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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA UNIÃO DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 06/10/2011


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2882/10.9TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO

Nº do Documento: RP201110062882/10.9TBVNG.P1
Data do Acordão: 06-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: O direito à pensão de sobrevivência em consequência da morte de um dos membros da união de facto, com a Lei n.º 23/2010, de 30/8, passou a ser atribuída ao sobrevivente independentemente da sua necessidade de alimentos, mesmo que o óbito do beneficiário da segurança social tenha ocorrido em data anterior à sua entrada em vigor, mas abrange apenas as prestações a partir de 1/1/2011.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Apelação nº 2882/1.9TBVNG.P1 - 2011.
Relator: Amaral Ferreira (639).
Adj.: Des. Deolinda Varão.
Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. B…, litigando com apoio judiciário nas modalidades de nomeação e pagamento de honorários a patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo instaurou, em 3/10/2010, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, contra Instituto da Segurança Social IP - Centro Nacional de Pensões e Herança Indivisa aberta por óbito de C…, acção declarativa com processo ordinário, pedindo que seja reconhecido judicialmente a união de facto que mantinha com o de cujus C… e, por manifesta inexistência de quaisquer bens que pudessem integrar a sua herança e concretizar o direito a alimentos da mesma, que o R. seja condenado a atribuir-lhe as pensões pecuniárias denominadas “Pensões de Sobrevivência e Subsídio por Morte.
Alega, para tanto e em resumo, que, desde meados de 1999, encontrando-se ambos divorciados, viveu em comunhão de leito, mesa e habitação, em situação análoga à dos cônjuges, com o referido C… e até ao óbito deste, ocorrido em 16/9/2009, na sequência do qual se viu confrontada com uma situação económica difícil, vivendo apenas com uma pensão mensal de € 246,36 e tendo despesas mensais de € 395, prestando, durante o dia, auxílio ao seu irmão D…, deficiente mental e que tem como únicos rendimentos uma pensão de invalidez de € 207,06, acrescida de um complemento mensal de € 161,09 face ao seu estado de dependência da irmã, não tendo as pessoas vinculadas à prestação de alimentos condições de lhos prestar, nomeadamente o ex-cônjuge, que não reúne condições económicas para o efeito, o filho do seu casamento, que cortou relações com ela e que também vive com dificuldades financeiras, pois tem uma filha menor e encontra-se a pagar o crédito à habitação, os irmãos, um dos quais é deficiente e o outro, E…, é emigrante há vários anos, desconhecendo o seu paradeiro, e a herança do falecido.

2. Contestou o R. Instituto da Segurança Social que, aceitando apenas os factos alegados pela A. relativos à data do óbito de C…, o seu estado civil e ao valor das pensões auferidas pela A. e pelo irmão deficiente, impugnando os restantes, conclui pelo julgamento da acção de acordo com a prova produzida.

3. Homologada a desistência da instância requerida pela A. no que se refere à R. Herança Aberta por óbito de C…, foi proferido despacho a convidar a A. a apresentar nova petição em que concretizasse os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, do filho e do irmão E…, por forma a permitir formular juízo de incapacidade dos mesmos no cumprimento da obrigação de prestação de alimentos.

4. Não tendo a A. acedido ao convite de aperfeiçoamento da petição inicial, foi proferida decisão que, conhecendo de mérito, julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido, essencialmente com o fundamento de que a A. não alegara e, por isso, não podia provar, factos que integrassem o requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas a tal legalmente obrigadas, essencial para lhe poder ser reconhecido judicialmente o direito que pretendia fazer valer.

5. Inconformada, apelou a A. que, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: A Autora/Apelante alegou que viveu com o de cujus em união de facto, por um período superior a dois anos e até à morte deste, ambos no estado de divorciados.
2ª: Como se de marido e mulher se tratasse, partilhando cama, casa, e comida, residindo na mesma casa até à morte do falecido.
3ª: A Recorrente alegou no artigo 15º da P.I. que as pessoas vinculadas à prestação de alimentos nos termos do nº 1 al. a) a d) do artigo 2009º, do Cód. Civil não estão em condições de os prestar.
4ª: A A. ora recorrente foi convidada para apresentar novo articulado que concretizasse com factos os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, os rendimentos e despesas do seu filho, os rendimentos e despesas do seu irmão E….
5ª: A A./Apelante não aperfeiçoou o seu articulado pois que, nesta fase processual, não disponha, nem tinha como obter, os elementos necessários para o efeito.
6ª: A Autora/recorrente alegou a ausência dos familiares obrigados a alimentos.
7ª: A Autora/recorrente alegou ainda da insuficiência económica dos familiares obrigados a alimentos.
8ª: A presente acção tem a forma de processo ordinário, o que permitiria à recorrente, juntar aos Autos os elementos provatórios suficientes para prova ao alegado.
9ª: A recorrente, pretendia lançar mão do Princípio de Cooperação previsto no nº 4 do artigo 266º do C.C. para prova do alegado.
10ª: Decorre expressamente do nº1 do art. 519º do CPC, o dever de cooperação, enquanto princípio basilar do nosso direito adjectivo, faz impender sobre todas as pessoas, sejam elas, ou não, partes na causa, a obrigação de prestarem a sua colaboração para a descoberta da verdade.
11ª: Ao proferir a Doutra Sentença da qual se recorre, a recorrente viu-se impossibilitada de fazer prova da ausência e da insuficiência económica das pessoas elencadas nas alíneas a) a d) no nº 1 do artigo 2009º do C.P.C.
12ª: No caso em apreço o Tribunal Recorrido podia e devia ter prosseguido os autos para realização da fase instrutória, e só após a produção da prova necessária, julgar procedente ou improcedente o pedido da apelante.
13ª: O Mmo. Juíz a quo ao proferir a Sentença recorrida, fez uma errada interpretação do direito, nomeadamente do disposto no artigo 342º do Código Civil e considerou, mal, que a Autora/Apelante não alegou o facto constitutivo do seu direito.
SEM PRESCINDIR
14ª: E entende a recorrente que não tem de fazer prova da carência de alimentos, nem que não os pode obter quer da herança do falecido, quer dos familiares referidos no art. 2009º al. a) a d) do Código Civil,
15ª: À Autora/Apelante é suficiente que prove a união de facto por período superior a dois com o beneficiário C… e o estado civil de ambos divorciados.
16ª: E isto porque não está em questão a pensão de alimentos, mas sim a pensão de sobrevivência, que nada tem a ver com a pensão de alimentos baseada nas relações familiares e parafamiliares art.(s) (2020º e 2009º do Código Civil).
17ª: A pensão de sobrevivência e a pensão de alimentos são independentes e autónomas embora cumuláveis.
18ª: O Autor/Apelante pretende que seja reconhecido o seu direito e lhe seja atribuída a pensão da sobrevivência;
19ª: Nunca nos podemos esquecer do princípio da total equiparação da união de facto ao casamento, conforme se refere no art. 3º al. e) da Lei 7/2001, estipulando o mesmo que, “(…) quem vive em união de facto há mais de dois anos tem direito à protecção na eventualidade da morte do beneficiário” (…).
20ª: Se, se pretende equiparar o casamento à união de facto, não faz sentido vir exigir ao membro sobrevivo para reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, fazer depender a atribuição da mesma, da alegação e da prova de quaisquer necessidades económicas, ou da impossibilidade de obter alimentos por parte dos seus familiares.
21ª: Assim, equiparando a união de facto ao casamento teremos de aplicar a mesma lei e doutrina a ambos.
22ª: Para atribuição da pensão de sobrevivência, o companheiro sobrevivo só tem de fazer prova que vive em união de facto com o de cujus beneficiário da pensão há mais de dois anos.
23ª: Deve fazer-se uma interpretação restritiva da remissão que o art. 6º nº 1 da Lei 7/2001 faz para o art. 2020º do Código Civil,
24ª: Para atribuição da pensão de sobrevivência, deve reportar-se apenas e tão só aos requisitos da união de facto
25ª: Não havia necessidade de alegar e provar no caso em apreço, que a Autor/Apelante se encontrava impossibilitada de obter alimentos dos familiares obrigados a prestar.
26ª: Mal andou o Tribunal “ a quo” ao interpretar e aplicar o artº 6 da Lei 7/2001;
27ª: Ao não fazer uma interpretação correcta da conjugando do nº 2 do Decreto regulamentar nº 1/94 de 18 de Janeiro com o nº 1 do art. 8º do Decreto-Lei 322/90, que atribuem o direito às prestações por morte a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mis de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;
28ª: O art. 3º, al. e) e 6º nº 1 da lei 7/2001 de 11 de Maio, são claros ao preverem o direito das pessoas que vivem em união de facto à protecção na eventualidade de morte do beneficiário pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei;
29ª: O recurso em análise deverá também por isto ser julgado procedente;
30ª: O Tribunal a quo não interpretou nem aplicou, as normas supra referidas e aplicáveis ao caso em apreço como deveria enfermando por isso a mesma de Nulidade nos termos do disposto nº nº 1 alínea d) do artigo 668º do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverão dar provimento ao presente recurso e em consequência, revogar a
Sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
Com o que farão V. Exas. como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

6. Contra alegou o R. a pugnar a manutenção da decisão recorrida, reconduzindo-se as extensas conclusões que formulou a sustentar que, face ao quadro factual, não ficou provado o requisito da impossibilidade de as pessoas a que se referem as als. a), b) e d) do artº 2009º do Código Civil lhe prestarem alimentos, de que dependia o reconhecimento do direito que ela pretendia fazer valer, e de não ser aplicável ao caso a Lei nº 23/2010, de 18/10.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar na decisão da apelação são os que se deixaram relatados e que se dão aqui por reproduzidos.

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões do conhecimento oficioso e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu objecto delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é saber quais os requisitos exigíveis para à recorrente ser reconhecido o direito às prestações sociais por morte do seu companheiro de facto.

A sentença recorrida, após convite que dirigiu à recorrente no sentido de ela concretizar os rendimentos e despesas do seu ex-cônjuge, do seu filho e do seu irmão E…, por forma a permitir formular o juízo de incapacidade dos mesmos no cumprimento da obrigação de lhe prestarem alimentos, face ao silêncio da A., julgou a acção improcedente com o fundamento de que ela, apesar de avisada dessa necessidade, não alegou e, por isso, não podia provar, o facto constitutivo do direito que pretendia fazer valer - de reconhecimento do direito às prestações sociais por morte do seu companheiro de facto -, consistente na impossibilidade de obtenção de alimentos das pessoas a tal obrigadas por força das alíneas a), b) e d) do artº 2009º do Código Civil, aplicável por força do artº 2020º, nº 1, do mesmo diploma legal, no caso do ex-cônjuge, do descendente e de um dos irmãos.
Face a esta fundamentação, verifica-se que subjacente à decisão recorrida, até porque ela não se lhe refere, esteve o entendimento de que era inaplicável à situação em apreço a Lei nº 23/2010, de 30/8, que veio introduzir alterações ao direito de acesso às prestações por morte por parte do cônjuge sobrevivo da união de facto.
A discordância da recorrente, que diz, apenas nas alegações, quando o devia ter feito na sequência do convite que lhe foi feito, em obediência ao mesmo princípio, consagrado no artº 266º do Código de Processo Civil (CPC), pretender socorrer-se do princípio da cooperação por se ter deparado com dificuldades na obtenção das informações que lhe foram solicitadas no convite que lhe foi dirigido para aperfeiçoamento da petição inicial, e que assaca à sentença recorrida o vício da nulidade previsto no artº 668º, nº 1, al. d), do CPC, reside no facto de entender que lhe bastava alegar e provar o estado civil do de cujus e que vivia em união de facto com o mesmo há mais de dois anos.
Apreciemos a questão suscitada, que é a que acima se deixou enunciada, porquanto, apesar de a recorrente atribuir à decisão recorrida a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, é manifesto que ela se não verifica.
Nos termos deste preceito legal, a sentença é nula «Quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Os vícios determinantes da nulidade da sentença, que são os taxativamente previstos no nº 1 do citado artº 668º, correspondem a casos de irregularidades que a afectam formalmente e que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento; constituem vícios intrínsecos da sentença, do acto pelo qual o juiz decide a causa, mas não têm a ver com o bem ou mal fundado da solução encontrada para o litígio.
Não respeitam ao julgamento (de facto ou de direito) da questão delimitada pelas partes.
A nulidade em apreço representa a sanção para a violação do estatuído no artº 660º, nº 2, do CPC, preceito que impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e de apenas se ocupar das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Trata-se aí do dever de conhecer por forma completa do objecto do processo, e, definido este pelo(s) pedido(s) deduzido(s) e respectiva(s) causa(s) de pedir, terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, reconvenção -, e todos os factos em que assentam.
As questões a que se referem os citados preceitos legais não são meros argumentos ou razões de facto ou de direito das partes porque, além do mais, o tribunal é livre na sua aplicação do direito aos factos provados.
Há omissão de pronúncia se o juiz deixa de proferir decisão sobre questão, colocada por qualquer das partes, que devia resolver, omitindo o dever de solucionar o conflito nos limites pedidos pelas partes.
Verifica-se excesso de pronúncia sempre que se conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, tendo a A. formulado o pedido de reconhecimento do direito às prestações por morte da pessoa com quem diz ter vivido em união facto, alegando os requisitos de que dependia o reconhecimento desse direito, a decisão recorrida julgou a acção improcedente com o fundamento de que ela não tinha alegado, e por isso não podia vir a prová-los, os factos integradores do requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas obrigadas a prestá-los.
Se tal requisito não era necessário à procedência da acção, como sustenta a apelante, o que ocorre é erro de julgamento, mas não é susceptível de atribuir à decisão o vício da nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia.

Apreciando do mérito do recurso, apesar de o entendimento adoptado na sentença corresponder a jurisprudência que se pode dizer pacífica do Supremo Tribunal de Justiça antes da publicação da Lei nº 23/2010, de 18/8 - cfr., v.g., os Acs. do STJ de 23-09-2008, Proc nº 08B2475, 16-09-2008, Proc nº 08A2232, 10-07-2008, Proc nº 08B1695, 27-05-2008, Proc nº 08B1429, 28-02-2008, Proc nº 07A4799, 23-10-2007, Proc nº 07A2949, 20-09-2007, Proc nº 07B1752, 28-06-2007, Proc nº 07B2319, 05-12-2006, Proc nº 06A3871, 25-05-2006, Proc nº 06B1132, 06-07-2005, Proc nº 05B1721, 27-05-2003, Proc nº 03A927, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt.-, e também sufragada pelo ora relator, nomeadamente no acórdão proferido em 17/1/2008 na apelação nº 6857/07, no sentido que o direito às prestações por morte de um beneficiário da Segurança Social, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, depende, para além da alegação e prova da convivência com o mesmo, em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos (tendo em conta a data da morte), da alegação e prova, também por banda do requerente, de estar carenciado de alimentos e de os não poder obter, quer da herança do falecido, quer dos familiares elencados no artº 2009º do Código Civil, o que implicaria a improcedência da apelação, já com a publicação da citada Lei nº 23/2010 se impõe a procedência do recurso.
Vejamos porquê.

A lei vigente à data do óbito do companheiro da autora era a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, na sua primitiva redacção, pois aquele faleceu em 16/9/2009.
Nos termos dos seus artºs 1º, 3º e 6º, as pessoas que vivessem em união de facto há mais de dois anos, à data da morte do beneficiário, tinham direito, à protecção social no caso de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral de segurança social e da lei.
Contudo, esse direito encontrava-se limitado, pois dele só podia beneficiar quem reunisse as condições constantes do artº 2020º do Código Civil.
Assim, o direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte (artº 3º do DL nº 322/90, de 18/10), dependia da prova da união de facto há mais de dois anos, da necessidade de alimentos, da inexistência ou insuficiência de bens da herança do falecido para prestar alimentos, ou, provada essa impossibilidade, da inexistência ou insuficiência de capacidade económica para prestar alimentos por parte dos familiares do unido de facto sobrevivente, referidos nas alíneas a) a d) do artº 2009º do Código Civil, ou seja, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
Sendo certo que existiu alguma divergência na jurisprudência no que respeita aos requisitos essenciais a provar nestas acções instauradas contra a Segurança Social, passou a ser pacífica a orientação jurisprudencial que firmou, nomeadamente aquela que resulta do Plenário do Tribunal Constitucional e que foi proferida no seu Acórdão nº 614/2005, de 9-1-2005, no qual se considerou não discriminatória, nem desproporcionada ou inconstitucional, a exigência de prova por parte da companheira sobreviva, para além da convivência em condições análogas às dos cônjuges por mais de dois anos, o reconhecimento judicial do direito a receber alimentos, nas condições previstas no artº 2020º do Código Civil, por remissão efectuada pelos artºs 8º do DL nº 322/90 e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1.
Daí que, face à Lei nº 7/2001, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 23/2010, além da união de facto por mais de dois anos e da necessidade de alimentos, a autora tinha de provar que os não podia obter da herança do falecido companheiro, bem como dos familiares referidos nas alíneas a) a d) do artº 2009º do Código Civil, ou seja, do ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos).
Ora, não tendo a A. alegado, na sequência do convite que lhe foi endereçado, factos concretos que integrassem os conclusivos que havia alegado relativamente à impossibilidade de o ex-cônjuge, o descendente e o irmão E… lhe prestarem alimentos, e, consequentemente, não os podendo vir a provar, a acção devia improceder, se lhe fosse aplicável o regime anterior à mencionada Lei nº 23/2010.
Todavia, com a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 23/2010, a solução passou a ser diferente.
De acordo com a nova redacção do artº 6º, nº1, da Lei nº 7/2001, introduzida pelo artº 1º da Lei nº 23/2010, para atribuição da pensão de sobrevivência, basta provar a união de facto há mais de dois anos à data da morte do beneficiário, tendo o direito às prestações sociais deixado de estar condicionado à prova da necessidade de alimentos.
Importa, assim, analisar se tal alteração legislativa se aplica às situações de união de facto já dissolvidas à data da entrada em vigor da nova Lei nº 23/2010, ou se apenas tem aplicação aos casos em que o óbito do beneficiário da segurança social ocorra posteriormente à sua vigência.
Como resulta da lei, um dos modos da dissolução da união de facto é através do falecimento de um dos seus membros - artº 7º, nº1, al. a), da Lei nº 7/2001.
A definição das condições de atribuição das prestações sociais afere-se com referência à data da morte do beneficiário - artº 15º do DL nº 322/90.
Mas, se é certo que o momento da morte tem relevância para a definição das condições de atribuição das prestações sociais, a verdade é que o facto da morte não é um elemento constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência e subsídio por morte, mas tão somente o facto que desencadeia a dissolução da união de facto cuja existência nesse momento é indispensável para a atribuição do direito à pensão de sobrevivência e subsídio por morte.
O que significa “que o facto - morte não é facto integrativo ou constitutivo do direito à atribuição da pensão de sobrevivência. Esse direito, no domínio da LA (Lei Antiga) era composto pela existência da união de facto à data da morte do membro sobrevivo e pela impossibilidade de os obter daqueles que estavam para com ele obrigados a alimentos. A LA não reconhecia o direito à pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto que não carecesse de alimentos. A LN (Lei Nova) reconhece tal direito ao membro sobrevivo da união de facto independentemente da necessidade de alimentos” (Ac. STJ de 7/6/2011, proferido na Revista nº 1877/08.7TBSTR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.).
Assim, a extinção da relação jurídica “união de facto” em consequência da morte de um dos seus membros, que seja beneficiário do regime da segurança social, dá lugar a uma nova situação jurídica de que é titular o membro sobrevivo, conferindo-lhe o direito às prestações sociais, que pode fazer valer contra a Segurança Social.
A nova lei contempla apenas esta situação do membro sobrevivo de uma união de facto, sem estabelecer qualquer limitação quanto ao momento em que cessou a união de facto.
Como se escreve no citado Acórdão do STJ de 7/6/11, “tal situação jurídica prolonga-se no tempo, independentemente do facto que lhe deu origem ou do momento em que se constituiu, ficando consequentemente sujeita, ao domínio da LN, pois ela autonomiza-se - abstrai - da realidade que a desencadeou: a dissolução por morte de uma união de facto preexistente”.
O que permite concluir que as alterações introduzidas na Lei nº 7/2001, por via da Lei nº 23/2010, são aplicáveis no caso em questão, nos termos do preceituado no artº 12º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil, tendo a autora direito às reclamadas prestações sociais, independentemente da necessidade de alimentos, como decorre da actual redacção do artº 6º, nº1, da Lei nº 7/2001 - cfr., neste sentido, para além do citado, os acórdãos do STJ de 6/7/2011, Processo nº 23/07.TBSTB.E1.S1 (embora com diferente fundamentação), de 12/7/2011, Processo nº 125/09.7TBSRP.E1.S1, de 6/9/2011 (sumário), Processo nº 322/09.5TBMNC.G1.S1, e de 13/9/2011, Proc. 1029/10.6T2AVR.S1 (também com diferente fundamentação), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, entrou em vigor no quinto dia posterior à sua publicação, ou seja, em 4 de Setembro de 2010, por nela não ter sido estabelecido qualquer prazo especial de vacatio legis.
Porém, vem estabelecido no artº 11º da Lei nº 23/2010, que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”.
Assim, não oferece dúvida que a aplicação da Lei nº 23/2010 às situações de dissolução, por morte, de união de facto, independentemente da necessidade de alimentos do membro sobrevivo, tem repercussão económica no Orçamento do Estado, pelo acréscimo de despesa que necessariamente acarreta e que não foi considerada no Orçamento anterior.
O que significa que a aplicação da Lei 23/2010 ao caso concreto em apreciação, nos termos supra descritos, conduz a que o direito às prestações sociais, cujo recebimento é reconhecido à autora, abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011.
Face ao que se deixa exposto, não podia a decisão recorrida julgar improcedente a acção com o fundamento de que a recorrente não alegara, e logo não podia provar, o requisito da impossibilidade de obter alimentos das pessoas a eles obrigadas.

Importa ainda anotar que o facto de os efeitos da Lei nº 23/2010, só se verificarem, por força do que dispõe agora o artº 11º da Lei nº 7/2001, a partir de 1 de Janeiro de 2011, com a entrada em vigor do Orçamento de Estado, se não verifica qualquer inutilidade superveniente da lide, quando se constata a entrada em vigor da nova lei em processos pendentes, como é o caso, e se verifica que essa nova lei deixa inteiramente nas mãos da administração a concessão da pensão requerida, sem necessidade de intervenção dos tribunais por parte dos requerentes - cfr. os artºs 2º-A e 6º, nºs 2 e 3, da Lei nº7/2001, na nova redacção.
Porque, quando se fala de inutilidade da lide está também em causa a inutilidade da lide para os litigantes, as partes, e não é inútil para a autora declarar-se desde já, com efeitos a 1 de Janeiro de 2011, o direito à pensão de sobrevivência que, se fosse declarada inútil a lide, teria de prosseguir através de novo procedimento - agora administrativo - com efeitos a partir da data do início desse mesmo procedimento - cfr. o citado acórdão do STJ de 6/7/2011.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir nos termos referidos na fundamentação.
*
Custas pelo apelado.
Honorários da patrona nomeada à A. conforme tabela aplicável.
*
Porto, 6/10/2011
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c551b38f579cf8f98025792e0046e403?OpenDocument

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