respectiva vigência, quer quanto ao limite para o montante da mesma.
8ª Recorde-se que, " o argumento de que as relações normais entre o fiador e o devedor permitem àquele conhecer ou até controlar a actividade deste, apresenta-se com algo empírico e ainda susceptível de ser desmentido em muitos casos " (vide - Manuel Januário da Costa Gomes, Estudos de Direito das Garantias, Vol. I, Almedina, 2004, pág. 131).
9ª Com efeito, ficou provado e demonstrado nos autos que, o Recorrente GG, não obstante a sua qualidade de gerente, apenas exercia na Ia co-Réjunc&es^ comerciais - responsabilizando-se pela relação mantida com os seus clientes, mas não quaisquer outras, nomeadamente de controlo de facturas e/ou pagamentos, por ausência de conhecimentos ou de preparação (pontos 14 e 15 da matéria de facto provada).
10ª O certo é que, in casu conforme resultou provado nos pontos 14 e 15 da matéria de facto provada, o Recorrente não tinha conhecimento da contabilidade da empresa, pois não possuía conhecimentos ou preparação que lhe permitisse ter esse controle.
11ª Não obstante, e conforme foi decidido pelo Tribunal de Ia instância, não se pode afirmar que, face à concreta gerência que seria idóneo a exercer, e que de facto exercia, o aqui Recorrente GG pudesse ter, à data em que subscreveu a fiança aqui invocada, e tenha tido depois, o controlo do endividamento em que a Ia co-Ré pudesse incorrer, e foi incorrendo, e, consequentemente, das suas próprias responsabilidades como seu fiador.
12ª Assim, e por tudo o exposto, deverá ser o acórdão da Relação de Lisboa revogado e substituído por um outro em que se considere a fiança prestada pelo Recorrente nula por indeterminabilidade da mesma, e assim ser o ora Recorrente excluído de qualquer responsabilidade, tal como decidiu o Tribunal de Ia instância.
13ª Requer-se assim a Vas. Exas. que se dignem julgar totalmente procedente o recurso apresentado pelo Recorrente, só assim se fazendo a mais sã e elementar
JUSTIÇA.

A recorrida , na contra-alegação apresentada, pugna pela manutenção da decisão que condenou o ora recorrente em 2ª instância.

3. As instâncias fizeram assentar a decisão jurídica do litígio na seguinte matéria de facto, relevante para a dirimição do objecto da presente revista -.circunscrito, como se viu, à questão do apuramento da responsabilidade de um dos fiadores pelos débitos da sociedade afiançada:

- GG (aqui 6º co-Réu), não foi sócio original da aqui 1ª co-Ré, adquirindo essa qualidade por cessão onerosa da quota de Esc. 160.000$00, antes pertencente a EE (aqui 4º co-Réu), facto registado na Conservatória do Registo Comercial de Vila Real em 28 de Setembro de 1998.
- A aquisição da quota referida no facto anterior custou ao aqui 6º co-Réu, GG, pelo menos, a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos, e zero centavos), obtida mediante financiamento bancário
- Em 28 de Agosto de 1998, foi ainda registado na mesma Conservatória do Registo Comercial de Vila Real a alteração parcial do contrato da aqui 1ª co-Ré, constando então como seus sócios EE (aqui 4º co-Réu), com uma quota de Esc. 240.000$00, e GG (aqui 6º co-Réu), com uma quota de Esc. 160.000$00, cabendo a gerência a ambos os sócios, e obrigando-se a sociedade com a assinatura conjunta dos mesmos.
- O 6º co-Réu (GG), exercia na 1ª co-Ré (BB, L.da) funções comerciais, não tendo porém conhecimentos ou preparação que lhe permitisse controlar contabilisticamente facturas e/ou pagamentos.
- O 6º co-Réu, GG, como sócio-gerente, influía no desenvolvimento da actividade comercial da 1ª co-Ré, BB, L.da, sendo mesmo responsável pela relação mantida com clientes desta, sendo-lhe porém estranho qualquer tratamento contabilístico da mesma, uma vez que não possuía conhecimentos ou preparação para o efeito.
- Após a realização de reuniões com a 1ª co-Ré (BB, Limitada), representada para o efeito pelo 4º co-Réu (EE), e pelo 6º co-Réu (GG), onde se discutiram e
- negociaram os seus termos, nomeadamente o número e montante das prestações nele previstas, a Autora celebrou o acordo de pagamento (reproduzido no facto enunciado sob o número 21) , por si inteiramente redigido, e apresentou-o aos 4º co-Réu e 6º co-Réu, para que os mesmos o assinassem.
- A Autora, a 1ª co-Ré (BB, Limitada), o 4º co-Réu (EE), e o 6º co-Réu GG, acordaram nos termos do documento reproduzido no facto enunciado sob o número 21. a fls. 34 a 37 dos autos, do seguinte teor:
- «ACORDO DE PAGAMENTOS»,
em que figura como «primeira contraente» AA - Portuguesa Petróleos, S.A., aqui Autora, como «segunda contraente» BB, L.da (aqui 1ª co-Ré), e como «terceiros contraentes», EE (aqui 4º co-Réu), e GG
(aqui 6º co-Réu), documento datado de 27 de Novembro de 2002, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê: «(…) e considerando: - que a AA, e pedido da SEGUNDA CONTRAENTE, forneceu a esta combustíveis, lubrificantes e artigos de apoio ao automobilista; - que de entre aqueles fornecimentos, estão, entre outros, os respeitantes e ou decorrentes do contrato de cessão de exploração e fornecimento, celebrado entre a AA e a SEGUNDA CONTRAENTE, incidente sobre o posto de abastecimento de combustíveis, propriedade da AA, sito e instalado na Avenida da ......., freguesia de São Dinis, em Vila Real, no prédio urbano, também da propriedade da AA, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº0000; - que a SEGUNDA CONTRAENTE, em consequência dos fornecimentos que lhe foram efectuados pela AA, designadamente os relativos e realizados no âmbito do mencionado contrato de cessão de exploração e fornecimento, incidente sobre o aludido posto de abastecimento de combustíveis, é, nesta data, devedora para com esta mesma AA; - que os TERCEIROS CONTRAENTES são sócios e gerentes da SEGUNDA CONTRAENTE bem como os seus fiadores; e - que a SEGUNDA CONTRAENTE e os TERCEIROS CONTRAENTES ajustaram a forma de pagamento, à AA, da dívida existente, nesta data, da SEGUNDA CONTRAENTE para com a AA, foi estipulada, e reciprocamente aceite, a celebração do presente acordo de pagamentos, que se regulará mediante os termos e condições constantes das seguintes cláusulas: 1ª A SEGUNDA CONTRAENTE, em consequência dos fornecimentos de combustíveis, lubrificantes e produtos de apoio ao automobilista que lhe foram efectuados pela AA, designadamente nos termos, ao abrigo e no âmbito do citado contrato de cessão de exploração e fornecimento,
incidente sobre o referido posto de abastecimento de combustíveis, é, nesta data, e sem inclusão de juros de mora, devedora para com a AA da quantia, integralmente vencida, de EUR 1.117.365,10 (um milhão e dezassete mil trezentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos), da qual, pelo presente, a SEGUNDA CONTRAENTE se confessa devedora para com a AA. 2ª Na citada quantia global, de EUR 1.117.365,10 (um milhão e dezassete mil trezentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos), que não inclui juros, encontram-se englobados os seguintes montantes: - EUR 742.750,02 (setecentos e quarenta e dois mil setecentos e cinquenta euros e dois cêntimos), respeitante à soma das seguintes facturas, todas vencidas e exigíveis, nºs: R000000; R000000; R00000; R0000003; R000000; R0000000; RC000000; D0000000; T0000000; T0000000; T000000E R00000000; e - EUR 374.615,08 (trezentos e setenta e quatro mil seiscentos e quinze euros e oito cêntimos), integralmente exigível, referente a outros fornecimentos de combustíveis, lubrificantes e produtos de apoio ao automobilista efectuados à SEGUNDA CONTRAENTE. 3ª Ao valor da citada quantia, EUR 1.117.365,10 (um milhão e dezassete mil trezentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos), mencionada nas cláusulas anteriores, acresce o valor dos juros de mora, do qual a SEGUNDA CONTRAENTE, igualmente, se confessa devedora para com a AA. 4ª 1. Pelo presente, a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a pagar à AA, na sede desta, em Lisboa, a dita quantia de EUR 1.117.365,10 (um milhão e dezassete mil trezentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos), que não inclui juros. 2. A quantia referida no antecedente número um, bem como nas cláusulas anteriores, será paga da seguinte: a) - EUR 495.043,55, em três prestações, nos valores de EUR 122.142,00, EUR 226.172,09 e 146.729,46, respectivamente, até ao dia 28 de Novembro de 2002, até ao dia 9 de Dezembro de 2002 e até ao dia 30 de Dezembro de 2002, e b) - o remanescente, isto é, EUR 622.321,55, em oito prestações, no valor de EUR 77.790,19, a serem pagas, respectiva, no último dia dos meses de Março de 2003, Junho de 2003, Setembro de 2003, Dezembro de 2003, Março de 2004, Junho de 2004, Setembro de 2004 e Dezembro de 2004. 3. À citada quantia de EUR 622.321,55, mencionada na antecedente alínea b) do anterior número 2, a ser paga na forma ali indicada, acresce o valor dos juros vincendos, os quais, calculados, por acordo, à taxa de 4%, desde de 31 de Dezembro de 2002 até à data de vencimento de cada uma das prestações mencionadas na alínea b) do numero 2, se fixam no montante de EUR 27.978,89. 4. O referido valor dos juros, fixado no número anterior desta cláusula, será pago, pela SEGUNDA CONTRAENTE, à AA, simultaneamente, na data de vencimento da última das prestações referidas na alínea b) do número dois da presente cláusula, isto é, no último dia do mês de Dezembro de 2004. 5. Em caso de falta de pontual pagamento de qualquer uma das prestações, mencionadas nesta cláusula, não será aplicável o disposto nesta cláusula, quanto ao pagamento dos juros, sendo, em sua substituição, aplicável o estabelecido na seguinte cláusula quinta. 5ª O não pagamento, nos prazos e na forma - constantes das cláusulas anteriores, importa, como consequência, que a totalidade da dívida, da SEGUNDA CONTRAENTE para com a AA, seja imediatamente exigível, acrescida do valor dos juros, calculados, à taxa máxima legal para dívidas comerciais, sobre a dívida de capital, desde a data de vencimento de cada um dos documentos que a compõem e até seu efectivo e integral pagamento. 6ª A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se, ainda, a não deduzir nos pagamentos das facturas ou outros documentos da AA quaisquer importâncias que não estejam tituladas documentalmente em poder da AA e por esta aprovadas. 7ª Ainda, a partir da presente data, a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a pagar à AA, pontual e efectivamente na data do vencimento de cada uma das respectivas facturas, o valor dos fornecimentos que lhe forem efectuados pela AA, designadamente os que respeitarem ao mencionado contrato de cessão de exploração e fornecimento, relativo ao aludido posto de abastecimento de combustíveis, sito em Vila Real. 8ª O não cumprimento do estabelecido na cláusula anterior, bem como nas restantes antecedentes, confere ainda à AA o direito de proceder à resolução, por carta registada com aviso de recepção, do identificado contrato de cessão de exploração e fornecimento, incidente sobre o identificado posto de abastecimento de combustíveis. 9ª Os TERCEIROS CONTRAENTES, como fiadores e principais pagadores da SEGUNDA CONTRAENTE, e com expressa renúncia ao benefício da prévia excussão, obrigam-se, solidariamente, entre si e com a SEGUNDA CONTRAENTE, ao pagamento à AA de todas as obrigações estipuladas e ou emergentes do presente acordo. 10ª Quaisquer alterações ao estipulado no presente acordo só serão válidas e eficazes se constarem de documento escrito assinado por todos os CONTRAENTES.
- A celebração do acordo referido no facto anterior, e a continuação dos fornecimentos de combustível à 1ª co-Ré (BB, Limitada), só seria possível contra a constituição de alguma garantia, no caso a fiança prestada pelos seus sócios-gerentes. , o que foi aceite pelo 6º R.
- A Autora fez depender a continuação do contrato de exploração celebrado com a 1ª co-Ré (BB, Limitada), e, consequentemente, a exploração do posto de abastecimento dele objecto, da celebração do acordo de pagamento reproduzido no facto enunciado sob o número 21, nos termos em que o mesmo foi celebrado, nomeadamente com a responsabilização pessoal do 4º co-Réu (EE), e do 6º co-Réu (GG).
- O 6º co-Réu (GG), assinou, de livre vontade, o acordo reproduzido no facto atrás descrito.
- A Autora pretendia a responsabilização pessoal do 6º co-Réu (GG), relativamente aos débitos da 1ª co-Ré (BB, Limitada), o que logrou com o acordo de pagamentos reproduzido
- A Autora, por intermédio de HH, entregou em mão, em 30 de Julho de 2004, ao 6º co-Réu (GG), na qualidade de sócio gerente da 1ª co-Ré (BB, Limitada), que a recebeu, o original da carta de fls. 49 dos autos com o seguinte teor:
- carta endereçada à aqui 1ª co-Ré (BB , L.da), datada de 29 de Julho de 2004, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e onde nomeadamente se lê: «(…) Assunto: Contrato de cessão de exploração e fornecimento, celebrado com V. Exas, incidente sobre o posto de abastecimento de combustíveis, de nossa propriedade, sito e instalado na Avenida..........., freguesia de São Dinis, e Vila Real. Exmos, Senhores: Reportamo-nos ao contrato de cessão de exploração, acima mencionado, incidente sobre o posto de abastecimento de combustíveis, do qual somos proprietários, instalado na Avenida da .........., freguesia de São Dinis, em Vila Real. Por esse contrato, a AA, cede a essa sociedade a exploração do citado posto de abastecimento de combustíveis, a qual deveria ser feita, por V. Exas, nos termos fixados no apontado contrato de cessão de exploração. Contudo, temos verificado que nessa sociedade tem faltado ao cumprimento de algumas das suas obrigações, estipuladas naquele dito contrato, designadamente as respeitantes ao pagamento dos fornecimentos que vos efectuamos, os quais, efectivamente, continuam por pagar. Na verdade, apesar das nossas repetidas insistências, continuam a não nos pagar as facturas relativas aos fornecimentos que lhes efectuamos para o identificado posto de abastecimento de combustíveis, em consequência do que a vossa dívida atinge, nesta data, o montante de EUR de 997.187,61, acrescido dos respectivos juros, à taxa legal de 12%, por todo o período em mora. Ora, como é natural, não podemos anuir nem aceitar mais esta situação, a qual constitui uma manifesta lesão dos nosso direitos e falta de cumprimento das vossas obrigações e do apontado contrato. Assim, e com fundamento na vossa continuada e reiterada falta de cumprimento das obrigações de pagamento, e ao abrigo do estipulado na alínea a) da sua cláusula 12ª, damos o contrato de cessão de exploração como imediatamente resolvido. Em consequência do que, e nos termos da cláusula nº 13ª do referido contrato, deverão, de imediato, proceder-nos: a) ao pagamento daquele montante mencionado valor em dívida, EUR 997.187,61, acrescido dos respectivos juros, à taxa legal, por todo o período em mora, e contados desde o vencimento das facturas correspondentes; e b) à restituição e entrega do mencionado posto de abastecimento, com todos os bens e equipamentos,
- de nossa propriedade, a ele afectos e ou dele integrantes, sob pena de, se assim porventura não procederem, ficarem sujeitos ao disposto no ponto nº 13.1 da citada cláusula contratual nº 13ª.
-Mercê da carta reproduzida no facto enunciado sob o número 35, no dia 30 de Julho de 2004 o 6º co-Réu (GG), na qualidade de sócio gerente da 1ª co-Ré (BB, Limitada), restituiu e entregou à Autora o Posto de Abastecimento de Combustíveis sito na Avenida da ....., em Vila Real, com todos os bens e equipamentos nele instalados ou dele integrantes (conforme cópia do original do documento que é fls. 50 e 51 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
- O posto de abastecimento foi entregue na noite de 29 de Julho, e na madrugada de 30 de Julho, de 2004, e a carta reproduzida no facto enunciado sob o número 35 foi entregue em mão na mesma ocasião ao 6º co-Réu (GG), em representação da 1ª co-Ré (BB, Limitada), que a recebeu, apondo em conformidade na mesma a sua rubrica.
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4. A questão jurídica controvertida no presente recurso consiste em saber se padecerá, porventura, de nulidade – resultante de insuprível indeterminação do seu objecto – o negócio jurídico através do qual um dos sócios gerentes , tendo como especial pelouro o exercício de funções comerciais ( estando o controlo e gestão contabilístico-financeira da sociedade a cargo de outro sócio), garante pessoalmente o pagamento do passivo social – quer do actualmente em dívida, quer do emergente de futuros fornecimentos de combustíveis , decorrentes do giro normal da sociedade ( gestora de um posto de abastecimento de combustíveis, no quadro de um negócio de cessão de exploração).
Na verdade, no caso dos autos, é exigido ao ora recorrente , como garante pessoal da sociedade afiançada, o pagamento de diversas facturas, emitidas em 2004, - portanto, em data ulterior à celebração do acordo de pagamentos atrás referido - decorrentes da venda e entrega pela A. à sociedade/R. de bens e produtos no valor total de €662.003,21, acrescido dos respectivos juros moratórios.

Saliente-se liminarmente que não oferece dúvida relevante, por um lado, a admissibilidade de prestação de fiança relativamente a obrigações futuras, surgidas posteriormente à prestação de tal garantia pessoal – apenas sendo necessário à validade de tal negócio jurídico que existam critérios objectivos de determinabilidade das possíveis responsabilidades assumidas pelo fiador como principal pagador : ou seja, no dizer do Ac. de 19/12/06, proferido pelo STJ no P. 06A4127, se à data da sua prestação ( mediante fiança genérica ou «omnibus») e em relação aos débitos não constituídos existem elementos que permitem inferir, com segurança, a origem , o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada.

Impõe-se realçar, por outro lado, que não origina dúvida relevante a validade da fiança assumida por sócio da sociedade afiançada, relativamente a débitos emergentes do giro comercial de tal sociedade.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 19/5/05, proferido pelo STJ no P. 05A1092 ( invocando precedente aresto de 30/10/01, proferido na revista 2313/01):

"É perfeitamente admissível uma fiança para garantir obrigações futuras: art. 628, nº 2 e 654 do CC.
Só que, em tal caso e em qualquer outro, a fiança, como qualquer obrigação, tem de ter objecto determinado, ou, pelo menos, determinável: art. 280, nº 1 do CC.
Sendo isto pacífico, cuida-se apenas de saber se a obrigação ali assumida pelos Réus pessoas singulares se pode dizer de objecto determinado ou determinável.
Tanto a doutrina (Varela, na RLJ, ano 107-255 e seguintes; Meneses Cordeiro, na CJ/STJ, ano XVII, tomo III, 61/62; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5 edição, 580/581; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, 41; Pedro Romano Martínez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 36; etc.), como a jurisprudência (acórdãos do STJ de 21/1/93, de 11/5/93, de 10/5/94, de 14/12/94, de 3/2/99 e de 30/9/99, todos na CJSTJ, ano I, tomo I, 71, e tomo II, 99, ano II, tomo II, 93 e 171, ano VII, tomos I, 75 e III, 48, respectivamente, para só citar jurisprudência deste Tribunal e a mais recente) têm dado o conceito de determinabilidade do objecto do negócio jurídico para que este possa ser válido.
Diz-se assim, em geral, que, passando o problema da determinabilidade do objecto pela interpretação do contrato, negócio de objecto indeterminável será aquele cujo objecto não possa determinar-se através de um critério suficiente, existente já quando o negócio seja celebrado: "a determinabilidade do negócio jurídico da fiança consiste na possibilidade do fiador de prefigurar ex ante o tipo, o montante e a medida do próprio compromisso (...). Impõe-se a necessidade de o fiador conhecer o critério ou critérios indispensáveis para delinear o limite do seu compromisso, sendo que a sua eventual obrigação futura deve ter conteúdo previsível no momento da estipulação da fiança" (Romano Martínez e Fuzeta da Ponte, ob. Loc. Cit.).
Nem deixa de ser assim, por poder determinar-se a prestação nos termos do art. 400 do CC, pelas partes ou terceiro, visto as partes ou terceiro continuarem, então, a não dispor de critério para a determinação: como inexiste esse critério, a obrigação é nula, nos termos do art. 280 do CC, não podendo por isso aplicar-se o dispositivo do art. 400 do CC (STJ, 30/9/99).

Isto é válido em tese geral.
Mas o nosso caso tem a especialidade de os fiadores serem os sócios gerentes da
sociedade afiançada: os fiadores, sócios gerentes da sociedade "Ponto Vinte e Seis", obrigaram-se, como fiadores e principais pagadores dessa sociedade, por todas e quaisquer responsabilidades em que a mesma seja encontrada para com a "Philips Portuguesa", na sua qualidade de revendedora.
Neste caso, estando determinado o título ou fonte da obrigação, e dependendo o montante desta apenas do critério e da decisão das pessoas que se assumem como fiadores, então o objecto da obrigação garantida pela fiança, não sendo de montante determinado, é porém de montante determinável pelos (ou para os) fiadores (não na qualidade de fiadores, mas na qualidade de sócios gerentes da sociedade afiançada) - ou seja, determinável precisamente para as pessoas protegidas pela necessidade de determinabilidade do objecto.
Quer isto dizer, ao contrário do que entenderam as instâncias, que a obrigação assim assumida, é de objecto indeterminado, mas determinável, porque o critério que permite a sua determinação depende apenas da pessoa que se obriga pela fiança: sabe-se a origem da obrigação garantida (responsabilidades da "Ponto Vinte e Seis" perante a Philips, na sua qualidade de revendedora); e, se não se sabe o montante, os próprios obrigados sabem-no e virão a sabê-lo no futuro, porque são eles que o determinam.
No caso em que o fiador é a pessoa que tem poder legal para determinar a medida e o critério da obrigação, basta convencionar o título donde as obrigações hão-de resultar, como sustenta o recorrente, não sendo preciso fixar um critério para a determinação do montante, porque tal critério é fixado por quem se obrigou, e assim conhece bem, pelo menos durante o período da sua gerência, quais as obrigações assumidas e a assumir.
Neste sentido, este STJ, em acórdão proferido em 03/12/98, na Revista nº 1152/98, onde designadamente se escreveu: "os embargantes (ali tratava-se de embargos a uma execução) são os representantes da sociedade devedora e igualmente os fiadores, o que lhes permite sempre conhecerem as obrigações que no futuro se venham a constituir em cumprimento dos contratos de mútuo e abertura de crédito, tudo em perfeito domínio da fonte e delimitação das obrigações a assumir".
Assim, a obrigação assumida é de objecto determinável para os obrigados, pelo que a fiança é válida: art. 280, nº 1 do CC."
Ora, revertendo à especificidade do caso dos autos, verifica-se que:
a)- não existe indeterminação temporal quanto à responsabilidade assumida pelo fiador : na verdade, e apesar do silêncio do dito acordo de pagamentos, não pode olvidar-se que a garantia pessoal prestada se move no âmbito de um contrato de cessão de exploração e fornecimento celebrado entre a A. e a sociedade afiançada, o qual foi prorrogado por instrumento lavrado em 12/12/2000 pelo prazo de 5 anos, com termo no dia 30 de Junho de 2006, se antes não viesse a ser resolvido: ou seja, as responsabilidades assumidas pelo fiador através do «acordo de pagamentos» de 27/11/2002 nunca poderiam implicar uma responsabilidade temporalmente ilimitada, já que a relação negocial principal em que se enxertava e com que se conexionava a fiança estava sujeita a um termo certo;
b)- do ponto de vista quantitativo, isto é, do montante máximo das responsabilidades imputáveis ao fiador, não pode deixar de se ter na devida conta que os fornecimentos de produtos e combustíveis pela A. – geradores da responsabilidade pessoal do fiador – se moviam no âmbito de uma relação contratual perfeitamente determinada, decorrendo do giro normal da sociedade de que era gerente o R./ora recorrente : e neste circunstancialismo específico, não pode obviamente afirmar-se que o montante possível da fiança fosse totalmente indeterminado; bem pelo contrário, tais valores conexionavam-se directamente com o âmbito, o grau e a «intensidade» da actividade comercial da sociedade afiançada, a qual naturalmente era primacialmente determinada pelas opções tomadas por quem detinha a respectiva gerência: saliente-se ainda que, na situação dos autos, os valores exigidos no âmbito da fiança prestada quanto a obrigações futuras, efectivadas através da presente acção, ( cerca de €662.000) são inferiores ao valor assumido quanto ao passivo «consolidado», já existente à data da celebração do referido acordo de pagamentos ( cerca de €1.117.000), o que naturalmente indicia que , no período subsequente, não terá sido drasticamente alterado ou incrementado o padrão do giro comercial da R., em termos de acabarem por resultar pessoalmente garantidos valores com que o ora recorrente, enquanto sócio-gerente, não pudesse razoavelmente contar;
c)- fnalmente, não se considera que a simples circunstância de o R. se limitar, na prática, a exercer uma gestão comercial da sociedade afiançada, não realizando a gestão técnica contabilístico-financeira da sociedade R., seja susceptível, só por si, de levar à conclusão que não teria conhecimento ou cognoscibilidade do nível de responsabilidades pessoais que previsivelmente assumia ao subscrever o «acordo de pagamentos» que constitui fonte da obrigação que lhe é exigida: é que a circunstância de, em termos informais e «internos», estar adjudicado a outro dos sócios gerentes um determinado pelouro dos assuntos sociais não lhe coarcta minimamente os poderes e deveres de gestão e controlo dos negócios da sociedade, podendo perfeitamente informar-se - por si ou através de técnico da sua confiança – da real situação económico-financeira da sociedade, no momento em que se plenamente se dispôs a assumir relevantes responsabilidades pessoais, condicionadas decisivamente pela previsível evolução do giro comercial e da situação patrimonial da sociedade R.
Na verdade, ao mover-se no campo que ora nos ocupa - da determinabilidade da fiança de obrigações futuras e consequente validade ou nulidade do negócio jurídico de que emerge a responsabilidade pessoal do fiador – não pode o intérprete e aplicador a lei de deixar de realizar um delicado balanceamento ou ponderação dos interesses em confronto : por um lado, o interesse legítimo do fiador em se não ver submergido por níveis de responsabilidade absolutamente imprevisíveis, com que não poderia razoavelmente contar no momento em que assumiu a garantia pessoal que o vincula; mas , por outro lado, também a legítima expectativa da contraparte, que confiou na palavra do fiador e na seriedade do compromisso que este assumiu, podendo dever-se decisivamente à prestação desta garantia pessoal os fornecimentos ulteriores que possibilitaram o prosseguimento da actividade empresarial - confiança que seria naturalmente abalada com a pretendida desvinculação do fiador que , vindo contra facto próprio, invoca supervenientemente a imprevisibilidade e indeterminação das obrigações que expressamente começou por assumir…
Ora, sendo perfeitamente cognoscível pelo sócio gerente que actue com a diligência devida, sem dificuldades insuperáveis da sua parte, - apesar de estar especialmente ligado à gestão comercial da sociedade, - o nível de compromissos que lhe poderiam resultar, enquanto fiador, de dívidas emergentes da normal actividade e giro da sociedade comercial cujo órgão de administração e gestão integra, - não tem qualquer fundamento a pretensão de afastar a garantia pessoal efectivamente prestada e em cuja seriedade a contraparte naturalmente confiou.
5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Setembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/deaed33eb47d4c6c80257911003d7c38?OpenDocument

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