Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

terça-feira, 25 de outubro de 2011

BURLA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO ABUSO DE CONFIANÇA MATÉRIA DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 20-09-2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2992/07.0TAPTM.E1
Relator: ALBERTO JOÃO BORGES
Descritores: BURLA
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
ABUSO DE CONFIANÇA
MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO

Data do Acordão: 20-09-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO

Sumário: I – Estando vedado ao tribunal de recurso o contacto directo e imediato com as provas que a audiência de julgamento em 1.ª instância permite, a censura da convicção assim formada só é viável desde que se demonstre que ela é inadmissível em face das regras da experiência comum, ou seja, que, em face de tais regras, essa convicção não tem lógica, não é coerente, não é possível que os factos assim se tenham passado, por outras palavras, que não é possível – fazendo apelo às regras da experiência comum, da lógica e aos critérios da normalidade da vida – que os factos se tenham passado tal como constam da decisão recorrida.
II - A reparação imposta na sentença recorrida como condição da suspensão da execução da pena, não se destina a indemnizar a lesada, mas antes ao reforço do conteúdo educativo e pedagógico que se pretende com a suspensão da execução da pena de prisão, levando a arguida a interiorizar, por um lado, que a pena de prisão cuja execução é suspensa é, de facto, uma pena, que não pode deixar de lhe fazer sentir a necessidade de conformar o seu modo de vida com as normas vigentes, por outro, que a confiança que o tribunal nela deposita, suspendendo-lhe a execução da pena – quanto ao seu comportamento futuro – envolvendo algum risco, não pode deixar de ser um risco calculado e, por isso, ter em conta que tal pena não pode deixar de representar um verdadeiro sacrifício, sob pena de ficarem frustrados os fins da punição e criar na comunidade um sentimento de impunidade e desconfiança, ou seja, a ideia de que o crime compensa.
III – Nesta perspectiva, a reparação imposta à arguida – como condição da suspensão da execução da pena – atentos os factos provados, não se mostra impossível de cumprir ou que não seja razoável exigir-lhe tal sacrifício – da situação de desemprego, só por si, não se infere que não tenha possibilidade de devolver tais quantias ou que não seja razoável exigir-lhe a sua devolução.



Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Portimão (2.º Juízo Criminal) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 2992/07.0TAPTM, no qual foi julgada a arguida (…), melhor identificada na sentença de fol.ªs 609 a 629, datada de 28.02.2011, pela prática dos seguintes crimes: - Um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 218 n.º 2 al.ª a) do CP; - Um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.º 256 n.º 1 al.ª c) do C); - Um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205 n.ºs 1 e 4 al.ª b) do CP.

A final veio a decidir-se:

1) Julgar a acusação improcedente, quanto ao crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217 n.º 1 e 218 n.º 2 al.ª a) do CP, e absolver a arguida da prática desse crime;

2) Julgar a acusação procedente, quanto ao mais, e condenar a arguida:

- Pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 al.ª d) e 4 al.ª a) e 30, todos do CP, na pena de três anos de prisão;

- Pela prática de um crime de falsificação de documentos, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30, ambos do CP, na pena de dois anos e dois meses de prisão;

- E, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, mediante regime de prova e a condição de, nesse período, entregar à (…) a quantia total de que se apoderou, ou seja, 19.380,60 €;

3) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante/assistente (…), Ld.ª, e condenar a demandada no pagamento àquela da quantia de 19.380,60 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data em que foi notificada para contestar o pedido até integral pagamento.

2. Recorreu a arguida desta sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

a) A sentença não podia, com os elementos dados como provados, condenar a arguida pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 e 4 al.ª a) e 30, ambos do CP, e um crime de falsificação de documentos, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30, ambos do CP.

b) Houve, por parte do tribunal a quo, erro na qualificação jurídica dos factos e, consequentemente, na determinação das normas e das penas aplicáveis.

c) Face ao que ficou provado, é reduzida a prova efectivamente feita, por modo a condenar a arguida pela prática dos crimes pelos quais foi acusada e é errada a subsunção da conduta da arguida, pois toda a factualidade dada como provada é insuficiente para tal.

d) Entende a arguida que a sentença recorrida, ao valorar unicamente as declarações das testemunhas de acusação como determinantes para a convicção do tribunal, violou frontalmente os art.ºs 125 e 127 do CPP e, consequentemente, o n.º 5 do art.º 32 da CRP.

e) O tribunal considerou um meio pouco credível de prova, nunca valorando as declarações da arguida para sustentar uma absolvição, e não considerou o princípio in dubio pro reo, violando um princípio de legalidade, que impõe que o Juiz valore de forma favorável ao arguido a incerteza sobre os factos decisivos da causa, o que foi o caso.

f) Não existem antecedentes criminais, circunstância com relevo para a causa, atento todo o circunstancialismo da vida da arguida e a sua idade.

g) A factualidade plasmada nos autos não foi praticada pela arguida, pelo que também ela foi vítima de um estratagema, o qual lhe foi e é completamente alheio, tendo-se limitado a cumprir ordens de um superior hierárquico.

h) Não devia, pois, a arguida ser punida com pena de prisão e no pagamento da indemnização cível, pena absurdamente excessiva, por atenuada a culpa ou nenhuma culpa, nos termos gerais.

i) Todos os factos em referência, que aproveitam à arguida, são determinantes para que a medida da pena em concreto não ultrapasse o mínimo legal previsto, sem o que é violado o disposto no art.º 71 do CP.

j) É desproporcional, por excessiva, qualquer pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, e a condenação no pagamento à sociedade do montante de 19.380,60 €.

k) Deve a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida ou, caso assim não se entenda, condene a arguida em pena de prisão não superior a dois anos, que deverão ser substituídos por prestação de trabalho a favor da comunidade, por se mostrar uma medida que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que o caso requer.

3. Responderam o Ministério Público e a assistente ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

3.1. O Ministério Público

a) A arguida não cumpriu os ónus especificados no art.º 412 n.ºs 3 e 4 do CPP, pelo que o tribunal ad quem apenas poderia sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art.º 410 n.º 2 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso.

b) Feita a análise dos elementos essenciais que caracterizam as noções de “insuficiência da matéria de facto”, “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”, facilmente se conclui que a sentença sub judice não padece daqueles vícios e, bem assim, que as arguições da recorrente se revelam inconsequentes.

c) Os vícios do art.º 410 n.º 2 do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art.º 127 do CPP.

d) Argumenta a arguida que o tribunal a quo violou os princípios da livre apreciação da prova e in dubio por reo, invocando que, por um lado, não foram valoradas as declarações prestadas pela arguida em sede de julgamento, por outro, que as declarações dos legais representantes da assistente e demandante civil não foram isentos e, ainda, que não se teve em conta certas afirmações das testemunhas (…).

e) No entanto, o alegado pela arguida apenas pode e deve ser visto como dissentimento entre a decisão de facto proferida e aquela que a recorrente entende ser correcta, face à prova produzida, ou seja, a que lhe convém, sendo certo que a douta sentença, na respectiva motivação, explica o motivo pelo qual as declarações prestadas pela arguida não mereceram crédito.

f) Na verdade, o tribunal a quo foi transparente quando apreciou a prova produzida em julgamento (documental, declarações da arguida, declarações dos representantes legais da assistente e demandante civil e depoimentos das testemunhas) e quando explicou os motivos que o convenceram no sentido dos factos que deu como provados.

g) Por outro lado, o princípio in dubio pro reo, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2008, p. 338), “… só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos”.

h) Ora, tendo o tribunal a quo formado o seu convencimento, sem margem para incertezas, da prática, pela arguida, dos factos que foram dados como provados, dúvidas não restam que não estamos perante uma situação de aplicação do aludido princípio, sendo certo também que p tribunal a quo não violou o princípio da livre apreciação da prova nem tão pouco o art.º 32 n.º 5 da CRP e o art.º 125 do CPP (o que facilmente se constata pela leitura do teor dos mesmos).

i) A Mm.ª Juiz a quo procedeu, sem mácula, na subsunção feita dos factos constantes da acusação e dados como provados à prática dos crimes de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 e 4 al.ª a) e 30 do CP, e ao crime de falsificação de documento, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30 do CP.

k) Com efeito, da análise dos factos provados verifica-se estarem preenchidos, quer os elementos objectivos, quer subjectivos, dos ilícitos em causa, os quais foram cometidos sob a forma continuada.

l) O tribunal a quo suspendeu a execução da pena aplicada, porquanto efectuou um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura da arguida, tendo em conta os pressupostos enunciados no art.º 50 do CP.

m) Ao invés do que considera a arguida, a pena aplicada não deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, pois que, tendo em conta a pena única aplicada, não se mostra possível a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, por um lado, a mesma tem o seu campo de aplicação nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a dois anos, por outro, a sua aplicação implica a aceitação do condenado (art.º 58 n.ºs 1 e 5 do CP), a qual nunca foi manifestada, designadamente em sede de recurso.

n) Ainda que se entendesse que a pena única a aplicar se deveria situar em dois anos de prisão, estando em causa duas penas de substituição – a pena de suspensão de execução da prisão e a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade – e não existindo uma hierarquia legal das penas de substituição, cremos que sempre se deveria optar pela pena de suspensão de execução da prisão, sujeita à condição de entregar à (…) a quantia total de que se apoderou (19.380,60 €), pois só desta forma se leva a cabo de forma eficaz o restabelecimento da confiança na validade das normas violadas (prevenção especial), sendo certo que em nada é ferido o limite da culpa da arguida, pelo que também nesta parte terá que improceder a pretensão da recorrente.

o) Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se integralmente a decisão recorrida.

3.2. A assistente

- Nos factos provados na sentença recorrida encontram-se todos os elementos de facto necessários à condenação da arguida pelos crimes de abuso de confiança, na forma continuada, e de falsificação de documentos, na forma continuada;

- O tribunal valorou correctamente a prova testemunhal;

- A medida da pena aplicada afigura-se correcta para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, pelo que deve manter-se a decisão recorrida.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).

6. Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte matéria de facto:

01) No período compreendido entre 1 de Julho de 1994 e 11 de Dezembro de 2007 a arguida exerceu funções de escriturária, sob a s ordens e direcção da empresa (…), Ld.ª, com sede na (…).

02) No âmbito do exercício dessas funções incumbia à arguida proceder ao trabalho de caixa (recebendo os montantes correspondentes ao valor das facturas e fazer o pagamento das despesas inerentes, como sucedia com o pagamento do valor da comparticipação das refeições dos vendedores e motoristas, após a apresentação das facturas devidamente rubricadas por um dos gerentes daquela sociedade), organizar os documentos suporte para a contabilidade e efectuar as folhas de caixa diárias.

03) Os documentos de facturação, vendas e notas de crédito eram emitidas através da utilização de um programa informático cujo acesso era efectuado através do terminal do computador por meio de password individual, as quais eram do conhecimento da arguida.

04) A arguida sabia que tinha acesso fácil às facturas apresentadas para pagamento, às notas de encomenda e às quantias monetárias para efectuar os pagamentos respectivos e, por isso, aproveitando a relação de confiança existente entre a mesma e os sócios gerentes daquela sociedade, a arguida decidiu aproveitar-se dessa situação e apropriar-se de quantias monetárias que lhe eram entregues ou às quais tinha acesso, acusando, assim, prejuízo à sua entidade patronal.

05) Assim, em execução desse plano, a arguida, na posse das facturas emitidas pelo restaurante (…), apresentadas pelos trabalhadores da empresa para pagamento do valor da comparticipação devida pelas refeições, escreveu por cima de alguns algarismos ali constantes, alterando, para mais, os seus valores, e apropriou-se da diferença entre o valor original e o da alteração.

Tal sucedeu nas seguintes facturas (…)

07) Ainda em execução desse plano, a arguida, após o dia 28.08.2007, em data não concretamente apurada, na posse de uma nota de encomenda em nome de (…), no valor de 713,07 €, alterou o valor ali aposto para 644,39 €, apoderando-se de 68,68 €, e recortou a margem onde estava aposto o valor do desconto, colando-a numa nota de crédito em branco.

08) No dia 28 de Setembro de 2007 a (…) apresentou um orçamento a (…) no valor de 845,31 €, relativo a uma porta seccionada e respectiva montagem e desmontagem de outra porta, tendo-se concretizado a venda no dia 7 de Novembro de 2007 (com o n.º 2242) e tendo aquele valor sido pago de imediato através do cheque n.º 0240487008.

09) Nesse mesmo dia, porém, a arguida fez constar da nota de encomenda um autoclismo em vez do material vendido e fez constar como valor da venda a quantia de 20,12 €.

10) O referido cheque foi apresentado a pagamento para depósito na conta n.º 4-1215836, do Banco BPI, titulada pela arguida, a qual se apropriou da diferença, correspondente a 825,20 €.

11) Em dia não apurado, mas posterior a 28 de Setembro de 2007, a arguida alterou o código do produto que se encontrava descriminado numa nota de encomenda emitida em nome de (…) e apôs um código genérico.

12) No dia 25 de Outubro de 2007 foi realizada uma venda a dinheiro à sociedade (…), emitida pelas 11h15m, com o n.º 2191, no valor de 566,89 €, com um desconto de 286,93 €, tendo sido efectuado o pagamento de imediato.

13) A arguida, pelas 12h00, através do sistema informático, alterou o montante do desconto para 375,85 € e o montante a pagar para 459,29 €, e enviou cópia dessa factura para o departamento de contabilidade, apoderando-se de 110,06 €.

14) No dia 31 de Outubro de 2007 foi vendido à sociedade (…) Ld.ª, diverso material facturado sob o n.º 74252, no valor de 7.456,36 €.

15) No dia 7 de Novembro de 2007 a arguida emitiu uma nota de crédito de devolução de materiais constantes daquela factura, com o valor de 615,56 €.

16) Sucede que aqueles materiais não foram devolvidos à (…) nem a quantia foi devolvida à (…) Ld.ª, tendo-se a arguida apropriado da quantia de 615,56 €.

17) No dia 9 de Novembro de 2007 a arguida alterou os valores constantes dos títulos de venda a dinheiro para menos, apoderando-se da diferença.

Assim: (…)

Assim:

a) Depositou o cheque n.º 1235306450, datado de 10.04.2007, emitido pela Construções Galileia, à ordem da (…), no valor de 876,37 €, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Millenium BCP, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

b) Depositou o cheque n.º 8000000067, datado de 19.10.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 1.552,10 €, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Santander, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia, que havia sido entregue para pagamento de material comprado à (…);

c) Depositou o cheque n.º 8900002734, datado de 8.10.2007, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 316,10 e, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Santander, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

d) Depositou o cheque n.º 3400000029, datado de 21.05.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 1.268,54 €, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Santander, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

e) Depositou o cheque n.º 0500000043, datado de 20.07.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 2.062,35 €, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Santander, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

f) Depositou o cheque n.º 6300000015, datado de 6.03.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 1,147,99 €, na conta bancária n.º 0359.00200026128, do Santander, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

g) Depositou o cheque n.º 4221357390, datado de 14.06.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 1.112,93 €, na conta bancária n.º 40050909469, da Caixa de Crédito agrícola, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

h) Depositou o cheque n.º 2635700683, datado de 14.06.2007, emitido por (…), ao portador, no valor de 2.997,19 €, na conta bancária n.º 4005009469, da Caixa de Crédito Agrícola, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

i) Depositou o cheque n.º 7026576159, datado de 26.04.2007, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 1.412,93 €, na conta bancária n.º 40050909469, da Caixa de Crédito agrícola, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia;

j) Depositou o cheque n.º 9141350987, datado de 21.02.2007, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 724,90 €, na conta bancária n.º 40050909469, da Caixa de Crédito Agrícola, da qual é a arguida titular, apropriando-se dessa quantia.

20) A arguida solicitou ao balcão do Banco BPI o pagamenyto dos cheques n.sº 1339081025, datado de 16.10.2007, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 689,47 €, e o cheque n.º 5831918031, datado de 7.02.2007, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 969,87 €, apropriando-se de tais quantias.

21) A arguida, no dia 8.02.2007, apresentou o cheque n.º 7200002034, emitido por (…), à ordem de (…), no valor de 347,36 €, para depósito na conta n.º 2-4220115, titulado por (…), sua filha, apropriando-se de tal quantia.

22) A arguida, em datas não concretamente apuradas, carimbou e rubricou o cheque n.º 8042933597, datado de 15.10.2007, emitido por (…), no valor de 379,99 €, como se de um endosso de tratasse, apropriando-se dessa quantia.

23) A arguida nunca devolveu à (…) as quantias supra mencionadas, apropriando-se das mesmas, causando um prejuízo no valor global de 19.380,60 €.

24) A arguida, no período em causa, foi repetindo a sua conduta, actuando de modo semelhante nas várias vezes em que praticou os factos, o que fez dadas as suas funções de escriturária que exercia na empresa e a confiança que todos na empresa depositavam em si.

25) Ao actuar da forma descrita, alterando os valores das facturas e das notas de encomenda, a arguida actuou livre e voluntariamente, com o objectivo, que logrou alcançar, de fazer crer à (…) que as mesmas correspondiam à realidade e que eram genuínas, bem sabendo que as quantias nelas apostas só lhe foram entregues por erroneamente acreditar que correspondiam à verdade, sendo que nunca assim procederia se soubesse as verdadeiras intenções da arguida.

26) De igual modo, ao forjar e utilizar as facturas e notas de encomenda, fazendo nelas constar valores que sabiam não corresponderem à verdade, a arguida, com perfeito conhecimento de que se tratava de documentos destinados a comprovar circunstâncias juridicamente relevantes, agiu em prejuízo da especial segurança e credibilidade que a comunidade deposita nos meios de prova, sabendo que com a sua conduta abalava essa credibilidade pública que os documentos devem merecer.

27) Estava igualmente ciente que os cheques supra mencionados não lhe pertenciam e que se lhe impunha entregar os mesmos à sua entidade patronal.

28) Não obstante, actuou da forma descrita, visando apropriar-se das quantias respectivas, o que logrou conseguir, contra a vontade do respectivo dono.

29) Tinha a arguida perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

30) A arguida não tem antecedentes criminais, está desempregada, auferindo 627,00 € do Fundo de Desemprego, vive em casa própria, pagando o empréstimo bancário de cerca de 400,00 € por mês, o seu marido trabalha e tem o 6.º ano de escolaridade.

31) A arguida é bem considerada pela sua família e pelo seu círculo de amigos.

7. E não se provou, de acordo com a sentença recorrida, a seguinte matéria de facto:

a) Que todos os funcionários da empresa tinham acesso ao computador e à password uns dos outros, podendo todos aceder às pastas dos colegas, ter conhecimento do seu conteúdo, alterá-las e usar o computador como bem entendessem;

b) Que a arguida nunca se apropriou das quantias monetárias que lhe eram entregues, causando prejuízo à sua entidade patronal, nem adulterou ou ocultou documentos contabilísticos.

8. O tribunal justificou a convicção que formou nos seguintes termos:

Nas declarações da arguida “a qual negou a prática dos factos descritos nos autos, tendo apresentado uma versão dos mesmos segundo a qual teria recebido os cheques dos autos para pagamento de dívidas à empresa e que, a mando do sócio gerente (…), os teria depositado em contas bancárias suas ou de familiares seus, sendo que depois levantava as quantias ali tituladas e entregava as mesmas, em numerário, ao referido sócio. Quanto às facturas dos almoços e outras despesas, começou por negar ter procedido a alterações dos valores, dizendo que entregava na contabilidade da empresa as facturas tal como lhe eram entregues pelos trabalhadores… Mas depois acabou por admitir tê-lo feito em relação a algumas facturas… Quanto às facturas, notas de encomenda e de crédito, negou ter-se apoderado de qualquer quantia, admitindo ter efectuado algumas alterações, a mando do mesmo sócio, para efeitos contabilísticos… existiam outros colegas com acesso a passwords e aos computadores da empresa, os quais, de acordo com a sua versão, podiam ter efectuado as alterações descritas nos autos. Tudo o que possa ter feito foi sempre em conformidade com as instruções que recebia. Acabou por admitir ter ficado com cerca de 600 euros para si com as alterações das facturas…a versão da arguida…foi directamente contrariada pelo depoimento das testemunhas (nomeadamente os sócios gerentes da empresa), sendo que a mesma carece de coerência. Com efeito, tendo a mesma referido que era o sócio (…) que lhe dava ordens para «ludibriar» a própria contabilidade, não se compreende como, segundo a arguida, depois tivesse sido este sócio a exigir que as notas de pagamento tivessem que ser assinadas (aprovadas) pelos sócios, que implicava uma fiscalização dessas despesas… Tal como não se concebe que pudesse um dos sócios pedir à arguida para depositar os cheques na sua conta pessoal, a troco de nada, para depois levantar essas quantias e entregar-lhas, sendo certo que o que resulta dos extractos de movimentos constantes de fol.ªs 320 e seguintes não consta qualquer levantamento das exactas quantias depositadas nem na mesma data dos depósitos… o que resulta (e anotado pela arguida nos extractos de conta que juntou) são sucessivos levantamentos de quantias na ordem dos 100/150 euros em dias seguidos. Mas faz algum sentido que o sócio da empresa tivesse que aguardar que a arguida lhe entregasse as quantias em causa aos «bochechos»? Não faz sentido nenhum. O que faria sentido, em abono da versão da arguida, seria o imediato levantamento (ao balcão) das quantias apostas nos cheques depositados e não o levantamento em ATM (sujeito a limites diários de levantamento)… o dinheiro que pertencia à empresa entrou nas contas bancárias da arguida, das quais dispôs como suas. A versão dada pela arguida não se mostrou… adequada a sequer gerar dúvidas sobre os factos (sendo que admitiu uma parte dos factos…)”.

Nas declarações dos sócios gerentes da (…), “os quais esclareceram sobre os factos que levaram a suspeitar da conduta da arguida, pessoa da sua máxima confiança, e das diligências que tomaram para averiguarem o que se passava, já que haviam cheques pagos por clientes da empresa para pagamento de facturas que não tinham entrado nas contas da empresa, tendo sido depositados em contas da arguida ou de familiares desta…Viram no cesto dos papéis facturas amachucadas e descobriram que a arguida tinha a assinatura de sócios recortada, com marcas de decalcamento. Confirmaram junto de trabalhadores se quando almoçavam também tinham feito as despesas enunciadas nas facturas, os quais lhes diziam os valores efectivamente pagos, que eram inferiores… Quando confrontado com a versão da arguida o demandante (…) negou ter dado qualquer ordem nesse sentido, tendo sido bastante expressa a sua reacção. Esclareceram ainda sobre as funções dos demais funcionários, que nem sequer tinham acesso à password de nenhum colega (algo que a arguida tinha acesso). As testemunhas confirmaram os factos narrados, o que fizeram de modo coerente, objectivo, espontâneo e muito pormenorizado…”.

No depoimento da testemunha (…), antiga funcionária da (…) (escriturária), “a qual esclareceu sobre as funções que a arguida exercia (actuava na prática como se fosse sua superior hierárquica, era a arguida que tratava da documentação que seguia depois para a contabilidade, era a arguida que depositava os cheques)…”.

No depoimento de (…), chefe de secção da (…) e filho de um dos sócios gerentes, “o qual… esclareceu ter visto nos cestos de papéis da arguida um talão de depósito numa conta da arguida da quantia referente a uma venda de um portão… que havia sido transformada numa venda de autoclismo… viu nesses cestos documentos da empresa amachucados (notas de encomenda) que deveriam estar numa pasta de arquivo…A testemunha depôs de modo coerente e isento, tendo sido valorado o seu depoimento”.

Na vária documentação junta e descriminada a fol.ªs 619 da sentença.

Analisando criticamente tal prova, escreveu-se:

“os factos dados como provados resultam, assim, do conjunto da prova produzida… a qual fundou a sua convicção de que foi a arguida a praticar os factos e só podia ter sido e arguida a praticá-los, tendo a mesma acesso aos documentos e aos cheques em causa e, bem assim, ao dinheiro existente em caixa, tal como aos computadores e outras máquinas de registo existentes na empresa, efectuava a ligação à contabilidade (organizando a documentação para tal finalidade) e gozava de máxima confiança na empresa.

… os clientes inquiridos confirmaram todos que efectuaram compras de material à (…) e que pagaram o respectivo preço por cheque entregue à arguida (uns ao portador, outros à empresa, nos quais foi aposto no verso o nome da arguida ou um carimbo da empresa), não tendo efectuado qualquer devolução desse material.

Por outro lado, os sócios da empresa garantiram que tais quantias não entraram nos cofres da empresa, sendo certo que se extrai da prova documental que tais cheques foram depositados em contas bancárias da arguida ou da sua filha. Não existe nenhum levantamento da mesma ordem dos depósitos efectuados.

… nunca os valores dos almoços pagos poderiam ser aqueles, até porque existia um plafond máximo para a comparticipação desses almoços… como quem enviava tudo para a contabilidade era a arguida, esses documentos eram adulterados após a fiscalização dos sócios (que nunca aprovaram tamanhos valores) e na contabilidade não havia motivos para não pagarem as facturas em causa, pelo que nada foi descoberto durante algum tempo…”.

9. As conclusões da motivação do recurso delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no que respeita à matéria de facto, seja no que respeita à matéria de direito (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).

Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior.

Feitas estas considerações, e tendo em conta as conclusões da motivação do recurso apresentado pela recorrente, são as seguintes as questões colocadas à apreciação deste tribunal:

1.ª – A violação dos art.ºs 125 e 127 do CPP e 32 n.º 5 da CRP, por o tribunal – escreve-se - ter valorado unicamente as testemunhas da acusação/violação do princípio in dubio pro reo;

2.ª – Se a pena a aplicada deve ser reduzida para o mínimo legal aplicável e substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

9.1. – 1.ª questão

Alega a recorrente:

1) - que “é reduzida a prova efectivamente feita por modo a condenar a arguida pela prática dos crimes dos quais foi acusada”;

2) – que a sentença valorou unicamente as declarações das testemunhas de acusação, que nunca valorou as declarações da arguida.

Não se percebe a alegada violação do art.º 125 do CPP – onde se estabelece que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei – pois não foram invocadas na fundamentação da decisão recorrida quaisquer provas proibidas (ou legalmente não admissíveis).

Por outro lado, da fundamentação da sentença retira-se que o tribunal valorou, não só as declarações da arguida e dos sócios gerentes da sociedade ofendida – (…) – mas também a diversa prova testemunhal (veja-se a fundamentação da sentença que consta a fol.ªs 617 e seguintes dos autos) e documental produzidas (fol.ªs 619 e 620 dos autos), ou seja, a fundamentação da sentença enumera de modo claro as provas em que se baseou para formar a sua convicção e, por outro lado, deixou claras as razões pelas quais formou o seu convencimento no sentido em que o formou.

Em suma, porque as provas produzidas, analisadas de modo racional e crítico, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade da vida, não deixam qualquer dúvida que a arguida praticou os factos pelos quais vinha acusada.

Como se escreveu na fundamentação da decisão recorrida, de modo que pode considerar-se modelar, a versão da arguida “foi directamente contrariada pelo depoimento das testemunhas (nomeadamente os sócios gerentes da empresa)” – o que resulta da análise crítica de tais depoimentos – e apresenta-se sem coerência, pois que não faz sentido, de acordo com as regras da experiência, da lógica e os critérios da normalidade da vida, que tivesse sido um sócio “a exigir que as notas de pagamento tivessem que ser assinadas (aprovadas) pelos sócios, que implicava uma fiscalização dessas despesas”, se a arguida tivesse praticado tais factos a mando desse sócio sem qualquer contrapartida (não faz qualquer sentido, não tem lógica nem é minimamente coerente que a arguida depositasse cheques na sua conta pessoal, a mando de um sócio da empresa, sem qualquer contrapartida, e depois os levantasse e entregasse as quantias levantada a esse sócio, tanto mais que não há correspondência entre as quantias depositadas e as quantias levantadas).

As coisas têm que ter lógica e ser minimamente coerentes, racionalmente aceitáveis, o que não acontece com a versão apresentada pela arguida.

Acresce que – di-lo o art.º 127 do CPP - as provas são apreciadas pelo julgador segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, não uma convicção arbitrária, subjectiva, baseada em critérios meramente pessoais, mas uma convicção racional e crítica, baseada em critérios objectivos, ou seja, nas regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição, 339).

Por outro lado – escreveu-se no acórdão da RP de 5.06.2002, in www.dgsi.pt - “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A actividade judiciária há-de ter, necessariamente, um sentido crítico... há-de atender a uma multiplicidade de factores que têm a ver com as garantias da imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança... as coincidências, as contradições, não raras vezes o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios que tenham merecido a confiança do tribunal...”.

No mesmo sentido, escreveu-se recentemente, no acórdão proferido por esta Relação, no Processo 2698/97-1, “... a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no tribunal. O modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos...”.

Por conseguinte, estando vedado a este tribunal o contacto directo e imediato com as provas que a audiência de julgamento em 1.ª instância permite, a censura da convicção assim formada só é viável desde que se demonstre que ela é inadmissível em face das regras da experiência comum, ou seja, que, em face de tais regras, essa convicção não tem lógica, não é coerente, não é possível que os factos assim se tenham passado, por outras palavras, que não é possível – fazendo apelo às regras da experiência comum, da lógica e aos critérios da normalidade da vida – que os factos se tenham passado tal como constam da decisão recorrida.

Por isso, como se escreveu no acórdão do STJ de 13.02.2003, in www.dgsi.pt, “se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência comum, ele será inatacável, já que proferida em obediência à lei, que impõe que ele julgue de acordo com a sua convicção. Isto é mesmo assim quando... houver documentação da prova, de outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação”.

No mesmo sentido pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 30.03.2004, in DR, II Série, de 2.06.204, onde se escreveu que “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode... assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na valoração de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente, os dados objectivos que se apontam na motivação... doutra forma seria uma inversão das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem julga pela convicção dos que esperam a decisão”.

No mesmo sentido, ainda, pode ver-se o acórdão da RC de 6.03.2002, Col. Jur., Ano XXVII, t. 2, 44, onde se escreveu que o tribunal de recurso – quando a atribuição da credibilidade de uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade – “só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

A divergência da recorrente quanto à convicção que o tribunal formou – convicção que se mostra lógica e racionalmente explicada, como bem se vê da análise crítica das provas que da sentença consta, designadamente, quanto às razões pelas quais não mereceu acolhimento ao tribunal a versão apresentada pela arguida - não é, em face das razões em que assenta tal divergência e do que acaba de se expor, fundamento bastante para questionar a bondade da decisão recorrida, o mesmo é dizer que tais razões invocadas pela arguida não permitem concluir, fazendo apelo aos critérios que supra se deixaram expostos, que a convicção formada pelo tribunal a quo se mostra desconforme com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade da vida.

E sendo assim, não faz qualquer sentido a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Este princípio identifica-se com o princípio da presunção de inocência, o que significa que na dúvida sobre factos incertos o tribunal terá de decidir em favor do arguido.

Tal princípio será desrespeitado quando o tribunal, colocado numa situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido, mas sem perder de vista que “não é toda e qualquer dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo, mas apenas a dúvida razoável, razoabilidade que cabe ao julgador analisar caso a caso” (acórdão do STJ de 13.01.99, Proc. 262799, 3.ª Secção, SASTJ, 33, 68)

Não é manifestamente o que acontece no caso em apreço, pois ao tribunal nenhumas dúvidas se suscitaram – como claramente resulta da fundamentação da convicção que formou e da análise que das provas aí foi feita (veja-se a transcrição acima reproduzida a tal propósito) – quanto aos factos dados como provados, como aqui não se suscitam, não obstante o esforço da recorrente para justificar a existência de tais dúvidas, pelo que carece de fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo.

Improcede, por isso, a primeira questão supra enunciada.

9.2. – 2.ª questão

Entende a arguida que a pena aplicada é “absurdamente excessiva por atenuada a culpa ou nenhuma culpa…”, que deve ser reduzida para pena de prisão não superior a dois anos de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.

A arguida foi condenada:

- pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 205 n.ºs 1 e 4 al.ª a) e 30 do CP, na pena de três anos de prisão (tal crime é punível, em abstracto, com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias);

- pela prática de um crime de um crime de falsificação de documentos, sob a forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 256 n.º 1 al.ªs b) e c) e 30 do CP, na pena de dois anos e seis meses de prisão (tal crime é punível, em abstracto, com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou multa de 60 a 600 dias).

Para assim decidir o tribunal ponderou:

- o modo de actuação da arguida (o tempo em que persistiu na sua conduta e os montantes apropriados);

- o carácter doloso da sua conduta;

- o grau (elevado) da ilicitude do facto, atentos os valores apoderados pela arguida, o número de vezes em que actuou, o modo como cometeu os factos e o tempo em que persistiu na sua conduta;

- o grau de violação dos deveres impostos;

- a ausência de antecedentes criminais e o tempo decorrido desde a prática dos factos.

Perante a gravidade dos factos – veja-se que a arguida, aproveitando-se das funções que exercia na sociedade ofendida, se apoderou, durante um ano e tal, de valores que totalizam 19.380,60 € - as penas aplicadas não vão além da culpa, aliás, elevada (atentas as funções que a arguida exercia e o período de tempo em que persistiu na prática dos factos), e mostram-se bem ponderadas, em face das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir e que com a pena se visam alcançar.

Acresce que as circunstâncias que depõem contra a arguida se sobrepõem de modo relevante às que depõem a seu favor, pois que, por um lado, a idade da arguida e o facto de não ter antecedentes criminais pouco releva (não ter antecedentes criminais é um dever de cidadania), por outro lado, pouco releva o tempo decorrido, tanto mais que, não obstante tal período e os valores elevados de que se apropriou, não resulta dos autos que algo tenha feito para reparar ou minimizar mal do crime (reparando, ainda que parcialmente, os prejuízos causados), sendo certo que continua a negar os factos, denotando alguma falta de capacidade para interiorizar o desvalor da sua conduta.

Perante este circunstancialismo, uma pena inferior não realizaria de forma adequada e suficiente a sua função, enquanto medida de prevenção de futuros crimes, antes contribuiria para reforçar o sentimento de impunidade e desconfiança no sistema de justiça que reina na sociedade portuguesa nos tempos que correm, efeito contrário àquele que a pena visa alcançar.

Improcede, por isso, o recurso, no que às penas aplicadas respeita. E improcedendo esta questão, no que à pena aplicada respeita, impossível se torna a sua substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade, por legalmente não admissível (veja-se o art.º 58 n.º 1 do CP).

Alega a recorrente que foi duplamente condenada, na medida em que a suspensão da execução da pena foi condicionada ao pagamento da quantia de 19.380,00 € e, ao mesmo tempo, foi condenada ao pagamento dessa quantia, acrescida de juros, à demandante, não considerando a sua condição de desempregada.

Não é verdade que, por esse facto, a arguida seja duplamente condenada. Ela foi efectivamente condenada a pagar a indemnização pedida pela demandante, nos termos que constam da sentença, como indemnização ou reparação dos prejuízos que a sua conduta, ilícita, causou à demandante civil.

A condição da suspensão da execução da pena não configura uma outra condenação, mas apenas uma condição da suspensão, ou seja, a pena fica suspensa na sua execução sob a condição de pagar à ofendida uma parte da indemnização em que foi condenada (veja-se que a condição reporta-se apenas ao capital).

A questão que se coloca é outra: é a de saber se a fixação dessa condição (que, na perspectiva da recorrente não ponderou a sua condição de desempregada) se mostra razoável, face à situação económica da arguida.

De facto, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, designadamente pagar, dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado (art.º 51 n.º 1 al.ª a) do CP), mas tais deveres não podem, em caso algum, “representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir” (n.º 2 do mesmo preceito).

A arguida apropriou-se, indevidamente, durante cerca de um ano e tal (no período compreendido entre 2006 e 2007), de quantias da ofendida que atingem o montante de 19.380,60 € e que fez suas.

Actualmente está desempregada, auferindo 627,00 € do Fundo de Desemprego, vive em casa própria, cujo empréstimo está a pagar (paga 400,00 €/mês), e o seu marido trabalha.

Ora, a arguida não pode esquecer-se que a condição imposta não lhe exige nada de seu, mas apenas que reponha/devolva a quantia de que ilicitamente se apropriou e que lhe deu, num passado recente, o destino que entendeu, lesando o património da ofendida que em si confiou.

É nessa perspectiva que tem de ser encarada a reparação imposta na sentença recorrida como condição da suspensão da execução da pena, reparação que não se destina a indemnizar a lesada, mas antes ao reforço do conteúdo educativo e pedagógico que se pretende com a suspensão da execução da pena de prisão, levando a arguida a interiorizar, por um lado, que a pena de prisão cuja execução é suspensa é, de facto, uma pena, que não pode deixar de lhe fazer sentir a necessidade de conformar o seu modo de vida com as normas vigentes, por outro, que a confiança que o tribunal nela deposita, suspendendo-lhe a execução da pena – quanto ao seu comportamento futuro – envolvendo algum risco, não pode deixar de ser um risco calculado e, por isso, ter em conta que tal pena não pode deixar de representar um verdadeiro sacrifício, sob pena de ficarem frustrados os fins da punição e criar na comunidade um sentimento de impunidade e desconfiança, ou seja, a ideia de que o crime compensa.

Nesta perspectiva, a reparação imposta à arguida – como condição da suspensão da execução da pena – atentos os factos provados, não se mostra impossível de cumprir ou que não seja razoável exigir-lhe tal sacrifício (da situação de desemprego, só por si, não se infere que não tenha possibilidade de devolver tais quantias ou que não seja razoável exigir-lhe a sua devolução).

Acresce que, no futuro, em caso de incumprimento, sempre a arguida poderá demonstrar que o mesmo não lhe é imputável.

10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Secção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC.

Évora, 20 de Setembro de 2011

(Alberto João Borges – Maria Isabel Melo Gomes)

BURLA FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO ABUSO DE CONFIANÇA MATÉRIA DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 20-09-2011

Pesquisar neste blogue