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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - LITISPENDÊNCIA CASO JULGADO OBJECTO DO PROCESSO - 08/09/2011


Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
407/04.4TBCDR.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: LITISPENDÊNCIA
CASO JULGADO
OBJECTO DO PROCESSO

Data do Acordão: 08-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO - EXCEPÇÕES - EFEITOS DA SENTENÇA
Doutrina: - Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, págs. 189 e ss., 206/207 e 254/255.
- Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º Vol., pág. 322.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 96.º, N.º2, 272.º, 273.º, 498.º, 672.º,
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28/5/09, PROFERIDO NO P. 09B0676, IN WWW.DGSI.PT.


Sumário :
1. O juízo sobre a inexistência de identidade objectiva entre duas acções, formulado, em certo momento processual, para aferir da litispendência, não vincula irremediavelmente o juiz, como caso julgado formal, quando, noutro momento processual mais avançado, for necessário aferir o mesmo requisito de identidade objectiva das causas , mas agora para avaliar da existência de caso julgado material, que impeça o juiz de proferir decisão na causa ainda não julgada.
2. Na verdade – e para além de a verificação da identidade objectiva das duas acções não constituir, em si mesma , objecto da decisão proferida, mas antes fundamento da actuação de um especifico efeito jurídico ( num caso, a litispendência, no outro o caso julgado, perspectivados como excepções dilatórias perfeitamente diferenciadas) – a identidade objectiva, para efeitos de actuação da excepção de caso julgado, é reportada, não ao objecto das pretensões deduzidas, mas antes ao «thema decisum», ao objecto da sentença primeiramente proferida, que não coincide necessariamente com o objecto da pretensão formulada inicialmente pelo autor.

3 Daí que possam não ser sequer contraditórias a decisão que, na fase liminar do processo e através de mera comparação dos objectos das petições apresentadas nas duas acções pendentes, entenda não haver litispendência e a decisão, proferida em fase mais adiantada da causa, que entenda verificar-se excepção de caso julgado material, por a sentença entretanto proferida, ao apreciar a excepção de compensação, se ter pronunciado quanto ao mérito das próprias relações creditórias, opostas pelo compensante, e que voltam a ser objecto da acção por ele subsequentemente intentada.





Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, Ld.ª intentou acção, sob a forma sumária, contra BB e CC e mulher, DD, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia global de 13.241,20 €, acrescida de juros de mora comerciais desde a citação até integral liquidação daquele quantitativo.

Como fundamento de tal pretensão, aduziu a Autora ter celebrado com os demandados um contrato de cessão de exploração, respeitante a um restaurante e um posto de combustíveis, vindo tal relação contratual a cessar por iniciativa do 1.º Réu, não tendo este cumprido com todas as obrigações naquele assumidas, particularmente no que se refere aos deveres de conservação e restituição em devido estado dos vários elementos e objectos inerentes àquela exploração, o que determinou que a A. tivesse de arcar com várias despesas, nomeadamente de reparação, que ao 1º R. cabiam e, por força da garantia (fiança) prestada pelos 2.ºs Réus, a estes se mostram extensíveis.

Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação, e suscitando a excepção de litispendência, que decorreria da pendência simultânea de outra acção, no mesmo tribunal, instaurada pelo 1.º Réu contra a aqui Autora, objectivamente idêntica a esta causa.

Respondeu à excepção a A., rejeitando a verificação dos requisitos da litispendência, sendo tal excepção dilatória julgada improcedente no saneador.

No decorrer audiência de julgamento, foi junta aos autos pelos Réus a sentença, já transitada em julgado, proferida no referido processo, em que foi apreciada, não só a pretensão ali formulada contra a aqui Autora, como ainda todos os créditos – à excepção dum deles – que nesta acção sustentam o pedido acima individualizado.

E, em função desta circunstância, foi decidido que tal sentença se impunha ao julgador do presente processo, pelo que, tendo os créditos sido já objecto de apreciação naqueloutra acção, estava vedada nova pronúncia do tribunal sobre matéria idêntica, nessa medida se declarando extinta a presente instância, apenas prosseguindo para apreciação do crédito e correspondente pedido atinentes à exigibilidade do pagamento do montante de 2.403,98 euros, crédito este não oposto pela aqui Autora, como excepção de compensação, ao crédito invocado pelo 1.º Réu naquela acção anterior.

Desta decisão interpôs a Autora recurso de agravo, apreciado a final, ao qual a Relação negou provimento nos seguintes termos:

O objecto do agravo cinge-se à questão de saber se o tribunal “a quo” podia no presente processo tomar posição quanto à verificação da excepção de caso julgado constituído pela decisão tomada naqueloutro processo anteriormente instaurado pelo aqui 1.º Réu contra a aqui Autora, a ponto de ser incorrecta a conclusão retirada no despacho impugnado de estar vedado o conhecimento e verificação dos créditos reclamados na presente acção pela mesma Autora, com a excepção daquele que foi apreciado na sentença final.

A agravante defende uma resposta negativa à problemática assim equacionada, posto vir já nestes autos decidido definitivamente, no âmbito do conhecimento da excepção de litispendência suscitada pelos Réus na sua contestação, a improcedência desta última, assim se formando caso julgado formal a impedir o reconhecimento mais tarde neste mesmo processo que existe caso julgado material formado por aquela primeira decisão, a impor-se ao julgador da presente acção.

Tomando posição, não fazemos idêntica leitura da situação em referência, no sentido da não verificação da dita excepção de caso julgado material.

Vejamos.

O tribunal “a quo”, ao tomar conhecimento da excepção de litispendência suscitada nestes autos pelos Réus e concluir pela não verificação da mesma, partiu do confronto entre o que era pedido naquela primeira acção pelo aqui 1.º Réu (nela autor) e o que na presente vinha peticionado pela aqui Autora (naquela ré), sem atender que esta última, nessa outra acção, se havia defendido não só por impugnação, mas ainda por excepção de compensação, ao contrapor – para o caso de ser reconhecido o crédito reclamado pelo 1.º Réu – um crédito da sua parte, precisamente aquele que nesta acção vem peticionado, com excepção do que foi objecto (no montante de 2.403,98 euros) de apreciação na sentença proferida nestes autos.

Dito de outra forma, o que ficou decidido foi a inexistência da aludida excepção de litispendência no confronto dos pedidos formulados em ambas as acções a que nos vimos referindo, tendo em conta o vertido em cada uma das respectivas petições, sem que fosse ponderada a pretensão da aqui Autora nessa primeira acção, ao invocar em sede de contestação a excepção de compensação, por força da existência dum seu crédito sobre aquele, precisamente o que, com a abrangência referida, vem reclamado no presente processo pela sociedade/autora.

Nesta perspectiva, logo se vê que a decisão assim proferida – quanto à dita excepção de litispendência – e com os fundamentos referidos não representa caso julgado formal neste processo, a ponto de impedir a verificação ou não da excepção de caso julgado material formado pela decisão final tomada naquele primeiro processo, onde de facto foi já apreciado o crédito também em discussão nestes autos.

Significa isto que aquilo que ficou definitivamente resolvido através da dita decisão proferida nestes autos, ao apreciar a excepção de litispendência, a ponto de se ter formado caso julgado formal (art. 672 do CPC), é que, no confronto das pretensões deduzidas em cada um dos articulados iniciais das ditas acções, não estava em causa a “repetição duma causa”.

Mas, se assim é, então nada impedia que o tribunal “a quo” tivesse verificado se aquela primeira decisão já transitada em julgado constituía caso julgado em relação ao que estava em discussão nestes autos, mais concretamente quanto aos créditos nela reclamados pela agravante/autora.

Relativamente a esta questão – verificação ou não de caso julgado material – afigura-se-nos, ao contrário do defendido pela agravante, dever concluir-se pela existência dessa excepção.

Tentemos demonstrar.

Na mencionada acção sumária (acção anterior) estava também em causa, como vimos referindo, a averiguação da existência dos créditos nesta acção reclamados pela aqui impugnante contra o aqui 1.º Réu – com excepção daquele cujo conhecimento na presente foi conhecido na sentença – sendo idêntico o fundamento constante de ambas as respectivas peças processuais (incumprimento do contrato de cessão de exploração), cuja pretensão também é coincidente (reconhecimento dos mesmos créditos a favor da aqui agravante/autora, com a ressalva daquele que foi deixado para conhecer a final na presente acção).

Com efeito, naquela primeira acção a agravante pretendeu, para o caso de não proceder a defesa por impugnação que deduziu, ver compensado o crédito do aqui 1.º Réu – de 7.114,50 euros, referente à venda de combustível à aqui Autora – com o seu invocado crédito global no montante de 11.136,04 euros, o qual englobava as obrigações decorrentes da celebração entre as partes do aludido contrato de cessão de exploração, vindo as mesmas consubstanciadas e quantificadas de forma idêntica quer nos arts. 28 a 34 e 36 a 40 da presente acção, quer nos arts. 10 a 24 da contestação apresentada na dita acção sumária.

Ora, neste último processo, como decorre da certidão junta aos autos de fls. 198 a 242, ficou definitivamente decidido que o crédito do 1.º Réu era de 7.114,50 euros, mais se dando como apurado que o falado crédito da aqui agravante/autora, como os contornos atrás referidos, atingia o montante de 2.260,82 euros, pelo que, operando a respectiva compensação, resultava um saldo devedor desta última a favor daquele no montante de 4.853,68 euros.

Significa isto que as diversas quantias nesta acção reclamadas pela recorrente foram objecto de apreciação na dita acção sumária anterior.

Nesta perspectiva, teremos de concluir que existe a tríplice identidade (art. 498 do CPC) de que depende a verificação da excepção de caso julgado material.

A não ser assim e podendo de novo a impugnante discutir na presente acção a existência dos créditos que já haviam sido objecto de apreciação naqueloutro processo anterior, correr-se-ia o risco do tribunal contradizer ou reproduzir decisão anterior, algo que a excepção de caso julgado pretende evitar.

Aqui chegados, necessário será constatar que a mencionada decisão pretérita se impõe, por força da autoridade do caso julgado, ao julgador da presente acção, tudo a importar que lhe esteja vedado conhecer do crédito nesta última reclamado, com a ressalva já referida.

Terá, pois, de improceder a pretensão da recorrente/autora de ver apreciado e julgado nos termos requeridos esse mesmo crédito.

2. Novamente inconformada , interpôs a A. o presente recurso de agravo em 2ª instância, que tem como fundamento específico a pretensa violação de caso julgado pelo acórdão recorrido, fundando-se nos arts. 678º, nº2, e 754º do CPC, que encerra com as seguintes conclusões:

1- Tendo no âmbito de um processo o Sr Juiz a quo decidido que não havia litispendência entre essa causa e a que estava em apreciação noutro processo, decisão essa transitada em julgado, não pode mais tarde, nesse mesmo processo, outro Sr Juiz vir a decidir, por reapreciação dos referidos pressupostos, que afinal havia litispendência e neste segundo momento, caso julgado, por, entretanto, ter terminado o primeiro processo.

2- Consequentemente, não podia o Venerando Tribunal da Relação, em apreciação de recurso interposto desta segunda decisão reapreciar por si os pressupostos da existência ou não de litispendência ou caso julgado, uma vez que quem decaíra na primeira decisão não recorreu da mesma, tendo esta transitado em julgado.

3- Assim, independentemente do acerto da decisão proferida em primeiro lugar sobre o assunto (mas que em nosso entender foi uma decisão acertada), sendo irrelevante tratar-se de litispendência primeiro e caso julgado depois, aquela decisão depois de proferida tem de ser respeitada pelo Sr Juiz ou seu substituto sob pena de violação de um principio geral de direito previsto no nosso ordenamento jurídico e segundo o qual proferida sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa.

4- Ao fazê-lo, como fez a Sr8 Juiz do tribunal a quo, violou esta essa regra geral do nosso direito previsto no n° 1 do art. 666 do CPC.

5- E, de igual modo, não tendo a parte interessada interposto recurso dessa mesma decisão, não pode o Tribunal da Relação, mais tarde, vir a reapreciar os fundamentos da mesma, tal como se tivesse havido recurso interposto oportunamente, para efeitos de confirmar a segunda decisão proferida em violação do referido dispositivo legal.

6- Ao fazê-lo, incorreu o douto acórdão na violação do disposto no n° 1 doa art.672 do CPC, reapreciando uma decisão transitada em julgado.

7- Nessa medida, ao negar provimento ao recurso interposto, decidindo pela manutenção da decisão recorrida, violou também o douto acórdão de que se recorre, o disposto no n° 1 do art. 666 do CPC, uma vez que, transitada a decisão, por falta de interposição de recurso, não tém o Tribunal' da Relação poder de decisão sobre a matéria em causa.

8- Consequentemente, deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo o douto acórdão proferido assim como a decisão que declarou existir caso julgado parcial serem revogados, mantendo a decisão inicial proferida e transitada em julgado, mais devendo, em consequência, ser dada resposta aos quesitos em causa, a fim do processo prosseguir nessa parte os seus termos.

Os recorridos pugnam pela manutenção do entendimento sustentado na decisão recorrida.

3. O objecto do presente agravo pode definir-se nos seguintes termos: definido, para o específico efeito de apreciação da excepção de litispendência, que não existe identidade objectiva entre duas acções simultaneamente pendentes ficará o juiz vinculado irremediavelmente ao mesmo entendimento quando, julgada definitivamente uma das causas, for pertinente apurar da existência ou inexistência da excepção de caso julgado? Ou seja: o juízo sobre a inexistência de identidade objectiva entre duas acções, formulado em certo momento processual para aferir da litispendência, vincula irremediavelmente o juiz, como caso julgado formal, quando, noutro momento processual mais avançado, for necessário aferir o mesmo requisito de identidade objectiva das causas , mas agora para avaliar da existência de caso julgado material, que impeça o juiz de proferir decisão na causa ainda não julgada?

A resposta a esta questão é obviamente negativa.

Em primeiro lugar, cumpre realçar que a verificação da identidade objectiva das duas acções não constitui, em si, objecto da decisão proferida, mas antes fundamento da actuação de um especifico efeito jurídico – num caso, a litispendência, no outro, o efeito de caso julgado, perspectivados obviamente como excepções dilatórias perfeitamente diferenciadas, na sua eficácia própria e peculiar funcionalidade : ora, como é sabido, o caso julgado não abrange autonomamente o juízo emitido pelo tribunal sobre os fundamentos da decisão que profere. Ou seja: não seria o facto de, ao apreciar a excepção de litispendência – e como mero fundamento de tal decisão – o juiz ter formulado determinado entendimento acerca da identidade objectiva das causas pendentes que poderia obstar a que – tratando-se agora, em ulterior decisão, de apreciar a excepção de caso julgado – viesse a ser formulado diferente entendimento sobre o requisito da identidade objectiva, perspectivada agora como fundamento de uma outra e diversa excepção dilatória – a de caso julgado.

Importa notar, em segundo lugar, que a relevância atribuída no nosso ordenamento processual às ditas excepções dilatórias é completamente distinta: na verdade, a excepção de litispendência tem na sua base essencialmente razões de economia processual, visando evitar que corram termos paralelamente, entre as mesmas partes, acções objectivamente idênticas, com a consequente duplicação e dispêndio de actividade processual. Pelo contrário, a excepção de caso julgado tem uma importância substancialmente reforçada, não se conexionando com meras razões pragmáticas de eficácia e economia processual, mas antes e fundamentalmente com o valor e vinculatividade, constitucionalmente atribuídos às decisões dos tribunais, enquanto órgãos de soberania – e tendo, consequentemente, a figura do caso julgado tutela na própria Lei Fundamental.

Ora, desta essencial diversidade de fundamentos e de relevância normativa atribuível às duas figuras em confronto decorre obviamente que uma errada apreciação dos requisitos de identidade objectiva, feita na decisão que teve por único e exclusivo objecto apreciar, numa fase inicial da tramitação processual, da excepção de litispendência, nunca poderia implicar que tal erro de apreciação inquinasse automaticamente a valoração, em circunstâncias processuais profundamente diferentes – em que uma das acções já se mostra definitivamente julgada – da figura do caso julgado material, podendo levar, em última análise, a negar relevância e vinculatividade à decisão judicial que primeiramente tivesse apreciado a matéria subjacente ao litígio e que tivesse transitado em julgado.

Ou seja: uma errónea apreciação dos requisitos da litispendência apenas significa que, com prejuízo manifesto da economia processual, irá ocorrer uma inútil duplicação de actividade processual nas duas acções pendentes ; porém, a partir do momento em que seja proferida sentença definitiva numa dessas acções, é evidente que não será legítimo desconsiderar a sua vinculatividade, ignorando a sua prolação e permitindo que na outra acção - que real e efectivamente se deva configurar, afinal, como objectivamente idêntica à já julgada - possa ser proferida decisão que se limite a reproduzir ou contradizer o sentido da primeira – com o singelo argumento de que a identidade objectiva já teria sido ( mal) apreciada no momento processual remoto e originário em que se aferiu da verificação da litispendência…

Finalmente, tem de ser claramente realçado que , enquanto a litispendência se reporta à identidade objectiva de duas acções no seu momento inicial ou originário – pressupondo, em muitos casos, a comparação dos pedidos e da causa de pedir, tal como se mostram delineados na petição inicial – a excepção de caso julgado implica antes a ponderação do objecto da sentença que dirimiu definitivamente o litígio – reportando-se, deste modo, ao objecto da causa tal como se mostra delimitado e decidido na sentença final.

Ora, como é evidente, o objecto do processo não permanece uno e imutável ao longo de toda a tramitação da causa – sendo frequentes as situações em que o originário objecto de certa acção, delimitado pelo pedido e pela causa de pedir, tal como se mostram formuladas na petição inicial, sofre mutações ou ampliações, v.g., no quadro previsto nos arts. 272º/273º, em consequência de ter sido deduzido pelo R. pedido reconvencional, de ter ocorrido intervenção principal coligatória , de ter sido deduzido articulado superveniente…

Nestes casos, é claro que a sentença proferida terá de se pronunciar, não apenas sobre o originário objecto da petição inicial, mas sobre o objecto do processo, tal como se encontrava definido no momento final do encerramento da discussão. E convirá ainda não esquecer que, apesar da vigência do princípio dispositivo, se, porventura, o juiz se tiver pronunciado, embora indevidamente, sobre matéria que extravasava o objecto do processo e se tal decisão tiver transitado em julgado, por não ter sido arguida a respectiva nulidade, o caso julgado material irá abranger as próprias questões efectiva (embora indevidamente) decididas, a partir do momento em que ocorra sanação ou preclusão da nulidade por «excesso de pronúncia» . Isto é: o suporte material ou o conteúdo primário do caso julgado é o conteúdo da decisão, o «thema decisum» ( cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, pags. 206/207 e 254/255) – e não apenas o «thema decidendum», tal como foi inicialmente configurado pelo A. e sofreu as mutações processualmente admissíveis durante o curso da causa.

Ora, esta essencial mutabilidade do objecto da causa ao longo do fluir do processo sempre inviabilizaria que o juízo sobre a identidade objectiva de duas acções em confronto se estabilizasse irremediavelmente, apesar de formulado em circunstâncias que se vieram a alterar drasticamente, até ao momento final em que uma das acções se mostra definitivamente julgada – podendo perfeitamente suceder que – comparando apenas as petições iniciais apresentadas - os objectos de uma e da outra fossem de considerar como efectivamente diferentes ( legitimando o indeferimento da excepção de litispendência), mas ocorrendo, por exemplo, ulterior ampliação do objecto de uma das acções, levando a que o «thema decisum», efectivamente dirimido na sentença já proferida, passasse a abarcar e compreender, no todo ou em parte, o objecto da outra acção, ainda não julgada.

4. Saliente-se que foi precisamente fenómeno deste tipo que ocorreu no caso dos autos. Na verdade, a excepção de litispendência, deduzida pela ora recorrente, foi apreciada no saneador tendo exclusivamente em consideração os pedidos deduzidos pelos AA. em cada uma das acções (fls. 81) – ao passo que, ao avaliar da invocada excepção de caso julgado, já em plena fase de julgamento ( cfr, fls. 256 e segs), se teve em consideração a circunstância de, na acção subsequente à injunção, já definitivamente julgada, a sociedade ora recorrente ter excepcionado, mediante compensação, ali julgada procedente, parte do crédito que ora invoca sobre os recorridos, sendo os fundamentos desta compensação ali apreciados e parcialmente julgados improcedentes.

Na presente situação litigiosa, a sociedade ora recorrente começou por ser requerida em processo de injunção, movido pelo aqui 1º R., em que este – na qualidade de cessionário cessante da exploração do posto de combustíveis, pretendia efectivar o direito ao valor pecuniário do combustível ( € 7.114,50) deixado à disposição da entidade titular das instalações, no momento em que findou a relação contratual existente entre as partes.

Pela sociedade requerida, foi deduzida oposição, consubstanciada na invocação de compensação com invocado crédito recíproco, emergente da reparação de deficiências existentes nas instalações, decorrentes de pretenso incumprimento contratual por parte do requerente, sendo o montante do crédito globalmente oposto em via de compensação ( € 11.136,04) superior ao valor da própria pretensão do requerente.

Apesar de tal circunstância – que levaria, em princípio, a supor que a declaração de compensação de créditos deveria ser normalmente actuada por via de reconvenção ( cfr., por ex. o Ac. de 28/5/09, proferido pelo STJ no P. 09B0676) – não foi formulado tal pedido, plausivelmente por se entender que a forma processual simplificada do processo ( iniciado como injunção) não comportaria a possibilidade de reconvir.

Toda a matéria atinente aos fundamentos da compensação foi apreciada e decidida na referida acção, tendo o juiz considerado provado o crédito emergente da venda do combustível deixado nos depósitos, invocado pelo requerente; mas considerando apenas provada, do conjunto de deficiências invocadas globalmente nas instalações, uma delas, referente a defeitos do equipamento do restaurante, cuja reparação, suportada pela requerida, importou em €2.260,82 – tendo como insuficientemente demonstradas( cfr. motivação de fls.228) todas as demais despesas opostas pela sociedade requerida. E, em consonância com tal entendimento acerca da matéria de facto, efectivou a compensação pretendida, em termos meramente parcelares, descontando a referida quantia de €2.260,82 no crédito do requerente, considerando que a obrigação da sociedade, referente ao valor do combustível vendido, ficava reduzida ao montante de €4.853,68.

Sucede que, na presente acção sumária, a sociedade A. insiste na formulação de pretensão parcialmente coincidente com a matéria da excepção de compensação oposta na acção subsequente ao procedimento de injunção, pretendendo ser ressarcida de toda uma multiplicidade de despesas decorrentes de pretensas deficiências das instalações deixadas pelo R. – a maioria das quais se teve por não provada na acção já definitivamente julgada – levando o Tribunal a apreciar apenas a matéria respeitante aos danos decorrentes de invocada falta de limpeza do estabelecimento restituído à sociedade A., após considerar que a autoridade de caso julgado da precedente decisão obstava à apreciação do mérito , na parte em que ocorria coincidência ou sobreposição entre os fundamentos do pedido aqui formulado e a matéria que suportava a excepção de compensação no precedente processo.

Tal entendimento, expresso no acórdão recorrido, não merece qualquer censura.

Assim – e em primeiro lugar – é evidente e inquestionável que a sociedade A. nunca poderia voltar a formular na presente acção o pedido de indemnização, no montante de €2.260,82, pagos à DairHotel pela reparação do equipamento de restaurante – e que funcionou precisamente como base efectiva da excepção de compensação oposta no outro processo, estando, por isso, manifestamente extinto.

Relativamente aos restantes pretensos créditos que alicerçavam globalmente a excepção de compensação deduzida, constituindo, pois, fundamento desta, considera-se que a circunstância de aí terem sido definitivamente apreciados quanto ao mérito e julgados insubsistentes, por não provados, obsta a que possam voltar a ser objecto de uma nova acção, apesar de não ter sido requerido o julgamento ampliado, nos termos do art. 96º, nº2, do CPC : é que, desde logo, como a doutrina vem reconhecendo, o fenómeno da compensação sempre teve nesta sede uma posição e um tratamento peculiar, por assentar na invocação e efectivação de um contra-direito autónomo do R. no confronto do A., e não num facto cujos efeitos se projectam apenas naquele direito ou num simples contra-direito falho de valor autónomo ( Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado, pag. 189 e segs) .

Acresce que, embora não constitua, em princípio, autonomamente caso julgado material a decisão proferida, quer sobre os fundamentos do pedido ( a causa de pedir), quer sobre a matéria das excepções peremptórias deduzidas, importa prevenir – numa óptica de eticização do processo civil - situações em que a não extensão da força de caso julgado aos fundamentos da decisão seja susceptível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado , impor um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma ( Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º Vol., pag. 322) – dando-se precisamente como exemplo a necessidade de actuar a proibição geral de venire contra factum proprium e o fenómeno jurídico da produção instantânea de efeitos reconhecidos pela sentença, como seja o caso da mútua extinção de crédito e contra-crédito, que torna inadmissível a exigência de ulterior pagamento deste último.

É que a parcial improcedência da excepção de compensação, decorrente de o compensante não ter logrado provar a titularidade dos contra-créditos que invocou por sua exclusiva iniciativa, não pode deixar de o vincular, na parte em que tenha havido decaimento, impedindo-o de, em futura acção, repetir pura e simplesmente pretensões já jurisdicionalmente apreciadas quanto ao mérito e tidas por improcedentes : é que, como se viu, uma delas ( a que serviu de suporte à declaração parcial de compensação) está irremediavelmente extinta ; e, quanto às restantes, tidas por improcedentes por não provadas, implicaria grave desequilíbrio da paridade ou igualdade das partes conferir a quem, sem êxito, invocou a compensação uma dupla oportunidade processual para – em claro desfavor da parte contrária - poder ainda tentar demonstrar em juízo, através de nova acção, o seu direito, ultrapassando por essa via o decaimento ocorrido na precedente acção em que procurou efectivar a compensação.

5.Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento ao agravo.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 08 de Setembro de 2011


Lopes do Rego (Relator)

Olando Afonso

Távora Victor

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1f3ee97cad4b093d8025790c0056a7ef?OpenDocument

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