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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

COMPRA E VENDA VEÍCULO AUTOMÓVEL PRAZO DE GARANTIA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 11/10/2011


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
30/10.4TBMDB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA GRAÇA MIRA
Descritores: COMPRA E VENDA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
EXERCÍCIO COM CARÁCTER PROFISSIONAL
VENDA
COISA MÓVEL
PRAZO DE GARANTIA

Nº do Documento: RP2011101130/10.4TBMDB.P1
Data do Acordão: 11-10-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: DECRETO-LEI 67/2003

Sumário: I - Se o réu se dedica à compra e venda de veículos automóveis usados, deve considerar-se como sendo pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
II - Daí, ser de aplicar o regime especial previsto pelo referido Decreto Lei 67/2003 (na redacção anterior ao DL n.º 84/2008, de 21/05) que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva nº1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
III - Assim, tendo a venda recaído sobre coisa móvel, e dado que não resulta ter havido qualquer acordo quanto a uma eventual redução para um ano, o prazo de garantia, é de dois anos.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº30/10.4TBMDB.P1 apelação
1ª secção

Acordam na Secção Cível (1ª Secção), do Tribunal da Relação do Porto:
*
I – B…, intentou acção declarativa sob a forma sumária, contra C…, pedindo a condenação deste no pagamento das quantias de: €2.204,00, a título de danos patrimoniais, sendo €1.454,00 – por despesas de reparação do veículo automóvel Daewoo e €750,00 – relativo ao valor que o R. fez seu no acto de financiamento do veículo; €1.000,00 a título de danos não patrimoniais. Pediu, ainda, que o R. fosse condenado a: proceder à transferência da propriedade do veículo automóvel Renault que lhe foi entregue, pelo A., aquando da compra do veículo Daewoo; bem como, na sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso nessa transferencia e, ainda, no pagamento de juros sobre as quantias peticionadas.
Para tanto alegou, em síntese, que: o R. lhe vendeu um veículo de marca Daewoo, pelo preço de €5.000,00 mediante a entrega de um veículo de marca Renault da sua propriedade e da quantia de €4.250,00, esta com recurso a financiamento bancário obtido através do R..
Acontece que, sem que se tivesse apercebido por ter assinado os papéis em branco, o R. alterou o valor do empréstimo para €5.000,00, locupletando-se assim com a quantia de €750,00 que o A. se encontra a pagar à financeira acrescida dos respectivos juros.
Por outro lado, o veículo sofreu uma avaria cujo custo da reparação ascendeu a €1.454,00, não tendo o R. assumiu qualquer responsabilidade apesar de ter dado uma garantia de 2 anos ao veículo vendido.
Acresce que, em virtude do R. não ter tratado da transferência da propriedade do veículo de marca Renault, o A. não consegue pagar o imposto de circulação automóvel do veículo Daewoo porque o Serviço de Finanças exige-lhe que pague o imposto relativo ao veículo Renault.
A relatada actuação do R. causa além do mais humilhação, aborrecimentos e incómodos ao A., danos que entende que devem ser indemnizados em quantia nunca inferior a €1.000,00.
Devidamente citado, o R. contestou por excepção invocando a ilegitimidade activa do A. por entender que a mulher deste devia intervir na acção e por impugnação negando os factos alegados pelo autor.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção deduzida. Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à organização da base instrutória.
Teve lugar a audiência de julgamento com observância do formalismo legal e, oportunamente, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolveu o Réu dos pedidos.
*
Inconformado, o A., interpôs recurso e apresentou as correspondentes alegações, em cujas conclusões, defendeu que:
A) Deverão ser alteradas as respostas aos números 1.º, 2.º, 5.º, 7.º, 8.º, 12.º, 13.º, 14.º e 24.º da base instrutória no sentido de serem considerados PROVADOS.
B) Deve o R. ser condenado a restituir ao A. os 750,00 € por violação do contrato celebrado entre as partes, que seria o pagamento de 4.250,00 € e não 5.000,00 €.
C) Está plenamente demonstrado nestes autos que o valor do negócio foi de 5.000,00 € a deduzir 750,00 € pela retoma do Renault, tendo o R. a receber apenas o valor de 4.250,00 €, devendo ser este o valor do financiamento e não outro, pelo que o R. devia ter solicitado à D… um crédito no valor de 4.250,00 € e nunca de 5.000,00 €, só o tendo feito com o intuito de se apropriar da quantia de 750,00 €, como fez.
D) Tendo resultado provado que o réu se dedica à compra e venda de veículos automóveis usados, e não resultando dos factos provados que o réu exerça qualquer outra profissão, para além da venda de veículos automóveis, conclui-se forçosamente que esta é a sua profissão.
E) O negócio efectuado entre A. e R. foi efectuado por este na qualidade de comerciante de automóveis usados, e aquele na qualidade de consumidor desses bens.
F) Assim, o referido negócio está sujeito ao regime dos DL n.º 24/96 e 67/2003, pelo que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, presumindo-se que “faltas de conformidade” que se manifestarem dentro do prazo de garantia existiam na data da entrega do bem (artigo 3.º do DL 67/2003), no caso 2 anos.
G) Como decorre do artigo 4.º, n.º 1 desse D.L, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. E a reparação deve ser efectuada em prazo razoável (n.º 2), sem graves inconvenientes para o comprador.
H) Acrescentando o n.º 5 desse artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
I) Esta norma concede ao credor/comprador a escolha alternativa (“qualquer dos direitos”) do exercício de algum desses direitos sem necessidade de obedecer a qualquer ordem ou prevalência, contanto que a exigência não seja abusiva. Escolhe o que melhor realizar os seus interesses, de forma a ser plenamente ressarcido. J) O A. tem direito a ser indemnizado no correspondente montante da reparação, nos termos gerais da responsabilidade contratual (artigo 798.º do C. Civil).
K) Acresce que, a própria Lei de Defesa do Consumidor no artigo 12.º, n.º 4 dispõe que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”.
L) Assim, o A tem também o direito a ser indemnizado por danos morais resultantes do incumprimento do contrato pelo R.
M) Entendendo-se que o A. só tinha direito à reparação feita por intermédio do R. e não ao custo da mesma, mesmo assim a pretensão do A. sempre teria que proceder.
N) É que devia ter sido o R., em sede de defesa por excepção, a alegar o pedido de reparação e não o seu custo, o que não fez.
O) O A. comunicou ao R. a avaria do veículo, o qual se recusou a repará-la.
P) Acontece que, o próprio R. alega no artigo 24.º da contestação “ (…) não sendo o Réu responsável por essa hipotética reparação”.
Q) Portanto, o R. alega nada mais, nada menos de que um puro incumprimento definitivo, já que na sua contestação NÃO ACEITOU QUALQUER RESPONSABILIDADE por qualquer avaria no veículo, seja pela reparação, seja pela substituição, seja pelo pagamento do custo da mesma, alegando mesmo que não fora ele que nem sequer vendera o carro em nome próprio, pelo que nunca poderia ser responsabilizado pela avaria do mesmo veículo, O QUE CONFIGURA UMA RECUSA EM PROCEDER À REPARAÇÃO DO VEÍCULO À SUA CUSTA.
R) Assim sendo, tal incumprimento definitivo permite ao A. exigir o valor da reparação que o R. se recusou efectuar por entender não ser obrigado a tal, bem como a indemnização por todos os danos decorrentes do incumprimento pontual da sua obrigação.
S) Provados que estão os danos sofridos pelo A. em consequência da conduta do R. e uma vez que se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, deve o R. ser condenado a indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais por este sofridos.
Nestes termos ... deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a douta sentença recorrida e substituir-se por outra que julgue a acção totalmente procedente nos termos requeridos na petição inicial.
...
Em contra-alegações, o Recorrido, defendeu a improcedência do recurso interposto pelo A., devendo manter-se o decidido.

II – Corridos os vistos, cumpre decidir.

Como é sabido, o âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do/a recorrente. Logo, só as questões colocadas em tais conclusões há que conhecer, ressalvando as de conhecimento oficioso.
Nestes autos, e não obstante a extensão argumentativa, temos para decidir:
- a impugnação da decisão de facto;
- se estão, ou não, verificados os requisitos para a procedência do(s) pedido(s) formulado(s) pelo A.
*
Vêm assentes da 1ª instância, os seguintes factos:
1 -O autor celebrou com o réu um contrato, nos termos do qual lhe “comprou” o veículo automóvel marca Daewoo, matrícula ..-..-PT, aceitando este que, por conta do preço, lhe entregasse um outro veículo automóvel da marca Renault, matrícula XA-..-.., pelo valor de € 750,00, sendo a parte restante em dinheiro.
2 -Como o autor não possuía o dinheiro necessário ao pagamento da parte restante do preço, recorreu ao crédito, tendo obtido o financiamento junto de “D…, S.A.”, através de “E…, L.da”.
3 -O autor logo entregou ao réu o Renault de matrícula XA-..-...
4 -O XA-..-.. na data de 28/02/2010 [data da petição inicial, rectificação ao despacho saneador que se impõe sob pena de contradição com a resposta dada ao quesito 23º da base instrutória, nos termos dos artigos 666º, nºs 1 e 3 e 667º do CPC] ainda se encontrava registado em nome do autor.
5 -O réu não procedeu à transferência do registo de propriedade do XA-..-.. para seu nome, alegando que tal facto é da responsabilidade do autor.
6 -O réu dedica-se à compra e venda de veículos automóveis usados.
7 -O réu disponibilizou-se para tratar de tudo o que fosse necessário junto da “D…”, afirmando ao autor que o crédito lhe seria concedido através de “E…, L.da”, por esta firma ter mais facilidade do que ele em obter crédito junto da instituição financeira, tendo o autor aceitado a sugestão do réu.
8 -Foi o réu que tratou de todo o processo de financiamento e depois só comunicou ao autor a aprovação e o valor das prestações mensais.
9 -Nessa data, o autor assinou uma declaração cujo conteúdo é o seguinte: “B…, morador em …, …-Mondim de Basto, contribuinte N.º………, solicitou um crédito para a compra da viatura Daewoo, de matrícula ..-..-PT, crédito esse que lhe é concedido através da firma E…. No entanto, o mesmo, tem conhecimento que qualquer assunto relacionado com o veículo em causa, nomeadamente a garantia dessa mesma, terá que pedir responsabilidades a C…, pois foi este que lhe forneceu o mesmo veículo.
Por sua vez C… assume toda a responsabilidade inerente à venda do supra referido veículo”.
10 -Confiando na boa fé do réu, o autor assinou o contrato de crédito nos termos constantes do doc. n.º 2 junto com a p.i.
11 -O autor assinou uma declaração de venda do Renault, ficando em branco a parte respeitante ao comprador, a pedido do réu.
12 -Na altura da celebração do negócio não foram entregues ao autor nenhuns documentos.
13 -O dinheiro do financiamento não foi recebido pelo autor nem creditado em conta bancária deste, tendo sido entregue directamente ao réu através da “D…”.
14 -O contrato referido em 1) foi celebrado em finais do ano de 2007.
15 -O réu garantiu ao autor que o Daewoo de matrícula ..-..-PT estava em bom estado.
16 -O réu deu uma garantia ao veículo Daewoo, de matrícula ..-..-PT.
17 -O ..-..-PT sofreu, em meados de Junho de 2009, uma avaria no motor, que incidiu essencialmente na colaça, tendo o autor pago por essa reparação, que incluiu material e mão de obra, o valor de 1.454,00 € (mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros).
18 -Para a reparação do veículo foi necessário o seguinte material e mão-de-obra:
- reparação da colaça;
-bloco motor;
-jogo de juntas descarbunização;
- kit distribuição;
- termóstato;
- óleo motor 5000 kms;
- filtro óleo motor;
- óleo direcção;
- anticongelante conc. 30%;
- Silicone;
- teste diagnóstico na Opel reparação falha ralentim;
-panela escape atrás;
- serviços de mecânica;
19 -Contactado o réu para que procedesse ao pagamento do valor de € 2.204,00 (ou seja, €750,00 que foram apropriados pelo réu no acto de financiamento, acrescido do valor de €1.454,00 relativamente às despesas de reparação do veículo automóvel marca Daewoo), o mesmo alegou que não tinha qualquer responsabilidade.
20 -O autor sente-se por isso ludibriado e humilhado pelo que consta dos precedentes números.
21 -E com receio de ser incomodado pelo fisco, devido aos impostos em débito pelo Renault e por eventuais acidentes em que esta viatura possa intervir, não sabendo sequer se quem a utiliza dispõe de seguro.
22 -Tudo isto fez com que o autor tenha passado e continue a passar por um grave período de nervosismo e angústia.
23 -O autor sofreu ainda incómodos, desgosto, humilhação e angústia.
24 -O Daewoo de matrícula ..-..-PT tinha 7 anos na data em que foi celebrado o contrato referido em 1).
*
Vejamos:
- Passando à impugnação da decisão de facto, verifica-se que o Recorrente pretende a sua alteração e, por via disso, que seja outra a decisão de direito, em conformidade com os seus defendidos interesses.
Para tanto, convém ter presente o que preceitua o art. 712º do CPC:
“1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2- No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
(…)”.
Por sua vez, o principio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 655º, do C.P.C., sob a epígrafe liberdade de julgamento, estabelece que a decisão tomada pelo tribunal, relativamente a cada facto controvertido, é obtida de acordo com a sua prudente convicção, depois de, livremente, ter analisado e valorado a prova produzida, a não ser que a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial (nº2.).
No caso do autos, é no disposto no nº1, al.a), segunda parte, e nº2, do primeiro normativo citado, que o Recorrente busca apoio para a dita impugnação.
Portanto, uma vez que se mostram respeitados os ónus legais impostos pelo art.º 685º-B, do CPC (com a obrigatória especificação, sob pena de rejeição, dos concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (nº1, al.a), bem como os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, a seu ver, impunham decisão diversa da recorrida, sobre os pontos da matéria de facto impugnados (nº1, al.b), por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2, do art.º 522º- C, do mesmo diploma legal. Essa dupla concretização faz todo o sentido, desde logo, porque, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.... ... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova .. . "(preâmbulo do DL 39/95, de 15/02, ainda actual), cabe, nesta sede, apreciar se os fundamentos subjacentes às respostas dadas pela primeira instância, aos concretos factos destacados pelo Recorrente, são, ou não, os adequados, face ao conteúdo da prova produzida, de acordo com a convicção própria e autónoma formada por este Tribunal da 2ª instância, embora não se deva esquecer que: “ Há, na verdade, uma profunda diferença entre a posição do juiz que, dirigindo a audiência, assiste à produção dos depoimentos, ouvindo o que as testemunhas dizem e vendo como se comportam enquanto ouvem as perguntas que lhes são feitas e a elas respondem, e a outra, bem diversa, daquele que apenas tem perante si a transcrição, nas alegações, do teor dos depoimentos e a possibilidade de ouvir as respectivas gravações sonoras. (…) a alteração que a Relação introduza terá subjacente a nova e diferente convicção entretanto formada e, ao confirmar a decisão da 1ª instância, estará, numa formulação verbal mais correcta, a aderir à convicção subjacente e não, simplesmente, a ter como mais razoável o que aí se consagrou – num e noutro caso a nova convicção deverá radicar-se no teor dos depoimentos invocados e transcritos, na qualidade e número das testemunhas em cada sentido opinantes, nos outros elementos probatórios ao seu alcance e, inclusivamente, no próprio teor da fundamentação da decisão impugnada”.
(Ac. do STJ, de 12 de Março de 2002, in www.dgsi.pt., doc. n.º SJ2002203120040571).
Posto isto, temos que, no caso em análise, pelo A. são apontados como mal julgados, os pontos 1º, 2º, 5º, 7º, 8º, 12º, 13º, 14º e 24º, da B.I.., cuja redacção é, respectivamente, a seguinte: - “O R. é comerciante em nome individual, dedicando-se à compra e venda de veículos automóveis usados?”(1º); “O valor da transacção foi acordado em €5.000,00, pelo que, tendo o A. dado de retoma o Renault de matrícula XA-..-.., restava pagar ao Réu a quantia de €4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta euro)?”(2º); “O R. apresentou ao A. a respectiva proposta de contrato de crédito em branco, dizendo-lhe que bastava apenas a assinatura dos mesmos e que postertiormente tudo seria devidamente preenchido para ser enviado à D…?”(5º); “Confiando na boa fé do R., o A. assinou o contrato de crédito nos termos constantes do doc. nº2 junto com a p.i., sem ter suspeitado da possibilidade de o primeiro propositadamente ter alterado o valor acordado de 4.250,00 euros para 5.000,00 euros?”(7º); “O Autor apôs a sua assinatura num impresso modelo, em branco, isto é, com os dizeres relativos à identificação dos outorgantes e ao valor do financiamento por peencher?”(8º); “Por isso, o A. ficou espantado quando foi notificado pela “D…” para proceder ao pagamento do crédito no valor de €5.000,00, em vez de €4.250,00?”(12º); “Além disso, o Autor tomou conhecimento de que tinha que pagar à “D…”, pelos referidos €750,00, juros de montante que ainda desconhece, por a taxa variar?”(13º); “O Réu apropriou-se do valor de 750,00€ (setencentos e cinquenta euros), induzindo assim o A. em erro?”(14º); “O R. tinha perfeito conhecimento de que o A. apenas necessitava de um financiamento de 4.250,00€ (quatro mil duzentos e cinquenta euros) para a aquisição do veículo e não de um financiamento de 5.000,00€?”(24º),
os quais mereceram estas respostas: 2º, 5º, 8º, 12º, 13º, 14º e 24º -“Não provado”; 1º - “Provado apenas que o réu se dedica à compra e venda de veículos automóveis usados”; 7º “Provado apenas que confiando na boa fé do Réu, o Autor assinou o contrato de crédito nos termos constantes do doc. nº2 junto com a p.i.”.
Segundo o Recorrente, todos eles deveriam ter merecido a resposta de “Provado”.
Ouvidos por nós, os depoimentos das testemunhas indicadas no corpo das alegações pelo Recorrente (F… – mulher do A.; G… e H… – cunhadas; I… – comerciante de automóveis e amigo do R.; J… – conhecido do R., a quem comprou o Renault referido nos autos e K…, vizinho do R.) como relevantes para a defesa das suas pretensões, entendemos por bem ouvir, ainda, o que foi dito pela testemunha L…, dono da oficina onde o referido “Daewoo” foi reparado. Ou seja, acabámos por analisar todos os depoimentos prestados durante o julgamento realizado pela primeira instância, os quais conjugamos com o conteúdo da documentação junta ao processo, também esta atendida pelo Tribunal a quo, conforme se infere do despacho que fundamenta a decisão, a fls. 148 e segs. Daí, termos ficados convictos que a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, esplanada na fundamentação referida, é a correcta, retirando desses elementos de prova as mesmas certezas e dúvidas invocadas pela 1ª instância, estas resolvidas em conformidade com a regra imposta pelo artº 516º, do C.P.C., nomeadamente: o concreto valor do preço do carro comprado pelo A. ao R. - €5.000,00 ou outro? (como foi dito por outras testemunhas, designadamente: I… que ainda esteve interessado na compra do “Daewoo”, para a filha e só não avançou para a concretização do negócio por esta não gostar do modelo)
Face a isso, não encontramos razões objectivas para alterar a factualidade assente pelo Tribunal a quo, a qual, portanto, se mantém nos termos supra transcritos.
Resolvida esta questão, passamos à seguinte, que se prende com a aplicação do direito, dirigida à procedência ou improcedência do(s) pedido(s) formulado(s) pelo A.
Como é sabido, era a este que cabia provar os factos constitutivos do direito invocado (nº1, do artº 342º, do C.C.).
Assim, é manifesto que não tendo resultado provado o que sustenta o pedido da verba de €750,00, desde logo por se desconhecer qual o preço da venda e demais pormenores factuais relativos ao financiamento concedido, este é improcedente, como bem refere a sentença impugnada.
No mais,
Temos que: o Decreto-Lei 67/2003 só se aplica às “pessoas que exerçam com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, e cujo fornecimento de bens ou serviços ocorra nesse âmbito” (cfr. o art. 2º, nº1, da Lei n.º 24/96).
O Tribunal a quo excluiu a aplicação deste regime aos presentes autos, por ter entendido que tal condicionalismo, não resultava dos factos apurados.
Não é essa a nossa leitura.
Com efeito, a conjugação da factualidade assente, com relevância para os pontos - 6, 9, 13 in fine e 16, leva-nos a subsumir a pessoa do R. a essa categoria, sendo clara a de consumidor, quanto à pessoa do A ., em conformidade com a classificação dada pelo nº1, do art.º 2º, da Lei nº24/96, de 31 de Julho, Lei de Defesa do Consumidor (para o qual remete o art.º 1º, do citado DL), cuja redacção completa é esta:“1 —Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Portanto, concluímos ser de aplicar, ao caso em apreço, o regime especial previsto pelo referido Decreto Lei (na redacção anterior ao DL n.º 84/2008, de 21/05) que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva nº1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, com vista à aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, sem com isso diminuir o nível de protecção já reconhecido entre nós ao consumidor, designadamente, na Lei nº24/96, de 31 de Julho (cfr. preâmbulo do DL nº67/2003).
Assim, procedendo a essa aplicação, tendo a venda recaído sobre coisa móvel, e dado que não resulta ter havido qualquer acordo quanto a uma eventual redução para um ano, o prazo de garantia, que é o lapso de tempo durante o qual, manifestando-se alguma falta de conformidade, o consumidor pode exercer os direitos que lhe são reconhecidos no art.º 4º, nº1 (“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato), é de dois anos a contar da recepção da coisa pelo consumidor, nos termos dos nºs 1 e 2, do art.º 5º, do referido diploma legal.
Mas, para exercer tais direitos, o consumidor tem (“deve”), previamente, de denunciar ao vendedor a falta de conformidade notada. Assim obriga o nº3, do último normativo referido. O que se compreende, para permitir ao último a possibilidade de repor, sem encargos para o consumidor, a desejada e obrigatória conformidade, a contento deste e de acordo com o próprio alcance do contrato firmado, como se tudo tivesse corrido bem desde o inicio.
Desconhece-se se o A. efectuou tal denúncia, como lhe competia ter feito.
O que se sabe, apenas, é o que resulta dos pontos 17 e 19, dos factos provados.
Ora, o citado regime legal, embora não estabeleça uma hierarquia no exercício dos direitos conferidos ao consumidor - nº5, do art.º 4º (salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais), a verdade é que não lhe dá o direito de reparar a coisa, sem mais, desconsiderando o dever que lhe é imposto no já citado n.º 3, do art.º 5º, a não ser que fique demonstrada a urgência dessa reparação, o que, aqui, não aconteceu.
A alegação e prova da efectivação desse dever de denúncia, ou o quadro factual que permitisse concluir pela apontada urgência, são factos constitutivos do direito alegado pelo A., cabendo-lhe esse ónus, de acordo com o imposto pelo nº1, do art.º 342º, do C.C.. Não o tendo feito, também não pode proceder o pedido relativo ao valor das despesas da reparação.
Relativamente ao que se prende com a transferência da propriedade do veículo Renault, face ao que consta dos pontos 1, 3, 4 e 11, dos factos provados, é evidente que o Recorrente tem razão.
Este carro que, até finais de 2007, era propriedade do A., deixou de o ser a partir dessa data, face ao acordado entre este e o R., a quem foi entregue o veículo, bem como o documento assinalado em 11, com as exigências impostas por este último.
Portanto, é ao Réu que compete diligenciar pela regularização do respectivo registo, dado que a mudança de propriedade deste tipo de bem móvel ao mesmo está sujeito (art.º 5º, do DL54/75, de 12/02).
Não o tendo feito atempadamente, deverá fazê-lo agora, reportado a essa data.
Dada a resistência por si demonstrada, em cumprir essa obrigação, faz todo o sentido a sua condenação em sanção pecuniária compulsória que.
Esta deve ser fixada segundo critérios de razoabilidade e visa forçar o devedor a cumprir o que é decidido pelos tribunais, reforçando a soberania destes e conferindo mais eficácia às próprias decisões judiciais, (art.º 829º-A, do CC: “... 2. fixada segundo critérios de razoabilidade, ... 4.Quando for ... judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos,...”) e não a indemnizar o credor. O carácter coercivo ou compulsório é, pois, da essência do instituto, cujo fim imediato é induzir o devedor a cumprir (Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária compulsória, ed. de 1987, pág. 396) e não o de indemnizar o credor, como já se disse.
Por isso, reconhecem-se ao juiz poderes soberanos na determinação da sanção pecuniária compulsória adequada e eficaz ..., confiando no prudente arbítrio de julgador, no seu espírito de equidade e no seu bom senso, no seu sentido de medida e de proporcionalidade, numa palavra, no seu sentido de justiça (ob. cit., pág. 415).
Assim, feita a necessária ponderação, concorda-se em fixar essa sanção que será diária, no valor pedido pelo A., por nos parecer adequado e conforme aos critérios supra indicados, ou seja em €50,00, por dia, só contados a partir do trânsito em julgado desta decisão, a que somam os juros a que a segunda parte do nº4, do art.º 829º-A faz alusão.
No que aos danos morais diz respeito, considerando tudo o que já se disse sobre a improcedência dos restantes pedidos, fazemos nossa a fundamentação explanada na sentença impugnada e, assim, carecendo estes dos necessários pressupostos, é clara a sua improcedência.
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III- Pelo exposto, acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente, revoga-se nessa medida a sentença da primeira instância e, em sua substituição, condena-se o Recorrido/Réu a proceder à transferência da propriedade do veículo Renault identificado nos autos, reportada a finais do ano de 2007, registando-o à sua custa junto da respectiva entidade administrativa, sob pena de ter de pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, €50,00, por dia, contados a partir do trânsito em julgado desta decisão, a que somam os juros a que a segunda parte do nº4, do art.º 829º-A faz alusão. No mais, confirma-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos.
Custas pelas partes, na respectiva proporção.
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Porto, 11 de Outubro, de 2011
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Francisco Martins
Anabela Dias da Silva

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