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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL ALIMENTOS PROGENITOR AUSÊNCIA EM PARTE INCERTA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 08-11-2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4519/08.7TBAMD.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS
PROGENITOR
AUSÊNCIA EM PARTE INCERTA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08-11-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - A obrigação de alimentos a favor dos filhos deriva directamente da relação de filiação (de tal forma que continua a ser exigível ainda que os pais estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais – cf. art. 1917º, CC.).
II -A obrigação de alimentos - quando se trata de filhos menores - não se configura como uma obrigação de alimentos stricto sensu nem como um dever autónomo e independente das outras prestações a que os progenitores se encontram vinculados.
III - O dever de protecção do filho, durante a menoridade, é de tal intensidade que nem os escassos recursos dos progenitores podem desonerá-los do seu cumprimento. Daí que o dever de assistência e sustento obrigue os pais a compartilhar com o filho os seus rendimentos até ao limite da sua própria subsistência.
IV - O dever de sustento dos filhos menores não depende do estado de necessidade destes, nem tão pouco das possibilidades económicas dos pais.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. O Ministério Público, em representação da menor A…, intentou contra os seus progenitores, B… e C…, a presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

2. Designou-se data para a realização de uma conferência de pais, sendo o requerido citado editalmente.

3. Procedeu-se à instrução e, a final, foi proferida sentença que, no essencial:

- Confiou a menor à guarda e cuidados da mãe, a quem se atribuiu o exercício das responsabilidades parentais;

- Fixou o regime de “visitas” entre o pai e a menor;

- Autorizou a menor a viajar com a mãe para o estrangeiro, independentemente da autorização do pai, carecendo este, porém, de consentimento daquela para o mesmo efeito.

4. Inconformado, apela o Ministério Público, o qual, em síntese conclusiva, diz:

Na acção de regulação do exercício do poder paternal, a sentença deve fixar pensão de alimentos a cargo do progenitor a quem o menor não foi confiado, mesmo sendo desconhecido o seu paradeiro bem como a sua situação profissional e capacidade económica;

A não ser assim, a menor ficaria inibida de recorrer ao Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores, uma vez que a lei faz depender a intervenção do FGA da prévia fixação judicial de uma prestação alimentícia;

Além disso, a tese defendida na sentença recorrida viola o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, da CRP.

5. Não houve contra-alegações.

6. Está provado que:

“1- A… nasceu em 20 de Maio de 2001 e encontra-se registada como filha de B… e de C…;

2- Os progenitores da menor não são casados entre si e nunca coabitaram um com o outro;

3- A A… sempre viveu com a mãe, integrando ainda o agregado familiar uma outra filha da requerida, com cerca de dois anos de idade, irmã uterina da A…, coabitando as três no Bairro da Cova da Moura;

4- A requerida é a figura de referência da filha e revela-se uma pessoa preocupada e atenta às necessidades básicas da A… que vem assegurando adequadamente;

5- A requerida encontra-se desempregada auferindo mensalmente R.S.I. no montante de 280,00 Euros, recebendo, ainda, a título de prestação social de abono de família das duas filhas, a quantia de EUR 150,00 Euros, beneficiando igualmente da ajuda de familiares que residem em Rio de Mouro;

6 - A requerida despende EUR 150,00 mensalmente em renda de casa;

7- A A… frequenta o ensino oficial em Escola Pública sediada na Buraca, beneficia de S.A.S.E. e «a sua integração escolar tem sido regular»;

8- O requerido manteve convívio fugaz com a A… até há cerca de dois anos, data em que se deslocou para Cabo-Verde onde vivem os seus familiares, permanecendo em paradeiro incerto naquele país, contactando, desde então, com a filha de forma esporádica telefonicamente;

9- Na sequência de diligência que teve lugar a 09/09/2009 nestes autos foi proferida decisão provisória sobre parte da matéria objecto desta causa, a qual consta de fls. 56, que aqui se considera por reproduzida.

7. Enquadramento jurídico

Cumpre apreciar e decidir a única questão suscitada no recurso, qual seja a de saber se o desconhecimento das condições económicas do pai é impeditivo da fixação de uma prestação alimentícia a favor da filha.

8. Sobre esta questão duas posições divergentes se posicionam na jurisprudência.

- Para uns, nos casos de ausência do progenitor em parte incerta e/ou de desconhecimento da sua situação socioeconómica, não há que fixar qualquer prestação de alimentos a seu cargo, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade plasmado no nº 1 do art. 2004º do CC. (segundo o qual, "os alimentos são proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los").[1]

- Para outros, o circunstancialismo fáctico atrás referido não desresponsabiliza o progenitor “ausente” do cumprimento das suas obrigações parentais, maxime o dever de «alimentar» o filho menor (salvo casos muito excepcionais em que se faça a prova de uma total impossibilidade daquele para sustentar o filho).[2]

Quid juris?

É inquestionável que todo o ser humano depende da satisfação de necessidades físicas e espirituais derivadas da sua própria natureza. A satisfação dessas necessidades constitui o pressuposto indispensável para o seu desenvolvimento integral.

É também indiscutível que o livre desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo determina que cada pessoa seja, em princípio, responsável pela satisfação daquelas necessidades.

É, porém, sabido que nem todas as pessoas dispõem de meios próprios, nem da possibilidade de os obter, que lhes permitam subsistir com um mínimo de dignidade. É precisamente a constatação da impossibilidade de autosatisfação de necessidades vitais que justifica a imposição legal da obrigação de alimentos no seio da família (cf. art. 2009º, CC), por esta forma se reforçando a união e coesão do grupo familiar e o seu papel protector.

Trata-se, aliás, de uma obrigação de marcado conteúdo ético, na medida em que é essencialmente a consciência de que se está perante um imperativo moral, enquanto exigência pessoal, assumida livremente pelo próprio individuo, determinado por sentimentos de solidariedade e responsabilidade entre pessoas unidas por laços afectivos, que impele ao cumprimento da obrigação.

Ora bem.

De entre todas as obrigações legais de «alimentos», a que agora nos interessa particularizar é a que se estabelece entre pais e filhos menores.

Vejamos então.

A Constituição da República Portuguesa, nos arts. 36º e 67º e ss. tutela a família e sublinha a sua importância para a “realização pessoal dos seus membros”.

Na perspectiva constitucional, a educação e a manutenção dos filhos constitui, não apenas um dever, mas também um direito dos pais, em igualdade de circunstâncias (cf. art. 36º, nºs 3 e 5, da CRP). Aliás, o texto constitucional sublinha a importância do papel dos pais, garantindo-lhes a protecção da sociedade e do Estado nessa insubstituível acção em relação aos filhos (cf. art. 68º, nº1, da CRP)

No direito infra constitucional, o Código Civil estabelece que os filhos (até à maioridade ou emancipação) estão sujeitos às responsabilidades parentais (art. 1877º) e que, como efeito da filiação compete aos pais no interesse daqueles prestar-lhes, além do mais, assistência (aqui se incluindo o dever de alimentos), por forma a assegurar-lhes o seu desenvolvimento físico e intelectual (cf. arts. 1874º, 1878º, nº1 e 1885º, todos do CC).


Isto significa que:

- A obrigação de alimentos a favor dos filhos deriva directamente da relação de filiação (de tal forma que continua a ser exigível ainda que os pais estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais – cf. art. 1917º, CC.).

- A prestação alimentícia a favor dos filhos menores insere-se num conjunto mais amplo de poderes-deveres (irrenunciáveis)[3] que os progenitores exercem no interesse dos descendentes, designadamente um dever geral de assistência e sustento.[4]

- A obrigação de alimentos - quando se trata de filhos menores - não se configura como uma obrigação de alimentos stricto sensu nem como um dever autónomo e independente das outras prestações a que os progenitores se encontram vinculados.

Em face do exposto, é de concluir que:

- O dever de protecção do filho, durante a menoridade, é de tal intensidade que nem os escassos recursos dos progenitores podem desonerá-los do seu cumprimento. Daí que o dever de assistência e sustento obrigue os pais a compartilhar com o filho os seus rendimentos até ao limite da sua própria subsistência.

- O dever de sustento dos filhos menores não depende do estado de necessidade destes, nem tão pouco das possibilidades económicas dos pais.

Como se escreveu no Ac. Trib. Rel. Porto, de 21 Jun. 2011, JusNet 3768/2011, “o princípio da proporcionalidade (previsto no art. 2004º, do CC) só deve ser chamado a intervir depois de salvaguardado o limite mínimo da obrigação de alimentos a cargo do progenitor, correspondente à (s) necessidade (s) básica (s) /essencial (is) do menor, limite mínimo esse que se impõe a todo e qualquer progenitor, independentemente das suas condições socioeconómicas e culturais, e que tem a ver com a quantia necessária à sobrevivência e ao desenvolvimento daquele; só depois, encontrado esse ponto mínimo da prestação de alimentos, é que hão-de intervir os meios económicos do primeiro para que os alimentos a fixar ao filho menor sejam assegurados pela «máxima medida possível», para que este desfrute de um nível de vida semelhante/equivalente ao que lhe seria proporcionado caso ambos os progenitores vivessem em comum e ele fizesse parte do respectivo agregado familiar.”


Entender de outra forma, seria esquecer que na aplicação do direito ao caso concreto, o tribunal está vinculado a defender o interesse superior da criança (v. arts. 1905º, 1906º, nºs 2, 5 e 7, 1911º, 1912º, todos do CC).

Como argumento final, dir-se-á ainda que:

Nas acções de regulação do exercício das responsabilidades parentais propostas contra os progenitores do menor, em que se pretende, além do mais, a fixação de uma prestação alimentícia a cargo dos requeridos, impende sobre estes o ónus de alegar e provar a (absoluta) impossibilidade de os prestar (seja para efeitos do disposto no nº 2 do art. 2005º do CC ou do nº3, do art. 2009º do mesmo Código).

Por outro lado, como se decidiu nos Acórdãos do STJ de 12/7/2011, Jusnet 4140/2011 e de 27/9/2011, Jusnet 4784/2011 dependendo o acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos a Menores da prévia fixação de alimentos, em decisão judicial, a favor do menor - arts. 1º e 3º nº 1 da Lei nº 75/98, de 19/11 -, a não condenação do progenitor requerido a prestá-los (por desconhecimento do seu paradeiro e da sua situação económica) impediria o menor de beneficiar do apoio do FGADM, apesar de ele merecer a mesma protecção (das entidades criadas para esse fim) que um outro menor consegue (cujo progenitor não se ausentou para local desconhecido) por ter beneficiado de uma sentença que lhe atribuiu alimentos.

No caso que apreciamos, apenas se provou que o requerido se encontra em parte incerta, em Cabo Verde o que, atento o acima exposto, é manifestamente insuficiente para caracterizar uma situação de carência absoluta de rendimentos que o desobriguem de cumprir o seu dever de comparticipar nas despesas da menor.

Devem, pois, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º, da CRP, ser fixados «alimentos« a cargo pai.

Assim sendo:

Considerando que a menor tem direito a qualidade de vida, tanto quanto possível, idêntica à dos pais;

Considerando as necessidades do menor, (atendendo à sua idade, e socorrendo-nos da experiência comum, é de presumir nos termos do art. 351º, do CC que os gastos com alimentação, vestuário, calçado, assistência médica e medicamentosa e actividades de lazer não sejam inferiores a EUR 400 mensais);

Considerando que a mãe está desempregada, recebendo mensalmente EUR 280,00, a título de RSI;

Considerando as comprovadas despesas do agregado familiar EUR (desde logo, EUR 150,00 mensais no pagamento da renda de casa);

Tem-se por equilibrado fixar em EUR 150,00 a pensão de alimentos a cargo do pai, actualizada anualmente em função da taxa de inflação oficial.

Esta quantia é devida desde a propositura da acção (art. 2006º) e deverá ser paga mensalmente à mãe da menor até ao dia 8 de cada mês, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado deste acórdão.


9. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em:

a) Revogar a sentença recorrida (na parte em que não fixou pensão de alimentos a cargo do requerido);

b) Condenar o requerido a pagar a quantia de EUR 150,00, mensais, a título de alimentos para a menor, montante que será actualizado anualmente em função da taxa de inflação oficial.

c) Esta quantia é devida desde a propositura da acção (art. 2006º) e deverá ser entregue mensalmente à mãe da menor até ao dia 8 de cada mês, com início no mês seguinte ao do trânsito em julgado deste acórdão.
Custas pelo requerido.

Lisboa, 8 de Novembro de 2011

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Amélia Ribeiro
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[1] cf. neste sentido os acórdãos da Relação de Lisboa de 05/05/2011, proc. 4393/08.3TBAMD.L1-2 (JusNet 2874/2011), de 17/09/2009, proc. 5659/04.7TBSLX.L1-2 e de 04/12/2008, proc. 8155/2008-6 (JusNet 5099/2008), todos disponíveis in www.itij.pt.
[2] Cf., entre muitos, os acs. do STJ de 27/9/2011, (JusNet 4784/2011) e de 12/7/2011, proc. 423/09 (www.itij.pt); da Relação de Lisboa de 10/05/2011, proc. 3823/08.9TBAMD.L1-7 (JusNet 3093/2011); da Relação do Porto de 21/6/2011 (JusNet 3768/2011) e da Relação de Coimbra de 28/04/2010, proc. 1810/05.8TBTNV-A.C1 (JusNet 2461/2010).
[3] Efectivamente segundo se dispõe no art. 1882º, do CC, os pais não podem renunciar às responsabilidades parentais, nem a qualquer dos direitos ou deveres dali decorrentes.
[4] As responsabilidades parentais são concebidas como um conjunto de faculdades cometidas aos pais, no interesse dos filhos, em ordem a assegurar designadamente o seu sustento, a sua saúde, a sua segurança, a sua educação, a representação da sua pessoa e a administração dos seus bens (cf. arts. 1878º e 2003º, ambos do C.C.).

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c586160d721e48d68025797200567427?OpenDocument&Highlight=0,alimentos

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