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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Prescrição do Procedimento Contra-Ordenacional. Negligência. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/02/2008

Prescrição do Procedimento Contra-Ordenacional. Negligência.


Rec. Contra-ordenacional nº 6294/07 - 4ª Sec.

Data - 06/02/2008



PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL

NEGLIGÊNCIA



Sumário

I - Às contra-ordenações previstas no DL nº 38/99, de 6 de Fevereiro, não se aplica a regra sobre prescrição do procedimento prevista no art. 188º do Código da Estrada.

II - O prazo de prescrição do procedimento pela contra-ordenação prevista no nº 2 do art. 27º desse DL nº 38/99, punível com coima de € 1.246,99 a € 3.740,98, não se distinguindo aí o comportamento doloso do negligente, se for praticada por negligência, é de 1 ano, na medida em que nesse caso o máximo da coima aplicável é, por força do disposto no nº 4 do art. 17º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, igual a metade do limite máximo daquela moldura.



ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. Por decisão da Delegação de Transportes do Norte, da Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais, do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, de 26/01/2007, foi a arguida "B.........., Ld.ª" condenada, pela prática, em 29/07/2005, da contra-ordenação p. e p. no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro, a título de negligência, na coima de € 1.246,99.

2. Essa decisão foi notificada à arguida, em 12/02/2007, a qual, em 10/03/2007, interpôs recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, invocando, além do mais, a prescrição do procedimento contra-ordenacional.

3. Em 21/03/2007, a autoridade administrativa determinou a remessa dos autos ao Ministério Público, os quais deram entrada, na Procuradoria da República de Vila Nova de Famalicão, em 29/03/2007, e no Tribunal da mesma comarca, no dia seguinte, sendo distribuídos, como recurso de impugnação judicial, ao ..º juízo criminal, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, com o n.º ../07.5TBVNF.

4. Por despacho de 11/04/2007, foi admitido o recurso e, depois de ser dada oportunidade ao Ministério Público para se pronunciar sobre a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional, essa questão prévia foi conhecida e julgado extinto, por prescrição, o procedimento por contra-ordenação instaurado contra a arguida "B.........., Ld.ª".

É a seguinte a fundamentação desse despacho:

«Os factos imputados à arguida reportam-se a 29 de Julho de 2005.

«De acordo com o disposto no art.º 27.º, c), do RGCO (aprovado pelo DL 433/82, e actualizado pela Lei 109/2001, de 24 de Dezembro), face ao limite máximo da moldura contra-ordenacional do ilícito em causa, ou seja, 1870,49 euros (já que o ilícito é imputado à arguida a título negligente) o procedimento por contra-ordenação extingue-se logo que sobre a sua prática haja decorrido 1 ano (cfr. artigo 29.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, do DL 38/99, de 06.02, e 17.º, n.º 4, do DL 433/82).

«Contudo, a prescrição do procedimento interrompe-se com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados, ou com qualquer notificação (artigo 28.º a)), e ainda com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima (artigo 28.º, d), do RGCO).

«Sucede que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade (artigo 28.º, 3, do RGCO).

«No caso de que nos ocupamos ocorreram causas de interrupção, nomeadamente em Setembro/05, Março/06 e Fevereiro/07.

«Contudo, não ocorreu qualquer causa de suspensão (cfr. artigo 27.º A do RGCO).

«Daqui resulta que a prescrição ocorreu em 29.01.07 (data em que decorreu o prazo de prescrição acrescido de metade), mesmo antes da remessa dos autos a este tribunal.»

5. Inconformado com esse despacho, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem ipsis verbis):

«1. A infracção que temos presente teve lugar em 29/07/2005 e mostra-se prevista e punida no artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro, que contempla em termos de estatuição, a aplicação de uma coima com o valor máximo de € 3.740,98.

«2. Nesta conformidade, e de acordo com o disposto no artigo 2.º, alínea b), o prazo de prescrição é de 3 anos.

«3. Abstraindo-nos das várias interrupções que operaram deste prazo, não decorreram sequer ainda 3 anos desde a data da infracção até à presente data.

«4. Assim, entendemos nós que o procedimento por contra-ordenação não se encontra prescrito.

«5. Para determinação da coima abstractamente aplicável, não se pode ter em linha de conta a coima aplicada, isto é, o julgador não pode lançar mão do facto de a coima aplicada efectivamente ter sido a título negligente, e por isso muito inferior, para daí determinar um prazo, também ele muito inferior, para a prescrição do procedimento criminal.

«6. No espírito e na letra do legislador está em causa a coima abstractamente aplicável, sem distinguir. Ora, só a posteriori e ponderados vários elementos é que será determinado se o infractor agiu ou não negligentemente. Pelo que a coima abstractamente aplicável é a que consta do auto de contra-ordenação que lhe foi levantado no momento da prática do facto.

«7. Acresce que, se considerarmos que a infracção praticada pela arguida se trata de uma contra-ordenação rodoviária, será então aplicável o Código da estrada, aprovado pelo Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, o qual dispõe no seu artigo 188.º, que "O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos", pelo que não prescreveu o procedimento por contra-ordenação, pois não decorreram ainda dois anos;

«8. Pelo exposto, e, consequentemente, a Mmª Juiz interpretou e aplicou incorrectamente o artigo 27.º do RGCO.

«9. Termos em que, na integral procedência do alegado, deve ser decretada a revogação da decisão e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos e, consequentemente, decida o Recurso de Contra-Ordenação, mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho, nos termos do artigo 64.º, do RGCO, com o que se fará a costumada Justiça!»

6. Admitido o recurso, não foi apresentada resposta.

7. Nesta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o Exm.º Procurador-geral-adjunto, subscrevendo e sufragando a argumentação do recorrente, e nada lhe acrescentando, foi de parecer de que o recurso deve proceder.

8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio a arguida sustentar a confirmação da decisão recorrida.

9. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência.

II

Realizada a conferência, cumpre decidir a única questão objecto do recurso que é a de saber se, no caso, se encontra, ou não, extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional.

1. À arguida "B.........., Ld.ª" foi imputada a prática, no dia 29/07/2005, da contra-ordenação p. e p. no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro.

Veio a ser condenada, pela decisão da autoridade administrativa, pela prática dessa contra-ordenação, a título de negligência.

O Decreto-Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro, aplica-se ao transporte rodoviário de mercadorias, efectuado por meio de veículos automóveis ou conjuntos de veículos de mercadorias (artigo 1.º, definindo o âmbito do diploma).

A contra-ordenação prevista no artigo 27.º, n.º 2, desse diploma, consiste no transporte realizado com excesso de carga, sempre que o excesso de carga for igual ou superior a 25% do peso bruto do veículo, sendo a infracção punível com coima de 250.000$00 a 750.000$00, agora, € 1.246,99 a € 3.740,98.

A negligência é punível (artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 38/99).

O processamento das contra-ordenações previstas no Decreto-Lei n.º 38/99, de 6 de Fevereiro, compete à Direcção-Geral de Transportes Terrestres (artigo 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38/99).

2. A aplicação, à contra-ordenação em causa, do regime especial de prescrição do procedimento contra-ordenacional, previsto no artigo 188.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, não se mostra fundada.

Aquele artigo 188.º estabelece que «o procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos».

Trata-se de uma norma especial, que derroga, portanto, a lei geral (artigo 27.º do Decreto-lei n.º 433/82), estabelecendo um prazo de prescrição único, independente do valor das coimas, para todas as contra-ordenações rodoviárias.

Todavia, conforme artigo 131.º do Código da Estrada, «constitui contra-ordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima, que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação».

Assim, a contra-ordenação, em causa, constante de legislação especial, cuja aplicação não está cometida à Direcção-Geral de Viação, mas, antes, à Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, não se compreende no conceito e âmbito de «contra-ordenação rodoviária», não lhe sendo aplicável, por isso, o prazo especial de prescrição do procedimento contra-ordenacional do artigo 188.º do Código da Estrada.

3. No quadro do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro[1], é, efectivamente, de um ano o prazo de extinção do procedimento contra-ordenacional, por efeito da prescrição (artigo 27.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 433/82).

3.1. Com efeito, o n.º 4 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 433/82 estabelece que se a lei, relativamente ao montante máximo da coima, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só pode ser sancionado até metade daquele montante.

Assim, para todos os casos em que a lei fixa um só montante máximo da coima, pela regra do referido n.º 4 do artigo 17.º, estabelece-se a moldura abstracta da coima quando a contra-ordenação é cometida por negligência.

O montante mínimo abstracto da coima, quer a contra-ordenação seja cometida a título de dolo quer seja cometida a título de negligência, permanece o mesmo.

O montante máximo abstracto previsto na lei só releva para a contra-ordenação cometida a título de dolo.

Sendo a contra-ordenação cometida a título de negligência, o montante máximo abstracto da coima é metade do previsto expressamente na lei.

Pela regra do n.º 4 do artigo do que se trata, ainda, é da determinação da moldura abstracta da coima, para a contra-ordenação cometida a título de negligência, se nada em contrário resultar da lei, quer dizer, se a lei não fixar, expressamente, o limite máximo da coima, quando se trate de comportamento negligente.

No caso, porque a lei, relativamente ao montante máximo da coima, não distingue o comportamento doloso do negligente, à contra-ordenação é aplicável uma coima de montante máximo igual a € 1.870,49.

É este o limite máximo abstracto da coima que tem de ser considerado para o efeito de determinação do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, de acordo com o Regime Geral.

Na consideração desse limite máximo abstracto da coima, é de um ano o prazo de extinção do procedimento contra-ordenacional, por efeito da prescrição (artigo 27.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 433/82), o qual se conta a partir da data da prática da contra-ordenação, ou seja, 29/07/2005.

3.2. A lei prevê, contudo, causas de suspensão e de interrupção da prescrição (artigos 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82).

No caso, verificaram-se, como a decisão recorrida salienta, diversas causas de interrupção da prescrição do procedimento.

Designadamente, a arguida exerceu o seu direito de audição, por ofício dirigido à autoridade administrativa, em 29/09/2005, a arguida foi notificada para indicar a morada das testemunhas que ofereceu, foram realizadas diligências de prova e, finalmente, em 26/01/2007, foi proferida a decisão da autoridade administrativa (tudo causas de interrupção da prescrição previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82).

Se depois de cada interrupção da prescrição começa a correr novo prazo de prescrição (n.º 2 do artigo 121.º do Código Penal, aplicável por força do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82), a prescrição do procedimento contra-ordenacional tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade (artigo 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82), pelo que, no caso, a prescrição do procedimento contra-ordenacional, não obstante a verificação das referidas causas de interrupção da prescrição, é de 18 meses, ocorrendo, se nada mais houver a considerar, em 29/01/2007.

3.3. O mesmo n.º 3 do referido artigo 28.º ressalva o tempo de suspensão, o que significa que o tempo de suspensão é descontado, uma vez que a suspensão impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determina.

A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, designadamente, enquanto o procedimento estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso, mas pelo prazo máximo de seis meses (artigo 27.º-A, n. os 1, alínea c), e 2, do Decreto-lei n.º 433/82).

Todavia, no caso, o recurso de impugnação só deu entrada no tribunal em 30/03/2007, ou seja, já depois de decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade.

Não se verifica qualquer das outras causas de suspensão previstas nas alíneas a) e b) do referido artigo 27.º-A.

Por ser assim, a causa de suspensão da prescrição da alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A já não teve a virtualidade de suspender a prescrição do procedimento contra-ordenacional, uma vez que a notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa só ocorreu após a extinção, por prescrição, do procedimento contra-ordenacional, verificada em 29/01/2007.

III

Termos em que, negamos provimento ao recurso e confirmamos a decisão recorrida que declarou extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional e determinou o arquivamento do processo.

Não há lugar a tributação.



Porto, 6 de Fevereiro de 2008

Isabel Celeste Alves Pais Martins

David Pinto Monteiro

José João Teixeira Coelho Vieira

________________________

[1] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro.

http://www.trp.pt/jurisprudenciacrime/crime07_6294.html

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES, FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 17-11-2011

Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
263/09.6TMBRG.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 17-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - O Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, não intervém como prestador por causa do incumprimento da obrigação alimentar judicialmente fixada, mas por causa da situação de carência para que esse incumprimento contribui.
II – A obrigação daquele Fundo surge, assim, como autónoma em relação à obrigação do originariamente obrigado a prestar alimentos.
III – Não enferma de inconstitucionalidade a norma constante do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, na interpretação de que a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por esse Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 400/2011, de 22 de Setembro).
IV – Mantém-se, por isso, plenamente válida a doutrina uniformizadora do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009.


Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
1ª Secção Cível
Largo João Franco - 4800-000 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt




8
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Nestes autos de divórcio por mútuo consentimento, em que são requerentes M… e réu D… , veio a requerente, na qualidade de mãe dos menores F… e B… , deduzir incidente para pagamento de prestação alimentar por parte do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, alegando que o requerido, pai dos menores, deixou de cumprir com a sua obrigação de pagar mensalmente a quantia de € 150,00, a título de alimentos devidos a cada um dos filhos.
No âmbito do referido incidente foi proferida decisão que, reconhecendo a verificação dos requisitos para a concessão de tal pensão, condenou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a pagar mensalmente à mãe dos menores a pensão de alimentos relativa a cada um deles, no montante mensal de € 157,50, fixando-se o momento a partir do qual são devidas as prestações “como sendo a partir da petição, requerimento, de intervenção do FGADM, em Outubro de 2010”, sendo a prestação actualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação divulgada pelo INE.
Para assim se decidir, recusou-se “a aplicação da norma constante do art. 4º-5 D.L. 164/99, por se considerar que a sua literal e prospectiva estatuição a torna inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 1º, 7º-5 e 6, 8º, 13º, 63º-3, 67º-2 c) e g), 69º e 81º-a) e b) da Constituição da República Portuguesa e, ainda que desnecessário, dado o art. 8º C.R.P., os artigos 20º, 21º-1, 24º-1 e 2, 51º-1, 52º-7 e 53º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia”.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade da sentença na parte em que recusou a aplicação do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
Inconformado com aquela decisão dela interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP.
Porém, face ao recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público, foi decidido que o requerimento de interposição de recurso do Instituto seria oportunamente apreciado (cfr. fls. 121).
O Tribunal Constitucional, através da decisão sumária nº 467/2011, de 29.09.2011, constante a fls. 126 dos autos, decidiu, por aplicação dos fundamentos do Acórdão nº 400/2011 daquele Tribunal, de 22 de Setembro de 2011, “julgar não inconstitucional a norma que é objecto do recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com tal juízo de não inconstitucionalidade”.
Baixados os autos à 1ª instância, foi então proferido despacho a admitir o recurso interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, sendo o mesmo recebido como apelação e com efeito devolutivo (cfr. fls. 132).
O recorrente Instituto remata as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO
Face ao teor das conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo apelante que, como é sabido, definem o respectivo objecto, a única questão colocada no recurso diz respeito ao momento a partir do qual são devidas as prestações alimentares fixadas pelo tribunal, ao abrigo do disposto na Lei 75/98 de 19.11, e do DL nº 164/99 de 13.5, posto que no mais não se mostra impugnada a decisão.

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Os factos a atender para a decisão são os que se encontram descritos no relatório, e os fixados na sentença, que são os seguintes:
1 - A requerente M… e o requerido D… são pais dos menores F… e B… , ambos nascidos a 22/11/2002.
2 - Foi proferida decisão homologatória de acordo de exercício do poder paternal, em 29/10/2009, pela qual o requerido fixou então obrigado a pagar a pensão de alimentos de 150 € para cada um dos dois filhos menores, a actualizar anualmente de acordo com a taxa da inflação mas nunca inferior a 5%.
3 - Actualmente a pensão individual é de 157,50 euros por cada um dos dois menores.
4 - O obrigado não tem pago, não lhe sendo conhecidos bens ou rendimentos. Consta como emigrado para França mas não responde a convocatórias, estando também com o paradeiro desconhecido.
5 - Não há ascendentes de 2º grau ou outros tios dos menores aqui em causa que tenham, conhecidamente, capacidade económica de prestar alimentos.
6 - Os menores residem em território nacional, Braga, vivendo em economia doméstica com a mãe.
7 - A mãe dos menores tem um rendimento que segundo a declaração de IRS é inferior ao S.M.N., exercendo a actividade de florista.
8 - Não lhe são conhecidos outros rendimentos.

B) O DIREITO
Este Tribunal da Relação teve já oportunidade de se pronunciar por diversas vezes sobre a questão em apreciação, decidindo de forma quase unânime em sentido contrário ao da sentença recorrida (vd., a título exemplificativo, os acórdãos de 04.10.2011, 29.03.2011 e 12.01.2010, respectivamente, processos nºs 376/09.4TMBRG.G2, 457/06.6TMBRG.G1 e 809/1996.G1; em sentido contrário, o Ac. de 14.04.2011, proc. 149/10.1TMBRG.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, ao recusar aplicar a norma constante do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, com fundamento em a mesma padecer de inconstitucionalidade material, desaplicou o Sr. Juiz a quo a doutrina emanada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009, publicado no D.R. n.º 150, Série I, de 2009-08-05, que veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que “a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.
Seja como for, certo é que as razões esgrimidas pelo Sr. Juiz a quo para recusar a aplicação da norma constante do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, não tiveram acolhimento no Tribunal Constitucional que, pelo Acórdão nº 400/2011, de 22 de Setembro, decidiu, em Plenário – face a decisões divergentes tomadas na 2ª secção -, não julgar inconstitucional a referida norma, na interpretação de que a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por esse Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão (o texto integral está disponível no sítio www.tribunalcosntitucional.pt/tc/acordaos/20110400.html).
O Tribunal Constitucional, reconhecendo, embora, que os beneficiários da referida prestação social são, em regra, menores privados de meios de subsistência, e, por isso, a insatisfação dos alimentos, se não põe em causa o próprio direito à vida, põe, pelo menos, o direito a uma vida digna, entendeu não subsistirem os argumentos que defendem uma condenação do Fundo de Garantia a pagar retroactivamente as prestações não satisfeitas pelo obrigado a alimentos, uma vez que o pagamento efectivo dessas importâncias pecuniárias já não poderiam satisfazer as necessidades sentidas pelo menor no período a que respeitam.
Diz-se, no referido Acórdão, que “a retroacção da condenação, impondo ao Fundo o pagamento das prestações correspondentes ao período decorrido entre a formulação do pedido e a decisão final, não seria meio idóneo para satisfazer, por si mesma, as necessidades de manutenção do menor no momento em que tais prestações se referem (…). Isto é, embora vantajosa para os interesses do menor, não satisfaz a exigência de protecção temporalmente adequada, que é o aspecto que pode elevar-se a parâmetro judicialmente atendível face ao problema que está em consideração”.
E, prossegue, “a cobertura, mediante as prestações do Fundo, do tempo entretanto passado só pode servir como mecanismo jurídico de compensação, não como meio efectivo de acorrer àquelas necessidades próprias do menor no período a que respeitam cuja insatisfação pode tornar-se incompatível com a dignidade da pessoa humana”.
No entanto, se o menor, por via do incumprimento do dever de alimentos por parte do progenitor sofreu privações de tal modo graves que puseram em causa a sua dignidade de pessoa humana, “já não será a retroacção das prestações a cargo do Fundo que pode remediá-las”.
Também para o Tribunal Constitucional haverá que recorrer à fixação provisória de uma prestação, a suportar pelo Fundo de Garantia, sempre que seja necessário fazer face “em tempo real a necessidades imperiosas, àquelas necessidades cuja não satisfação pelo incumprimento do progenitor do dever de alimentos pode por em risco ou, pelo menos comprometer o seu desenvolvimento integral”, que “assenta em dois pressupostos”: a “garantia de dignidade da pessoa humana”, e “a consideração da criança como pessoa em formação”.
Seja como for, “[o] Estado não intervém como prestador por causa do incumprimento da obrigação alimentar judicialmente fixada, mas por causa da situação de carência para que esse incumprimento contribui”.
Por isso mesmo, ao apreciar o recurso interposto pelo Ministério Público nos presentes autos, o Tribunal Constitucional proferiu a Decisão Sumária nº 467/2001 acima referida, na qual, por aplicação dos fundamentos do Acórdão nº 400/2011, julgou não inconstitucional a norma do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, determinando a reformulação da decisão recorrida de acordo com tal juízo de não inconstitucionalidade.
Assente, pois, que não padece de inconstitucionalidade a norma constante do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, não se vislumbra nenhum motivo para desaplicar ao caso a doutrina uniformizadora do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2009, mantendo-se plenamente válido o que sobre a questão escreveu o relator, na decisão sumária que proferiu em 11.11.2010 no âmbito do processo nº 776/08.7TMBRG.G1, que a seguir se transcreve:
«A concreta questão do momento a partir do qual o FGADM se encontra obrigado ao pagamento das prestações foi, como é sabido, objecto de controvérsia jurisprudencial, parecendo-nos que se consolidaram, essencialmente, três orientações.
Assim, para uns, as prestações de alimentos são devidas a partir da data da entrada em juízo do requerimento para intervenção do FGADM, sem prejuízo do respectivo pagamento se iniciar apenas no mês seguinte ao da notificação da decisão que fixe a prestação mensal (cfr., entre outros, os acórdãos da RC de 03.05.2006, Proc. nº 805/06; da RL de 15.11.2007, Proc. nº 7646/2007-8; da RE, de 19.04.2007, Proc, nº 330/07.3; da RP de 08.03.2007, Proc. nº 0731266, todos acessíveis in www.dgsi.pt); para outros, o FGADM é responsável pelo pagamento de todas as prestações alimentares devidas ao menor, vencidas à data em que é deduzido o incidente de incumprimento e vincendas (cfr. os acórdãos da RL de 24.11.2005, Proc. nº 9132/2005-6 e de 25/09/2007, Proc. nº 2668/2007-1; da RC de 15.11.2005, Proc. nº 2710/05 e de 06.06.2006, Proc. nº 419/06; e da RP de 22.11.2004, Proc. nº 0455508, todos acessíveis in www.dgsi.pt); por último, temos os que consideram que a responsabilidade do FGADM se inicia com a procedência do respectivo incidente – dado a prestação do Estado ser autónoma com relação à prestação do obrigado a alimentos -, a partir da data da decisão, referindo-se ao pagamento das prestações fixadas no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal (cfr. os acórdãos do STJ de 27.09.2007, CJ/STJ, ano XV, tomo III, pág. 63, RC de 28.09.2004, Proc. nº 2193/04, da RL de 17.04.2007, Proc. nº 982/2007-7, de 12.07.2007, Proc. nº 5455/2007-6, e de 31/01/2008, Proc, nº 10848/2007-6, todos acessíveis in www.dgsi.pt).
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009, publicado no D.R. n.º 150, Série I, de 2009-08-05, veio, porém, uniformizar a jurisprudência no sentido de que “a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores”.
Diferentemente do que sucedia com os anteriores assentos, através dos quais os tribunais fixavam doutrina com força obrigatória geral (de acordo com o art. 2º do CC que veio a ser revogado pelo art. 4º do DL nº 329-A/95, de 12.12), os acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não são vinculativos para quaisquer tribunais, mas não deixam de criar “uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação” particularmente para as instâncias que não o próprio STJ, como se intui do disposto no art. 678º, nº 2, al. c), do CPC (cfr. Ac. do STJ de 14.05.2009, Proc. nº 218/09.OYFLSB, acessível in www.dgsi.pt).
Tal jurisprudência uniformizadora contribui de igual modo para a “unidade da ordem jurídica, face à autoridade que normalmente anda ligada às decisões dos supremos tribunais, designadamente quando eles se reúnem em pleno ou em plenário de secções para solucionar divergências jurisprudenciais” (Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª edição, págs. 271 e 272).
No actual quadro normativo nacional, é pelo seu intrínseco valor persuasivo que é exercida a influência intra-sistemática da jurisprudência uniformizadora, pelo que tendo em conta o sentido e valor que se atribui a esta jurisprudência, parece óbvio “que, em princípio, enquanto se mantiverem as circunstâncias em que se baseou a tese do Supremo, devem os tribunais judiciais acatá-la, na medida em que, não o fazendo, além de esse não acatamento poder representar uma quebra injustificada do valor da segurança jurídica e das legítimas expectativas dos interessados, ainda podem ser provocados graves danos na celeridade processual e na eficácia dos tribunais, considerando a previsível derrogação da decisão em caso de interposição de recurso”, razão pela qual se pode afirmar que apenas quando “estiver preenchido um circunstancialismo complexo será de ponderar adesão a tese oposta àquela que anteriormente obteve vencimento”, podendo elencar-se, entre tais circunstâncias a apresentação de “argumentos jurídicos que não tenham sido convincentemente rebatidos pelo acórdão uniformizador”, a “manutenção ou ampla renovação do quadro de juízes que integram as secções cíveis do Supremo que faça prever uma mudança de posição”, o “período de tempo decorrido desde a prolação da decisão, conjugado com relevantes modificações no regime jurídico ou no diploma em que se enquadra a norma cuja interpretação uniformizadora se efectivou, ou a ponderação de alterações sensíveis das condições específicas constatadas no momento da aplicação” ou a “contrariedade insolúvel da consciência ético-jurídica do julgador em caso de adesão à jurisprudência uniformizadora” (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, págs. 446 a 448).
Exige-se assim, para contrariar a jurisprudência uniformizadora do Supremo, a verificação de fortes razões ou outras especiais circunstâncias que, porventura, ainda não tenham sido suficientemente ponderadas (Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 445; vd. o acórdão desta Relação de 25.02.2010, Proc. nº 560/08.8TMBRG-A.G1).
Sucede, porém, que a lei não foi alterada nem se verificam, na situação em apreço, especiais circunstâncias que não tenham já antes sido ponderadas (…)».
Não se descortinam razões para alterar este entendimento, que se afigura ser o único defensável, salientando-se ainda que a situação do menor face a uma possível demora na tramitação do processo é acautelada pelo nº 2 do art. 3º da Lei nº 75/98, de 19/11, que prevê a possibilidade de uma prestação de alimentos provisória, o que não foi considerado no caso em apreço.
Assim, não pode manter-se a decisão recorrida.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - O Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, não intervém como prestador por causa do incumprimento da obrigação alimentar judicialmente fixada, mas por causa da situação de carência para que esse incumprimento contribui.
II – A obrigação daquele Fundo surge, assim, como autónoma em relação à obrigação do originariamente obrigado a prestar alimentos.
III – Não enferma de inconstitucionalidade a norma constante do art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 164/99, na interpretação de que a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por esse Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão (Ac. do Tribunal Constitucional n.º 400/2011, de 22 de Setembro).
IV – Mantém-se, por isso, plenamente válida a doutrina uniformizadora do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009.

IV - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que dispôs que a prestação fixada a cargo do FGADM é devida desde o pedido (Outubro de 2010), decidindo-se que tal prestação é devida (exigível) no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.
Sem custas.
Notifique.
*
Guimarães, 17 de Novembro de 2011

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Rita Romeira

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/953ed04343e7b46f802579660050e612?OpenDocument

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES RENDIMENTO DO AGREGADO FAMILIAR CÁLCULO PRESSUPOSTOS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 17-11-2011

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3030/03.7TBBRR-B.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
RENDIMENTO DO AGREGADO FAMILIAR
CÁLCULO
PRESSUPOSTOS

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 17-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA

Sumário: I - No cálculo do rendimento do agregado familiar pressuposto da prestação de alimentos a menores pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não há que levar em consideração o abono de família nem os subsídios de refeição, na parte que não exceda os limites de isenção de tributação pelo IRS.
II – A inclusão do subsídio de férias e de Natal no cálculo do rendimento anual do agregado familiar pressupõe, se se quiser aferi-lo com o salário mínimo, igual consideração de tais subsídios como complementos legalmente exigidos do salário mínimo.
(JL)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Por apenso ao processo de divórcio litigioso, convolado em divórcio por mútuo consentimento, com o n.º 3030/03.7TBBRR, que correu termos no Tribunal de Família, Menores e de Comarca do Barreiro, “A” requereu contra “B” incidente de incumprimento de regulação de poder paternal, tendo em vista que o requerido fosse compelido a pagar a prestação de alimentos, no valor de € 300,00, a que se obrigara no processo de divórcio a favor dos dois filhos menores de ambos, “C” “D” .
Em 12.12.2007 foi proferido despacho dando por findo o incidente, por se considerar que por não ser conhecida a actividade profissional e entidade patronal do requerido, apesar das diligências realizadas, não era possível obter o pagamento dos alimentos através do mecanismo do art.º 189.º da OTM.
Em 03.11.2008 “A” requereu então, no mesmo processo, ao abrigo do disposto na Lei n.º 75/98, de 19.11 e no Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5, que o Estado assegurasse o pagamento das prestações alimentícias devidas ao menores.
Após a realização de diversas diligências, por despacho de 20.01.2010 foi fixada em € 250,00 a prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, a remeter directamente à mãe dos menores.
Em 31.01.2011 “A” veio aos autos, ao abrigo do disposto no art.º 9.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5, renovar a prova da subsistência dos pressupostos subjacentes à atribuição das prestações alimentares dos mesmos.
Em 05.5.2011 foi proferido despacho em que, por se considerar que não se mantinham os pressupostos legais que haviam levado à fixação da referida prestação alimentar, se declarou cessada a obrigação de o F.G.A.D.M. proceder ao seu pagamento.
A requerente apelou desta decisão, tendo apresentado alegações na qual formulou as seguintes conclusões:
I) Vem o presente recurso de Apelação interposto do douto despacho proferido pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal do Barreiro, o qual ordenou a cessação da obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores no que toca ao pagamento da prestação de alimentos a favor dos menores “C” e “D”, filhos da ora Recorrente;
II) Um ano após o referido Fundo ter iniciado tais pagamentos veio a ora Recorrente, ao abrigo do disposto pelo Art. 9º, n ° 4 do D.L. n ° 164/99, de 13/04, renovar a prova da subsistência dos pressupostos subjacentes à atribuição das citadas prestações alimentares, alegando diversos factos e. juntando documentos, pretensão esta que lhe foi indeferida;
III) Uma vez que, para além da capitação de rendimentos do agregado familiar, o douto despacho recorrido omite quaisquer reparos aos demais pressupostos legais para o pagamento das prestações alimentares aos menores por parte do F.G.A.M., e porque estes se encontram devidamente verificados, não serão objecto do presente recurso.
IV) A douta decisão recorrida considerou, no entender da Recorrente de forma incorrecta, que o rendimento relevante para efeito de processamento das prestações alimentares por parte do Fundo de Garantia de Alimentos Menores deveria ser composto (i) pela quantia de € 991,02 (que corresponde ao salário base ilíquido de € 850,00, acrescido de subsídio de alimentação (€ 141,02), e (ii) pela quantia de € 84,46 a título de prestações sociais, no total de € 1.075,48.
V) E aplicou, no entender da Recorrente também erradamente, a tal verba os critérios fixados pelo D.L. n° 70/2010, de 16/06, apurando-se uma capitação de rendimentos ao agregado familiar em causa (composto pela Requerente e os dois filhos menores) superior ao salário mínimo nacional em vigor para o ano de 2011.
VI) Uma rigorosa aplicação dos critérios legais fornecidos pelos diversos diplomas onde a presente matéria se encontra regulada, aos factos relevantes devidamente alegados e comprovados nos autos, impunha decisão diferente da recorrida;
VII) Quanto aos rendimentos do trabalho da Recorrente enquanto auxiliar administrativa, a mesma aufere o vencimento mensal base ilíquido de € 850,00, o subsídio de alimentação de € 141,02 (o que equivale a um subsídio diário de € 6,41) e desconta € 93,50 e € 127,50, respectivamente, para a Segurança Social e l.R.S., o que perfaz montante líquido de 863,52 e ilíquido de € 991,02.
VIII) Ora, o conceito de agregado familiar e respectivos rendimentos a ter em conta nos autos é o que consta do Art. 3º, nº 3 do D.L. nº 164/99, de 13/05, na redacção que lhe foi conferida pelo D.L. n° 70/2010, de 16/06.
IX) O Art. 3.º, als. e) e f) do citado D.L. n.º 70/2010 prevê que, para verificação da condição de recursos, se consideram como rendimentos do requerente, para o que ao caso interessa, os rendimentos de trabalho dependente e as prestacões sociais;
X) No que toca aos rendimentos do trabalho dependente, do mesmo não faz parte o subsídio de alimentação desde que, como é o caso da Recorrente, não ultrapasse o valor diário de € 6,41 - cfr. Art. 6º do D.L. n° 70/2010; Art. 2º, nº 1, al a) e nº 3, al. b), ponto 2) do Código do IRS; Dec. Lei nº 137/2010, de 28/12 e Art. 260º, nºs. 1, al. a) e 2 do Código do Trabalho;
XI) O rendimento do trabalho dependente exercido pela Recorrente a ter em conta para os autos consiste apenas na verba de € 850,00, correspondente ao seu. vencimento base ilíquido, pois a quantia de € 141,02, que lhe é paga a título de subsídio de refeição, não integra o conceito de remuneração, nem para efeitos de IRS, nem para os efeitos do Código do Trabalho pelo que, consequentemente, não a integrará também para os efeitos previstos pelo regime de processamento de pensões de alimentos por parte do F.G.A.M..
XII) Para o mesmo efeito não devem ser considerados, nem somados ao rendimento do trabalho da Recorrente, os abonos de família processados mensalmente pelos seus filhos, no total mensal de € 84,46, pois os mesmos estão excluídos da categoria de prestações sociais, por consistirem em prestações por encargos familiares — tudo cfr. Arts. 3º, n° 1, al. f) e 11º do D.L. nº 70/2010, de 16/06;
XIII) Aplicando ao referido rendimento relevante (de € 850,00) o critério enunciado sob o Art. 5º do citado Dec. Lei nº 70/2010, que impõe a divisão desta verba por 2, apura-se a quantia de € 425,00 referente à capitação de. rendimentos do agregado familiar da Recorrente, que é inferior aos € 485,00 em que se cifra o salário mínimo nacional;
XIV) Pelo que está preenchido o requisito previsto pelo Art. 3º, nº 1, al b) do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05 para que o F.G.A.M. continue a assegurar o pagamento das prestações alimentares devidas os menores “D” e “C”.
XV) Ao decidir em contrário, violou o douto despacho recorrido as normas constantes dos Arts. 3º, nºs 1, al. b) e 3 do D.L. nº 164/99, de 13/05; os Arts. 3º, als. e) e f), 5º, 6º e 11º do D.L. n.º 70/2010, de 16/06; o Art. 2.º, nº 1, al. a) e n.º 3, al. b), ponto 3) do Código do IRS; e o Art. 260.º, n.º 1, al a) e n.º 2 do Código do Trabalho, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de excluir do rendimento relevante para efeitos de deferimento da pretensão da Recorrente o subsídio de alimentação e os abonos e família processados aos menores.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgasse a capitacão de rendimentos do agregado familiar da Recorrente inferior ao salário mínimo nacional e que, porque os demais pressupostos estão também preenchidos, considerasse renovada a prova da subsistência dos pressupostos subjacentes à atribuição das prestações alimentares devidas aos menores “C” e “D”, ordenando que as mesmas continuassem a ser asseguradas pelo F.G.A.M.
O Ministério Público também apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
- No cálculo dos rendimentos do agregado familiar para efeitos do disposto na Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, e 3° do Dec. Lei n° 164/99, de 13 de Maio, não deve ter-se em conta o valor auferido a título de subsídio de alimentação se este tiver um valor igual ou inferior a € 141,02.
- No mesmo cálculo não deve ter-se em conta o valor auferido a título de prestações familiares, por força do disposto no art. 11°do Dec. Lei n° 70/2010, de 16 de Junho.
- No cálculo mencionado tem de se ter em conta o rendimento anual global do agregado e é esse valor que serve de base para apurar a capitação do rendimento do agregado, por força do disposto nos art. 6° do Dec. Lei n° 70/2010, de 16 de Junho e 3° do Dec. Lei n° 164/99, de 13 de Maio.
- O agregado familiar constituído pela mãe e 2 filhos menores, em que o único rendimento do agregado provém do salário daquela, no valor ilíquido de € 850 mensais, a capitação é de € 991,67.
- Porque a capitação do rendimento do agregado é superior ao valor do salário mínimo nacional, os menores do agregado não podem beneficiar da prestação a ser paga pelo F.G.A.D.M.
- Apesar da douta decisão em recurso ter violado, 3° n° 1, al. a) e f), 6°, e 11° do Dec. Lei n° 70/2010, de 16 de Junho, 2° n° 1, al. a), e 3, al. b), do Código do I.R.S. e Dec. Lei n° 137/2010, de 28 de Dezembro, a questão concreta sobre a qual se pronunciou foi bem decidida.
Pelo que o Ministério Público terminou pedindo que a decisão recorrida fosse mantida.
Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO
A questão concreta submetida à apreciação desta Relação por via do recurso é se a capitação do rendimento do agregado familiar da requerente não excede os limites legalmente admissíveis para que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores suporte uma prestação alimentar a favor dos filhos menores da requerente, devendo por conseguinte manter-se a prestação anteriormente concedida.
Com relevo para esta questão, está provada a seguinte
Matéria de Facto
1. O agregado familiar da requerente é composto por ela e os seus dois filhos, “C” e “D”, nascidos em 15 de Março de 1998.
2. O agregado tem como único rendimento o vencimento base da requerente, no valor ilíquido mensal de € 850,00, a que acresce subsídio de alimentação no valor mensal de € 141,02 e diário de € 6,41 e bem assim abono de família no valor mensal de € 84,46.
O Direito
Nos termos do art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”
As prestações serão fixadas pelo tribunal, nos termos previstos no art.º 2.º da Lei n.º 75/98.
Compete ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores assegurar o pagamento das aludidas prestações de alimentos atribuídas a menores (n.º 2 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio), pagamento esse que será efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, através do centro regional de segurança social da área de residência do alimentado (n.º 3 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 164/99).
O montante fixado pelo tribunal perdurará enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado (n.º 4 do art.º 3.º da Lei n.º 75/98 e n.º 1 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º164/99).
Nos termos do n.º 6 do art.º 3.º da Lei n.º 75/98, “compete a quem receber a prestação a renovação anual da prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sem o que a mesma cessa.” No n.º 4 do art.º 9.º do Dec.-Lei n.º 164/99 reitera-se que “a pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.”
Na alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 164/99 reafirma-se que a atribuição da aludida prestação de alimentos pressupõe que “o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.”
No n.º 2 do mesmo art.º 3.º explicita-se que “entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.”
No n.º 3 do citado art.º 3.º, com a redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, estabelece-se que “o conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.”
Nos termos do art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 70/2010, para efeitos da verificação da condição de recursos necessária à prestação dos apoios sociais em referência, consideram-se, além de outros rendimentos inaplicáveis ao caso sub judice, “rendimentos de trabalho dependente” (n.º 1, alínea a)) e “prestações sociais” (alínea f) do n.º 1).
Nos termos do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 70/2010, “consideram-se rendimentos de trabalho dependente os rendimentos anuais ilíquidos como tal considerados nos termos do disposto no Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.”
No art.º 2.º do CIRS esclarece-se que “Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de:
a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;”
No n.º 3, alínea b), ponto 2 do citado art.º 2.º do CIRS “Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente” “O subsídio de refeição na parte em que exceder em 50% o limite legal estabelecido, ou em 70% sempre que o respectivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição”.
Após a redução operada pelo Dec.-Lei n.º 137/2010, de 28.12, o subsídio de refeição atribuído à função pública (pela Portaria n.º 1553-D/2008, de 31.12) é de € 4,27 por dia, pelo que o limite a partir do qual se considera rendimento tributável está fixado em € 6,41 diários.
Assim, o subsídio de refeição auferido pela requerente não conta como rendimento, para o efeito ora em apreço.
Quanto às prestações sociais e no que concerne ao abono de família, atentar-se-á que, nos termos do art.º 11.º do Dec.-Lei n.º 70/2010, para o efeito do diploma as prestações por encargos familiares não se consideram prestações sociais. Ora, o abono de família é uma prestação por encargo familiar (vide Dec.-Lei n.º 176/2003, de 2.8, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 245/2008, de 18.12).
Por conseguinte, o abono de família que a requerente recebe relativamente aos dois filhos menores também não deve ser considerado para o efeito da determinação do rendimento auferido pelo agregado familiar.
Assim, o rendimento do agregado familiar da requerente consiste apenas no salário mensal no valor de € 850,00.
Nos termos do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 70/2010, no apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, na ponderação de cada elemento atribui-se ao requerente o peso de “1” e a cada menor o peso “0,5”.
Assim, no caso dos autos, aos menores cabe, do rendimento do agregado familiar, € 425,00, ou seja, valor inferior ao salário mínimo nacional para o ano de 2011 (€ 485,00, Dec.-Lei n.º 143/2010, de 31.12).
Nas suas alegações, o digno magistrado do Ministério Público concordou com a recorrente, na parte em que esta entendeu que a decisão recorrida errou, ao incluir o subsídio de alimentação e os abonos de família nos rendimentos a considerar. Porém, o Ministério Público defende que ainda assim a decisão recorrida deve ser mantida, pois nos rendimentos do trabalho dependente tributáveis em sede de IRS incluem-se os subsídios de férias e de Natal, pelo que, considerando-se essas verbas, o rendimento mensal da requerida é de € 991,67 a que corresponde, para os menores, o rendimento de € 495,84, superior ao salário mínimo.
Afigura-se-nos que tal entendimento não é de sufragar.
O princípio tido em vista pelo legislador é que o menor beneficie de prestação de alimentos no âmbito do FGAM, quando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional (artigos 1.º da Lei n.º 75/89 e 3.º, n.º 1 alínea b) do Dec.-Lei n.º 164/99).
Ora, se se pretende considerar os subsídios de férias e de Natal na comparação de rendimentos com o salário mínimo nacional, deverá ponderar-se que quem beneficia do salário mínimo também tem direito a receber, como complemento do salário, subsídio de férias e de Natal (artigos 263.º e 264.º n.º 2 do Código do Trabalho). Efectivamente, a retribuição mínima mensal garantida, consagrada no art.º 273.º do Código do Trabalho, não inclui, no seu cálculo, subsídios ou outras prestações correspondentes a períodos superiores a um mês (n.º 4 do art.º 274.º do Código do Trabalho), o que é o caso dos aludidos subsídios, que se reportam ao período de um ano.
Assim, se se quiser manter igualdade de critérios no confronto entre rendimento do agregado familiar e o salário mínimo nacional, ao levar-se em consideração rendimentos anuais, então no caso teremos que ao salário mínimo corresponde o rendimento anual de € 485$00 x 14 = € 6 790,00, ou seja, acima do valor anual que no caso sub judice cabe aos menores dentro da capitação do rendimento anual do agregado familiar (€ 850,00 x 14 : 2 = € 5 950,00).
Conclui-se, pois, que o recurso é procedente.

DECISÃO
Pelo exposto julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e em sua substituição declara-se que se mantêm os pressupostos da concessão à requerente, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, da prestação mensal, no valor de € 250,00, respeitante a alimentos devidos aos menores “C” e “D”.
Sem custas.

Lisboa, 17 de Novembro de 2011

Jorge Manuel Leitão Leal
Pedro Martins
Sérgio Almeida

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/e0a6fd82a9347ece8025795f00436c6f?OpenDocument

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ALIMENTOS, ALTERAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 07-11-2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
114-J/1999.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: ALIMENTOS
ALTERAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
TÍTULO EXECUTIVO
LIMITES

Nº do Documento: RP20111107114-J/1999.P1
Data do Acordão: 07-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 2066º DO CÓDIGO CIVIL.

Sumário: A obrigação que sustenta a alteração de alimentos decretada na sentença, nasceu ex novo com a apresentação do referido requerimento onde foi solicitada e, por isso, é devida a partir daí.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
Processo nº114-J/1999.P1
1ª secção
Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
*
I – B……, instaurou, em 1 de Março de 2011, acção executiva contra C……, juntando como título executivo a sentença proferida no Apenso H (alteração de alimentos, instaurada em Outubro de 2008), da acção ordinária de alimentos (esta intentada em 1999), onde figura como Autora e, o último, como Réu.
Alegou, em síntese, que “tem a haver desde a propositura da acção declarativa a diferença entre a quantia fixada e a anterior, nos termos do artigo 2006.º do Código Civil, primeira parte, e respectivos juros moratórios e compulsivos desde o trânsito em julgado da decisão que fixou o novo valor que é de € 225,00 mensais, com confronto com o anterior que era de 116,45 € mensais”.
Aberta conclusão, foi proferido despacho judicial nos termos seguintes: “... por manifesta falta de título executivo ao abrigo do disposto no artigo 820º, ambos do Cód. de Proc. Civil, rejeito oficiosamente a execução quanto à peticionada diferença entre o valor anteriormente pago a título de pensão alimentícia e o novo valor fixado, contada desde a data da propositura da acção declarativa (Outubro de 2008) até Fevereiro de 2011.
No que tange aos juros moratórios e compulsórios peticionados, não tendo sido avançada data para a sua contabilização e não tendo a exequente alegado o não pagamento dessa única prestação já vencida, inexiste, também, título....”
*
Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação, apresentando as alegações e respectivas conclusões, nos termos legais, nestas referindo que:
1. A interpretação das hipóteses legais consignadas no artigo 2006 do Código Civil, pela sentença recorrida, consiste em extrair delas uma interpretação inconstitucional que viola o artigo 13 da Constituição da República.
2. Interpretação inconstitucional que consiste em alhear-se de critérios e privilegiar o aleatório, quando não só não obedece aos critérios de interpretação literal consignados no artigo 9º do Código Civil, como quando não obedece à reconstituição a partir dos textos legislativos do pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema; sem olhar, portanto, ao artigo 2009 do Código Civil, por exemplo, onde se prevê a existência de um vínculo que é notoriamente a razão de ser do disposto na regra geral do artigo 2006 do Código Civil – a da primeira hipótese.
3. E é por isso que cai numa interpretação que confunde a excepção da segunda hipótese do artigo 2006 do Código Civil com a previsão de estes estarem já fixados – quando não estão – ou, com a previsão de estes terem sido fixados por acordo, quando também não estão.
4. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “A disposição distingue, para esse efeito, três situações típicas” sendo a primeira aquela, mais corrente de todas, em que a obrigação nasce ex novo, a requerimento judicial do carecido que é precisamente a da recorrente em que a sua obrigação – no montante que a distingue da anterior regulação – nasceu da sentença que a exequente e recorrente entendeu, no requerimento executivo, constituir o respectivo título.
5. Várias soluções poderiam naturalmente ser concebidas pelo legislador, como por exemplo a de considerar os alimentos devidos desde o momento da existência da situação de carência do autor, em rigorosa conformidade com a sua ratio essendi ou de os ter como exigíveis a partir da data em que a decisão transitasse em julgado, por só então o devedor poder tomá-la como certa no seu orçamento familiar, em face da certeza (judicial) da verificação dos seus pressupostos.
6. O artigo 2006, optou por uma terceira solução, uma espécie de caminho intermédio, que é a de considerar os alimentos devidos desde a data da proposição da acção.
7. E esta é a dimensão com que deve ser interpretado o artigo 2006 do Código Civil, na hipótese sub judice em execução do artigo 13 n.º 1 da Constituição.
Revogando a douta decisão recorrida, salvo melhor opinião, farão V. Ex.as. a costumada
JUSTIÇA

Não foram produzidas contra-alegações.

II – Corridos os vistos, cumpre decidir.

Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente, ressalvando o que for de conhecimento oficioso.
- Daí que, a única questão a resolver, tenha a ver com a interpretação a dar ao art.º 2006º, do CC, para efeito de se considerar existir, ou não, título executivo para o fim requerido pela Exequente/Recorrente.
*
Com relevo para a decisão, foram atendidos pela 1ª instância e, assim, vêm fixados os seguintes factos:
a) Nesta execução comum, instaurada, em 1 de Março de 2011, pela Exequente B…… contra C….., aquela apresentou como titulo executivo o acórdão proferido no Apenso H e terminou, argumentando que “tem a haver desde a propositura da acção declarativa a diferença entre a quantia fixada e a anterior, nos termos do artigo 2006.º do Código Civil, primeira parte, e respectivos juros moratórios e compulsivos desde o trânsito em julgado da decisão que fixou o novo valor que é de € 225,00 mensais, com confronto com o anterior que era de 116,45 € mensais”.
b) Por sentença homologatória proferida em 6 de Dezembro de 2001, na acção declarativa n.º 114/1999, a que os presentes autos correm por apenso, foi homologado o acordo entre a exequente e o executado que fixou em 20000$00 mensais a prestação de alimentos definitiva a pagar por este àquela, sendo tal prestação actualizada, anualmente, de acordo com o índice de inflação sem habitação publicado pelo INE, sendo a primeira actualização a efectuar no mês de Janeiro de 2002;
c) Em 9 de Outubro de 2008, a Exequente deu entrada acção para alteração de alimentos definitivos, em que peticionou que a pensão de alimentos fosse aumentada/alterada para € 600,00 mensais;
d) Em 20 de Julho de 2010, foi proferida no Apenso H, sentença que julgou parcialmente procedente a acção e alterou o valor da prestação de alimentos que o executado se encontrava a pagar para o montante mensal de € 225,00;
e) Foi interposto recurso da decisão de d), o qual foi recebido e subiu ao Tribunal da relação do Porto com efeito suspensivo;
f) Por acórdão proferido em 31/01/2011 pelo Tribunal da Relação do Porto foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar-se a decisão proferida em primeira instância, do que as partes foram notificadas por ofícios de 02/02/2011.
*
Debrucemo-nos, então, sobre o suscitado:
Conforme preceitua o art.º 45º, nº1, do C.P.C (a que pertencem os restantes normativos a citar, desde que se mostrem desacompanhados de outra qualquer referência), toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam: o fim e os limites da acção executiva respectiva; a legitimidade, quer do exequente, quer do executado, bem como, no que respeita à obrigação em causa, se a mesma é certa, exigível e liquida (cfr. artºs 55º e 802º). Não há execução sem título.
“O título executivo é o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo” (vg. Noções Elementares de Processo Civil, de Manuel de Andrade, pág. 58), sendo que, as espécies de títulos com tal força, estão devidamente enumeradas, tipificadas, no art.º 46º.
Estipula este normativo na al. a), do seu nº1, que podem servir de base à execução, as sentenças condenatórias. É aqui que se insere o caso em apreço.
A Exequente veio dar à execução a decisão condenatória proferida no referido apenso H, já transitada em julgado, – cfr. d) e f), da factualidade dada por assente.
Nessa sentença, foi decidida a alteração do valor da prestação de alimentos, assinalada em b).
Ora, o art.º 2006º, do C.C., na parte que interessa, estabelece que: Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituíu em mora ....
A primeira destas duas hipóteses refere-se à situação, a mais corrente de todas, em que a obrigação nasce ex novo, a requerimento do carecido (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. V, pág. 585). É nesta que a Recorrente subsume a situação dos autos, enquanto o Tribunal a quo, entendeu que o caso tem enquadramento na segunda, porque na acção principal, os dois interessados chegaram a acordo quanto ao valor dos alimentos, o que foi devidamente homologado pelo Tribunal.
Há que dar razão à Recorrente.
Na verdade, a segunda hipótese ... é a de a prestação alimenticia ter sido fixada pelo tribunal ou por acordo dos interessados ..., à margem da acção de prestação de alimentos ... . ... já não assenta no vínculo de solidariedade familiar, que serve de fundamento à obrigação alimenticia propriamente dita,... já não existe desde a proposição da acção ..., mas apenas desde o momento em que, fixado pelo tribunal o montante dos alimentos devidos pelo responsável ao lesado, o credor exija a realização da prestação fixada, ou seja, desde que o devedor incorre em mora ... (ob. cit., págs. 585 e 586),
Ora, o requerimento para alteração de alimentos apresentado em 2008 que deu inicio ao apenso H (em b)) e onde pela Recorrente/A ., enquanto carecida desses alimentos, foram alegados novos factos que, uma vez provados, sustentam essa mesma alteração, tem subjacente os mesmos laços, a mesma fonte justificativa da prestação alimenticia (art.º 2009º, do mesmo diploma legal).
Assim, tem de se entender que a obrigação que sustenta a alteração de alimentos decretada na sentença proferida no apenso H, nasceu ex novo com a apresentação do referido requerimento e, por isso, é devida a partir daí. Ou seja, desde 9 de Outubro de 2008, como bem é reivindicado pela Recorrente.
*
III- Nestes termos, decide-se julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão proferida pela primeira instância e, em sua substituição, determina-se que a execução prossiga nos termos consignados no parágrafo anterior.
Sem custas.

Porto, 7 de Novembro, de 2011
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Francisco Martins
Anabela Dias da Silva

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/23ad4ebfcf5cafa380257958003ea704?OpenDocument

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

INIR, VIA VERDE, PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL, EXECUÇÃO FISCAL - Acórdão do Tribunal de Relação de Évora - 11/10/2011


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/11.0T3ASL.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA

Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário: 1 - À decisão da entidade administrativa aplicam-se – ex vi do estatuído no art. 41º do RGCO – o regime das nulidades da sentença contido nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do CPP. Ou seja, existe um regime próprio para as invalidades de decisão e estas são de conhecimento oficioso.

2 - Se uma decisão em processo contra-ordenacional não consta dos autos e apenas deles consta uma proposta de decisão e uma notificação de uma eventual decisão, o vício verificado é o de inexistência de decisão.


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No recurso de contra-ordenação que corre termos na Comarca do Alentejo Litoral – Alcácer do Sal, Juízo de Instância Criminal - com o número supra indicado, por despacho proferido em 02 de Maio de 2011, a fls.40-44, o Exmo. Juiz, declarou a nulidade da decisão administrativa, o que obstou à apreciação do mérito da causa e, por consequência, determinou, após trânsito da presente decisão, o reenvio dos presentes autos à autoridade administrativa [Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P.], a fim de que seja proferida nova decisão em que se mostrem supridas as apontadas nulidades.
*
Numa notificação da “decisão administrativa”, dada a conhecer em data indeterminada, o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias, I.P. condenou o arguido JC, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 5.º, al. a) e 7.º, ambos da Lei n.º25/2006, de 30-06, na coima no valor de €. 204,00, acrescido do pagamento da taxa de portagem no valor de €. 13,60 e das custas no valor de €. 12,75.
*
Inconformado com uma tal decisão, dela interpôs o Mº Pº recurso pedindo seja concedido provimento ao mesmo no sentido de revogar o despacho recorrido, com as seguintes conclusões:

1 - Nos presentes autos, foi proferida decisão datada de 02/05/2011, onde se declarou a nulidade da decisão da autoridade administrativa que condenou o arguido JC, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 5.°, 01. a) e 7.°, ambos da Lei 25/2006 de 30 de Junho.

2 - Fundamentou-se no facto de não constar dos autos a decisão da entidade com competência decisória, remetendo apenas para os fundamentos de facto e de direito de uma "proposta de decisão".

3 - Continua, fundamentando, além do mais, que da mesma não consta qualquer facto concreto que permita determinar a coima concreta da contra-ordenação imputada à arguida nem relativos à sua culpa.

4 - Conclui a decisão recorrida pelo não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 58° do RGCO.

5 - Ora, o Ministério Público não concorda com tal entendimento, conforme infra pensamos demonstrar.

6 - Consta dos presentes autos um documento informatizado, intitulado "notificação da decisão condenatória", onde é reproduzido o teor da proposta de decisão, também constante dos autos a fls. 13.
7 - No 1.° parágrafo desse documento pode ler-se: " (...) fica o arguido JC, notificado da presente decisão condenatória, objecto de Deliberação do Conselho Directivo do INIR, I.P. de 20091103 que se transcreve:(... )", e que se encontra assinada pelo Presidente e por um Vogal do Conselho Directivo.

8 - Assim, apesar do nome do documento "Notificação do decisão condenatória", não podemos deixar de concluir que o mesmo se trata da decisão propriamente dita, e portanto, salvo o devido respeito, não poderia a decisão recorrida ter concluído pela sua inexistência.

9 - E, do seu teor consta a identificação da arguida, a enumeração dos factos imputados, a indicação das provas obtidas e das normas violadas, bem como das penas aplicáveis.

1 O - Foi entendido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 17/05/2006, disponível para consulta em www.dgsi.pt.que "não viola nenhuma das exigências de forma enumeradas no art. 58. ° do RGCO (DL n. ° 433/82, de 27 de Outubro), nem qualquer outro preceito legal ou constitucional, sendo por isso válida, a decisão condenatória proferida, em processo de contra-ordenação, pela autoridade administrativa competente, se a mesma remeter, dando-o como da mesma fazendo parte integrante, para o "Relatório Final" elaborado pelo instrutor do respectivo processo; II - Tanto mais que, e para além de não existir qualquer normativo que proíba aquela remissão, no caso concreto o relatório em causa é bem explícito quanto à enumeração dos factos imputados ao arguido, à indicação das provas obtidas e das normas violadas, bem como das penas aplicáveis;

III - O que quer significar que o arguido, sem qualquer dificuldade, pôde, face à decisão da autoridade administrativa, exercer, plenamente, o seu direito de defesa, conforme o disposto no art. 32.°, n. ° 10 da Constituição da República."

11 - Citando o Acórdão de 09/09/2008 do TRE, pr. 1680/08-1, disponível para consulta em www.dgsi.pt.a propósito do artigo 58° do RGCO: "os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa ... A lei não define qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, mas é entendimento que não se impõe aqui uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem no art. 374.°, n. 2 do C.P.P ... porque esta é uma decisão administrativa que não se confunde com a sentença penal ... Não faz assim qualquer sentido que a decisão administrativa tenha de obedecer aos requisitos da sentença penal .. .Tal fundamentação será suficiente desde que se justifique as razões pelas quais é aplicada esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, das razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos".

12 - Ora, a decisão proferida pelo Tribunal "o quo" fundamentou-se, para além do mais, na ausência de factos que permitam concluir pelo culpa do arguido e determinar a coima concreta da contra-ordenação que lhe é imputada.

13 - Ainda que a decisão recorrida entenda que dos factos dados como provados não se retiram as conclusões descritas pela autoridade administrativa, são indicados os motivos por que se deram como provados os factos constantes da decisão, bem como são indicadas os bases legais para a condenação, não se podendo concluir pelo existência dos vícios elencados no artigo 58.0 do RGCO.

14 - Além de que a decisão administrativa faz referência expressa ao dolo, o que basta para fundamentar a decisão tomada.

15 - Pelo exposto, ao declarar a nulidade da decisão da autoridade administrativa, a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" violou o disposto nos artigos 580 do RGCO, 3740 e 3790 do CPP.

16 - Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare válido a decisão da autoridade administrativa e que conheça do mérito do recurso.
*
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

B.1 - Fundamentação:
No recurso de contra-ordenação que corre termos na Comarca do Alentejo Litoral – Alcácer do Sal, Juízo de Instância Criminal - com o número supra indicado, por despacho proferido em 02 de Maio de 2011, a fls.40-44, o Exmo. Juiz, proferiu o seguinte despacho, na parte relevante, porque objecto do recurso:
“……
Desde já se diga que, nesta sede, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17-10-2006, publicado em www.dgsi.pt, que as nulidades da decisão administrativa são de conhecimento oficioso, na medida em que o disposto no art. 379.º, n.º2 do Cód. Proc. Penal, aplicável por via do art. 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, resulta que tais nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo que esta última referência não faria qualquer sentido se não pudessem ser conhecidas independentemente de arguição.

Por outra banda, entendemos que os autos fornecem todos os elementos para que tal questão seja desde já resolvida.

No que para aqui releva, nos termos do art. 58.º, n.º1 do R.G.C.O., a decisão que aplique uma coima deverá conter a identificação do arguido, a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a coima e sanções acessórias.

Em anotação a tal preceito legal, ensinam MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, [in op. cit., p. 386 e 387] que: “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão”.

Atenta a natureza para-criminal do regime contra-ordenacional não restam dúvidas de que à decisão proferida pela autoridade administrativa, cujos requisitos se fixam no supra aludido preceito legal, se aplicam outrossim as exigências de forma gerais, coincidentes com as previstas para o processo penal. A decisão administrativa deve pois conter os elementos essenciais para que, em caso de impugnação judicial da mesma, possa valer como uma acusação e, caso não seja impugnada, possa valer como uma decisão condenatória.

Por outra banda, em termos substanciais, deve dizer-se que a decisão administrativa condenatória deve, por referência ao supra citado art. 58.º do RGCOC, e aos artigos 374.º e 379.º, ambos do CPP, conter uma descrição dos factos que permitam satisfazer o preenchimento da conduta tipificada como ilícita, querendo com isto significar que os factos relevantes devem apresentar-se de forma naturalística e não “juridificada”, genérica e conclusiva, porque é nos factos relevantes que está a salvaguarda do mérito da decisão condenatória.

Assim sendo, mesmo do domínio da contra-ordenação, deve considerar-se que da narração acusatória devem constar, necessariamente, os factos relativos à culpabilidade, onde se reconheça o conhecimento (representação) e vontade de realização do facto material típico – do tipo objectivo [elementos objectivos, naturalísticos ou normativos] de uma infracção.

Os requisitos previstos neste preceito legal para a decisão condenatória visam, por outro lado e como já se enfatizou, assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e as condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.

No caso vertente, verificamos que apenas consta uma “notificação da decisão administrativa”, na qual se transcreve parte de uma alegada deliberação do Conselho Directivo do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., sem que a referida deliberação conste dos presentes autos.

É manifesto que dos autos consta também uma “proposta de decisão”, todavia, não consta dos autos a decisão da entidade com competência decisória remetendo para os fundamentos de facto e de direito dessa “proposta de decisão”.

Ora, na senda do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 23-04-2003, disponível em www.trc.pt: “Face às características e natureza do procedimento contra-ordenacional não se vê que sejam diminuídas as garantias de defesa pelo facto de ser o instrutor a elaborar a proposta de decisão de onde conste o designado “relatório” e a “fundamentação”, ficando o decisor incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, a determinar a coima e eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo quanto à fundamentação de facto e de direito, quanto aos elementos da agravação ou da atenuação da culpa e às normas legais que se aplicam à infracção, para a proposta do instrutor”.

O que no caso vertente não se verifica.

Com efeito, mesmo considerando a citada jurisprudência, não se dispensa a decisão propriamente dita do órgão decisor, o que não aconteceu nos presentes autos.

Sendo ainda certo que, na nossa óptica, a decisão do órgão decisor que se limita a colocar “Concordo”, não preenche os requisitos do citado art. 58.º do RGCOC, dado que, tal como é referido no citado acórdão, o decisor fica incumbido de proferir a decisão em sentido próprio, isto é, de determinar a coima e eventualmente as sanções acessórias que ao caso couberem remetendo, apenas quanto à fundamentação de facto e de direito, para a aludida proposta do instrutor do processo.

Com efeito, como defende ANTÓNIO BEÇA PEREIRA [in Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Anotado, p. 116]: “No caso de ser proferido apenas um despacho de concordo reportando-se a um parecer que antecede, estar-se-á perante uma verdadeira inexistência de decisão, visto que se desrespeitou em absoluto os requisitos estabelecidos nesta norma [art. 58.º]”.

Para além disto, deve ainda acrescentar-se que nenhum facto concreto foi levado à decisão recorrida que permita, atentos os critérios legais, determinar a coima concreta da contra-ordenação imputada ao recorrente. É que não foi sequer indagada a situação económica do recorrente nem o benefício económico que o mesmo retirou da alegada prática da contra-ordenação, para além de não constar dos factos provados qualquer referência, através de factos concretos, relativamente à culpa do recorrente, pelo que se fica sem saber porque é que a autoridade administrativa fixou a coima no valor que fixou e não em qualquer outro.

Pelo exposto, impõe-se desde já declarar a nulidade da decisão administrativa, devendo o processo ser reenviado à autoridade administrativa competente para a prolação de nova decisão que observe cabalmente o disposto no art. 58.º do RGCOC”.

Desde já se diga outrossim que com a declaração de nulidade da decisão administrativa nos termos supra expostos ficam prejudicadas as demais questões que haviam sido suscitadas pelo recorrente”.

*****
B.2 - O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

A questão abordada no recurso reconduz-se, pois, a apurar se existe nulidade da decisão da entidade administrativa.
***
B.3 – O recorrente insurge-se contra o despacho recorrido por este ter afirmado a existência de nulidade da decisão da entidade administrativa.

Dispõe o art. 62º, nº 1 do RGCO que a autoridade administrativa deve enviar os autos ao Ministério Público, “que os tornará presentes ao juiz, valendo este acto como acusação”.

Pressupõe-se que dos autos conste a decisão. Ora, o que verificamos é que nos autos não existe qualquer decisão.

Em rigor, desconhecemos se ela existe na posse da entidade administrativa, pressupondo a decisão sob recurso que ela existirá e que esteja na posse daquela entidade.

Assim, que realidade processual é que o Ministério Público enviou para julgamento? Simples: uma proposta de decisão e uma notificação de uma eventualmente existente decisão.

Assim, que é que o Ministério Público “converteu” em acusação? Uma proposta de decisão e uma notificação.

Como já afirmámos no acórdão desta Relação de 28-10-2008 (no processo nº 1441/08-1):

“Com o assento nº 1/2001 do STJ se pode afirmar que a fase judicial do processo contra-ordenacional se inicia com a apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva prevista no artigo 62º, nº 1 daquele diploma (“7.1 - A «entrada do processo no foro do juiz» (ou seja, o início da fase judicial do processo contra-ordenacional) opera-se, pois, não com a impugnação judicial — ante a autoridade administrativa — da acusação provisória (artigo 59.º, n.º 3), mas, apenas, com a ulterior apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva (artigo 62.º, n.º 1).”).

É a transmissão dos autos ao tribunal pelo Ministério Público que o converterá em processo com natureza judicial, tendo em vista assegurar o acesso ao tribunal e o efectivo direito ao recurso. Resta saber se a fase anterior è exclusivamente administrativa e até onde.

Não obstante se aceitar que a fase judicial do processo contra-ordenacional só se inicia com o envio dos autos ao juiz (artigo 62º, nº 1 do RGCO e Assento citado) certo é que a fase administrativa termina com a possibilidade de revogação da decisão pela entidade administrativa.

Cria-se, assim, uma fase intermédia entre aquelas duas naturezas do processo – a administrativa e a judicial – em que o processo se encontra na disponibilidade do MP e que designaremos por fase “acusatória”.

Não sendo já uma fase administrativa (a entidade administrativa já não pode revogar a decisão) ainda não é uma fase judicial.

Tal fase só se justifica pela necessidade de o MP decidir se concorda ou não com a decisão da entidade administrativa em termos de estrita legalidade (exclusão do princípio da oportunidade). O Ministério Público não se pode limitar a ser “correia de transmissão” de uns papéis de uma matéria “menor” e sem valor suficiente para justificar uma tomada de posição sobre a matéria tratada no processo.

E a tal fase só se podem entender aplicáveis, subsidiariamente, os artigos 277º e 283º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações.

Ora, no caso sub judicio estamos perante uma perplexidade: como pode o Ministério Público enviar para a fase judicial um processo sem decisão?

Sim, porque formal e substancialmente não existe qualquer decisão nos autos. Existe algo que a antecede (uma proposta de decisão) e algo que lhe sucede (uma notificação).
*
B.4 – Falta, pois, um elemento formal e substancialmente essencial num processo sancionatório: uma decisão sancionatória.

Podemos raciocinar, como faz o recorrente de forma implícita, com a menor dignidade deste direito sancionatório, consagrado no nosso ordenamento jurídico sob o epíteto dúbio de contra-ordenacional, que lhe permitirá dispensar a existência de uma decisão administrativa em processo contra-ordenacional?

A constatação de que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem pode concordar com a inexistência de distinção – “substancial” – entre direito penal e direito contra-ordenacional para efeitos do direito de defesa não aconselha.

Como já afirmámos no acórdão supra citado:

“De facto, dispõe o artigo 6°, nº 1 (Direito a um processo equitativo) que qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.

Dir-se-ia, à primeira vista, face ao ordenamento jurídico português e às loas ao direito de mera ordenação social que correm no “mundo” jurídico interno, que tal artigo não é aplicável no caso de estarmos perante regime contra-ordenacional.

Não tem sido esse o sentido da jurisprudência do TEDH, que entende a expressão acusação em matéria penal (aliás, equivalente às contidas nos nsº 2 e 3 do mesmo preceito – “acusada de uma infracção” do nº 2 e “O acusado” do nº 3) com diferente amplitude.

E tal entendimento não surge por qualquer interpretação extensiva ou analógica por referência aos processos disciplinares (nomeadamente militares) da jurisdição austríaca (acórdão Engel v. Holanda - 1976) ou contravencional da jurisdição francesa (acórdãos Peltier v. França e Malige v. França), o que sempre seria possível, sim por referência à própria legislação alemã sobre contra-ordenações (Ordnungswidrigkeit).

De facto, já no citado aresto Engel o Tribunal veio a delimitar critérios que desenvolveu e repetiu nos acórdãos Ozturk v. Alemanha (1984) e Lutz v. Alemanha (1987).[1]

Não obstante o governo alemão ter defendido perante o Tribunal que o artigo 6º da convenção não era aplicável aos casos na medida em que não havia uma “acusação em matéria penal”, invocando que se estava perante contra-ordenações (“Ordnungswidrigkeit”, ou na terminologia do Tribunal Europeu, "regulatory offence" ou "contravention administrative"), certo é que acabou por concluir que o artigo 6º da convenção era aplicável.

Para concluir que estava perante uma acusação em matéria penal, conceito com autonomia e que deve ser interpretado no sentido da Convenção, o Tribunal utilizou os seguintes critérios: a qualificação jurídica da infracção no direito nacional; a verdadeira natureza do ilícito; a natureza e o grau de severidade da sanção.

O primeiro critério – qualificação no direito nacional – tem carácter meramente formal e relativo, simples ponto de partida da análise a envidar (Engel), à luz do “denominador comum das legislações respectivas dos diversos Estados”.

Os outros dois critérios não são cumulativos, sim alternativos, pelo que lhe bastou constatar que a verdadeira natureza da “infracção”, o carácter geral da norma, o seu objectivo simultaneamente preventivo e repressivo, assumiam natureza penal (Lutz), para concluir estarmos perante uma acusação em matéria penal.

Estes considerandos já seriam suficientes para se considerar essencial uma mais séria abordagem à questão da existência de uma decisão em sede de processo contra-ordenacional. [2]

Em suma, se não existe decisão não pode o Ministério Público “converter em acusação” uma decisão que não existe.

Naturalmente, não entrará este tribunal na análise da questão de saber se é possível a existência de uma decisão por adesão a considerandos constantes de uma proposta de decisão. Para tanto necessário seria constatar a existência de uma decisão.
*
B.5 – À decisão da entidade administrativa aplicam-se – ex vi do estatuído no art. 41º do RGCO – o regime das nulidades da sentença contido nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do CPP.

Não se mostra adequado aplicar no caso o regime dos vícios da acusação já que a fonte do vício é a decisão e os normativos citados mostram-se mais adequados porque prevendo vícios de acto com a mesma natureza (decisória)

Ou seja, existe um regime próprio para as nulidades de decisão e estas são de conhecimento oficioso – v. g. Acórdão da Relação de Évora de 17-10-2006, proc. 2.194/06, sendo relatora a Exmª Desemb. Guilhermina Freitas.

Ao caso são, pois, aplicáveis os princípios relativos às nulidades processuais, designadamente o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais e, consequentemente, o disposto no art. 122º do CPP.

Não por via da previsão do disposto no art. 410º, nº 2 do CPP – vícios de julgamento, que implicam o reenvio (não se trata aqui de reenvio porque não há erro de julgamento) – sim por via da previsão do nº 3 do art. 410º. Trata-se de requisito cominado sob pena de nulidade que se não encontra sanado. E que pode ser sanado por actividade instrutória e decisória da entidade administrativa.

Por isso podia o tribunal recorrido – nos termos do art. 122º do CPP - determinar a remessa dos autos à entidade administrativa para sanação do vício, com actividade instrutória, se necessário.

Mas, no caso, não se trata de nulidade de uma decisão, já que esta não existe. Trata-se de simples inexistência.

Logo, diferentes serão as consequências da declaração de invalidade existente nos autos. Não se trata de uma nulidade da decisão administrativa, mas sim de simples inexistência de decisão administrativa, que acarreta a inexistência de “acusação” nos autos.

Haverá, pois, que juntar aos autos a agora inexistente decisão – caso exista – para que o tribunal possa vir a conhecer dos vícios alegados, ou lavrar nova decisão.
*
C - Dispositivo:

Face ao que precede, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso e, com diversa fundamentação, declaram inexistente a decisão nos presentes autos e determinam que deve a entidade administrativa juntar aos autos a eventualmente existente decisão lavrada nos identificados autos contra-ordenacionais ou lavrar decisão caso inexista.

Notifique.

Não são devidas custas.
Évora, 11 de Outubro de 2011
(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Ana Bacelar

_________________________________________________
[1] - Casos que incidiram sobre contra-ordenações estradais. Em ambos os casos estamos perante simples acidentes de viação entre veículos exclusivamente com danos materiais e aplicação de sanções pecuniárias (Geldbusse) de 125 DM mais 14 DM, por responsabilidade conjunta em acidente de viação (Lutz) e de 60 DM, por responsabilidade em acidente de viação (Ozturk).

[2] - E convém não olvidar que, no dizer do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 153, Coimbra Editora, 2004), o direito contra-ordenacional “se não é direito penal, é em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo”).

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0bf5d35552c2da5580257949003b684b?OpenDocument

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

INIR, VIA VERDE, PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL, EXECUÇÃO FISCAL - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - 13/01/2011


Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 06825/10

Secção: CA- 2º JUÍZO


Data do Acordão: 13-01-2011

Relator: CRISTINA DOS SANTOS

Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL – FASE ADMINISTRATIVA
RECURSO JUDICIAL DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS OU FINAIS
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

Sumário: 1.O processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no artº 1º do CPA.

2. Na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, tendo-se por contra-ordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – artº 1º DL 433/82.

3. No processo contra-ordenacional o regime normativo que compete em matéria de impugnação de actos interlocutórios ou finais praticados pela autoridade administrativa é determinado por disposição de lei expressa nos termos conjugados dos artºs 55º e 61º nº 1, 64º e 73º DL 433/82 de 27.10, pelo que a jurisdição compete aos Tribunais Comuns e não aos Tribunais Administrativos.






Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: C............. & Filhos Lda., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Por douta sentença de fls.., o Meritíssimo Juiz "a quo" julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria incompetente em razão da matéria para apreciar a acção administrativa especial intentada pela Autora;
2. Porém, salvo o devido respeito, não decidiu bem o Meritíssimo Juiz "a quo";
3. Com a presente acção administrativa especial a Autora não pretende, nem nunca pretendeu, impugnar a decisão de aplicação de coima proferida pela entidade administrativa - ao contrário do que parece ser a interpretação do Meritíssimo Juiz;
4. O que pretende a Autora, ora Recorrente, é a anulação de um acto administrativo praticado pela Ré;
5. Determina o artigo 4° n°1 alínea c) do ETAF que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que pertençam à Administração Pública;
6. Dispõe o artigo 46° do CPTA que a acção competente para dirimir litígios sobre a nulidade ou anulação de actos administrativos é a acção administrativa especial;
7. Na situação em apreço, não obstante estar em causa um procedimento administrativo contra-ordenacional, peticiona-se a anulação de um acto administrativo proferido no âmbito de um procedimento administrativo;
8. O que se impugna não é a coima aplicada (ou a decisão de aplicação por violação de uma conduta);
9. O que se peticiona, por violação das formalidades legais (fiscalização da legalidade referida na alínea c) do artigo 4° n°1 do ETAF), é a invalidade de um acto jurídico unilateral praticado, no exercício de um poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade publica ou privada habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta;
10. A apreciação desta questão compete aos tribunais administrativos;
11. Em momento algum da petição inicial se confunde a impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima com a impugnação de um acto administrativo proferido pela Administração;
12. Salvo o devido respeito, essa conclusão resulta do próprio tribunal que não distingue entre o que é a decisão de aplicação de coima e o acto administrativo praticado;
13. A Autora não pode ser cerceada nos seus direitos pelo facto de o acto que pretende impugnar ser aquele que põe fim ao procedimento administrativo e que, eventualmente (o que não se concede), pode ser confundível com a decisão de aplicação de coima "stricto sensu";
14. Na petição inicial a Autora alegou todos os factos necessários à impugnação de um acto administrativo;
15. É, pois, competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para apreciar a acção administrativa especial intentada pela Autora;
16. Violadas foram, pois, entre outras, as normas insertas nos artigos 4° n°1 alínea c) do ETAF e artigo 46° do CPTA;
17. Deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que admita como materialmente competente para julgar a acção o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

*
O Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A ora recorrente identifica expressamente, no artigo 12° da petição inicial, o acto administrativo objecto de impugnação: "é, pois, inválido (por ser anuiável) o acto administrativo que, no caso concreto, é de decisão de aplicação de uma coima à Autora e respectivas custas, proferida pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP, na sequência do procedimento administrativo movido à Autora (..............) - Doe.2)" (sublinhado nosso);
2. Reiterando no artigo 21° da mesma petição inicial: "Co/7? efeito, o acto administrativo que ora se impugna (decisão de aplicação de coima no processo ..............) foi notificado à Autora em 30.11,2009 (Doe.2)"
3. Afigura-se ininteligível a afirmação da Recorrente, em sede de alegações: "Acontece que, com a presente acção administrativa especial, a Autora não pretende, nem nunca pretendeu, impugnar a decisão de aplicação de coima proferida pela entidade administrativa - ao contrário do que parece ser a interpretação do Meritíssimo Juiz";
4. Continuando a Recorrente "0 que pretende a Autora, ora Recorrente, é a anulação de um acto administrativo praticado pela Ré" (sublinhado nosso);
5. Pretendendo esclarecer que: "O que se peticiona, por violação das formalidades legais (fiscalização da legalidade referida na alínea c) do artigo 4°, n° l do ETAF), é a invalidade de um acto jurídico unilateral praticado, no exercício de um poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta";
6. Ora, no caso vertente, a decisão de aplicação de uma coima pela Autoridade Administrativa está incluída na própria decisão condenatória tomada por aquela entidade pelo que, pretendendo a Autora impugnar aquela decisão, está naturalmente a impugnar a decisão de condenação proferida no processo contra-ordenacional: pagamento da quantia global em que foi condenada, que inclui os valores das taxas de portagem, da coima aplicada e respectivas custas;
7. Mas, ainda que o acto jurídico unilateral praticado pela Administração fosse dissociável da decisão que aplicou uma coima à ora Recorrente, o que manifestamente não sucede no caso vertente, o procedimento adoptado foi o adequado, uma vez que seguiu o Regime Geral das Contra-Ordenações, não enfermando, por isso, de qualquer vício susceptível de conduzir à respectiva anulação;
8. Ora, o artigo 59° do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aprovado pelo Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro, prescreve que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, mediante recurso de impugnação;
9. 0 que significa que a reacção contra a decisão de aplicação de coimas não é compatível com a forma processual de acção administrativa especial, a qual está reservada à reacção contra os actos administrativos feridos de ilegalidade, destinando-se à sua anulação, não servindo para atacar a decisão de aplicação de coimas resultantes do não pagamento de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias;
10. Nos termos do art. 212°, n°3 da Constituição da República Portuguesa compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais;
11. 0 art. 1°, n°l do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) prescreve que "Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.";
12. Por sua vez, o art. 4° do ETAF define o âmbito de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estabelecendo a respectiva competência (em razão da matéria), enquanto jurisdição especial, relativamente aos tribunais judiciais de competência genérica, ficando excluído o processo contra-ordenacional, uma vez que se rege pelo Regime Jurídico do Ilícito de Mera Ordenação Social;
13. Ora, o artigo 61°, n°l do RJIMOS, que contém o regime material e processual aplicável ao processo contra-ordenacional, estabelece expressamente que “é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção", isto é, o tribunal comum;
14. Aliás, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) aprovada pela Lei n° 52/2008, de 28 de Agosto, estabelece nos artigos 73°, 74°, 110°, 132° e 133° que os tribunais competentes em razão da matéria relativamente aos recursos de impugnação de decisões administrativas em processos de contra-ordenação são, em primeiro lugar, os tribunais judiciais de competência específica e especializada ou os tribunais de competência genérica se o recurso não puder ser interposto para os primeiros;
15. Resulta, assim, expressamente da lei que a competência para conhecer do recurso de impugnação de decisão administrativa tomada em processo de contra-ordenação cabe aos tribunais judiciais, nunca aos tribunais administrativos;
16. Assim, face ao art. 101° do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, acarretando a absolvição da instância como cominação legal prevista no artigo 13° do CPTA, artigo 4° do ETAF e 101°, 105°, 288°, n° l, alínea a), 493, n° 2 e 494°, alínea a) do CPC ex vi artigo 1° do CPTA.

*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

*
Matéria de facto julgada pertinente:

1. Em sede de processo contraordenacional nº CO .............. levantado pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias IP, foi proferida a decisão condenatória tendo por destinatário a ora Recorrente C.............. & Filhos Lda, cujo teor se transcreve:
“(..) NOTIFICAÇÃO DE DECISÃO CONDENATÓRIA
Nos termos do art° 58° e demais disposições aplicáveis do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada peto Decreto-Lei n9 244/95, de 14 de Setembro, fica o (a) arguido(a) C....................... & FILHOS LDA notificado(a) da presente Decisão Condenatória objecto de deliberação do Conselho Directivo do InIR, IP, de 20091012 que se transcreve
C................... & FILHOS LDA, no dia 2008-08-27, pelas 13:19 horas, transpôs a barreira de portagem Almeirim Pv, comarca de Almeirim, integrada na A13, concessionada a BRISA, conforme fotografia que consta dos Autos através de via reservada a aderentes ao sistema electrónico de cobrança de portagem da Via Verde Portugal, sem que o veículo utilizado estivesse a esse sistema associado, por meio de contrato de adesão válido.
"Tal facto, consubstancia uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 5,°, alínea a) e 7.°, ambos da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho, sancionava! com coima de valor mínimo EUR 375,00, mas nunca inferior a EUR 25,00 e valor máximo EUR 1875,00, à qual acresce o valor da taxa de portagem no montante de EUR 37,50, calculada ao abrigo do n.º 2 do artigo 7 ° da referida Le.
Notificado nos termos legais, o arguido apresentou: defesa, invocando, em suma, os seguintes factos: A arguida solicitou. a consulta dos autos junto da Brisa, tendo sido informada de que estes apenas poderiam ser consultados nas instalações do InIR, Contactado telefonicamente o InIR, foi informada de que os autos seriam disponibilizados após requerimento, nas instalações do InIR e após o seu envio pela entidade autuante, o que só acontece após o decurso do prazo de defesa. Requereu por escrito a consulta dos autos, não tendo obtido resposta, A proibição de consulta do processo viola o direito de defesa da arguida, gerando nulidade processual. Acresce que os autos de notícia não são assinados pelo autuante. Ao não estar assinado, não só não fazem fé dos factos como também gera nulidade insanável nos termos do art° 119°, al. d) do CPP.
Analisados os factos constantes dos autos, bem corno os argumentos apresentados peio arguido, conclui-se que a arguida foi notificada nos dias 6 de Agosto de 2009, pelo que o seu prazo de defesa terminava no dia 27 de Agosto.
A arguida solicitou a consulta dos processos, por carta registada, expedida a 26 de Agosto, ou seja, no último dia do prazo de defesa. Seria impossível para a Autoridade Administrativa permitir a consulta dos autos em tempo, não podendo pois, a arguida fazer-se valer desse argumento para sustentar urna nulidade processual. Acresce que o auto de notícia inclui todos os requisitos do art° 9° da Lei n° 25/2006, não carecendo de assinatura do autuante na medida em que a detecção da infracção è feita por meios mecânicos, nos termos do artº 8° do diploma citado, pelo que se decide nos termos seguintes:
DECISÃO:
Ao agir da forma descrita, o arguido agiu dolosa e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era ilícita, pois sabia que a viatura em causa não estava associada ao sistema electrónico de cobrança de portagens e que, consequentemente, ao não pagar a taxa devida pela utilização daquela infra-estrutura rodoviária, lesava, com a sua conduta, a concessionária da mesma,
Pelo exposto, é condenado o arguido no pagamento ao InIR, IP da quantia global de EUR 612,75, que inclui o valor da taxa de portagem EUR 37,50, da coima aplicada EUR 562,50 e das custas EUR 12,75, fixadas estas nos termos do artigo 92.° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, para cujo pagamento dispõe de 15 (quinze) dias, apôs decorrido prazo de 20 (vinte) dias para eventual impugnação da presente decisão ou do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de, não o fazendo, serem os Autos remetidos ao Ministério Público para execução, podendo ser indicado o veículo com que a infracção foi cometida como bem a executar.
A decisão torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do art.° 59° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, podendo o Tribunal decidir mediante audiência de julgamento ou, caso o arguido ou o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
Finalmente, no caso de impossibilidade de pagamento tempestivo do valor em que é condenado, deve comunicar o facto, por escrito, ao InIR, IP para o Apartado acima indicado, no prazo de 15 (quinze) dias apôs o recebimento desta Notificação e requerer, querendo, o pagamento em prestações.
Lisboa, 2009-11-18
Pelo Conselho Directivo (assinaturas) (..)” – fls. 10/11 dos autos.
2. Da supra transcrita decisão condenatória foi a ora Recorrente notificada em 30.11.2009.



DO DIREITO


1. actos jurídicos processuais;

No caso concreto trazido a recurso, o interesse pretensivo da ora Recorrente evidenciado pelo pedido deduzido na petição substancia-se em “(..) ser anulado o acto administrativo de decisão de aplicação de coima à Autora, praticado no processo 100815708 (..)”.
Todavia, na defesa do seu interesse a Recorrente labora em erro de direito adjectivo no tocante ao meio processual escolhido e jurisdição a que se dirige, pois que, na circunstância do acto que constitui o objecto da pretensão jurisdicional deduzida, o processo devido é o contra-ordenacional e a jurisdição que compete é a dos Tribunais Comuns, não a dos Administrativos, à luz do disposto nos artºs. 33º, 41º nº 1 e 59º DL 433/82 de 27.10.
Efectivamente, nos termos gerais de direito e de acordo com o regime jurídico estatuído no DL 433/82 de 27.10, a produção de efeitos jurídicos na instância contra-ordenacional pendente por acto praticado pelo arguido tem por pressuposto e está condicionada a que esse acto jurídico seja praticado ou levado ao concreto processo a que respeita determinado pelo respectivo objecto de ilícito, e não fora dele.
Como nos diz a doutrina, os articulados das partes, na medida em que traduzem a prática de actos jurídicos no processo, estão submetidos ao formalismo estrito legalmente estipulado e necessário ao regular e expedito desenvolvimento da lide pelo que “(..) a observância do formalismo estabelecido na lei torna, sem mais, o acto operativo dos efeitos que a lei lhe atribui (..)” de modo que “(..) na medida em que os actos processuais estão legalmente tipificados, quer na sua configuração, quer nos seus efeitos, a parte sabe de antemão que a prática de um certo acto produz determinado efeito. E na medida em que ela é obrigada à observância de um certo ritualismo, o acto só estará perfeito quando verificados todos os seus requisitos (..)” (1).
O que significa que todo e qualquer acto jurídico do arguido, tenha ele por objecto carrear para os autos ou controverter matéria de facto relacionada com o tipo de ilícito de mera ordenação social que lhe é imputado no concreto processo contra-ordenacional, ou suscitar estritamente matéria de direito adjectivo, seja, o acto jurídico praticado por sua iniciativa ou na sequência de notificação da autoridade administrativa que detém os poderes de instrução processual, esse acto tem, sempre, de ser praticado ou levado ao processo de contra-ordenação a que respeita, e tem, sempre, de ser dirigido à autoridade administrativa que dirige a instrução – artº 33º DL 433/82.

2. regime remissivo processual penal;

Com reflexos na economia do caso presente, importa o regime legal estatuído desde logo em sede de recurso de decisões interlocutórias, ou seja, uma vez proferida decisão rege, conforme as circunstâncias constantes da hipótese normativa, o disposto nos artºs 41º nº 1 e 55º nºs 1, 2 e 3 do DL 433/82 de 27.10.
Pelo primeiro, surge absolutamente claro o sentido expresso de remissão para o regime adjectivo processual penal, seja em sede de Código de Processo Penal ou de legislação especial, dependendo da configuração das circunstâncias concretas que determinam a relação de analogia, sendo, pois, o bloco normativo processual penal erigido a regime integrador do domínio adjectivo contra-ordenacional.
Quanto ao segundo normativo, nele se estabelece “(..) a possibilidade de impugnação judicial de todos os actos praticados pelas autoridades administrativas no processo contra-ordenacional que afectem direitos ou interesses de qualquer pessoa (..) Esta possibilidade de impugnação é exigida pelo nº 4 do artº 268º da CRP que assegura a possibilidade de impugnação contenciosa de todos os actos administrativos lesivos. (..)
Todos os actos preparatórios de que resulte uma imediata lesão de direitos ou interesses são autónoma e imediatamente impugnáveis através de recurso para o Tribunal Judicial que for competente, à face do disposto no artº 61º (..) estes recursos seguirão os termos dos recursos cuja regulamentação é indicada neste diploma, que são os recursos judiciais das decisões de aplicação de coimas (..)” – relevo a negrito, nosso. (2)
Efectivamente, o processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no artº 1º do CPA, isto é, na acepção de “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”, e não tem porque na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social, ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, constituindo contra-ordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – artº 1º DL 433/82.
Na sua fase administrativa o processo contra-ordenacional participa funcionalmente dos mesmos fins do inquérito em processo penal, configurado como a “(..) fase em que se busca essencialmente investigar os factos em ordem à eventual formulação da pretensão punitiva – a fase de inquérito (..) para procurar esclarecer o que se terá passado e só depois, se tiver recolhido indícios de que um crime foi praticado e quem foram os seus agentes, formula em juízo uma acusação. (..)” (3)
Sendo este o procedimento análogo que compete no domínio do DL 433/82, atento o disposto nos artºs. 48º e 54º, funcionando o regime processual penal subsidiariamente em tudo quanto importa à recolha da prova juridicamente relevante para apurar do preenchimento ou não de um tipo de ilícito contra-ordenacional, imputação do facto ao agente e determinação da coima. – artº 41º nº 1 DL 433/82.

*
No sentido aqui propugnado a doutrina expressa no Parecer da ProcuradoriaGeral da República, nº 2941 de 28.02.2008, que se transcreve na parte que importa na circunstância, sendo nossos os segmentos a negrito, “(..) A referida norma do artigo 41º do Decreto-Lei de 27 de Outubro, tem eficácia em todas as fases do processo das contra-ordenações, sendo aplicável quer na fase administrativa, quer na fase do recurso de impugnação.
Na verdade, o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no nº 7 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste código à fase administrativa do processo das contra-ordenações.
Embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase administrativa, uma actuação materialmente administrativa, esta forma de actuar sempre obedeceu a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário.
Trata-se de uma fase de um processo que tem como direito subsidiário, na sua globalidade, o processo penal, nos termos do referido nº 1 do artigo 41º daquele Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Os procedimentos especiais previstos no nº 7 do artigo 2.° do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que se encontram dispersos pela legislação administrativa, nomeadamente, os licenciamentos, os loteamentos urbanos, os procedimentos concursais e outros.
Não cabem nesse âmbito os procedimentos sancionatórios na medida em que tenham como direito subsidiário o direito processual penal, uma vez que é com este ramo do direito que aqueles procedimentos se articulam, já que foram moldados a partir dele, e é nesse procedimento que sistematicamente se inserem.
O Código do Procedimento Administrativo só seria, deste modo, direito subsidiário do processo das contra-ordenações se se desse como revogado o disposto no nº 1 do artigo 41º do regime geral das contra-ordenações, o que dada a especialidade desta norma, não seria possível sem uma referência expressa.
Acresce que sendo o processo das contra-ordenações um todo que se desdobra por várias fases, não pode o mesmo procedimento ter como direito subsidiário numa fase o Código do Procedimento Administrativo e noutra fase o Código de Processo Penal, o que criaria distorções inaceitáveis.
Tal como refere COSTA PINTO, a solução que se defende, “apesar de implicar como que uma metamorfose jurídica dos actos administrativos em actos de um processo de contra-ordenação, parece ser aquela que é ditada não só pelo enquadramento constitucional das garantias em processo de contra-ordenação, mas também pelo facto de o regime geral das contra-ordenações determinar a aplicação subsidiária do processo penal (artigo 41º do regime geral) e equiparar os poderes instrutórios em processo de contra-ordenação aos poderes de polícia de investigação criminal (artigo 48º, nº 2), negando implicitamente qualquer recurso subsidiário ao Direito Administrativo” [10]). (4)
Por outro lado, importa também não perder de perspectiva, tal como refere FIGUEIRDO DIAS, a “dificuldade prática -que em certos casos será mesmo de impossibilidade - de manter uma estrita e completa separação entre processo de contra-ordenação e processo penal. Não raramente sucederá, desde logo, que só no decurso do processo se poderá determinar se a conduta do arguido integra um crime, uma contra-ordenação, ou até uma e outro” ([11]), o que justifica o regime de conversão do processo de contra-ordenação em processo penal, previsto no artigo 76º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, ou o regime de conhecimento de contra-ordenações no processo penal, decorrente dos artigos 77º e 78º do mesmo diploma.
4 - Um dos segmentos em que a autonomia do direito das contra-ordenações se afirma face ao Direito Penal é o do regime processual que, apesar das ligações que mantém com o processo penal, se distancia do mesmo, quer na estrutura do processo, quer no regime de múltiplos actos processuais.
De facto, concebido o Direito das Contra-ordenações como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória no sentido de dar maior eficácia à acção administrativa, o núcleo fundamental dos poderes sancionatórios, quer ao nível da iniciativa processual, quer ao nível decisório propriamente dito, é atribuído à Administração, relegando a intervenção judiciária para um nível de subsidiariedade.
Incumbe deste modo à Administração o conhecimento das infracções e o respectivo sancionamento, sendo os Tribunais chamados apenas a intervir, pela via do recurso de impugnação, em caso de discordância dos condenados relativamente às decisões proferidas, em primeiro nível, pela Administração.
Os Tribunais intervêm igualmente em sede de execução das coimas emergentes das decisões condenatórias, quando não sejam pagas voluntariamente, e em caso de discordância de medidas de natureza transitória tomadas pela Administração ao longo do processo (artigo 55º do regime geral).
Costuma falar-se em fase administrativa do processo para designar a intervenção administrativa no mesmo - que vai da notícia da infracção à decisão propriamente dita, prevista no artigo 58º do regime geral - e em fase do recurso de impugnação, para designar o conjunto de actos processuais que vão da interposição do recurso à decisão do mesmo nos tribunais (artigos 62º e ss. daquele regime).
Na fase administrativa do processo relevam três momentos que integram conjuntos de actos cuja compreensão é decisiva no contexto das questões colocadas no âmbito do presente parecer.
Configura-se assim um primeiro momento do processo que vai da notícia da infracção ao cumprimento do artigo 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro; os actos subsequentes à intervenção prevista nesta norma agrupam o segundo momento do processo, seguindo-se a decisão final. (..)”

3. direitos de audiência e defesa em processo de contra-ordenação - artº 32º nº 1 CRP

Para a unicidade de regime jurídico subsidiário em sede de processo contra-ordenacional muito contribuiu a explicitação constitucional da garantia dos direitos de audiência e defesa em processo de contra-ordenação, cfr. artº 32º nº 1 CRP, acrescentado pela revisão constitucional de 1989 extensível, naturalmente, às pessoas colectivas, cfr. artº 12º nº 2 CRP, nos termos em que lhes sejam aplicáveis na medida em que podem ser responsáveis no âmbito deste tipo de ilícito.
Como nos diz a doutrina, “(..) o enquadramento constitucional do direito de defesa em processo de contra-ordenação forneceu mais um elemento para a compreensão do regime do ilícito de mera ordenação social, em especial na fase orgânicamente administrativa do processo de contra-ordenação.
38. Do ponto de vista da autoridade administrativa a competência para processar contra-ordenações pode ter algo de peculiar: trata-se de Direito aplicável por uma entidade administrativa, mas que não é em rigor Direito Administrativo. O que significa que iniciado um processo de contra-ordenação existe a possibilidade de actos da Administração – que fora desse contexto seriam actos administrativos tout court (sujeitos, portanto, ao regime e garantia próprias do Direito Administrativo – passarem a ser regulados por outro sector do sistema jurídico.
Nestes termos, quando um acto de uma autoridade administrativa possa ser visto simultaneamente como um acto administrativo e um acto integrador de um processo de contra-ordenação o seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos de impugnação, deverá ser em princípio o do ilícito de mera ordenação social e subsidiariamente o regime do processo penal, mas não o regime do Código de Procedimento Administrativo.
Uma solução diferente criaria o risco de um bloqueio completo da actividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias jurídicas.
Este enquadramento do processo de contra-ordenação assume relevância a todos os títulos: por um lado, a sindicabilidade de tal acto ocorrerá no contexto de um processo de contra-ordenação e não no âmbito da actividade administrativa (123) (..)
(..) (123) A questão pode ser passível de debate quanto a actos de arquivamento dos processos de contra-ordenação e actos que decidam sobre a consulta do processo quando ele findar. Penso, no entanto, que quanto aos actos de arquivamento não existem dívidas que são actos do processo de contra-ordenação e uma forma típica de pôr fim a um processo desta natureza, pelo que o seu regime não é o do Direito Administrativo. Relativamente aos actos que decidam sobre a consulta do processo que findou suscita-se a dúvida de saber se são actos regulados pelo regime do artº 90º do Código de Processo Penal ou antes o regime da consulta dos processos findos do Código de Procedimento Administrativo (cfr. artº 65º do CPA). Apesar da permanência no arquivo da administração, deve entender-se que o processo de contra-ordenação não perde a sua natureza quando arquivado. Razão pela qual se deve sujeitar a sua consulta ao regime do artº 90º do Código de Processo Penal. (..)”(5)
Pelo que vem dito e como afirmado supra louvando-nos na doutrina citada, o caso dos autos compete não a um procedimento administrativo autónomo mas a procedimento enquadrado no domínio da actividade administrativa sancionatória própria do ilícito de mera ordenação social submetida especificamente ao regime estatuído no DL 433/82 de 27.10 e, subsidiáriamente, ao regime do CPP.

4. incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos;

De modo que, em síntese, no processo contra-ordenacional o regime normativo que compete em matéria de impugnação de actos interlocutórios ou finais praticados pela autoridade administrativa é determinado por disposição de lei expressa nos termos conjugados dos artºs 55º e 61º nº 1, 64º e 73º DL 433/82 de 27.10, pelo que a jurisdição compete aos Tribunais Comuns e não aos Tribunais Administrativos.

O que significa que, em razão da natureza da matéria da causa e dos critérios legais constantes do complexo normativo referido supra, se tem por verificada a incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos por falta de jurisdição suficiente para a sua apreciação, impondo-se, dada a incompetência absoluta do Tribunal a quo, absolver da instância o ora Recorrido Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP- cfr. artºs. 13º CPTA e 105º nº 1, 288º nº 1 a), 494º a) e 493º nº 2 CPC.
No mesmo sentido a corrente jurisprudencial derivada dos Acórdãos do STA, in rec. nº 679/07 de 13.11.07 e deste TCA-Sul, in rec. nº 1615/06 de 25.05.06, rec. nº 1834/06 de 13.09.06 e 2416/07 de 6.6.07.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13.JAN.2011


(Cristina dos Santos)

(António Vasconcelos)

(Paulo Gouveia)


(1)Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág. 22.
(2) Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contravenções – anotações ao regime geral, 3ª edição, 2006, VISLIS, págs. 379/380.
(3) Germano Marques da Silva, Curso de processo penal, Vol. I, Verbo, 1996, pág.334.
(4) Frederico da Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, 1º, 1997, Coimbra Editora, pág. 82.
(5) Frederico da Costa Pinto, Obra citada na nota (4), págs. 80/81.

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d04ff50ec1aa852c8025781d002c393d?OpenDocument

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