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sexta-feira, 30 de março de 2012

FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES -Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 06-03-2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
27/10.4TBMNC.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
OBRIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: 1) É desnecessária a fundamentação das decisões judiciais quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo;
2) Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância, ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido;
3) A obrigação imposta ao FGADM de assegurar as prestações a que se refere a Lei n.º 75/98, de 19/11, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M… veio requerer regulação de responsabilidades parentais do seu filho T…, nascido a 27/12/2004 contra C…, onde entende dever ser regulada para que:
a) À requerida seja atribuída a responsabilidade parental do menor, ficando-lhe entregue aos seus cuidados e guarda;
b) As visitas do requerido ao filho sejam feitas na presença da requerente;
c) Seja o requerido condenado a pagar à requerente mensalmente e a título de pensão de alimentos de seu filho, quantia não inferior a €100,00, devidos desde a proposição da presente regulação de responsabilidades parentais (artigo 2006.º do Código Civil);d) Seja o requerido condenado a pagar à requerente metade do valor que esta já despendeu com o menor, na quantia de €6.550,00.
Realizou-se a conferência a que se refere o artigo 175.º da OTM, tendo-se obtido o acordo, homologado por sentença, que consta a fls. 40, onde se decidiu que:
1. A guarda do menor fica atribuída à mãe, com quem o menor vive desde sempre;
2. As responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta;
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor, passam a caber à mãe;
4. O pai poderá visitar o menor aos sábados, deslocando-se para o efeito a Monção; uma vez que está dependente de transportes públicos, o pai contactará a mãe na sexta-feira anterior, de modo a combinar os horários;
5. No início e enquanto os pais o acharem necessário, as visitas decorrerão na presença de ambos os progenitores;
6. Fixa-se a pensão de alimentos devida ao menor na quantia de €250,00 euros (duzentos e cinquenta euros), a serem depositados na conta da Caixa Geral de Depósitos com o N.I.B…..
Entretanto, a requerente veio informar, através do seu requerimento de fls. 69, estar em dívida a quantia de €2.750,00, relativa a 11 meses de pensão alimentar ao menor, pelo requerido.
Realizou-se a conferência a que se refere a acta de fls. 79 e seg.
Na referida conferência (fls. 79) foi determinado que o pagamento das quantias em dívida que, então, atingiam o valor de €3.500,00 fosse paga em prestações mensais e sucessivas no montante de €50,00, vencendo-se a primeira em 8 de Agosto de 2011 e as seguintes em igual data dos meses subsequentes
Foi ainda considerado na referida conferência que “decorre do relatório de fls. 49 e seguintes que o próprio técnico da Segurança Social sugere que o Fundo de Garantia de Alimentos a Devidos a Menores se substitua ao pai do T… no pagamento das prestações alimentares.
Uma vez que de todos os elementos documentais juntos aos autos se conclui que se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 3º do D. L. nº 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores suporte as prestações alimentares referentes ao menor, fixando-se a pensão em €300,00 (trezentos euros) mensais, devendo o pagamento iniciar-se no próximo mês de Agosto, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do citado diploma.”
*
B) Inconformado com esta decisão, veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação e com efeito suspensivo (fls. 124), não obstante o efeito correcto ser o devolutivo.
C) Nas alegações de recurso do apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Monção, que considera preenchidos todos os pressupostos legais e determina que o FGADM se substitua ao progenitor devedor numa prestação de €300,00 mensais, com o qual salvo o devido respeito, o FGADM não se pode conformar.
2. Com efeito, o mesmo é escasso quanto aos elementos de facto e de direito que o fundamentam, referindo tão-somente basear-se nos elementos documentais juntos aos autos, determinando o seu envio ao FGADM.
3. Não fora os relatórios sociais enviados e o FGADM desconheceria por completo os contornos dos presentes autos. Ainda assim, desconhece qual o valor da prestação fixada ao progenitor.
4. O despacho recorrido recai sobre o mérito da causa, pelo que devia ter sido devidamente fundamentado, de harmonia com os artigos 158.° e 668.° n.º 1 al. b), ambos do Código de Processo Civil.
5. Pelo que se invoca a sua nulidade, por omissão, nos termos do art. 201.° n.º 1, 2.ª parte, do CPC, ou a entender-se que um menor grau de gravidade, a sua anulabilidade.
6. Este é o entendimento da jurisprudência maioritária.
7. Quanto ao teor dos documentos, deve realçar-se que o relatório social de 06/08/2010 referente à progenitora suscita dúvidas, já que esta se encontra registada como desempregada desde 2005 e a prestação de desemprego cessada em Fevereiro de 2006, residindo porém numa urbanização recente, num T1 "novo e com divisões de grandes dimensões", da qual paga renda e condomínio.
8. Tal corresponde a 5 anos de utilização de poupanças e de ajuda paterna (segundo o alegado pela mesma), às quais o tribunal decide agora juntar €300,00 mensais de FGADM.
9. Mais, do relatório feito ao progenitor refere que este alegou que irá em breve adquirir a crédito um veículo automóvel a crédito (fls. 61) e conclui que reúne condições económicas e habitacionais para assumir as responsabilidades parentais, incluindo o pagamento da prestação de alimentos ao menor.
10. Salvo o devido respeito, decorre do despacho recorrido que os progenitores devedores podem incorrer em quaisquer tipo de despesas, excepto a que decorre da sua obrigação inalienável e irrenunciável enquanto pais – a obrigação de alimentos.
11. O devedor trabalhava e recebe presentemente um subsídio de desemprego no valor de €763,20 mensais.
12. O FGADM foi condenado a prestar, não obstante a falta de preenchimento do pressuposto legal para a sua intervenção correspondente à impossibilidade de imposição coerciva da prestação pelas formas previstas no art. 189.° da OTM.
13. Face a eventuais dificuldades do devedor (inexistentes para a aquisição e manutenção de uma viatura automóvel) poderia haver lugar à redução da prestação, tendo em conta que o direito a alimentos é irrenunciável, nos termos dos artigos 2004.° e 2008.° do CC.
14. O limite mínimo de impenhorabilidade do art. 824.° n.º 2 do CPC só se aplica quando o crédito exequendo não seja de alimentos.
15. As faculdades previstas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 824.° do CPC não foram utilizadas.
16. Assim sendo, o FGADM não pode substituir-se ao devedor enquanto este apresentar rendimentos penhoráveis, independentemente da sua natureza.
17. Sem prescindir, o FGADM contesta a quantia que lhe foi fixada, de €300,00 mensais, quer devido acima referido quanto a ambos os progenitores, quer porque, salvo lapso, o valor que lhe foi fixado é superior ao do progenitor.
18. Nos termos da Lei n.º 75/98, e do DL n.º 164/99, o Estado, ao substituir-se ao devedor incumpridor através do Fundo, fica sub-rogado nos seus direitos, "com vista à garantia do respectivo reembolso" (arts. 6.°, n.º 3 da L. 75/98 e 5.° n.ºs 1 e 2, do D.L. 164/99).
19. Assim sendo, a prestação do FGADM não deverá exceder a fixada ao obrigado. "( ... ) de outro modo, o Fundo (... ) seria mero pagador de prestação social não reembolsável", porquanto não poderia "exercer, pelo menos na plenitude, o direito à sub-rogação." (Ac. TR Coimbra, proc. n.o 419/06, de 06/06/2006, in www.dgsi.pt; Ac.TRLisboa.proc.n.03278/06-7, de 19/05/2006).
20. Não se vislumbra como harmonizar entendimento diverso com o preceito legal que determina a manutenção da obrigação principal, de valor mais reduzido, com o exercício do direito ao reembolso (art. 7.° do D.L. 164/99).
21. Face ao que se entende que o douto despacho recorrido não cumpriu o disposto nos artigos 201.° n.º 1, 2.ª parte, do CPC, quanto à fundamentação; 1.° da Lei n.º 75/98, de 19/11 e 2.° n.º 2, e 3.°, n.º 1, al. a), do DL n.º 164/99, de 13/05; 2004.° e 2008.° do CC e 824.° do CPC quanto à imposição coerciva da prestação; 6.° n.º 3, da L. 75/98 e 5.°, n.ºs 1 e 2 do D.L. 164/99 da Lei n.º 75/98, de 19/11 e do DL n.º 164/99 de 13/05, quanto ao valor da prestação fixada ao FGADM.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente:
a) Ser declarada a nulidade ou, em assim não se entendendo, a anulabilidade do douto despacho recorrido;
b) Proferindo-se nova decisão na qual se exima o FGADM de prestar alimentos nos presentes autos por falta do preenchimento do pressuposto legal previsto no artigo 1.° da Lei n.° 75/98, de 19/11 e nos artigos 2.° n.º 2 e 3.° n.º 1, al. a) do DL n.º 164/99, de 13/05 e 824.° CPC;
c) Sem prescindir, se assim não se entender, proferindo-se nova decisão que reduza a prestação do FGADM para valor nunca superior à que o devedor foi condenado, cujo valor se desconhece.
*
A apelada M… apresentou contra-alegações onde entende que deve o despacho/sentença ora recorrido manter-se nos mesmos termos, ou seja, ser o Fundo obrigado a suportar a prestação de alimentos ao menor T… no montante de 300,00 euros.
*
C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir neste recurso são as de saber:
1) Se a decisão recorrida é nula ou anulável;
2) Em que condições é lícita a junção de documentos com as alegações de recurso;
3) Qual a natureza da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660.º n.º 2, 684.º n.º 2 e 3 e 690.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).
B) Consideram-se provados os seguintes factos:
1) O menor T…, nascido a … é filho de M… e de C….
2) Foi proferida decisão homologatória de acordo de regulação de exercício das responsabilidades parentais, em 16/04/2010, pela qual ficou decidido que:
a) A guarda do menor fica atribuída à mãe, com quem o menor vive desde sempre;
b) As responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo no caso de urgência manifesta;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor, passam a caber à mãe;
d) O pai poderá visitar o menor aos sábados, deslocando-se para o efeito a Monção; uma vez que está dependente de transportes públicos, o pai contactará a mãe na sexta-feira anterior, de modo a combinar os horários;
e) No início e enquanto os pais o acharem necessário, as visitas decorrerão na presença de ambos os progenitores;
f) Fixa-se a pensão de alimentos devidas ao menor na quantia de €250,00 euros, a serem depositados na conta da Caixa Geral de Depósitos com o NIB….
3) O requerido nunca pagou qualquer importância da pensão de alimentos a que está obrigado.
4) A requerente reside num apartamento tipo T1, com boas condições, está desempregada, não tem rendimentos e recebe €52,42 de abono do menor, sendo apoiada monetariamente pelo seu pai.
5) A requerente tem como despesas mensais, mais significativas, €259,00 de renda e condomínio, €25,00 de electricidade, €6,00 de água e €200,00 com o sustento do seu filho (consultas, medicamentos, alimentação, calçado e vestuário).
6) O agregado familiar do requerido C… é composto pela sua esposa, Ma…, de 39 anos, empregada, pelo filho de ambos D…, de 12 anos, estudante e pela sogra Mar…, de 70 anos, reformada, dona da habitação.
7) O agregado auferia, em 04/11/2010, rendimentos do trabalho no montante de €930,19 (€640,00 do trabalho do requerido e €290,19 do trabalho da sua esposa) e tinha despesas no montante de €514,00, a que acresce a quantia de €290,00 de livros e materiais escolares do menor D….
8) Desde Março de 2011 que o requerido se encontra desempregado, recebendo subsídio de desemprego (fls. 76).
9) Por ocasião da conferência realizada em 05/07/2011 (fls. 79 e seg.), encontrava-se em dívida, de prestações não pagas pelo requerido, à requerente, relativas ao menor T…, a quantia de €3.500,00, tendo sido determinado que o requerido procedesse ao pagamento em prestações mensais e sucessivas, no montante unitário de €50,00, vencendo-se a primeira prestação em 08/08/2011 e as seguintes em igual data dos meses subsequentes.
10) Na mesma conferência referida foi decidido que “decorre do relatório de fls. 49 e seguintes que o próprio técnico da Segurança Social sugere que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se substitua ao pai do T… no pagamento das prestações alimentares. Uma vez que de todos os elementos documentais juntos aos autos se conclui que se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 3º do D. L. nº 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores suporte as prestações alimentares referentes ao menor, fixando-se a pensão em €300,00 (trezentos euros) mensais, devendo o pagamento iniciar-se no próximo mês de Agosto, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do citado diploma.”
*
C) Apreciando.
O apelante veio invocar a nulidade do despacho que considera preenchidos todos os pressupostos legais e determina que o FGADM se substitua ao progenitor devedor numa prestação de €300,00 mensais, entendendo que o mesmo deveria ser devidamente fundamentado, pretendendo certamente dizer que tal despacho se acha insuficientemente fundamentado.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 158.º do Código de Processo Civil,
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.”
Trata-se aqui de uma consequência do princípio plasmado no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Destas duas normas resulta, desde logo, que é desnecessária a fundamentação das decisões judiciais em três situações: quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo.
Daqui resulta que as demais situações devem ser fundamentadas.
Na situação dos autos, afigura-se-nos que não existe pedido controvertido, dado que as partes – requerente e requerido – estão de acordo quanto ao “pedido”, no caso, estão de acordo na forma de pagamento por este àquela das prestações em dívida, pelo que, em termos meramente formais, esta é uma das situações excepcionadas no artigo 158.º do Código de Processo Civil.
Saber se, no caso, a decisão se justificava é outra questão que se apreciará abaixo.
Não há, assim, qualquer nulidade (ou anulabilidade), na decisão em questão que, assim, improcede.
Refere ainda o apelante que o despacho decidiu em função do relatório social de fls. 49 e segs., que é de 06/08/2010 e quanto ao mesmo, não pode o FGADM deixar de se questionar quanto ao facto de a progenitora do menor se encontrar desempregada e sem rendimentos mas residir numa zona recentemente urbanizada, num T1 "novo e com divisões de grandes dimensões", da qual paga renda e condomínio.
E, por outro lado, veio o apelante juntar quatro documentos, neste recurso, com base nos quais tece diversas considerações.
A propósito da junção de documentos, nos tribunais superiores, estabelece o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º”.
A este propósito refere o Dr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, em anotação ao referido artigo que “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância (art. 524.º)…
Podem ainda ser juntos documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (art. 693.º-B).
Mas a reforma do regime dos recursos ampliou as possibilidades de instrução documental dos recursos a que se reportam as alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º, sendo agora possível, por exemplo, instruir o recurso ou as contra-alegações com documentos destinados a reapreciar a questão da competência absoluta ou relativa, a justificar por que razão determinado meio de prova deve ser admitido ou a contrariar os fundamentos de facto que levaram o juiz a quo a conceder ou a rejeitar a providência cautelar…”
Assim, tendo em conta o disposto nos artigos 693.º-B e 691.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, é admissível a junção de documentos.
Quanto às considerações tecidas sobre o facto de a requerente se encontrar desempregada e viver num T1 do qual paga renda e condomínio, conforme resulta da matéria de facto provada, “a requerente reside num apartamento tipo T1, com boas condições, está desempregada, não tem rendimentos e recebe €52,42 de abono do menor, sendo apoiada monetariamente pelo seu pai….” e, no que se refere às considerações sobre o requerido, resultou provado que “o agregado auferia, em 04/11/2010, rendimentos do trabalho no montante de €930,19 e tinha despesas no montante de €514,00, a que acresce a quantia de €290,00 de livros e materiais escolares do menor D…” e “desde Março de 2011 que o requerido se encontra desempregado, recebendo subsídio de desemprego (fls. 76).
Refere ainda o apelante que o requerido recebe um subsídio de desemprego de €763,20 mensais.
Trata-se de um facto que foi trazido com as alegações de recurso, através do documento junto a fls. 92, que não foi considerado na decisão proferida na 1.ª instância, sendo certo que nas contra-alegações foi igualmente junto outro documento onde se refere que o montante recebido pelo requerido é no montante de €419,10.
Trata-se, assim, de um facto controvertido, que deverá ser apurado pela 1.ª instância.
É certo que no tribunal a quo e através da consulta da Base de Dados da Segurança Social (fls. 76), foi apurado que o requerido recebe subsídio de desemprego, mas não se cuidou de apurar, como se devia, qual o montante que recebe, a esse título.
Refere ainda o apelante que o douto despacho recorrido condenou o FGADM a prestar, não obstante a falta de preenchimento do pressuposto legal para a sua intervenção constante do artigo 1.° da Lei n.º 75/98, de 19/11 e dos artigos 2.° n.º 2 e 3.° n.º 1, al. a), do DL n.º 164/99, de 13/05: a impossibilidade de imposição coerciva da prestação pelas formas previstas no art. 189.° da OTM.
E que dizer quanto a esta situação?
O artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11 estabelece que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
Por outro lado, “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC” – artigo 2.º n.º 1.
O artigo 3.º do mesmo diploma estatui que “compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar (n.º 1).
Se for considerada justificada e urgente a pretensão pode o juiz proferir decisão provisória (n.º 2).
A referida Lei veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05 e, no seu artigo 2.º estabeleceu que:
“1 - É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.”
Por outro lado, conforme se estabelece no artigo 3.º, “o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”
Por força do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do mesmo diploma, “o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.”
Importa dizer que não se justificava, sem mais, o aumento da prestação a pagar pelo requerido à requerente de €250,00 (valor que havia sido acordado na conferência de 16/04/2010 – fls. 40 e seguinte) para €300,00, para mais quando nem sequer a requerente o pediu, nem se vê que, face aos elementos disponíveis tal aumento se justificasse, pelo que, à míngua de outros elementos fácticos relevantes, terá de se manter o valor de €250,00.
No que se refere à exigibilidade da prestação por parte do Fundo, importa notar que a mesma é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
Conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 07-04-2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt “a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69.º n.º 1, da Constituição.
É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores».
Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).
Assim sendo, resultando que o obrigado a alimentos recebe subsídio de desemprego, cumpriria, em primeiro lugar, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189.º da OTM, mais propriamente à alínea c) do n.º 2, motivo pelo qual não era lícito proferir a condenação do FGADM, sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11, pelo que a apelação terá de proceder e revogar-se a douta decisão recorrida, que determinou a obrigação de o apelante suportar, desde já, o pagamento da quantia indicada, devendo o tribunal a quo, verificados os respectivos pressupostos legais, determinar o cumprimento do disposto no artigo 189.º da OTM e, apenas, verificada a eventual impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189.º da OTM, avaliar, nos autos de incumprimento, da eventual condenação do FGADM, no cumprimento da obrigação legal respectiva.
*
D) Em conclusão:
1) É desnecessária a fundamentação das decisões judiciais quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo;
2) Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância, ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido;
3) A obrigação imposta ao FGADM de assegurar as prestações a que se refere a Lei n.º 75/98, de 19/11, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
*
III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida, que determinou a obrigação de o apelante suportar, desde já, o pagamento da quantia indicada.
Custas pela apelada.
Notifique.
*
Guimarães, 06/03/2012
António Figueiredo de Almeida
José Manuel Araújo de Barros
Ana Cristina Duarte

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/703d87f1dcad52be802579c8003fd2ef?OpenDocument

segunda-feira, 26 de março de 2012

USURPAÇÃO DE FUNÇÕES ORDEM DOS ADVOGADOS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 28/06/2011


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1146/06.1TAOLH.L1-5
Relator: ANA SEBASTIÃO
Descritores: USURPAÇÃO DE FUNÇÕES
ORDEM DOS ADVOGADOS
DEFERIMENTO TÁCITO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
MATÉRIA DE FACTO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 28-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL

Sumário: Iº O licenciado em Direito que requer à Ordem dos Advogados a sua inscrição como advogado estagiário, não adquire essa qualidade pelo simples decurso do tempo, por deferimento tácito, sendo necessário um acto expresso sobre tal admissão;
IIº Os antecedentes criminais do arguido, constantes do certificado de registo criminal junto aos autos, podem ser levados aos factos provados e tomados em consideração na sentença, mesmo que nenhuma referência seja feita aos mesmos na acusação;
IIIº O art.368, nº2, do CPP, obriga o tribunal a deliberar sobre os factos alegados pela acusação e pela defesa, o que não abrange as conclusões, factos genéricos ou conclusões de direito, em relação às quais não está o tribunal vinculado a qualquer dever de pronúncia;
IVº As normas do Estatuto da Ordem dos Advogados que prevêem a regulamentação do acesso à profissão, prosseguem um interesse de natureza e ordem pública que se sobrepõe a qualquer interesse particular, de estabilidade no emprego, ou direito ao trabalho;
Vº O licenciado em direito que, tendo requerido à Ordem dos Advogados a sua inscrição como advogado estagiário, entrega em tribunal uma contestação por si subscrita, invocando expressamente a qualidade de advogado estagiário, antes que a sua inscrição na Ordem tenha sido confirmada pelo respectivo Conselho Geral, pratica um crime de usurpação de funções;
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
1.
No Processo comum singular n.º 1149/06.1TAOLH.L1, da 2ª Secção do 2.º Juízo Criminal de Lisboa, após julgamento de A... foi proferida Sentença, em 16/12/2009, decidindo, além do mais:
Condenar o arguido o A... pela prática de um crime de usurpação de funções, p.e p. artigo 358º, al. b) do Código Penal, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €8,00, num total de €1.600,00, susceptível de conversão em 133 dias de prisão subsidiária;

2.
O Arguido não se conformou com a decisão, dela apresentou recurso, que motivou com as seguintes conclusões, após aperfeiçoamento:
1. O arguido é licenciado em Direito.
2. Em 03/02/2004, requereu no Conselho Distrital de ... da Ordem dos Advogados a inscrição de advogado.
3. Em 18/03/2004 o Conselho Distrital de ... da Ordem dos Advogados efectuou a inscrição preparatória como advogado estagiário.
4. Em 07/04/2004, aquele Conselho Distrital de ... da Ordem dos Advogados, notificou o arguido dando-lhe conta que as aulas do 1.º Curso de Estágio de 2004 tinham início em 19 de Abril de 2004 e que as mesmas seriam ministradas nas instalações do Conselho Distrital.
5. O arguido obteve aproveitamento em todas as áreas – Deontologia Profissional, Prática Processual Civil e Prática Processual Penal.
6. Por força desse aproveitamento, o arguido passou à 2.ª Fase, ou seja, o segundo período do estágio como dispõe o artigo 28.º do Regulamento Geral de Formação, aprovado em sessão do Conselho Geral de 25 de Julho de 2002 e Publicado no Diário da República, II Série, n.º 250, de 29 de Outubro de 2002.7. A Ordem dos Advogados não entregou, nem durante nem depois do final do primeiro período de estágio, a Cédula Profissional de Advogado Estagiário ao arguido.
8. Em 20/09/2004, o arguido a fim de se identificar junto dos órgãos soberania e entidades competentes (Tribunais, Serviços de finanças, Conservatórias de Registo Predial e Civil, Câmaras Municipais, etc.), solicitou ao Presidente do Conselho Distrital de ... da Ordem, a entrega da Cédula Profissional de Advogado Estagiário

9. Em 09/12/2004, por ofício n.º 3371, o Presidente daquele Conselho Distrital, informou o arguido do seguinte:1 – Na sessão de 18/03/2004 o Conselho Distrital de ... efectuou a inscrição preparatória de V. Exa. como advogado estagiário, como lhe competia.
2 – O processo de inscrição foi de imediato remetido, nos termos legais, para o Conselho Geral, para deliberação da inscrição definitiva.
3 – O processo de inscrição não foi devolvido ao Conselho Distrital de ..., com qualquer deliberação do Conselho Geral
10. Em 18/08/2005, o arguido é notificado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, tendo o Relator subscritor do despacho, em síntese, afirmado:
Resulta claro dos documentos que integram o Processo que no dia 3 de Fevereiro de 2004, data em que o Dr. A... requereu a sua inscrição como advogado estagiário, o Requerente já tinha sido condenado no âmbito do processo n.º 499/99.
· Considerando a génese da matéria em análise interceptada com o disposto na alínea a) do n.º 1 e o n.º 5 do artigo 181.º do E.O.A, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 118.º do E.O.A, remeta-se o Processo para o Conselho de Deontologia territorialmente competente para que, em processo próprio, se proceda à verificação da falta de idoneidade moral do Senhor Dr. A...,
11. Sucede, que, quando em 18/05/2005 o Conselho Geral notificou o ora arguido, dando lhe conta que iria remeter o Processo para o Conselho de Deontologia territorialmente competente para que, em processo próprio, se proceda à verificação da falta de idoneidade moral do arguido, há muito que a sua inscrição como advogado estagiário se encontrava tacitamente deferida.
12. O legislador ao instituir no artigo 162.º, n.º 3 do E.O.A. que os requerimentos para inscrição serão apresentados pelos candidatos até 60 dias antes da data do início de cada curso de estágio, fê-lo, no entendimento que aquele prazo de 60 dias é tempo suficiente para os Órgãos da Ré (Conselhos Distritais e Conselho Geral) apreciarem e decidirem sobre a validade das inscrições.
13. Segundo o princípio da decisão previsto no artigo 9.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, a administração (no caso sub judice a Ordem dos Advogados) tem a obrigação de decidir os assuntos que lhe são submetidos.
14. A lei não deixou, pois, ao critério da Ordem dos Advogados a liberdade de agir ou não agir ou, no caso de querer agir, a escolha do momento adequado para fazer a aprovação das inscrições dos candidatos a advogados estagiários (escolha da oportunidade).
15. A Ordem dos Advogados, não goza, pois, de discricionariedade quanto ao prazo para a aprovação da inscrição, pelo que deve decidir definitivamente (deferindo ou indeferindo) a inscrição no prazo de 60 dias antes da data do início de cada curso de estágio.
16. Da conjugação dos artigos 53.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, ambos do E.O.A. e do artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, que só os advogados e advogados estagiários com a inscrição em vigor e cédula profissional podem praticar actos próprios da profissão.
17 Durante o primeiro período de estágio, o estagiário não pode praticar actos próprios das profissões de advogado ou de solicitador judicial senão em casa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes – artigo 164.º, n.º 1 do EOA/84.
18. Ou seja, durante o primeiro período de estágio, o advogado estagiário pode praticar actos próprios de advogado em casa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.
19. Ora, se só (negrito e sublinhado nosso) pode denominar-se advogado ou advogado estagiário quem estiver inscrito na Ré e com Cédula Profissional e, se os estagiários no primeiro período de estágio, podem praticar actos próprios da profissão de advogados em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, bem demonstrado fica, que, quando se iniciar o primeiro período de estágio de cada curso, a inscrição preparatória do estagiário, já se encontra confirmada pelo Conselho Geral, como dispõe o artigo 42.º, n.º 1 alínea d) do E.O.A.
20. A inscrição apresentada em 03/02/2004, não enferma de qualquer vício de invalidade formal.
21. A comprová-lo, o facto do Conselho Distrital de ... em 18 de Março de 2004, ter aprovado a inscrição preparatória
22. Encontra-se, pois, na sua esfera jurídica, o direito de exercer a profissão de advogado estagiário, mas o exercício desse direito está-lhe vedado antes que intervenha préviamente a administração (Ordem dos Advogados) a autorizá-lo.
23. No caso sub judice, essa autorização consubstancia-se na emissão e entrega da Cédula Profissional de Advogado Estagiário ao ora arguido.
24. Quando o exercício de um direito por um particular depende de autorização de um órgão administrativo considera-se esta concedida, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida no prazo estabelecido por lei” – art.º 108.º, n.º1 do Código do Procedimento Administrativo. (Neste sentido o Tribunal Administrativo de Circulo do Porto, sentença de 4/5/2000 – recurso n.º 621/97, que decidiu: “o n.º 1 do artigo 108 do CPA é aplicável a situações contempladas no n.º 1 do artigo 108.º do CPA, além das elencadas no n.º 3”).
25. A Ordem dos Advogados, através do Conselho Geral (artigo 26.º/1/d) do EOA/84) tinha o dever legal de confirmar ou não a inscrição preparatória nos 60 dias que medeiam entre a data de inscrição e o início do curso, ou seja, até 19 de Abril de 2004, mediante a prática dum acto expresso.
27. Não o fez. A sua conduta passiva ou silenciosa é voluntária, fruto da simples negligencia ou do desleixo, pois teve possibilidade de conduzir-se doutra maneira se quisesse.
28. Decorrido, que está, o prazo fixado por lei – 60 dias antes do início de cada curso – para a Ordem dos Advogados (através do Conselho Geral) confirmar a inscrição preparatória efectuada pelo Conselho Distrital de ..., a lei tira do silêncio a conclusão de que ele significou confirmação.
29. Por conseguinte, quando em 19/04/2004 se iniciou o primeiro período de estágio do 1.º Curso de 2004, sem que a Ordem dos Advogados tenha no prazo legal para a decisão proferido acto expresso de indeferimento, a inscrição do Autor como advogado estagiário efectuada em 03/02/2004, face ao silêncio da Ordem, encontrava-se tacitamente deferida.
30. O acto tácito de deferimento de um pedido de inscrição como advogado estagiário é acto constitutivo de direitos porque só aos admitidos é permitido a frequência do curso, a prestação de provas e só estes tem direito a ser classificados.
31. O acto tácito de deferimento da inscrição do arguido como acto constitutivo de direitos que é, só é revogável com o fundamento em ilegalidade e num prazo que abrange aquele que o Ministério Público dispõe para o recurso contencioso – um ano – artigo 58.º, n.º 2, alínea a) do CPTA e artigo 140.º, n.º 1 alínea b) do CPA.
32. A inscrição do arguido como advogado estagiário é, face ao acto tácito de deferimento, acto administrativo irrevogável e inimpugnável, logo, consolidou-se na ordem jurídica.
33. O acto “tácito” de deferimento é, para todos os efeitos, um acto administrativo correspondente àquele que resultaria de a Administração ter decidido expressamente de forma favorável. Tratando-se de um verdadeiro acto administrativo, o particular pode exigir do órgão requerido e de terceiros (no caso sub judice do Tribunal) o respeito pelo acto “tácito” praticado ou produzido, ou seja, o respeito pelos efeitos jurídicos que decorrem daquele deferimento”
34. O deferimento tácito comporta efeitos substantivos, pelo que o arguido poderia agir como se a sua pretensão tivesse sido efectivamente deferida.
35. Quando em 7 de Fevereiro de 2005 o arguido praticou os factos de que vem acusado, à muito que a sua inscrição na Ordem dos Advogados, como advogado estagiário, se encontrava tacitamente deferida. Concretamente, desde 19/04/2004.
36. O arguido se encontra inscrito na Ordem dos Advogados, como advogado estagiário desde 19/04/2004.
37. Por conseguinte, foram incorrectamente apreciados os factos dados como provados sob os nºs. 4, 5 e 7, ou seja, que o arguido em 7 de Fevereiro de 2005, quando praticou os factos de que vem acusado, não se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados.
38. Há portanto, erro de julgamento, dado que é dado como não provado um facto que, perante a prova documental produzida, deveria ser dado como provado. Dito de outro modo, há erro de julgamento quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei expressa. (neste sentido, Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão de 05/06/2006, Proc. 765/01 in www.dgsi.pt).
39. Nos termos do artigo 712.º, 1 do Código de Processo Civil, deve ser ampliada a matéria de facto, dando-se como provado que, quando em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido praticou os factos de que vem acusado, o mesmo se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados, como advogado estagiário.
40. Na sentença recorrida, consta como “factos provados” os antecedentes criminais do arguido.
41. O Tribunal a quo aquando da escolha da medida da pena levou em consideração os antecedentes criminais do arguido.
42. Os antecedentes criminais, considerados na sentença não constavam da acusação.
43. Os antecedentes criminais, configura alteração não substancial dos factos, pelo que o Exmo. Juiz estava obrigado a comunicar essa alteração ao arguido e a conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
44. Essa consideração de factos desfavoráveis ao arguido ocorreu com desrespeito e fora da previsão do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
45. O modo de proceder na sentença conflitua com a Constituição da Republica e com disposições expressas do Código de Processo Penal. Desde logo, porque foram violadas garantias de defesa do arguido, comprometida a estrutura acusatória do processo e o contraditório, artigo 32.º, nºs 1 e 5 da Constituição.
46. É nula a sentença quando o tribunal, para determinar a medida concreta da pena, levou em consideração os antecedentes criminais do arguido, que não constavam da acusação, sem lhe ter concedido tempo para preparar a sua defesa - artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal. (Neste sentido, Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 27/10/2006 in CJ Tomo IV, pagina 196 e seguintes).
47. O arguido apresentou contestação escrita (fls. 548).
48. Em sua defesa, alegou em síntese o seguinte:
– Quando em 19 de Abril de 2004, o arguido iniciou o primeiro período de estágio do 1.º Curso de 2004, face ao silêncio da Ordem dos Advogados (não proferiu no prazo legal acto expresso de indeferimento, aliás, não proferiu até à presente data qualquer decisão definitiva), a inscrição de advogado estagiário efectuada em 03/02/2004, encontrava-se tacitamente deferida.
– O acto “tácito” de deferimento é, para todos os efeitos, um acto administrativo correspondente àquele que resultaria de a Administração ter decidido expressamente de forma favorável. Tratando-se de um verdadeiro acto administrativo, o requerente, ora arguido, pode exigir do órgão requerido e de terceiros (neste caso do Tribunal) respeito pelo acto “tácito” praticado ou produzido, ou seja, o respeito pelos efeitos jurídicos que decorrem daquele deferimento.
– A inscrição do arguido como advogado estagiário é, face ao acto tácito de deferimento, acto administrativo irrevogável e inimpugnável, logo, consolidou-se na ordem jurídica.
– A inscrição do arguido como advogado estagiário encontra-se tacitamente deferida desde 19 de Abril de 2004.
– A Ordem dos Advogados ao instaurar o processo disciplinar e ao realizar a audiência de julgamento, está implicitamente a reconhecer a inscrição do arguido como advogado estagiário.
– Se o arguido não se encontrasse inscrito na Ordem dos Advogados, está bem de ver, que esta não tinha sobre o mesmo jurisdição disciplinar.
– Quando em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido praticou os factos de que vem acusado, há muito que a sua inscrição como advogado estagiário se encontrava tacitamente deferida, concretamente, desde 19 de Abril de 2004.
– Por outro lado, sendo o direito à inscrição na Ordem um acto constitutivo de direitos, mesmo que a Ordem dos Advogados viesse agora decorridos que estão mais de 4 (quatro) anos sobre a data de inscrição indeferir a pretensão formulada, a mesmo só poderia ser revogada com fundamento em ilegalidade, ilegalidade que não existe como comprova o facto do Conselho Distrital de ... ter aprovado a inscrição preparatoriamente em 18/03/2004 – artigo 140.º, n.º 1 alínea b) do Código de Procedimento Administrativo.
– As normas que suportam as decisões da Ordem dos Advogados, nomeadamente, as constantes na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e a prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, são: nula a primeira, inconstitucional a segunda.
– A alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição – é nula por violar o artigo 165.º, n.º 1 alínea b) da CRP (matéria de exclusiva competência da Assembleia da Republica).
– A alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados – é inconstitucional, pois, ofende vários preceitos, nomeadamente, o artigo 165.º, n.º 1 alínea b) da CRP.
- O Governo não tinha autorização da Assembleia da Republica para legislar sobre matéria de direitos, liberdades e garantias.
- Se a Ordem dos Advogados ao instaurar o processo disciplinar ao arguido e ao realizar a audiência de julgamento, estava ou não a reconhecer a inscrição do arguido como advogado estagiário. Pois,– Se o arguido não se encontrasse inscrito na Ordem dos Advogados, esta teria sobre o arguido poder de jurisdição disciplinar.
49. O Tribunal a quo não deu como provados os factos atrás descritos e alegados pelo arguido na contestação apresentada a fls. 548.
50. Mas, o certo, é que o tribunal a quo também não deu tais factos como não provados.
51. Na sentença, sob o epigrafo “Factos não Provados” o tribunal a quo, limita-se a dizer: “Nenhuns com interesse para a causa”
52. A contestação é a peça onde o arguido responde à acusação, quando chamado a defender-se em processo criminal.
53. Trata-se, por conseguinte, de uma peça fundamental destinada a assegurar o princípio do contraditório, expressamente consagrado no art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República.
54. Para dar corpo aos parâmetros definidos na Lei e assegurar todas as garantias de defesa no processo criminal (art.º 32.º da CRP), os arguidos têm ao seu alcance os instrumentos processuais necessários para poderem contrariar a posição acusatória do M.P.
55. Nesses instrumentos inserem-se o direito à apresentação da contestação, a enumeração na sentença dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (arts. 315.º e 374.º, n.º2 do Código de Processo Penal).
56. Essa indicação é hoje obrigatória, como obrigatória é também a enumeração dos factos provados e não provados.
57. Efectivamente, no art.º 379.º, al. a), do Código de Processo Penal, comina-se de nula a sentença que não contenha as menções referidas no art.º 374.º, n.º2. Estará, por conseguinte, ferida de nulidade a sentença criminal onde faltar a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
58 A bem das garantias de defesa do arguido, na fundamentação da sentença recorrida deveriam constar os factos provados e não provados que foram alegados nessa peça processual (contestação).
59. Na fundamentação da sentença recorrida, a enumeração dos factos provados circunscreve-se praticamente à matéria factual da acusação. No interesse da defesa, ficou provado tão-somente que o arguido é licenciado em direito, que frequentou a primeira fase de estágio imposta pela Ordem dos Advogados e que esta efectuou a inscrição preparatória do arguido como advogado estagiário em 18.03.2004.
60. A sentença recorrida omitiu, assim, na enumeração dos factos provados e não provados, parte essencial da matéria alegada pela defesa do arguido com potencialidades para influir na decisão da causa.
61. O tribunal singular ignorou quase por completo, na fundamentação, a matéria invocada na contestação escrita. Nestas circunstâncias, o arguido foi seriamente afectado nas garantias da sua defesa. E, assim, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 32.º, nºs 1 e 5 da CRP, 97.º, n.º4, 374.º, n.º 2 do CPP, e 2.º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 43/86.
62. A sentença recorrida não deu cumprimento ao comando do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, pois não enumerou os factos não provados.
63. Enumerar, para efeito do acima citado artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não é dizer “Nenhuns com interesse para a causa”, mas sim indicar, concretamente aquilo que não ficou provado.
64. É nula a sentença onde falte a enumeração dos factos alegados pela defesa, provados e não provados contidos na contestação e nula é também a sentença onde falte a indicação dos meios de prova, igualmente alegados pela defesa, que serviram para formar a convicção do tribunal – art.º 379.º, al. a) do CPP.
65. Os direitos, liberdades e garantias fundamentais só podem ser restringidos por lei nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º, n.º 2 da CRP).
66. No que toca ao direito à liberdade de escolha de profissão, a Constituição admite que o mesmo possa sofrer de restrições desde que estas sejam impostas pelo interesse colectivo ou desde que sejam inerentes à própria capacidade do trabalhador (vide segunda parte do n.º 1 do art.º 47.º da CRP.
67. Porém, que as restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais estão sujeitas a reserva de lei restrita, uma vez que a competência para legislar sobre tais matérias cabe exclusivamente à da Assembleia da República, embora possa conferir autorização ao Governo para tal (art.º 165.º, n.º 1, al. b), da CRP).
68. Garante-se assim que os direitos, liberdades e garantias não fiquem à disposição do poder regulamentar da administração e que o seu regime haja ser definido pelo próprio órgão representativo, e não pelo Governo (salvo autorização) e, muito menos, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais, ou por entidades públicas dotadas de poder de auto-regulação”.
69. As restrições têm de ser legais, não podem ser instituídas por via regulamentaria ou por acto administrativo.
70. É por demais evidente que o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados estagiários, aprovado em sessão do Conselho Geral de 7 de Julho de 1989, não pode estabelecer restrições ao direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dupla faceta de liberdade de escolha e de liberdade de exercício.
71. Conclui-se pela nulidade do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado em Sessão do Conselho Geral em 7/7/1989, por o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não ter competência para legislar na matéria em questão. (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2007, Processo n.º 06S1541 in http://www.dgsi.pt.)
72. As restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais estão sujeitas a reserva de lei restrita, uma vez que a competência para legislar sobre tais matérias cabe exclusivamente à da Assembleia da República, embora possa conferir autorização ao Governo para tal (art.º 165.º, n.º 1, al. b), da CRP).
73. Assim sendo, a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, na medida que versa sobre matéria de direitos, liberdade e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos advogados - não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso), situa-se na área de reserva parlamentar, prevista no artigo 165.º, n.º 1 alínea b) da CRP.
74. Tratando a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84 de matéria que se insere no campo da competência reservada da Assembleia da Republica, tal norma só poderia ser editada pelo Governo ao abrigo de uma autorização legislativa válida.
75. A autorização legislativa foi concedida ao Governo pela Lei n.º 1/84, de 15 de Fevereiro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março – aprovado e promulgado, respectivamente em 21 de Fevereiro e 9 de Março.
76. Da leitura dos 3 (três) artigos e das 6 (seis) alíneas que compõe a autorização legislativa Lei n.º 1/84, de 15 de Fevereiro, não se vislumbra um só parágrafo em que a Assembleia da República tenha autorizado o Governo a legislar sobre matéria de direitos, liberdades e garantias.
77. O Governo, ao editar no Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de Março, o artigo 156.º, n.º 1 alínea a), que versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos Advogados – não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em especial tenham sido condenados por qualquer crime desonroso), excedeu a autorização legislativa de que estava munido.
78. Os decretos-leis autorizados que não respeitem a lei de autorização, são inconstitucionais, pois que, tratando-se de matéria da competência legislativa da AR, só é lícito ao Governo legislar sobre ele nos precisos termos da autorização. A desconformidade com a lei de autorização implica directamente uma ofensa à competência da AR e, logo uma inconstitucionalidade orgânica”.
79. É organicamente inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de Março, pois versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva de competência legislativa da Assembleia da Republica (artigo 165.º, n.º 1 alínea b), da Constituição), e emitida pelo Governo sem para tal estar validamente autorizado.
80. A decisão do Conselho Geral, que ordenou a remessa do Processo de Inscrição para o Conselho de Deontologia de ... (para que se procedesse à averiguação da falta de idoneidade moral do arguido), não resulta de factos praticados pelo arguido no exercício da actividade profissional de advogado, mas sim uma consequência automática de outra pena, que a Ordem se limita a «executar»
81. A suspensão é automática, não depende de nenhum juízo sobre a necessidade no contexto de cada caso concreto (responsabilidade imputada ao candidato, gravidade da falta, etc.).
82. Daí, se da aplicação da pena resultasse, como efeito automático, o impedimento do arguido se inscrever na Ordem dos Advogados e, consequentemente, de exercer a profissão, estaríamos perante uma restrição à liberdade de escolher e exercer a profissão que o artigo 47.º, n.º 1 da CRP não admite, por via administrativa.
83. Por conseguinte, é por demais evidente que, a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, quer a alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não podem estabelecer restrições ao direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dupla faceta de liberdade de escolha e de liberdade de exercício.
84. Impõe-se concluir pela inconstitucionalidade do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violarem o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º n.º 1 da CRP.
85. O artigo 30.º, n.º 4 da CRP, proíbe “que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana. (Acórdão n.º 284/89 (publicado em ATC, Vol. 13º, tomo II, págs. 859 e segs.),86. As normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Dec. -Lei n.º 84/84, de 16 de Março e alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral em sessão de 7 de Julho de 1989, são assim inconstitucionais, por violarem o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da CRP.

Pelo exposto,

Deve nos termos do disposto no artigo 712.º, 1 do Código de Processo Civil, ser ampliada a matéria de facto, dando-se como provado que, quando em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido praticou os factos de que vem acusado, o mesmo se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados, como advogado estagiário, com a consequente absolvição do arguido.

Quando assim se não entenda,

Deve a decisão recorrida ser substituída por uma outra que determine a nulidade da sentença, por quanto, o tribunal a quo para determinar a medida concreta da pena, levou em consideração os antecedentes criminais do arguido, que não constavam da acusação, sem lhe ter concedido tempo para preparar a sua defesa - artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.

Quando assim não se entenda,

Deve a decisão recorrida ser substituída por uma outra que determine a nulidade da sentença, por falta de enumeração dos factos alegados pelo arguido, provados e não provados na contestação.

Quando assim se não entenda,

Deve declarar-se nulo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado em Sessão do Conselho Geral em 7/7/1989, por o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não ter competência para legislar sobre matéria da Assembleia da República, concretamente, sobre direitos, liberdades e garantias.
Deve ainda declarar-se organicamente inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de Março, pois versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva de competência legislativa da Assembleia da Republica (artigo 165.º, n.º 1 alínea b), da Constituição), e emitida pelo Governo sem para tal estar validamente autorizado Quando assim se não entenda,
Deve declarar-se inconstitucionais as normas ínsitas na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e na alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, dado que não podem estabelecer restrições ao direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dupla faceta de liberdade de escolha e de liberdade de exercício, por violarem o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º n.º 1 da CRP.
Quando assim se não entenda,
Deve declarar-se inconstitucionais as normas ínsitas na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e na alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, dado que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, por violarem o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da CRP.
Caso assim não se entenda,
Deve a pena ser especialmente atenuada, quer no que diz respeito aos dias de multa, quer à taxa diária aplicada, por as mesmas serem desproporcionadas face à conjuntura que os factos ocorreram e à situação económica do arguido.

3.
O Ministério Público respondeu defendendo que deverá ser rejeitado o recurso interposto pelo Arguido/Recorrente A..., com a consequente confirmação, na íntegra, da douta sentença proferida.
4.
O recurso foi regularmente admitido.

5.
Nesta Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

6.
Foi cumprido o art.º 417.º, n.º 2, do CPP., sem resposta.

7.
Colhidos os vistos realizou-se a conferência.

II.
A decisão recorrida é do seguinte teor:

II - Fundamentação
2.1) Factos Provados
Discutida a causa declara-se provada a seguinte factualidade
1. Em 7 de Fevereiro de 2005, o arguido entregou no Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, a fim de ser junto aos Autos de Acção Especial Cumprimento de Obrigação Pecuniária, que correu termos no 7 ° Juízo daquele Tribunal uma contestação (cuja certidão consta de fls. 8 a 14 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida).
2. Juntamente com aquela contestação foi junta a procuração (cuja certidão consta de fls 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida) na qual o representante legal da firma “C… Ldª” constitui o arguido na qualidade de advogado estagiário, seu mandatário judicial.
3. Deste modo, arrogando-se expressamente a qualidade de advogado estagiário o arguido exerceu o mandato forense, subscrevendo a contestação acima referida em nome e representação da firma “C…, Ldª.".
4. Acontece que o arguido não se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados, à data em que exerceu as funções de mandatário Judicial.
5. Até porque, em 3 de Fevereiro de 2004, o arguido tinha requerido à Ordem dos Advogados a sua inscrição como advogado estagiário, mas a sua inscrição não tinha sido confirmada pelo respectivo Conselho Geral (conforme certidão de fls 445 a 458 que aqui se dá por integralmente reproduzida).
6. O exercício da advocacia em território nacional está dependente da inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, a qual tem de ser aprovada pelo respectivo Conselho Geral.
7. O arguido não se encontrava legalmente habilitado a exercer a advocacia porque não lhe tinha sido atribuído o respectivo título profissional de advogado estagiário, não podia intitular-se como tal, e, do mesmo modo, não podia exercer o mandato forense, tal como era do seu conhecimento.
8. O arguido agiu sempre com vontade livremente determinada, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que:
9. O arguido é licenciado em direito e continua a exercer funções como advogado em ….
10. Vive com o filho e a sua mulher que exerce actividade profissional remunerada.
11. Percebe na sua actividade jurídica rendimentos incertos cujo valor mensal oscila entre os €150,00 e os €400,00.
12. O arguido frequentou a primeira fase de estágio imposta pela Ordem dos Advogados tendo frequentado os módulos de deontologia profissional, prática processual penal e cível.
13. Após o término da primeira fase do estágio o Conselho Distrital de ... da Ordem dos Advogados efectuou a inscrição preparatória do arguido como advogado estagiário em 18.03.2004. 14. Ao arguido não foi entregue a cédula profissional de Advogado Estagiário, nem de Advogado, facto que se mantém na presente data.
15. Após o seu pedido de inscrição foi aberta pela Ordem dos Advogados um processo para avaliação da idoneidade para a inscrição e exercício da função de Advogado pelo arguido que ainda não se encontra concluído.
16. Desde a data de abertura do processo até ao corrente já decorreram cerca de 4 anos.
17. Do certificado de registo criminal do arguido mostram-se averbadas as seguintes condenações:
a) Pela prática em 11.05.1999 e 07.05.1999, dos crimes de injuria agravada, difamação agravada e falsificação de documento por decisão de 21.11.2002, devidamente transitada em julgado em 12.01.2006, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos sob condição de pagamento aos lesados no prazo de um ano do montante conjurado de €7.500,00.
b) Pela prática em 23.06.1997 de um crime de denuncia caluniosa por decisão de 02.05.2006, devidamente transitada em julgado em 19.05.2006, na pena de 15 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses sob condição de pagamento no prazo de um ano à da quantia indemnizatória arbitrada pelo tribunal.
*
2.2) Factos não Provados
Nenhuns com interesse para a causa
*
2.3) Motivação de facto:
O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base nas declarações do arguido documentação junta aos autos e depoimentos das testemunhas por este arroladas nos seguintes termos:
O arguido prestou declarações sobre a sua situação pessoal e profissional relatou ao tribunal todo processo que o opõe à Ordem dos Advogados, o seu processo de inscrição frequência do curso de estágio na primeira fase a sua inscrição provisória que nunca passou desse estádio nunca lhe tendo sido atribuída a respectiva cédula profissional, facto que lhe tem trazido imensos prejuízos por lhe coarctar a possibilidade de exercício da profissão que entende de livre acesso não concebendo porque volvidos 4 anos ainda não existe decisão definitiva sobre o seu processo, entendendo que uma vez que preencheu todos os requisitos legais exigidos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e respectivo regulamento de inscrição na altura dos factos dever-lhe-ia ser atribuída a respectiva cédula, facto que até já deveria ter ocorrido por via da formação de acto de deferimento tácito.
Das testemunhas arroladas pelo arguido (anteriores e actual Bastonário da Ordem dos Advogados, excluindo as que o arguido prescindiu a sua audição), apenas revelaram conhecimento da situação e falaram sobre o conturbado processo de inscrição do arguido, o ex Bastonário da Ordem dos Advogados Drº T1… e o Drº T2… (Vice Presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados entre 2005 e final de 2007 com pelouro das inscrições mas havia uma delegação dessa competência devido ao critério de proximidade nas delegações da Ordem, neste caso em ...).
O primeiro referiu que tomou posse como Bastonário em 2005 tendo recebido uma carta do arguido na qual aquele lhe alertava para o facto de estar a aguardar há cerca de um ano pela sua inscrição no Conselho Distrital de ... da Ordem dos Advogados, ficando então de se inteirar porque motivo a inscrição preparatória ainda se encontrava a aguardar decisão definitiva.
A questão da inscrição preparatória e sua aceitação em definitiva foi entregue ao Dr L… na altura com tal pelouro (ao tempo do Bastonário Drº J…) que delegou no colega da delegação de ... o Drº CS…, o qual veio por motivos pessoais a pedir dispensa do processo que acabou ser redistribuído ao Drº T2….
Após a primeira fase do estágio que ocorre em 2004 transita-se para 2005 e ainda não havia decisão sobre a inscrição definitiva tendo então o Drº T2… suscitado a questão da falta de idoneidade moral do arguido para o exercício da Advocacia, ou seja para a sua inscrição como Advogado, facto que deu origem a um processo no Conselho Deontológico de ..., segundo tinha em mente na origem do processo estavam processos crime em que o arguido foi julgado e condenado, tendo uma das condenações sido confirmadas pela Relação de Évora.
Esclareceu que sem inscrição definitiva a inscrição provisória não tem eficácia e quando o Conselho de ... admite o arguido para frequência de aulas na Ordem, a inscrição não lhe atribui a faculdade de obter logo a inscrição definitiva.
Mais referiu que a avaliação da idoneidade moral para o exercício da função tanto pode surgir no processo de inscrição como em processo disciplinar de avaliação posterior quanto aos Advogados já inscritos e em exercício de funções e que segundo o seu entendimento o facto de não existir transito em julgado de decisão condenatória não obsta a que se avalie a questão da idoneidade do candidato.
O Drº T2… confirmou as circunstâncias em que lhe foi distribuído o processo do arguido, o conjunto de incidentes que ocorreram o facto de a sua inscrição ser preparatória e não existir inscrição definitiva, a suspensão do processo de inscrição preparatória aguardando o desfecho do processo de idoneidade moral para o exercício da função.
Soube à posteriori que o Conselho Geral se decidiu pela inidoneidade moral do candidato e que houve recurso do arguido a essa decisão.
Reiterou igualmente entendimento que o processo de averiguação da idoneidade para o exercício da função pode ser suscitado a Advogados em exercício de função bem como a candidatos à profissão e neste caso nunca foi atribuída ao arguido qualquer cédula de Advogado estagiário, trata-se de um processo que não é disciplinar, as que também se aplica aos candidatos ao exercício da Advocacia e que por facilitismo é possível ocorrer a frequência da fase inicial do estágio sem que a questão da idoneidade estar apreciada.
Ao nível documental o tribunal analisou ainda com pertinência para a decisão da causa a seguinte documentação (documentação junta pelo arguido logo em sede de primeiro interrogatório e pela acusação publica):
Certidão de Fls. 5 a 25 - correspondente à acção cível onde o arguido exerceu mandato forense e informação da Ordem dos Advogados transmitida naqueles autos)
Certidão dos autos de Recurso para o Tribunal Constitucional n.º 339/07 – fls. 141 a 420 dos autos
Certidão de processo de inscrição na Ordem dos Advogados fls. 445 a 458 dos autos
Fls. 57 a 121, providencia cautelar do Trib. Administrativo de L…, declaração do Conselho Distrital de ..., cartas do arguido dirigidas ao Conselho e respectivas respostas (estas ultimas de fls. 80 a 83).
Fls. 112, decisão do Trib. Administrativo de L… a providencia cautelar intentada pelo arguido.
Fls. 132, resposta do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados datada de 27/02/2007.
Fls. 306, decisão do Trib. Administrativo de L… (contrária à de fls. 112).
Fls. 368, decisão do Trib. Central Administrativo do Sul.
Fls. 416, Decisão do S.T.A sobre o recurso interposto da decisão do TCA do Sul que confirmou a decisão do Trib. Administrativo de L… de fls. 306.
Fls. 444, informação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de que o processo de inodeidade moral com o n.º ../D/05 do Conselho Distrital de ... foi julgado 13/03/2007 e que está em recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados com o n.º …/2007-CS/R.
Fls. 445 a 458, certidão de decisão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados datada de 4 de Julho de 2005.
Resulta de todos os dados acima colididos que o arguido encontrava-se efectivamente a exercer funções de advogado aquando dos factos narrados na acusação sem estar possuidor de cédula profissional que lho permitisse.
*
….
III.
APRECIANDO.
O recurso é um meio processual que visa provocar uma reapreciação de uma decisão judicial de forma a corrigi-la de imperfeições, que pela sua importância não consentem uma forma de remédio menos solene (cfr., Simões Santos e Leal Henriques, In Recursos em Processo Penal - 2a. Edição - Rei dos Livros, pág. 19).
O objecto do recurso delimita-se pelas conclusões que o recorrente extrai das alegações, nos termos dos artigos 403.º e 412.º-1, CPP, e como é jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores (veja-se, entre outros meramente a titulo de exemplo, o Ac. da RL 22/09/2005, disponível em www.dgsi.pt).

No presente recurso, o Recorrente põe em causa
A matéria de facto.
O Arguido invoca a existência de erro de julgamento por errada avaliação das provas, as quais, em seu entender, devidamente avaliadas, impõem que seja considerado como provado que, quando, em 7 de Fevereiro de 2005, praticou os factos de que vem acusado, já se encontrava inscrito na Ordem dos Advogados, por se ter formado acto tácito de deferimento da inscrição definitiva como Advogado Estagiário (conclusões 1.ª a 45.ª).
Porque a Ordem dos Advogados, através do Conselho Geral (artigo 26.º/1/d) do EOA/84) tinha o dever legal de confirmar ou não a inscrição preparatória - ponto 13 da matéria de facto provada - nos 60 dias que medeiam entre a data de inscrição e o início do curso, ou seja, até 19 de Abril de 2004, mediante a prática dum acto expresso. Decorrido esse prazo fixado por lei – 60 dias antes do início de cada curso – para a Ordem dos Advogados (através do Conselho Geral) confirmar a inscrição preparatória efectuada pelo Conselho Distrital de ..., a lei tira do silêncio a conclusão de que ele significou confirmação.
Por conseguinte, quando em 19/04/2004 se iniciou o primeiro período de estágio do 1.º Curso de 2004, sem que a Ordem dos Advogados tenha no prazo legal para a decisão proferido acto expresso de indeferimento, a inscrição do Autor como Advogado Estagiário efectuada em 03/02/2004, face ao silêncio da Ordem, encontrava-se tacitamente deferida.

Dispõe o art.º 108.º do Código do Procedimento Administrativo:
“ 1. Quando a prática de um acto administrativo ou o exercício de um direito por um particular dependam de aprovação ou autorização de um órgão administrativo, consideram-se estas concedidas, salvo disposição em contrário, se a decisão não for proferida na prazo estabelecido por lei.
2. Quando a lei não fixar prazo especial, o prazo de produção do deferimento tácito será de 90 dias a contar da formulação do pedido ou da apresentação do processo para esse efeito.
3. Para os efeitos do disposto neste artigo, consideram-se dependentes de aprovação ou autorização de órgão administrativo, para além daqueles relativamente aos quais leis especiais prevejam o deferimento tácito, os casos de:
a) Licenciamento de obras particulares;
b) Alvarás de loteamento;
c) Autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros;
d) Autorizações de investimento estrangeiro;
e) Autorização para laboração contínua;
f) Autorização de trabalho por turnos;
g) Acumulação de funções públicas e privadas.
4. Para o cômputo dos prazos previstos nos n.s l e 2 considera-se que os mesmos se suspendem sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao particular.”

Segundo António Francisco de Sousa, O n.º l, do art.° 108.°, do CPA. representa um significativo passo no sentido do aperfeiçoamento do nosso Estado de direito. No entanto, a solução encontrada continua a não satisfazer inteiramente. Sendo a Administração portuguesa tradicionalmente pouco dinâmica, o que resulta sempre em desvantagem sobretudo para o particular, seria bom que a presunção geral fosse invertida, resultando da inacção o deferimento e não o indeferimento tácito, cfr Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado pag. 298.
O art.º 108.º enuncia, no entendimento do Porf. Freitas do Amaral, um compromisso legislativo no sentido de que o acto tácito deva ser a regra contra a inércia da Administração, porém, considerando o actual estádio de desenvolvimento da nossa Administração, limita a formação do acto tácito aos casos taxativamente enunciados no n.º 3.
O enunciado do artigo 108º n.º 3 do Cód. Proc. Administrativo, é taxativo - cfr. Ac. TCA Sul 07-01-2010. Ac. STA de 18.03.2003, “ Considerar-se taxativa a listagem do n.º 3, implica questionar o efeito útil da regra do n.º 1. Interpretar esse elenco como meramente exemplificativo significa consagrar um pensamento legislativo sem correspondência na letra da norma do n.º 3 do art.º 108.º uma vez que o enunciado linguístico desta sugere fortemente a taxatividade” – WWW.dgsi.pt.-.

A situação do Arguido/Recorrente não se encontra prevista no elenco do n.º 3, sendo certo que também não se inscreve na previsão legal do n.º 1, em que preexiste um direito na esfera do particular necessitando de uma mera autorização para o exercer.
Na realidade, como é referido, e bem, na decisão recorrida, A inscrição de Advogado estagiário é preparatória e carece de decisão definitiva do Conselho do Ordem dos Advogados, a primeira fase do estágio não atribui o direito ao candidato à passagem automática à segunda fase, ou seja ao exercício das funções de Advogado estagiário, fase em que é facultada ao candidato uma cédula profissional com esse titulo. Foi aberto um processo pela Ordem dos Advogados para avaliação da aptidão moral do arguido ao exercício da função, cuja decisão definitiva é que ditará o cancelamento ou não da inscrição preparatória feita junto do Conselho Distrital de ....
Se é inquestionável que a Ordem dos Advogados tem o poder de analisar os requisitos de admissão dos candidatos a Advogados Estagiários, segundo os arts.º 156.º, n.º 1, al. a) e 161.º, n.º 3, do anterior E.O.A. ( actuais arts.º 181.º, n.º 1, al. a) e 182.º, n.º 2 do E.O.A. ), é claro que tem de haver acto expresso sobre tal admissão que não pode ser obtida através do mero silêncio.

Termos em que improcede a invocada a existência de erro de julgamento por errada avaliação das provas.
O Recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida porque foram fixados em sede de factos provados e levados em consideração, na determinação da medida da pena, os antecedentes criminais, que não constavam da acusação, sem lhe ter concedido tempo para preparar a sua defesa - artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal- ( conclusões 40.ª a 46.ª).
Não tem razão.
O registo criminal, é um documento que pode ser tido em conta, mesmo que não discutido em audiência.
“…
“ II Os documentos constantes do processo consideram-se produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, desde que se trate de caso em que esta leitura não seja proibida.” Ac. R. L.- Relator do Simões de Carvalho, de 10.Out.06 (C.J ano XXXI, tomo 4, pág.116).

Invoca nulidade por omissão de pronúncia sobre factos alegados na contestação ( conclusões 47.ª a 64.ª).
Carece igualmente de razão.
Na realidade o tribunal não pode levar ao acervo de factos provados e não provados, conclusões, factos genéricos ou conclusões de direito alegados na contestação. O art.368, nº2, CPP, é perfeitamente claro ao prever que o tribunal delibera sobre “factos alegados pela acusação e pela defesa”, o que afasta a obrigação de se pronunciar sobre conclusões, ou questões de direito alegadas.

“…I - A distinção entre os conceitos de matéria de facto e de matéria de direito nem sempre é fácil. Não obstante, o eixo diferenciador já foi por diversas vezes apreciado em sede doutrinária e de forma convergente.
II - Assim, o Prof. Paulo Cunha estabelece o seguinte critério geral de destrinça: há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, há necessidade de recorrer a uma disposição legal – ainda que se trate de uma simples palavra da lei –, ou seja, quando a averiguação depende do entendimento a dar a normas legais, seja qual for a espécie destas;
há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, por averiguação de factos cuja existência ou inexistência não depende de nenhuma norma jurídica, sem prejuízo de, nota, toda e qualquer averiguação de factos se realizar por meio de processos regulados e prescritos na lei.
III - O Prof. Alberto dos Reis definia como «questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior»; e como «questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei». Dito por outras palavras: é questão de facto determinar o que aconteceu; é questão de direito determinar o que quer a lei, substantiva ou processual.” Ac. STJ., de 10-01-2007 Proc. n.º 4075/06 - 3.ª Secção Santos Cabral.

Compulsada a contestação verifica-se que a decisão recorrida apreciou o que tinha que apreciar ou seja os factos na mesma vertidos e nesta medida improcede a alegada nulidade por omissão de pronúncia.


Inconstitucionalidades
Conclui o Recorrente que:
65. Os direitos, liberdades e garantias fundamentais só podem ser restringidos por lei nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º, n.º 2 da CRP).
66. No que toca ao direito à liberdade de escolha de profissão, a Constituição admite que o mesmo possa sofrer de restrições desde que estas sejam impostas pelo interesse colectivo ou desde que sejam inerentes à própria capacidade do trabalhador (vide segunda parte do n.º 1 do art.º 47.º da CRP.
67. Porém, que as restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais estão sujeitas a reserva de lei restrita, uma vez que a competência para legislar sobre tais matérias cabe exclusivamente à da Assembleia da República, embora possa conferir autorização ao Governo para tal (art.º 165.º, n.º 1, al. b), da CRP).
68. Garante-se assim que os direitos, liberdades e garantias não fiquem à disposição do poder regulamentar da administração e que o seu regime haja ser definido pelo próprio órgão representativo, e não pelo Governo (salvo autorização) e, muito menos, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais, ou por entidades públicas dotadas de poder de auto-regulação”.
69. As restrições têm de ser legais, não podem ser instituídas por via regulamentaria ou por acto administrativo.
70. É por demais evidente que o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados estagiários, aprovado em sessão do Conselho Geral de 7 de Julho de 1989, não pode estabelecer restrições ao direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dupla faceta de liberdade de escolha e de liberdade de exercício.
71. Conclui-se pela nulidade do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado em Sessão do Conselho Geral em 7/7/1989, por o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não ter competência para legislar na matéria em questão. (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.03.2007, Processo n.º 06S1541 in http://www.dgsi.pt.)
72. As restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais estão sujeitas a reserva de lei restrita, uma vez que a competência para legislar sobre tais matérias cabe exclusivamente à da Assembleia da República, embora possa conferir autorização ao Governo para tal (art.º 165.º, n.º 1, al. b), da CRP).
73. Assim sendo, a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, na medida que versa sobre matéria de direitos, liberdade e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos advogados - não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso), situa-se na área de reserva parlamentar, prevista no artigo 165.º, n.º 1 alínea b) da CRP.
74. Tratando a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84 de matéria que se insere no campo da competência reservada da Assembleia da Republica, tal norma só poderia ser editada pelo Governo ao abrigo de uma autorização legislativa válida.
75. A autorização legislativa foi concedida ao Governo pela Lei n.º 1/84, de 15 de Fevereiro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março – aprovado e promulgado, respectivamente em 21 de Fevereiro e 9 de Março.
76. Da leitura dos 3 (três) artigos e das 6 (seis) alíneas que compõe a autorização legislativa Lei n.º 1/84, de 15 de Fevereiro, não se vislumbra um só parágrafo em que a Assembleia da República tenha autorizado o Governo a legislar sobre matéria de direitos, liberdades e garantias.
77. O Governo, ao editar no Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de Março, o artigo 156.º, n.º 1 alínea a), que versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos Advogados – não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em especial tenham sido condenados por qualquer crime desonroso), excedeu a autorização legislativa de que estava munido.
78. Os decretos-leis autorizados que não respeitem a lei de autorização, são inconstitucionais, pois que, tratando-se de matéria da competência legislativa da AR, só é lícito ao Governo legislar sobre ele nos precisos termos da autorização. A desconformidade com a lei de autorização implica directamente uma ofensa à competência da AR e, logo uma inconstitucionalidade orgânica”.
79. É organicamente inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de Março, pois versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva de competência legislativa da Assembleia da Republica (artigo 165.º, n.º 1 alínea b), da Constituição), e emitida pelo Governo sem para tal estar validamente autorizado.
80. A decisão do Conselho Geral, que ordenou a remessa do Processo de Inscrição para o Conselho de Deontologia de ... (para que se procedesse à averiguação da falta de idoneidade moral do arguido), não resulta de factos praticados pelo arguido no exercício da actividade profissional de advogado, mas sim uma consequência automática de outra pena, que a Ordem se limita a «executar»
81. A suspensão é automática, não depende de nenhum juízo sobre a necessidade no contexto de cada caso concreto (responsabilidade imputada ao candidato, gravidade da falta, etc.).
82. Daí, se da aplicação da pena resultasse, como efeito automático, o impedimento do arguido se inscrever na Ordem dos Advogados e, consequentemente, de exercer a profissão, estaríamos perante uma restrição à liberdade de escolher e exercer a profissão que o artigo 47.º, n.º 1 da CRP não admite, por via administrativa.
83. Por conseguinte, é por demais evidente que, a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, quer a alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não podem estabelecer restrições ao direito de liberdade de escolha de profissão, na sua dupla faceta de liberdade de escolha e de liberdade de exercício.
84. Impõe-se concluir pela inconstitucionalidade do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários e alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, por violarem o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º n.º 1 da CRP.
85. O artigo 30.º, n.º 4 da CRP, proíbe “que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana. (Acórdão n.º 284/89 (publicado em ATC, Vol. 13º, tomo II, págs. 859 e segs.),86. As normas da alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Dec. -Lei n.º 84/84, de 16 de Março e alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição dos Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral em sessão de 7 de Julho de 1989, são assim inconstitucionais, por violarem o disposto no artigo 30.º, n.º 4 da CRP.

A decisão recorrida analisou a s questões colocadas da seguinte forma:
“(…)
Referiu ainda o arguido em sede de contestação que o EOA então em vigor, mormente o art.ºs 156º do E.O.A e art.º 7º, n.º1 alínea a) do regulamento da inscrição na O.A são inconstitucionais por violação do art.º 47º n.º1 e 58º da Lei Fundamental, por violarem o direito à liberdade de escolha da profissão, direito ao trabalho, e por se tratar de normativo que extravasou a Lei de autorização legislativa ao legislar sobre matéria de competência exclusiva da A.R por versar sobre matéria de direitos liberdades e garantias.
A Ordem dos Advogados prossegue um interesse de natureza e ordem pública que se sobrepõe a qualquer interesse particular de, suposta, estabilidade no emprego, ou direito ao trabalho sem restrições e sem o estabelecimento de quaisquer regras ou condições (cfr art. 47º, n.º 1 da CRP), não violando igualmente os direitos consagrados nos arts. 53º e 58º, n.º 1 da Constituição, nem o princípio da confiança próprio do Estado de Direito.
O exercício de determinadas profissões exige regras ou restrições, caso contrário o acesso sem a exigência de quaisquer padrões de eficiência e qualidade tornar-se-ia insuportável, ninguém imagina um médico a exercer medicina só porque tirou um curso superior de medicina, ou um juiz a exercer a sua função só porque é licenciado em direito; só quem não tenha capacidade ou não queira ter o trabalho de obter as habilitações legais necessárias para o exercício da profissão com essa exigência; só quem sobreponha o interesse particular ao interesse colectivo pode fazer uma interpretação dos direitos constitucionalmente garantidos que o disposto naqueles dispositivos viola o direito ao trabalho e à segurança no emprego e o princípio da confiança próprio do Estado de Direito.
Como já se referiu (vide igualmente Prof. Vital Moreira in CRP anotada) “(…) a institucionalização das ordens corresponde ao aproveitamento pelo Estado de tendência inerente a toda a associação profissional de regular o acesso à profissão e nessas funções regulatórias inclui-se a regulamentação do acesso (estágio, provas, titulação, etc.), manutenção do registo profissional; estabelecimento de normas de condutas profissional (…)”.
Os procedimentos de inscrição como Advogado Estagiário e Advogado constituem precisamente a função regulatória que o Estado atribuiu à ordem, mormente a regulamentação do acesso à profissão, não existindo por isso qualquer inconstitucionalidade, quer material quer orgânica.(…)”.

Esta decisão não merece reparo sendo certo que o Arguido nada trouxe ao recurso que a possa pôr em causa, limitando-se a uma interpretação diversa sem qualquer fundamento factual ou jurídico, de mera discordância, não atendível.

Da medida da pena.
Entende o Recorrente que deve a pena ser especialmente atenuada, quer no que diz respeito aos dias de multa, quer à taxa diária aplicada, por as mesmas serem desproporcionadas face à conjuntura que os factos ocorreram e situação económica apurada.
Breves considerações acerca da aplicação das penas.
"'A determinação de medida de pena faz-se, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 72° n° l do Cód. Penal).
Para o Prof. Figueiredo Dias que os princípios regulativos da medida da pena são, culpa e prevenção, sendo compreensível que a lei exija que se encontre a medida concreta da pena com base em tais princípios. "Porque através do requisito de que sejam levados em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização "In casu" das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção" (cfr. . DIREITO PENAL PORTUGUÊS - As consequências Jurídicas do Crime - Notícias editorial - pág. 215).
E nos seus sumários "Direito Penal - Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime" pág. 271, entende ser" (...) a culpa dada através de tipos de culpa, devendo inclusivamente distinguir-se nesta acepção (e segundo os diferentes tipos de "atitude interna" manifestados pelo agente de facto), um tipo de culpa doloso e um tipo de culpa negligente, cada um com os seus pressupostos próprios e que não se esgotam nos pressupostos do dolo e da negligência como tipos subjectivos de ilícito, que também são".
Em caso algum, porém, a pena poderá ultrapassar a medida da culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e o limite mínimo, aquele, abaixo do qual se não respeitam as expectativas da comunidade.
Sendo certo que "... O Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais, mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a legitimação de direito penal" - ponto 2 do Preambulo do Dec. Lei 48/95 de 15 de Março -.
Mas não pode, somente atender-se à culpa e sua medida, uma vez o legislador consagrou o mandamento de que a determinação concreta do pena seja feita também em função da prevenção.
O que " (...) é absolutamente compreensível e justificável, através do requisito de que sejam levados em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização "In - casu" das finalidades da pena. Finalidades estas que residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. E dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos -, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena" ( ob. Cit. Pág. 215).
O artigo 71º do Cód. Penal manda ainda atender a todas as circunstancias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem o favor do agente ou contra ele, devendo considerar-se todas as circunstancias concorrentes no caso concreto, nomeadamente as que constam do seu n° 2 e respectivas alíneas.
Estabelecendo o legislador alternatividade entre pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve ser dada prevalência a esta sempre que assim se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - cf. art.º 70°.
O Tribunal “a quo” optou, e bem, por pena de multa em conformidade com o disposto no art.º 70º do Cód. Penal.
Para determinação da medida concreta da pena de multa há que fazer apelo aos critérios constantes dos art.sº 71º e 47º., n.º 1 do Cód. Penal nos termos aludidos.
Sendo fixação da pena de multa, feita através de duas operações, numa primeira, seleccionava-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e numa segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa, em função da capacidade económica do agente (cfr. Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas de crime_ Not.- Ed.- pág. 116).
A pena de multa tem de representar não só uma censura suficiente do facto mas também simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada ( Prof. Figueiredo Dias na ob. Ci.).)
Segundo Simas Santos e Leal Henríques, citando Yesekeck, a determinação da pena de multa deve ser levada a caso em três actos:
“- No primeiro, o juiz fixa, segundo os princípios gerais de doseamento da pena ou seja, segundo o grau de ilicitude e culpa, bem como exigências de prevenção geral e especial, o numero de dias de multa. A situação económica e financeira do réu, bem como os seus encargos pessoais, só deverão ser aqui considerados quando tenham reflexos nos elementos culpa e ilicitude (v.g.. facto cometido em estado de necessidade).
_ No segundo juiz determina a taxa diária de multa segundo as circunstâncias pessoais, económicas e financeiras do réu.
_No terceiro, em caso de situação económica ou financeira precária, põe-se a questão de saber se se deve exigir o pagamento total ou se se podem conceder as facilidades de pagamentos previstas n.º 5 (v.g. nos casos de famílias numerosas, doenças, endividamento, mudança de profissão idade etc.
No caso em apreciação o Tribunal “a quo” justificou a aplicação da pena de multa e o “quantum” da mesma da seguinte forma:
O ilícito assume a intensidade acima da mediania, sendo certo que dele não resultaram gravosas consequências.
A intensidade do dolo já definido como directo, é algo significativa, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção, dado que o arguido se conformou com o resultado.
O arguido encontra-se familiar e socialmente inserido, auferindo nas suas actividades um rendimento mensal entre €150,00 a €400,00 não se considerando, pois, assaz desafogada a sua situação económico-financeira, sendo a cultural elevada.
Há que ponderar ainda a necessidade de acautelar, em sede geral, a prática de futuros crimes e a protecção do interesse do Estado no exercício legal de profissões que dependem de título ou do preenchimento de determinadas condições.
Ponderando os elementos da ilicitude, da culpa, do circunstancialismo apurado e o disposto no artigo 71º CP, afigura-se adequado cominar ao arguido a pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €8,00 (redacção pretérita à Lei 59/2007, de 4 de Setembro por mais favorável).

O Recorrente considera excessiva não só a pena de multa fixada mas também o quantitativo diário.
Quanto à pena de multa afigura-se-nos que lhe assiste alguma razão.
Na verdade, para além do que foi correctamente mencionado na decisão recorrida, que o Recorrente não põe em causa, não se pode olvidar que o Arguido foi influenciado pelo facto de pretender desempenhar uma profissão para a qual se considerava preparado e que dependia de uma decisão da Ordem dos Advogados que tardava, o que, não justificando de forma alguma o facto, criou um clima que acabou por o influenciar e decorreram já seis anos, mantendo o Arguido boa conduta, não se justificando uma pena quase a tocar no limite máximo. Sendo proporcional e suficiente uma pena de multa de 120 dias.

Quanto ao montante diário da pena de multa, a factualidade apurada quanto à situação económica e familiar do Arguido, foi devidamente apreciada na decisão recorrida sendo a taxa diária de € 8,00 perfeitamente adequada, pois, representa algum sacrifício, mas não ultrapassa o limiar do aceitável para uma pessoa com a sua situação económica, mantendo-se, assim, o carácter punitivo que não pode ser dissociado da pena de multa.
Na verdade "O montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade" (Ac. Relação de Coimbra, de 13/08/95, in CJ, tomo IV).

Em conclusão o recurso procede apenas parcialmente, nos termos descritos.

DECISÃO.
Por todo o exposto em conceder provimento parcial ao recurso e em consequência:
Condenar o Arguido o A... pela prática de um crime de usurpação de funções, p.e p. artigo 358º, al. b) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), num total de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).

Não há lugar ao pagamento de custas.

Lisboa, 28 de Junho de 2011.

Relator: Ana Sebastião.
Adjunto: Simões de Carvalho.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/185b6d02a1d21980802578d40033264d?OpenDocument

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