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domingo, 16 de outubro de 2011

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - PRESCRIÇÃO DAS PENAS INTERRUPÇÃO - 07/09/2011


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1462/93.6TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR OLIVEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DAS PENAS
INTERRUPÇÃO

Data do Acordão: 07-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 2
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 124º, N.º 1, AL. B), DO C. PENAL DE 1982 (VERSÃO ORIGINÁRIA)


Sumário: Dispunha o art.º 124º, n.º 1, al. b), do C. Penal de 1982, na sua versão originária, que “a prescrição da pena interrompe-se … com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não posa ser alcançado.”
A verificação dessas circunstâncias que condicionam o efeito interruptivo dos actos destinados a executar a pena supõem que o paradeiro do arguido seja conhecido.
Apenas sendo conhecido o paradeiro do arguido se pode verificar a impossibilidade da sua extradição ou de ser alcançado.


Decisão Texto Integral:

______________________
5ª Secção (Criminal)
Proc. 1462/93.6TBAVR.C1
Pág. 14
I. Relatório
No processo comum nº 1462/93.6TBAVR da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro – Juízo de Média Instância Criminal – Juiz 2 o arguido B... foi condenado, por acórdão do STJ transitado em julgado, na pena de seis anos de prisão pela autoria de um crime de homicídio na forma tentada.

Por despacho proferido em 23.11.2010 foi declarado extinto por prescrição o procedimento criminal exercido contra o arguido, sendo tal despacho do seguinte teor:
O arguido B..., por acórdão do STJ proferido nestes autos em 30/11/1995, e transitado em julgado em 18/12/1995, foi condenado - pela prática de um crime tentado de homicídio, ocorrido a 17/09/1992 - na pena 6 anos de prisão, tendo-lhe sido declarada perdoado um ano de prisão (ao abrigo do art. 8º nº 1 d) da lei nº 15/94, de 11 de Maio). Tal pena não se mostra cumprida.
De acordo com o actual Código Penal (na redacção de 1995 e com as alterações posteriormente ocorridas até à actualidade) o prazo de prescrição da pena é de 15 anos, e começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (cfr. art. 122º nº 1 b) e nº 2 do CP95), sendo que a declaração de contumácia e a sua vigência interrompem e suspendem a prescrição da pena (cfr. arts. e 126º nº 1 b) e 125º nº 1 b), respectivamente, de tal diploma). Considerando que a fls. 231 foi proferido despacho a declarar a contumácia do arguido nos termos dos arts. 336º e 337º , ex vi do art. 476º b) do Código de Processo Penal, perante o actual Código Penal [seu art. 125º nº 1 b)] mantinha-se suspensa a prescrição da pena aplicada ao arguido.
Todavia há que atender à redacção do Código Penal vigente á data dos factos (17/09/1992), por forma a indagar se o seu regime é mais favorável ao arguido.
E de acordo com Código Penal vigente à data dos factos (o Código Penal de 1982) o prazo de prescrição de tal pena também era de 15 anos [cfr. seu art. 121º nº 1 b)], começando tal prazo também a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que aplicou a pena (cfr. art. 121º nº 3 do Código Penal de 1982). E ao tempo de tal Código Penal (redacção de 82) a declaração ou vigência de contumácia a que aludia o art. 476º do Código de Processo Penal não era causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.
É pois mais favorável ao arguido o regime vigente à data dos factos decorrente do Código Penal de 1982 (anterior à redacção de 1995).
Então, temos que desde 18/12/1995, já decorreram 15 anos, prazo este de prescrição da pena fixado pela alínea b) do nº 1 do art. 122 do Código Penal.
Nestes termos, e atendendo a que não se verificam quaisquer causas suspensivas ou interruptivas da prescrição plasmadas nos arts. 123º nº 1 e 124º nº 1 do Código Penal (redacção de 1982), ao abrigo das disposições conjugadas nos arts. 121º nºs 1 b) e 2º, do Código Penal (redacção de 1982), declaro extinta, por prescrição, a pena de prisão por que o arguido B... havia sido condenado nestes autos.
Remeta boletim ao registo criminal.
Notifique.
*
Declaro cessada a situação de contumácia em que o arguido se encontrava.
DN.
*
De imediato, via fax e com nota de urgência, solicite a devolução, sem cumprimento, de todos os mandados de captura pendentes contra o arguido (v.g. ao SEF e à GNR de Vagos).

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Ministério Público, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1. Na data da prática dos factos (1992) encontrava-se em vigor o Código Penal de 1982, no âmbito do qual, a moldura penal da prática, na forma tentada, do ilícito penal pelo qual o arguido foi condenado, situava-­se entre um limite mínimo de 2 anos de prisão e um limite máximo de 10 anos e 8 meses de prisão e foi este o intervalo tido em conta no acórdão proferido, em 30.11.1994, em primeira instância a qual condenou o arguido na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
2. Interposto que foi recurso desta decisão, e antes da prolação do acórdão do S.T.J. de fls. 196 e ss. dos presentes autos, o qual concedeu provimento ao recurso interposto pelo Mº Po e condenou o arguido na pena de prisão de 6 anos, entrou em vigor o Código Penal de 1995 (Dec-Lei nº 48/95 de 15/03) .
3. No âmbito deste CP95, a moldura penal da prática, na forma tentada, do ilícito penal pelo qual o arguido foi condenado, situava-­se entre um limite mínimo de 1 ano, sete meses e seis dias de prisão e um limite máximo de 10 anos e 8 meses de prisão.
4. Aquando do juízo deliberativo condenatório constante do acórdão do S.T.J., a versão introduzida pelo Dec-Lei n° 48/95 de 15/03 ( CP 95), era a lei MAIS FAVORÁVEL, razão pela qual, a aplicável e aplicada art.º 2°, n° 4 do C. Penal.
5. No caso e ao caso em apreço, haverá que, consequentemente e porquanto a aplicabilidade da versão do CP95 ter que ser feita em bloco a aferição das regras inerentes ao instituto da prescrição da pena terá que ser feita pela interpretação e aplicação das regras previstas (artºs 122°, 123°, 125° e 126°) e não das previstas no CP82 (vid. Acórdão do T.R.C. de 03.11.2010.
6. Sendo o prazo prescricional de 15 anos, o mesmo interrompeu-se em 19.02.1998 com a declaração de contumácia do arguido e encontra-se igualmente suspenso desde essa data, apenas voltando a correr a partir do momento em que cessar a causa de suspensão, nos termos do disposto nos artºs 121°, 125° e 126° do CP95, o que, até à presente data, não se verificou.
7. Ainda que se considere aplicável, ao caso em apreço, a versão do CP82, a pena em que o arguido foi condenado não se encontra prescrita por força do disposto no, então, artO 124°, nº 1 al. b), segundo o qual:
"1. A prescrição da pena interrompe-se:
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local onde não possa ser encontrado".
8 . Os actos praticados no sentido da execução da pena e reveladores do interesse do Estado na punição devem conduzir, logicamente, à sua interrupção.
9. Nesse sentido e com aplicação ao caso em apreço, temos que, "interrompem a prescrição da pena, nos termos do artº 124°, n° 1 al. a) do Código Penal de 1982, os pedidos de informação quanto ao paradeiro do réu e a emissão infrutífera de mandados de captura" (Acórdão da Rel. do Porto de 89/03/15 - BMJ - n° 305, pág. 611).
10. No âmbito dos presentes autos, tais diligências interruptivas (pedidos de informação quanto ao paradeiro do réu e a emissão infrutífera de mandados de captura) verificaram-se, designadamente, em 18.03.1996 (fls. 212), 25.03.1996 (fIs. 216v.), 21.10.1997 (fls. 10.11.1998 (fls. 241), 04.10.2000 (fls. 259), 22.10.2002 (fls. 265 e 266), 08.11.2002 (fls. 268), 24.01.2003 (fls. 273) 18.09.2003 (fls. 278), 29.09.2004 (fls. 280), 21.06.2005 (fls. 287) 14.11.2005 (fls. 295), 21.09.2006 (fls. 302), 02.10.2006 (fls. 308), 14.12.2007 (fls. 325), 13.10.2008 (fls. 334), 01.10.2009 (fls. 354), 20.05.2010 (f1s. 361) e 18.10.2010 (fls. 367), o que conduziu a que, por todas essas vezes, se tenha interrompido o prazo de prescrição da pena e reiniciado um novo prazo de prescrição de 15 anos.
11. Mesmo considerando, como entendeu o Mmº Juiz, que, in casu, se aplica o regime previsto pelo CP82, a prescrição de tal pena apenas se verificará, quando muito, em 18.06.2018 (prazo de prescrição da pena acrescido de metade: 22 anos e meio - cfr. artº 124°, n° 3 do CP82).
Em face do supra aduzido, a pena de 6 anos de prisão em que o arguido foi condenado não se encontra prescrita, tendo a decisão recorrida violado o disposto nos artºs 125°, nº 1 al. b) e 126°, nº 1 al. b) do CP95 e o artº 124°, n° 1 al. b), n° 2 e nº 3 do CP82 no caso de se entender ser aplicável a versão do CP82.
Nestes termos e naqueles mais que V.as Ex.as, se dignarão suprir:
Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida com as demais consequências legais.
Vossas Excelências, farão, como sempre, JUSTIÇA.

Notificado, o arguido respondeu ao recurso interposto, concluindo que deve ser mantido o despacho recorrido.

O Mmº Juiz a quo admitiu o recurso interposto e sustentou a decisão recorrida nos seguintes termos:
Não obstante os argumentos invocados pelo Ministério Público para infirmar o despacho de fls. 376 e 377, continuo a entender, e salvo o muito devido respeito por opinião contrária, que a prescrição da pena por que o arguido foi condenado nos presentes autos ocorreu conforme mencionado em tal despacho.
Aliás, e até precisamente ao contrário do que é mencionado pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso (quando até suscita a questão que o regime tem que ser aplicado “em bloco”) resulta bem expresso na parte final do Acórdão do STJ proferido nos autos que “se mantém a punição do arguido nos termos da legislação aplicada em primeira instância” (cfr. fls. 204, sombreado e sublinhado nosso). Ora, a legislação aplicada em primeira instância foi a do Código Penal na redacção de 1982 que não previa que a contumácia fosse causa suspensiva ou interruptiva da prescrição (repare-se que o acórdão de primeira instância, constante de fls. 155 a 164, foi proferido em 05/12/1994 – cfr. acta de fls. 165 e 166 – quando, obviamente, ainda não estavam em vigor as alterações entretanto introduzidas em 1995 ao Código Penal de 1982).
Por outro lado, importa também referir, tal como é dito pelo STJ no Acórdão de 04/02/2010, proferido no Processo nº 29/10.0YFLSB.S1 (Processo de Habeas Corpus): “a prescrição da pena tem uma natureza marcadamente material e substantiva, pelo que «não pode, na dimensão substantiva, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto à estabilidade de determinado regime dos vários que podem suceder-se no tempo» como se nota no acórdão já citado deste Tribunal proferido no Processo nº 2868/08, da 3ª Secção” (in www.dgsi.pt).
Por outro lado ainda, decorre do sumário do Acórdão do STJ de 03/09/2008, proferido no Processo 08P2558 (Processo de Habeas Corpus) que “o Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 09/04/2008 embora se cinja à relação entre a declaração de contumácia e prescrição do procedimento criminal, tem inteira aplicação quanto à mesma relação entre a contumácia e a prescrição da pena” (in www.dgsi.pt).
De referir ainda, e agora a propósito das alegadas “diligências interruptivas” consideramos que as mesmas não têm a virtualidade de interromper a prescrição. Aliás, e a este propósito pode citar-se o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 09/12/2010 em cujo sumário é dito “Não constituiu causa de interrupção de prescrição da pena, conforme o disposto no artigo 124º nº 1 b) do Código Penal (versão originária), o facto de terem sido emitidos por duas vezes mandados de captura contra o condenado, e ter sido decidido que os autos aguardassem por 6 meses a sua extradição, prazo esse que foi sucessivamente prorrogado” (in www.dgsi.pt).
Por último, importa também ter presente que com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, foi revogado o art. 476º do Código de Processo Penal.
Por estas razões, e considerando suficientemente fundamentado o despacho sob censura, de que aquando da prolação do mesmo já se encontrava prescrita a pena por que o arguido foi condenado nos presentes autos, mantenho o despacho recorrido.
No entanto, Vossas Excelências decidirão, como sempre, conforme for de JUSTIÇA.

Nesta Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
Vem o recurso interposto pelo Ministério Público do despacho judicial proferido a fls. 376/377, que pelo decurso de prazo de prescrição, declarou extinta a pena de prisão imposta ao arguido B..., 6 anos de prisão, um dos quais declarado perdoado nos termos da Lei 15/94, de 11.05.1994, pela comissão de um crime de homicídio, na forma tentada, p. p. pelos artºs 131°, 22°, 23º e 74º, do C. Penal/82, conforme consta do Acórdão proferido pelo STJ, em 30.11.1995, transitado em julgado em 18.12.1995.
Respondeu o arguido a fls. 416/419.
A discordância limita-se ao diferente entendimento sobre a aplicação no tempo das leis de prescrição das penas e análise de circunstâncias processuais passíveis de efeito interruptivo do prazo de prescrição em marcha.
A posição do MP em 1ª Instância, expressa na motivação de recurso e respectivas conclusões, insertas a fls. 391/405, para onde remetemos, ilustra com toda a clareza a situação processual dos autos.
Todavia e, não obstante a pertinência da argumentação, estamos em crer que a tese defendida não tem tido acolhimento jurisprudencial.
Por outro lado, importa clarificar que o regime punitivo, por que foi condenado o arguido se reporta ao regime instituído pelo DL nº 400/82 - Código Penal de 1982 - conforme vem e bem apontado pelo MMo Juiz a fls. 413/415.
Do Mérito:
No parecer que nos cumpre emitir deixamos desde já exarado que aderimos à tese sustentada na decisão recorrida.
Vejamos:
Em seu douto despacho de sustentação, inserto a fls. 413/415, o MMo Juiz acentua o facto da punição pelo ilícito penal imputado ter sido efectuada pelo regime do C Penal o de 1982 e, na sequência da análise efectuada, nos termos da aplicação das leis no tempo, estamos de acordo com a opção tomada de aplicação, por mais favorável ao arguido, do mesmo C Penal 82.
Na verdade, para o efeito, de relevo se nos afigura, considerar a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ, nº 5/2008, in DR. P S., de 13.05.08, que decidiu:
«No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal».
O que, igualmente tem aplicação no que respeita à prescrição das penas.
Donde, afastado o efeito suspensivo da declaração de contumácia, este será, sem grande controvérsia o regime mais favorável e que terá de ser aplicado em bloco.
E, aqui chegados a questão que se coloca é a da interpretação do artº 124º nº 1, al. b) do referido CP, redacção originária, referente a causa de interrupção da prescrição quando estabelece:
"1 -A prescrição da pena interrompe-se:
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado".
Face a tal dispositivo importará saber se estão preenchidos os requisitos aludidos para que se possa afirmar ter-se interrompido o prazo de prescrição da pena imposta ao arguido.
É certo que, em 23.01.96, foram emitidos mandados de detenção do arguido com vista ao cumprimento da pena aplicada, os quais não puderam ser cumpridos pois não foi encontrado o seu paradeiro - cfr. fls. 213 a 216 - anotando-se ainda, em 14.03.1996, que o mesmo se teria ausentado para França ou Suíça e outras diligências se fizeram no sentido de saber do paradeiro do arguido, com vista à sua captura.
Porém, como decorre dos autos não foi possível proceder à detenção ou captura do arguido, nem, tão pouco alguma vez se teve conhecimento do seu paradeiro certo.
Entende a ilustre Magistrada recorrente que, qualquer acto da autoridade competente visando a execução da pena tem idoneidade para interromper a prescrição.
Pensamos, na esteira do Ac. proferido neste TRC, em 09.12.2010, Proc. nº 163/99.6TBCTB.C1, relator Jorge Dias, in www.dgsi.pt que o legislador não pretendeu uma posição tão liberal, porque a entender-se assim, bastava a emissão do mandado de detenção ou captura, ou qualquer outro documento com vista a tentar executar a pena, ou seja, tudo era idóneo para interromper a prescrição. Assim como a impossibilidade de extraditar o condenado ou estar em local onde não possa ser alcançado tem de ser uma impossibilidade real e concreta. Têm de ser realizadas diligências concretas das quais se verifique essa impossibilidade, não se podendo esperar que o arguido se entregue, pois como refere o recorrente, "um direito primário que assiste ao ser humano é manter-se em liberdade". Citando Fernando Fabião, in Prisão Preventiva, pág. 5, "o homem tem a liberdade na massa do sangue, de tal sorte que, onde ela não existe, não pode falar-se de homens. Ser livre é da essência da natureza histórica do homem. Milénios de história o documentam, testemunhando a progressiva libertação do homem das forças contrárias às múltiplas manifestações desse impulso básico, fundamental que é a liberdade".
Pelo que, de igual modo se entende que os actos praticados e documentados no processo não são demonstrativos da prática de actos destinados a fazer executar a pena, ou que a execução se tornou impossível por o condenado estar em paradeiro donde não pode ser extraditado, ou em local onde não possa ser alcançado.
Assim, estamos em crer que não se verifica causa de interrupção da prescrição da pena.
Pelo que, a decisão recorrida não nos merece censura.
Donde, dispensando-nos considerações adicionais e emite-se parecer no sentido da improcedência do interposto recurso pelo Ministério Público.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.
Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Apreciação do Recurso
Sendo o concreto objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso, as questões que reclamam apreciação e decisão são as seguintes:
- Se ao instituto da prescrição da pena deve ser aplicado o regime que foi considerado no momento da condenação, o do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei nº 48/95 de 15 de Março;
.- Se, assim não se entendendo, ocorre a causa de interrupção da prescrição prevista no artigo 124º, nº 1, alínea b) do Código Penal na sua versão originária do Decreto-Lei nº 400/82 de 23 de Setembro.

Apreciando:
O Ministério Público recorreu do despacho judicial que declarou extinta por prescrição a pena de prisão imposta ao arguido B..., 6 anos de prisão, um dos quais declarado perdoado nos termos da Lei nº 15/94 de 11.05.1994, pela autoria de um crime de homicídio, na forma tentada, p. p. pelos artigos 131°, 22°, 23º e 74º do Código Penal de 1982, conforme consta do Acórdão proferido pelo STJ, em 30.11.1995, transitado em julgado em 18.12.1995.
A discordância do recorrente relativamente ao despacho recorrido radica no seu diferente entendimento sobre a aplicação no tempo das leis de prescrição das penas e sobre as circunstâncias processuais passíveis de efeito interruptivo do prazo de prescrição nos termos do artigo 124º, nº 1, alínea b) do Código Penal na sua versão originária (1982).
Em primeiro lugar deve ser esclarecido, versando sobre a primeira questão suscitada, tal como bem acentuam o Mmº Juiz a quo no seu despacho de sustentação e a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, que o regime punitivo por que foi condenado o arguido se reporta ao regime instituído pelo Decreto-Lei nº 400/82 - Código Penal de 1982.
Aplicar nessas circunstâncias o mesmo regime (do Código Penal de 1982) à prescrição da pena não comporta a aplicação de diferente lei em relação à que foi ponderada no momento da condenação.
Certo é que o disposto no artigo 2º, nº 4 do Código Penal sempre imporia a aplicação do regime que se mostra-se concretamente mais favorável ao arguido, para além do estatuído no nº 1 do preceito que determina a aplicação da lei em vigor à data dos factos, regra que apenas pode ceder perante a maior favorabilidade de lei nova.
E mesmo que no momento da condenação tivesse sido aplicada a lei nova em nome do princípio da aplicabilidade de lei nova mais favorável, ainda assim se imporia aplicar a lei vigente à data dos factos para aferir da prescrição da pena se a lei nova não se mostrasse mais favorável. O que a jurisprudência vem acentuando não ser admissível é que na ponderação da aplicação de um determinado instituto jurídico se escolham as disposições de cada regime que se mostrem mais favoráveis, devendo a comparação da maior favorabilidade ser efectuada entre regimes em bloco.
Também sobre esse aspecto o Mmº Juiz expendeu e bem no seu despacho de sustentação citando pertinente jurisprudência (Acórdão de 04/02/2010, proferido no Processo nº 29/10.0YFLSB.S1 (Processo de Habeas Corpus): “a prescrição da pena tem uma natureza marcadamente material e substantiva, pelo que «não pode, na dimensão substantiva, estar coberta por qualquer caso julgado formal quanto à estabilidade de determinado regime dos vários que podem suceder-se no tempo» como se nota no acórdão já citado deste Tribunal proferido no Processo nº 2868/08, da 3ª Secção” (in www.dgsi.pt).
Não existe, pois, qualquer obstáculo à aplicação das normas vigentes à data da prática dos factos como não existe qualquer dúvida de que esse regime è o mais favorável posto que de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ nº 5/2008, in DR. P S., de 13.05.08 «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal» não havendo razão para divergir no que respeita à prescrição das penas.

E, revertendo para a segunda questão suscitada, importa agora equacionar se se verifica a causa de interrupção da prescrição prevista no artigo 124º nº 1, alínea b) do referido CP, redacção originária, quando preceitua:
"1 -A prescrição da pena interrompe-se:
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado".
Note-se que o recorrente menciona redacção inexacta do preceito que termina com a expressão "ser encontrado" em vez de "ser alcançado" o que desvirtua o sentido legal. Face ao transcrito normativo importa questionar se estão preenchidos os requisitos aludidos para que se possa afirmar ter-se interrompido o prazo de prescrição da pena imposta ao arguido.
Verificamos que em 23.01.96, foram emitidos mandados de detenção do arguido com vista ao cumprimento da pena aplicada. Estes não puderam ser cumpridos por não ter sido o arguido encontrado, sendo desconhecido o seu paradeiro, devendo ainda mencionar-se constar dos autos que o arguido se teria ausentado para França ou Suíça e outras diligências se fizeram no sentido de saber do paradeiro do arguido, com vista à sua captura, todas infrutíferas. Como resulta dos autos não foi possível proceder à detenção ou captura do arguido e nunca se teve conhecimento do seu paradeiro certo.
Entende o recorrente que, qualquer acto da autoridade competente visando a execução da pena tem idoneidade para interromper a prescrição.
Pensamos, na esteira do Ac. proferido neste TRC, em 09.12.2010, Proc. nº 163/99.6TBCTB.C1, relator Jorge Dias, in www.dgsi.pt que o legislador não pretendeu uma posição tão liberal, porque a entender-se assim, bastava a emissão do mandado de detenção ou captura, ou qualquer outro documento com vista a tentar executar a pena, ou seja, tudo era idóneo para interromper a prescrição. Assim como a impossibilidade de extraditar o condenado ou estar em local onde não possa ser alcançado tem de ser uma impossibilidade real e concreta.
Tanto assim que se estabeleceu uma condição para que os actos destinados a fazer executar a pena tenham efeito interruptivo como indica a expressão "se". Essa condição é a de a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou onde não possa ser alcançado.
Ora, a verificação dessas circunstâncias que condicionam o efeito interruptivo dos actos destinados a executar a pena supõem que o paradeiro do arguido seja conhecido. Apenas sendo conhecido o paradeiro do arguido se pode verificar a impossibilidade da sua extradição ou de ser alcançado.
Nos autos nunca se alcançou o conhecimento do paradeiro do arguido e por isso se não pode concluir que a sua extradição seja impossível ou que seja impossível alcançá-lo.
Assim, concluímos que não se verifica causa de interrupção da prescrição da pena e, por consequência, encontra-se prescrita a pena nos termos legais que foram considerados no despacho recorrido.
***
III. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo o douto despacho recorrido.
Não há lugar a tributação.
***
Coimbra, 7 de Setembro de 2011
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).
__________________________________
(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

_________________________________
(José Eduardo Fernandes Martins)

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/689bbac6c992845b80257910003a5326?OpenDocument

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