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terça-feira, 25 de outubro de 2011

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 06-10-2011


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
159/03.5TBPTB.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO

Sumário: A prova da manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos a menor a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores tem de ser feita todos os anos, e não apenas no ano subsequente a essa atribuição.


Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO
Nos autos de regulação do poder paternal (hoje responsabilidades parentais) instaurados pelo Ministério Público em representação do menor F… , filho de J… e de R… , em virtude do pai ter deixado de pagar à mãe do menor, à guarda de quem este se encontra confiado, a prestação mensal fixada a título de alimentos devidos àquele seu filho, uma vez julgado procedente o incidente de incumprimento veio o mesmo Ministério Público requerer o accionamento que o pagamento da prestação alimentar fosse feito pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) assegure esse pagamento.
Por decisão de 18.04.2005 foi deferida a pretensão, fixando-se em cem euros o valor da prestação mensal a pagar por aquela entidade.
Por despachos proferidos em 12.05.2006, 03.09.2007, 02.05.2008, 29.05.2009 e 18.05.2010, sob promoção do Ministério Público e depois de convite feito à requerida R… a comprovar que se mantinha o direito ao recebimento de tal quantia, foi julgado que se mantinha a obrigação do referido FGADM.
De novo em 13.05.2011 veio a requerida R… declarar nos autos que mantém a necessidade de que o FGADM continue a pagar-lhe a prestação fixada, tendo o Ministério Público então promovido que se convidasse a mesma a demonstrar a manutenção dos pressupostos subjacentes a esse pagamento.
Por decisão proferida em 24.05.2011, foi entendido que não haveria que continuar a fazer a prova anual de que se mantinham os pressupostos que determinaram a condenação do FGADM e foi ordenado o arquivamento dos autos.
Inconformado, recorreu o Ministério Público que nas alegações por si apresentadas formula as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 – O objecto do recurso prende-se com a decisão do Mm.º Juiz de determinar o arquivamento dos autos, por inviabilizar o controle anual, a realizar pelo Tribunal, da manutenção dos pressupostos que da atribuição do montante a prestar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em substituição do devedor da prestação de alimentos.
2 – A Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, é o diploma legal que estabelece o quadro normativo tipo que disciplina a obrigação do Estado de se substituir ao devedor dos alimentos devidos a menores, e determina no seu artigo 3.º, n.º 6, que compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sob pena da sua cessação.
3 – A tal regime não obsta o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que o regulamenta, ao dispor que a pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o Tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, já que tal norma deve ser interpretada à luz do regime que fornece o quadro normativo da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores – a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
4 – É atribuição do Tribunal, da qual não se deverá desonerar, a verificação anual (e não apenas decorrido um ano sobre a fixação da prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores) da manutenção dos pressupostos subjacentes à intervenção do Estado, através do Fundo.
5 – A reavaliação anual permite o controle pelo Tribunal da manutenção dos pressupostos de intervenção do Fundo, podendo determinar a cessação ou alteração, a todo o tempo, daquela prestação.
6 – O n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, não revogou o disposto no artigo 3.º, n.º 6, da lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, porquanto aquele preceito visa definir os contornos deste, fixando para o efeito o prazo em que a renovação da prova deverá ser produzida.
7 – Tal interpretação do preceito (artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio) não esvazia de sentido útil a previsão contida no n.º 2 do artigo 9.º do mesmo diploma legal, que consagra um dever de comunicação que abrange todo e qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação da prestação de alimentos a cargo do Estado, a todo o tempo e logo que o interveniente tome conhecimento de tal circunstância, e não apenas uma vez por ano.
8 – O dever de renovação anual dos pressupostos de atribuição da prestação a cargo do Fundo permite igualmente o controle pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a que alude o n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, podendo até, em alguns casos, ser-lhe impossível obter tais elementos de prova por outra via.
9 – A imposição de um dever de renovação anual não é desproporcional ao benefício que o menor e quem detém a sua guarda de facto retiram de ver o Estado substituir-se ao devedor na prestação dos alimentos.
10 – Razões de natureza processual, nomeadamente a eventual pendência dos autos pelo período de quase 18 (dezoito) anos, não deverão afastar ou condicionar a interpretação de normas de direito substantivo.
11 – O douto despacho recorrido, ao inviabilizar o controle anual da manutenção dos pressupostos subjacentes à atribuição de uma prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 6, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 9.º, n.ºs 2, 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.
12 – O artigo 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio deve ser interpretado no sentido de que estabelece a periodicidade, anual, da comprovação da manutenção dos pressupostos de intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, e não de que tal verificação apenas se efectua uma vez e decorrido um ano da atribuição do montante a suportar pelo Fundo, em consonância aliás com o disposto no artigo 3.º, n.º 6, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
Conclui, pedindo que o despacho recorrido seja substituído por outro que determine, conforme o promovido, a notificação da progenitora para, no prazo de 10 dias, efectuar a renovação da prova da manutenção da situação económica do agregado familiar, para efeitos de ser proferida decisão sobre a manutenção da prestação a cargo do FGADM.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 4, do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL 303/3007, de 24/08, em virtude dos autos datarem de antes de 01/01/2008 (cfr. arts. 11º nº 1 e 12º nº 1 daquele DL), a única questão que aqui cumpre apreciar diz respeito à oportunidade da renovação da prova, perante o Tribunal, da manutenção dos pressupostos subjacentes à atribuição da prestação pelo FGADM.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
A factualidade a atender para o conhecimento do presente recurso é a que resulta do relatório acima elaborado, para o qual se remete.

B) O DIREITO
A Lei 75/98 de 19 de Novembro estabeleceu a garantia de pagamento dos alimentos devidos a menores pelo Estado, através do FGADM. O Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio (recentemente alterado pelo DL 70/2010, de 16 de Junho que entrou em vigor em 1.08.2010 e que, nomeadamente, alterou as regras da capitação), veio regulamentar essa Lei.
Ao FGADM foi atribuída a obrigação de garantir o pagamento dos alimentos devidos aos filhos menores, quando seja impossível cobrá-los às pessoas judicialmente obrigadas a prestá-los.
O pagamento das prestações alimentares pelo FGADM depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- que tenha sido judicialmente fixada uma prestação alimentar a favor de um menor;
- que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos resida em Portugal;
- não ser possível cobrar essa prestação nos termos do art. 189º da OTM;
- que o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, tendo em conta a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar (cfr. arts. 1º da lei 75/98 e arts. 2º, nº 2 e 3º do DL 164/99).
Dispõe o nº 4 do art. 3.º da Lei 75/98, que “O montante fixado pelo Tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado”.
Por seu turno, o nº 6 do art. 3º da Lei 75/98 de 19 de Dezembro, preceitua que “Compete a quem tem de receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sem o que a mesma cessa.”
E o art. 4º da mesma Lei estabelece que “O representante legal do menor ou a pessoa à guarda de quem se encontre deve comunicar ao tribunal ou à entidade responsável pelo pagamento das prestações em causa, a cessação ou qualquer alteração da situação de incumprimento ou da situação do menor.
A reavaliação da manutenção dos pressupostos que determinaram a fixação da prestação em causa, deve ser efectuada nos termos regulamentados no art. 9º do Decreto-Lei 164/99, que no seu nº 1 reafirma o princípio consagrado no nº 4 do art. 3º da Lei 75/98, prescrevendo, para esse efeito:
- o dever do FGADM de comunicar ao tribunal qualquer facto que possa determinar a alteração ou a cessação da prestação de alimentos a cargo do Estado e os reembolsos efectuados pelo devedor (nºs 2 e 3);
- o dever da pessoa que receber a prestação, de renovar, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, (nº 4) sob pena de, não o fazendo após a notificação prevista no nº 5 do citado preceito, cessar tal atribuição.
Ora, como se escreveu no acórdão desta Relação de 27.01.2011, proc. nº 142-B/2002.G1, que o aqui relator e a primeira adjunta subscreveram, respectivamente, como primeiro e segundo adjuntos, «Conjugando e interpretando todas as referidas normas, é para nós certo que, salvo o devido respeito, não se pode aceitar a interpretação que foi feita pelo tribunal a quo, no sentido de que, o n.º 4 do art.º 9.º do Dec. Lei 164/99, esclarecendo o teor do art.º 3.º n.º 6 da Lei 75/98 de 19 de Novembro, impõe à pessoa que recebe a prestação do Fundo que faça a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, apenas uma vez, no ano subsequente ao pagamento da primeira daquelas prestações.
Na verdade, tal interpretação não é consonante com a razão de ser da lei (ratio legis) ou seja, com fim visado pelo legislador ao elaborar as aludidas normas que, inequivocamente, vão no sentido de que a prestação social fixada a cargo do Fundo, só deve manter-se enquanto se mantiverem os pressupostos que fundamentam a sua atribuição, criando-se, para tanto, mecanismos de controle que permitem fiscalizar a verificação daqueles pressupostos regularmente.
Tal intenção do legislador resulta claramente do preâmbulo do Decreto Lei 164/99 de 13 de Maio, onde se refere expressamente que “Através da articulação de diversas entidades intervenientes em colaboração com o tribunal, visa-se assegurar a plena eficácia e rapidez do procedimento ora criado, bem como, em obediência ao princípio da segurança, a efectivação regular da prova de subsistência dos pressupostos e requisitos que determinam a intervenção do Fundo de Garantia e a prestação de alimentos a cargo do Estado.”
O sentido que o tribunal de primeira instância retirou do citado art.º 9.º n.º 4 também não pode sustentar-se, nem na sua interpretação sistemática, nem na sua interpretação literal (em que parece ter-se escudado o entendimento ora em crise).
No art.º 3.º n.º 6 da Lei 75/98 refere-se expressamente o referido dever de renovação anual, ou seja todos os anos, da prova de que se mantêm os pressupostos da atribuição da prestação do Fundo.
Assim sendo, a interpretação do art.º 3.º n.º 4 do Decreto Lei que precisamente regulamenta aquela lei, no sentido de que tal dever se impõe apenas uma vez no prazo de um ano após o primeiro pagamento da prestação, poria claramente em causa a coerência do complexo normativo que rege a matéria em causa.
Por outro lado, da leitura atenta do próprio texto do preceito apenas se retira que o dever de renovação da referida prova, a efectuar anualmente, tem início no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação.»
Não se nos afigura, pois, possível desconsiderar a previsão do nº 6 do art. 3º da Lei nº 75/98 e, por conseguinte, a regra de que compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, não se encontrando tal norma revogada, como se considerou, pelo art. 9º, nº 4, do DL nº 164/99.
Deste modo se entendeu, conforme salientado pelo apelante, no Ac. da RC de 08.03.2005 (Proc. 4306/04, disponível em www.dgsi.pt), embora não directamente chamado a decidir sobre esta específica questão: “... o regime legal prevê um sistema de controle que assenta na reapreciação anual dos pressupostos subjacentes à atribuição da prestação (n.º 6 do artigo 3.º da Lei).” – vd., no mesmo sentido, os Acórdãos desta Relação de 12.05.2011, 19.05.2011 e 02.06.2011, processos nºs 228/08.5TBPTB.G2, 170/06.4TBPTB.G1 e 320/06.0TBPTB.G1, respectivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
A circunstância de, na interpretação sufragada na 1ª instância, o processo se poder manter pendente até o menor atingir a maioridade, não tem a menor relevância, pois como bem refere o Ministério Público nas suas doutas alegações, razões de natureza processual não têm a virtualidade de afastar ou condicionar a interpretação de normas de direito substantivo.
Não pode, pois, deixar de proceder o recurso.

Concluindo:
A prova da manutenção dos pressupostos de atribuição da prestação de alimentos a menor a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores tem de ser feita todos os anos, e não apenas no ano subsequente a essa atribuição.

IV- DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando, em consequência, a decisão recorrida e determinando que, voltando os autos à 1ª instância, se convide a requerida Rosa Maria Cerqueira de Sousa, a renovar a prova anual, através dos meios tidos por convenientes, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à atribuição da prestação mensal a pagar pelo FGADM.
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 06 de Outubro de 2011

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0d65f26bfe3e846680257930003ba1ab?OpenDocument

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