Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

segunda-feira, 30 de abril de 2012

BASE INSTRUTÓRIA CASO JULGADO FORMAL PROVA TESTEMUNHAL FACTOS DIVERSOS - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 13-10-2009


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9181/06-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: BASE INSTRUTÓRIA
CASO JULGADO FORMAL
PROVA TESTEMUNHAL
FACTOS DIVERSOS
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
GRAVAÇÃO DE PROVA
NULIDADE PROCESSUAL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 13-10-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - Compete ao juiz providenciar oficiosamente, e até ao encerramento da discussão, pela ampliação da base instrutória da causa se reputar a mesma insuficiente, face às várias questões suscitadas, daqui resultando que o despacho atinente à elaboração da base instrutória, não constitui caso julgado formal, impendendo sobre o juiz o poder/dever de o completar, caso tal se lhe afigure necessário e até aquele limite temporal.
II - Tendo o juiz indeferido um pedido de ampliação de quesito, formulado pela parte em sede de julgamento, e estipulando o art. 650.º n.º5 do CPC que é aplicável às reclamações deduzidas quanto à ampliação da matéria da base instrutória o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 511.º do mesmo diploma, resulta que tal decisão do Tribunal (que lhe indeferiu a reclamação) apenas poderia ser impugnada no recurso interposto da decisão final, o que não aconteceu.
III - Como decorre do art. 629.º do CPC, a parte pode requerer a substituição de testemunhas nos casos previstos na lei, e que estão contemplados naquele preceito, incumbindo à parte fundamentar o pedido de substituição apresentado, não bastando requerer a sua substituição.
IV - Na falta de fundamentação do requerimento de substituição de testemunha, não incumbe ao Tribunal formular qualquer convite à parte (para indicar qual o seu fundamento), não existindo qualquer similitude entre esta situação e o convite às partes para aperfeiçoamento dos articulados na base do principio geral da cooperação, perante falhas na articulação da matéria de facto.
V - A matéria de facto assente e a base instrutória têm uma função meramente instrumental, podendo sempre ser alteradas, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio: e assim é porque a selecção da matéria de facto (na fase de saneamento do processo, como prevê o art. 511.º do CPC) tem apenas em vista arrumar os factos até aí apurados e indicar aqueles sobre os quais deve recair a produção de prova subsequente, na fase de instrução.
VI - Tendo o tribunal verificado, no decurso da audiência, que tinham sido considerados assentes factos que afinal eram controvertidos, era-lhe lícito corrigir as falhas detectadas na selecção da matéria de facto, eliminando factos assentes e levando-os à base instrutória, e aditando, em consequência disso, outros que considerou relevantes.
VII - A condenação de uma das partes como litigante de má fé pressupõe a previsão de qualquer uma das situações previstas no art.º 456, n.º 2 do CPC.
VIII - Numa situação como a dos autos, em que é pedido que uma testemunha indicada pelo próprio agravante deponha a outros factos por se ter verificado no decurso da inquirição que deles teria conhecimento, sendo certo que se tratava de testemunha residente no estrangeiro, afigura-se reprovável que a parte não prescinda do prazo de 5 dias, previsto no art. 645.º do CPC.
IX - Com efeito, tal prazo não tem na situação em apreço justificação, uma vez que o que a lei visa com ele é a possibilidade de a parte indagar da pessoa que vai depor (instando-a ou contraditando-a): não se tratando de uma nova testemunha, seria desejável que a parte cooperasse sendo um uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais protelar, sem motivo sério, a continuidade da inquirição da testemunha por si arrolada, residente no estrangeiro e que se encontrava presente.
X - A deficiência da gravação da prova constitui uma nulidade secundária, das previstas no art. 201.º do CPC, uma vez que tal deficiência integra uma omissão de um acto prescrito na lei, que pode nitidamente influir na decisão da causa por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de facto pelas partes, com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pela Relação.
XI - Não obstante a parte ter requerido a entrega de cópia das cassetes, ainda no decorrer do julgamento, e as mesmas lhe terem sido entregues em 10-01-2006, sem que tenha arguido a nulidade no prazo de 10 dias, não lhe seria exigível que o fizesse dentro de tal prazo, pois que o julgamento ainda não havia terminado, nem sequer havia sido dada resposta à base instrutória, sendo tempestiva a arguição de tal questão no decurso do prazo de apresentação das alegações.
XII - Não é exigível à parte ou ao seu mandatário, que procede à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso, arguir tal nulidade, sendo no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação do recurso, entretanto interposto.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

“A”, Limitada, com sede no, , , intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “C Auto Portuguesa”, S.A., com sede na Av., n.º, Edifício, , , pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por perdas e danos, a quantia de Eur 7.426.177,58, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 12%, a partir da citação.
Para tanto, a A. alegou, em resumo, que desde 1947 e até 30.09.1999, a família “A” sempre comercializou produtos da R. no distrito de ..., primeiro através do pai do sócio gerente da A. e, a partir da constituição da sociedade A., em 1996, através desta; tendo sido verbal o primeiro contrato, seguido de diversos contratos escritos de concessão, datados de 1950, 1968, 1972, 1986, 1987, 1995 e 1996.
Invocou a A. que, a partir de 1997, os veículos contratuais – marcas “C” e “D” – deixaram de ser modernizados e actualizados pela fabricante “C”, tendo decaído a sua comercialização, face ao cansaço dos consumidores finais e à agressividade da concorrência, o que se repercutiu de forma muito negativa nas vendas da A.
Alegou que entre Fevereiro e Março de 1999 contactou a “C” Distribuidora, no sentido de lhe serem concedidos meios financeiros para a sua reorganização, e que deu a conhecer à R. a sua intenção de proceder a uma eventual associação com a “E”, Lda. – hipótese rejeitada pelo Director comercial da R. – ou com a “F” – proposta não aceite pelo Director-geral da R.
Afirma a A. que a R. se serviu da ideia de reformulação da rede de concessionários para eliminar dela a A, tendo ela R. planeado um projecto de parceria com o “G”, cujos administradores eram amigos do seu Director Comercial.
Alegou que em Março de 1999 a R. lhe exigiu um plano de acção, a realizar até 30 de Maio desse ano, de cuja análise e exequibilidade dependeria a continuação da A. como concessionária das marcas da R., impondo à A. uma reestruturação e um esforço financeiro desnecessários, o que constituiu um ultimato para, sem recurso ao pré-aviso de 12 meses, a R. preparar, através da parceria com o “G”, o afastamento da A.
O “G”, sem quaisquer negociações com a A., elaborou o projecto “I”, cuja fase de transição previa a utilização de instalações da A.
A R. liderou a formação da “I” – Comércio de Automóveis, S.A., cuja escritura de constituição veio a ser outorgada a 30.09.1999, dela não fazendo parte, como accionista, a A., mas antes o seu sócio-gerente, a título individual, passando este e o seu filho a integrar, em posição minoritária, o conselho de administração.
No dia seguinte, viriam a ser outorgados novos contratos de concessão comercial, entre a R. e a “I”.
Invocou a A. que a R. lhe extorquiu, previamente, a 24.09.1999, a assinatura da carta de denúncia dos contratos de concessão, o que esta fez numa posição de fraqueza, e perante a esperança que lhe foi dada pela R. de que se trataria de uma óptima solução, exaltando o potencial financeiro do “G”.
Invocou que o desempenho da “I” se traduziu num fracasso.
Alegou que, com a surpresa da denúncia, a A. ficou súbita e inesperadamente com a sua organização comercial e sem a comercialização dos respectivos produtos.
Invocou ainda que a R. lhe prometeu fornecer-lhe carros semi-novos para revenda e a passagem da oficina de … a oficina autorizada e revendedora de peças originais, e que, na expectativa da concretização dessas promessas – não cumpridas –, não cessou de imediato a sua actividade, não tendo alienado o seu activo, trespassando os seus 24 stands, 3 oficinas e 3 armazéns, nem tendo vendido o seu equipamento oficinal.
Afirma ter sofrido danos com o aumento do seu passivo, em Eur 498.787,89; com ordenados pagos ao seu pessoal, entre Outubro de 1999 e 2001, no valor de Eur 581.299,06; com indemnizações por despedimentos, no valor de Eur 425.850,51; com o incumprimento da promessa de entrega de carros semi-novos, no valor de Eur 605.540,64 e com o não cumprimento da promessa de atribuição da oficina autorizada, no montante de Eur 329.206,61.
Invocou, ainda, que o seu valor era, a 24.09.1999, de Eur 3.960.455,30.
E que a indemnização por falta de pré-aviso atinge Eur 1.025.027,53.
É a soma desses valores que a A. peticiona a final.
Como fundamentos jurídicos para o seu pedido de condenação da R., a A. invoca os institutos da responsabilidade pré-contratual, do abuso do direito, e da responsabilidade extracontratual.
Contestou a R., impugnando os factos alegados pela A.
Invocou em resumo que a A., depois de ter atingido o seu pico de vendas em 1990, sofreu uma queda nos anos seguintes, de tal forma que, desde 1995, o número de vendas foi inferior a 75% do compromisso mínimo, constituindo-se a R. no direito de resolver, sem pré-aviso, os contratos de concessão, com base em cláusula resolutiva expressa.
Alegou que a A. manteve, na década de 90, uma estratégia ultrapassada, com um stand em cada vila, geridos quase integralmente por comissionistas, em vez de ter investido em vendedores próprios, sendo os seus vendedores insuficientes para o potencial da zona.
Invocou que em 1997 a A. se encontrava numa situação de quase ruptura financeira, colmatada pelo apoio financeiro da “C” Distribuidora Portugal, S.A.
Alegou que em 1997 foram elaborados relatórios, referentes à A., pelos diferentes responsáveis das diversas áreas da R., e que face à gravidade da situação neles retratada, com predominância de aspectos negativos, foi exigido à A. a apresentação de um plano de acção prevendo a implementação de medidas que permitissem a eliminação daqueles aspectos negativos, tendo o Director-geral da R. comunicado ao sócio-gerente da A., em reunião de 06.05.1997, que essa seria a última ocasião para tentar viabilizar a actividade da concessão.
Porém, a situação retratada em 1997 subsistiu até 1999, com agravamento das situações de incumprimento, por parte da A., no pagamento das facturas vencidas por fornecimento de automóveis novos e de peças, o que conduziu à sua asfixia comercial.
Entretanto, a R. apurou que os por si sugeridos aumentos de capital social da A., de 50.000 contos para 90.000 contos, em 1993, e de 90.000 contos para 140.000 contos, em 1997, não se traduziram na respectiva entrega de dinheiro pelos sócios.
E que a A. tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 213.034 contos, em 1997.
Alega a R. que em 1999 foi concedida à A. nova oportunidade para ultrapassar a situação calamitosa em que esta se encontrava, tendo-lhe sido solicitada a apresentação de um plano de acção, até 30.05.1999, que implicava designadamente um reforço de capitais, plano esse que a A. não apresentou, não elaborando qualquer projecto de redimensionamento da sua estrutura empresarial, financeira e capitalista, ou qualquer hipótese de associação com terceiros.
Depois de o sócio-gerente da A. ter assumido que não teria capacidade de gestão para inverter a calamitosa situação entretanto criada, não querendo investir e não encontrando quem na A. quisesse investir, a R. não teve outra alternativa senão a de encontrar novos concessionários, se possível em associação com a pessoa do titular da A., pelo know-how que este tinha do território e do contacto com a clientela.
Entre as hipóteses possíveis, o Director-geral valorizou a encabeçada pelo “G”, que havia anteriormente mostrado o seu interesse na comercialização de automóveis representados pela R. em área nas proximidades de Lisboa. A R. apresentou o Grupo ao sócio-gerente da A. e, a partir dessa apresentação, não teve qualquer interferência nas negociações que culminaram com a constituição da “I”.
Alegou, ainda, que não houve qualquer pressão da parte da R. para que o sócio-gerente da A. subscrevesse a carta de denúncia dos contratos de concessão, tendo tal opção sido tomada por consenso, viabilizando a oportunidade concedida ao segundo de ficar sócio da nova concessionária, com 49% do respectivo capital social.
Contestou a R. os danos alegados pela A.
E concluiu pela improcedência da acção.
Realizou-se audiência preliminar, seleccionando-se os factos assentes e elaborando-se a base instrutória.
Teve lugar audiência de julgamento.
Alegou por escrito a R.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré.

A A. interpôs recurso de apelação da sentença e havia interposto anteriormente a este quatro recursos de agravo que com este recurso de apelação subiram e que apreciaremos pela ordem da respectiva interposição.

OBJECTO DOS RECURSOS


Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Apreciemos, então cada um dos recursos de agravo pela ordem da respectiva interposição.



“A” Ldª interpôs recurso de agravo do despacho de fls. 1038 a 1039 que indeferiu o pedido de ampliação do quesito 53º da base instrutória.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pela agravante:


A) Há que ter presente o conteúdo do artº 79º da petição inicial, segundo o qual serviu … a ideia da reformulação da rede de distribuição da Ré de mera estratégia da qual esta se serviu para eliminar a A. a «…»(concessionária de “X” e a Auto comercial de “Y”.
B) Reduziu, porém o quesito 53º a referida matéria de facto, tendo-a limitado à eventual estratégia da eliminação da Autora;
C) Da deficiência reclamou, sem êxito, a Autora (fls. 690 a 718, al. d));
D) Já no decurso da audiência de discussão e julgamento e quando depunha a testemunha Dr. “B”, foi a mesma indicada e interrogada, além do mais, à matéria de facto desse quesito, tendo tentado aludir à estratégia pela Ré adoptada e que terá eventualmente atingido os restantes concessionários a que alude o art. 79º da petição “X” e “Y”;
E) Inibida de o fazer, logo se requereu que, em via de ampliação do quesito 53º fosse ele alargado ao âmbito do que alegado foi no art. 79º da PI (fls. 1037),
F) É, ao contrário do que sustenta o despacho recorrido, inexacto que o decidido a fls. 718, al. d) só possa ser modificado por via de recurso a interpor da decisão final (art. 511,nº3, do CPC);
G) Pelo contrário, tanto pode ser modificado por esse meio como pelo resultante do invocado preceito do art. 650, 2, al. f);
H) Se assim não fosse de resto, vincular-se-ia o juiz a um despacho não vinculatório, inibindo-o de lançar mão, mesmo oficiosamente, ainda que sem prejuízo do disposto no art. 664, de todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade;
I) Nada impede, pois, que o mesmo juiz que, no caso, indeferiu a reclamação de fls. 690, tome mais tarde, na fase da produção da prova, a iniciativa de ampliar a base instrutória, ultrapassando assim uma sua anterior decisão, tomada em sede de reclamação das partes e que não constitui caso julgado
J) Daí que a decisão de fls. 718, d) possa, ao contrário do que sustenta o douto despacho recorrido, ser alterada em sentido inverso no decurso da discussão da causa, se se tratar, como é o caso, de facto principal, isto é, pela A. alegado no art. 79º da pi. Como integrante da causa de pedir e do pedido.
K) Para os devidos efeitos, pretende a A. aproveitar-se do facto alegado no art. 79º e não de outro facto amputado por forma a inibi-la de adequada produção de prova, tanto mais que foi à ré facultado na contestação o exercício do contraditório-.
L) A A. apenas sugeriu que, face à reacção da testemunha então a depor, usasse a Mermº juíza Presidente do tribunal a quo dos poderes que a tal respeito lhe conferia-e confere – o artº 650º, nº 2, al f);
M)É, além do mais, irrecusável que o facto sob o art. 79º da p.i. invocado é muito mais amplo do que o constante do quesito 53º, que foi amputado do respectivo alcance em relação a terceiros invocado;
N) Pode e deve a pluralidade de visados ou de vítimas ter maior relevância relativamente aos factos de que a A. se socorre para alicerçar o pedido e a dupla causa de pedir que em seu favor invoca;
O) Admite-se, quando muito e sem conceder, que se possa sustentar, em sede de resposta ao aludido quesito, a eventual irrelevância do facto em relação a terceiros, mas não pode deixar de se sustentar justamente o contrário em sede de formulação do mesmo;
P) Não é conclusiva a matéria do quesito em crise, bastando, para tanto, ter presentes os art. 67º a 69º, 71º a 74º e 76º a 78º da petição inicial, as alíneas f), g) e h) dos factos assentes e os quesitos 49º a 52º;
Q) Evidente é assim que a matéria do facto 79º da petição inicial – quesito 53º-amplamente se apoia nos factos pela A. alegados sob os art. 69º, 71º a 74º e 76º a 78º do libelo, deles sendo oriundos, como resultado de uma perspectiva redutora do objecto da demanda, os factos constantes das alíneas f), g) e h) da matéria assente e dos quesitos 49º a 52º; da base instrutória;
R) Foi a matéria do quesito 53º -cuja ampliação se pretende em total harmonia com o art. 79, da pi – alegada pela A., que dela se pretende prevalecer e sobre a qual exerceu a Ré o contraditório;
S) Violou o despacho recorrido os preceitos dos art. 264º, nº 2 e 3, 265, nº3, 519º, nº1 e 650º, nº 2, al.) do Cod Proc. Civil.


São as seguintes as conclusões de recurso relativamente ao agravo interposto do despacho que indeferiu o requerimento de fls. 1402, no qual a agravante requereu a substituição de testemunhas.

A) Atenta a data da propositura da acção-Maio de 2002 – ficou ela submetida à redacção do art. 629º do CPC-DL 30/D/00 de 20 de Dezembro;
B) É o nº 3, da referida norma inteiramente inaplicável ao caso de eventual substituição de testemunhas;
C) Deveria o A. ter requerido a substituição, como requereu, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do facto determinante (art. 153º do CPC);
D) Impunha-se a fundamentação adequada, de harmonia com qualquer dos casos a que alude o art. 629, nº 2, -o que não se fez.
E) Não é todavia insuprível tal omissão;
F) Impunha-se, com efeito, convidar o recorrente a declinar o respectivo fundamento;
G) Em caso bem mais delicado do que o presente – convite às partes para aperfeiçoamento dos articulados não hesita a lei em autorizar e até impor esse convite, sempre na base do referido princípio geral de cooperação (art. 508º, nº 1 al. b) e 2 do CPC);
H) Não impõe, aliás, o aludido art. 629º o indeferimento,
I) Limitando-se antes a enunciar os casos em que é legal e possível a substituição;
J) Daí que, face ao art. 508º, seja patente a lacuna do art. 629º, que não prevê, em matéria muito menos delicada, idêntico convite;
K) Daí que deva por analogia ser ao caso aplicável o convite que teria evitado o indeferimento do requerimento de fls. 1402, privilegiando-se, uma vez mais, o princípio da descoberta da verdade material (art. 10 do C. Civil);
L) Violou o despacho recorrido os preceitos dos artigos 266, 508, nº1, al. b) e nº 2 e 629, todos do CPC (redacção DL 30/D/00 de 20 de Dezembro) e 10 do Civil.

São as seguintes as conclusões de recurso de agravo relativo ao despacho de fls. 1533 (nº2) a 1537 (até ao nº1, do pontoIII)

A) Confina-se o objecto do presente recurso à parte do despacho recorrido que vai do nº 2 de fls. 1533 ao nº1 do ponto III de fls. 1537;
B) A primeira reclamação da Ré contra a matéria assente e contra a base instrutória foi atempadamente apresentada a fls. 693 a 695, tendo sido deferida e indeferida em parte pelo despacho de fls. 718 a 720;
C) Uns meses depois apresentou a ré o requerimento de fls. 974 a 976, de novo reclamando contra a matéria assente e a base instrutória;
D) Decidindo as reclamações pela A. apresentadas no início do julgamento e as formuladas pela Ré (segunda edição de fls. 974 a 976), logo sustentou o despacho de fls. 992 a 995, haver-se esgotado a tal respeito o poder jurisdicional,
E) Em tais circunstâncias, manifesto é que transitaram em julgado os despachos de fls. 718 a 720 e de fls. 992 a 995, constituindo caso julgado formal;
F) De resto logo que proferidos, sobre a respectiva matéria (processual) se esgotou o poder jurisdicional do juiz (art. 666, nº 1 e 3 do CPC);
G) Sob iniciativa de qualquer das partes, pode o juiz oficiosamente ampliar a base instrutória da causa, sendo-lhe vedado lançar mão de factos não alegados pelas partes (art. 264, nº3, 664º e 650º, nº2, al. f), do CPC;
H) Depois de seleccionada no elenco dos factos assentes e na base instrutória a matéria de facto pertinente, não pode o tribunal a quo alterar ou tocar na mesma;
I) Arredando o sentido genérico do caso julgado formal (despachos de fls. 718 a 720 e 992 a 995), decidiu o tribunal a quo sobre as concretas propostas da ré, como se o mais não contivesse o menos;
J) Certo é que a al. f) do nº2, do art. 650, do CPC apenas atribui ao juiz poderes (oficiosos) para a ampliação da base instrutória nos termos do art. 264º;
K) É-lhe, porém, vedado à sombra de tais poderes, eliminar factos assentes, transferindo-os para a base instrutória e aditar-lhe ainda outros;
L) Não poderia proceder-se à ampliação desta sem prévio convite à ré para alegar de novo os factos aditados e subsequente notificação da A. para sobre eles se pronunciar novamente também,
M) Mantém a propósito e dentro dos limites do objecto do presente recurso a Recorrente as suas respostas de fls. 712 a 716 e 1499 a 1501, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
N) Não contém, assim, além do mais, o art. 62º da contestação qualquer erro ou lapso de escrita, a não ser quanto à identificação da parte e à data (1997), sendo inadmissível a introdução no texto do verbo suprir no pretérito conjugado;
O) Não pode proceder-se à rectificação do art. 75º da mesma peça, já que nele se não aludiu a stands fechados, não devendo o quesito 113º acolher o verbo suprir, o mesmo devendo suceder com a alínea G1 dos factos assentes;
P) Quanto ao art. 4º da contestação, a sua insuficiência como impugnação ficou – bem ou mal – assegurada como foi elaborado o elenco dos factos assentes, não sendo licito ao juiz transferir, nesta fase do processo, factos assentes para a base instrutória, já que não se trata de ampliação desta, mas da eliminação de factos assentes em proveito da matéria controvertida – o que de todo em todo é vedado pelo art. 265º, nº 1 e 2 do CPC;
Q) Não pode de resto olvidar-se que a base instrutória de qualquer demanda é integrada, como um todo único e estável, pelo elenco dos factos assentes e controvertidos, sendo inadmissível, pois, a alteração destes dois compartimentos, eliminando-se factos de um deles para os incluir noutro, sob pena de grave atentado contra o princípio da estabilidade da instância;
R) Devem ser banidas, mercê de tudo quanto se deixa referido, as alterações aos quesitos 112, 116, 126, 127, 142 e 145, impondo-se a eliminação do aditado quesito 126-A, bem como dos agora acolhidos quesitos 48-A 126, 127, 151 e 153;
S) Face ao referido sob o nº11, não pode nem deve tocar-se na alínea N) do elenco dos factos assentes, cuja redacção está perfeitamente correcta;
T) É o despacho recorrido perfeitamente contraditório com o exarado a fls.1038;
U) Para decidir então 24-1-04-idêntica pretensão da A. relativamente ao quesito 53, haviam-se esgotado, segundo a própria Mermª juíza a quo, os seus poderes jurisdicionais, que agora, em relação ao caso da Ré terá recuperado – o que o Venerando tribunal ad quem decidirá;
V) Violou o despacho recorrido os preceitos dos art. 3, nº3, 3º -A, 264, nº 2, 265, 268, 508-A nº1, al. c), 666, 672, 675 e 650, nº2, al. f) do CPC, 10, 249 e 376, nº1, do C. Civil.

São as seguintes as alegações de recurso no agravo interposto do despacho de fls. 1945.


A) Como a decisão de que se recorre tinha que ser, como foi, fundamentada integra-se in totum no presente agravo o despacho de fls. 1826-aquele que cura da fundamentação do despacho de fls. 1945;
B) No final do depoimento da testemunha “I” – e não no decurso do mesmo, como por lapso a todo o tempo rectificável, consta da acta de fls. 1824 e ss formulou o distinto advogado da Ré o requerimento constante de fls. 1825;
C) Não prescindiu, a despeito de pelo tribunal convidado a tomar atitude oposta, o mandatário da A. do prazo que lhe era e é assegurado pelo art. 645º, nº2, do CPC,
D) Logo ditou para a acta a Mermª Juíza a quo o despacho de fls. 1826 inserto e que aqui se dá como reproduzido,
E) Veio a seguir o despacho recorrido que com base em tais fundamentos condenou a A. como litigante de má fé em 7UC;
F) Tinha o tribunal e tem poderes de iniciativa que, dentro dos limites da lei, lhe permitiam ultrapassar a dilação processual do direito à A reconhecido –o de não prescindir do respectivo prazo;
G) É a figura do abuso de direito privativa do direito civil, nada tendo a ver com o direito adjectivo,
H) Designadamente em matéria de prazos adjectivos – que nada têm com os substantivos dos art. 276 e 279 do Cod. Civil – são eles dilatórios ou peremptórios (art. 140 do CPC);
I) No caso dos autos, o depoimento só deveria ter lugar depois de decorridos cinco dias, uma vez que a A. não prescindiu do prazo de dilação da prática do acto;
J) Os poderes de oficiosidade pelo art. 265 nº 3 ao tribunal conferidos não lhe permitem considerar excluído o prazo pelo art. 645, nº2, às partes colocado;
K) Veio a testemunha “I” de Itália depor como testemunha da A. em 1 de Fevereiro do corrente ano a três quesitos e acabou por ser ouvida a mais doze a requerimento da Ré, sem que à primeira fosse concedido o menor intervalo para controlar o seu improvisado depoimento aos novos quesitos por esta declinados – 114, 115, 124, 127 a 130, 164, e 165 (fls. 1825);
L) É, face aos preceitos dos art. 631, nº1 e 645, nº 2, insustentável o despacho recorrido, já que não podia prever a A. qualquer surpresa a tal respeito;
M) Era afinal a testemunha muito conveniente á ré, que logo prescindiu do “J” (fls. 1949),
N) Foi a própria testemunha a primeira a declarar que ficaria em Portugal apenas dois dias – o que mostra não ter ela tanta urgência em regressar a Itália, para onde há passagens aérias a toda a hora:
O) Não se sobrepondo à lei a agenda de um juiz, bem podia o tribunal fixar a continuação do julgamento para cinco dias depois e quem não tinha muita urgência para regressar ao seu pais talvez, devidamente esclarecido, fizesse afinal o pequeno sacrifício de aguardar para que tudo dentro da lei decorresse;
P) Não se pode, em suma, dizer ser inevitável aquilo que nem sequer se tentou fazer;
Q) Só foram possíveis afinal os adiamentos a que se alude no interesse da Ré, pelo menos em grande parte;
R) Nada tem a ver com o caso a figura do abuso de direito;
S) O direito à A. atribuído pelo nº 2 do art. 645 do CPC, não é aparente mas real, jamais podendo o tribunal a quo exclui-lo;
T) Fez este do art. 3º, nº 3 do CPC um uso meramente formal, tendo congeminado, antes de a ouvir, condenar a A. em multa como litigante de má fé – o que é de todo inadmissível;
U) Não cabe no elenco taxativo do nº 2, do art. 456, do CPC a litigância de má fé à A. atribuída – o que só pode conceber-se na base de uma completa subversão da ocorrência que se deixa descrita,
V) Violou o despacho recorrido os preceitos dos art. 3º, nº 3, 140, 158, 265, n~3, 456, 631,nº1, 645, nº2, do CPC e 279, 296 e 334 do CCivil.

APRECIANDO OS AGRAVOS:

Quanto ao primeiro recurso de agravo a questão em análise prende-se com a ampliação da base instrutória suscitada pelo agravante em sede de julgamento.

Compete ao juiz, em especial, providenciar oficiosamente e até ao encerramento da discussão, pela ampliação da base instrutória da causa se reputar a mesma insuficiente, face às várias questões suscitadas, daqui resultando que o despacho atinente à elaboração da base instrutória, não constitui caso julgado formal, impendendo sobre o juiz o poder/dever de o completar, caso tal se lhe afigure necessário e até àquele limite temporal.
Se o juiz não tiver usado tal poder/dever, poderá o julgamento ser anulado, parcial ou totalmente, em sede de recurso, mesmo oficiosamente
No caso em análise a agravante já havia oportunamente reclamado da base instrutória quanto a esta mesma questão, tendo sido proferido despacho indeferindo tal reclamação.
E veio novamente sobre a mesma matéria, em audiência de julgamento, na sequência do interrogatório de uma testemunha requerer ampliação da base instrutória.

Seja como for, deste recurso de agravo não podemos conhecer.

O art. 650º, n.º 1, al. f), do CPC erige como um dos poderes do presidente do tribunal o de providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no art. 264º.
O n.º 3 do art. 264º refere que serão considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
O que sucede é que o Autor requereu a ampliação do quesito por entender que o depoimento de uma testemunha por si arrolada poderia ser esclarecedor quanto à estratégia pela Ré adoptada e que teria eventualmente atingido os restantes concessionários a que alude o art. 79º da petição – “X” e “Y”.
E, como se viu, a Mmª Juiz indeferiu esse pedido, que constitui, inequivocamente, uma reclamação quanto à ampliação da matéria de facto.
Ora, o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final – art. 511º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
E o art. 650º, n.º 5, que trata dos poderes do presidente na discussão da causa, estabelece que é aplicável às reclamações deduzidas quanto à ampliação da matéria da base instrutória o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 511º.
Resulta do exposto que o agravante só podia impugnar a decisão do tribunal que lhe indeferiu a reclamação no recurso interposto da decisão final, o que não aconteceu.
Pelo exposto, não se conhecerá do recurso de agravo.

Quanto ao segundo recurso de agravo prende-se o mesmo com o indeferimento da substituição de uma testemunha por não ter a parte, ora agravante, indicado o fundamento do pedido de substituição.
Entende o agravante que o tribunal a quo deveria ter convidado o agravante a declinar o respectivo fundamento, com base no princípio geral de cooperação – art. 508,nº 1, al. b) e nº2, do CPC.
Mas sem razão. Com efeito como decorre do art. 629, do CPC a parte pode requerer a substituição nos casos previstos na lei e que estão contemplados no preceito, não bastando requerer a substituição.
Incumbia pois à agravante fundamentar o pedido de substituição o que não fez.
A ser assim não tinha o tribunal que formular nenhum convite à parte pois nenhuma similitude existe com o convite às partes para aperfeiçoamento dos articulados na base do princípio geral de cooperação (art. 508º, nº 1 al. b) e 2 do CPC), que tem a ver com o exercício do dever de cooperação do tribunal com as partes perante falhas na articulação da matéria de facto.
Assim sendo o despacho de indeferimento do requerimento em que se requeria a substituição de testemunha sem se invocar o respectivo fundamento deve manter-se na ordem jurídica.

Apreciemos, agora o recurso de agravo relativo ao despacho de fls. 1533 (nº2) a 1537 (até ao nº1, do pontoIII).
Antes de mais importa referir que a agravante apesar de referir que põe em causa o despacho de fls. 1533 (nº2) a 1537 (até ao nº1, do pontoIII), nem nas alegações nem nas conclusões se pronuncia sobre o decidido no nº1, do ponto III do despacho agravado.
Assim sendo, nos termos do art. 684, nº3, do CPC, o objecto deste agravo apenas tem por objecto a parte II do despacho de fls. 1533 e ss em que o tribunal recorrido se pronuncia sobre o requerimento da agravada de fls. 1420 e ss.
E o que importa apreciar é saber se o tribunal recorrido na fase processual em que o processo se encontrava poderia proceder, como procedeu, à alteração da matéria de facto assente e da base instrutória.
A matéria assente e a base instrutória têm uma função meramente instrumental, podendo ser sempre alteradas, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio.
Tal entendimento, desde logo, por via da doutrina expressa no assento de 26 de Maio de 1994, que mantém plena validade (Boletim, nº 437, pág. 35).
Na verdade, como aí se ponderou, tenha ou não havido reclamações da especificação, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, a especificação pode ser sempre alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio. E isso é assim porque a selecção da matéria de facto na fase de saneamento do processo, como prevê o artigo 511º do CPC, tem apenas em vista arrumar os factos até aí apurados e indicar aqueles sobre os quais deve recair a produção de prova a efectuar na subsequente fase de instrução.
Ora, ainda que tenha havido anteriores reclamações da base instrutória sobre as quais foi proferido despacho o tribunal pode mesmo no decurso da audiência oficiosamente e até por sugestão das partes corrigir falhas detectadas na selecção da matéria de facto. E foi o que aconteceu.
O tribunal verificou que tinham sido considerados factos assentes que afinal eram controvertidos e eliminou-os levando-os à base instrutória. E, em consequência disso aditou outros que considerou relevantes. E corrigiu deficiências de redacção, lapsos que se verificavam.
Ora, a selecção dos factos assentes não constitui uma decisão, mas uma simples organização de um elenco de factos tendo em vista a boa disciplina das ulteriores fases do processo e mesmo depois das reclamações decididas não forma caso julgado formal. Também a base instrutória mais não é do que um acervo de questões a que o tribunal há-de dar resposta posterior constituindo uma peça preparatória da decisão, pelo que mesmo depois de decididas as reclamações não forma caso julgado.
Assim sendo e porque o tribunal recorrido estava legitimado nos termos da lei para proceder a tais alterações, tendo fixado até o prazo para as partes produzirem prova sobre tal factualidade, não pode atender-se o agravo ora interposto pois as conclusões de recurso são necessariamente improcedentes.

Quanto ao recurso de agravo do despacho que condenou a A. numa multa como litigante de más fé.
A condenação da parte como litigante de má fé tem como fundamento o despacho em que o tribunal recorrido considera que a A. ao requerer a fixação do prazo previsto no art. 645, do CPC, para inquirição da testemunha por si arrolada a determinados quesitos a novos factos, a requerimento da parte contrária, fez um uso abusivo dos direitos que a lei processual lhe confere.
A condenação como litigante de má fé pressupõe a previsão de qualquer uma das situações previstas no art. 456, nº2, do CPC.
Nos termos do art. 456º, n.º 1, do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
E como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Diversamente do que se verificava anteriormente à reforma processual civil introduzida pelo Dec. -Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, é actualmente sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
Como refere Menezes Cordeiro (“Litigância de Má-fé abuso do Direito de Acção e Culpa” Almedina, 2006, pag. 26) alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo. Dolo esse que supõe o conhecimento da falta de fundamento da pretensão ou oposição deduzida – dolo substancial directo – ou a consciente alteração da verdade dos factos ou omissão de um elemento essencial – dolo substancial indirecto, podendo ainda traduzir-se no uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais, como diz o mesmo autor in “Da Boa Fé no Direito Civil”, 2ª reimpressão, Almedina, 2001, pag. 380.
Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pag. 62, refere que a infracção do dever honeste procedere pode resultar de uma má fé subjectiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis.
No Ac. do STJ de 2001/12/06 consultável em www.dgsi.pt, a negligência grave é caracterizada como a imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um.
Em qualquer caso e como se diz no Ac. desta R. L. de 21/06/2007 (www.dgsi.pt), “… à sua apreciação deverá proceder-se em complementaridade com o princípio da cooperação a que se reporta o artº 266º, do Código de Processo Civil e que impende sobre as partes com vista à descoberta da verdade, cfr. art.º 519º, n.º 1, do mesmo Código, tratando assim, com aquele outro normativo, da cooperação em sentido material. Apresentando-se a consagração expressa do dever de boa fé processual no artigo 266º-A, do Código de Processo Civil, como reflexo e corolário desse princípio da cooperação”.
E mais se acrescenta neste mesmo acórdão: “Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má fé não pode ser extraída mecanicamente da verificação de comportamento processual recondutível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 456º do Código de Processo Civil. Com efeito, a condenação nesse sentido, isto é, a delimitação dessa responsabilização impõe uma apreciação casuística, e onde deverá caber pelo que respeita à previsão da al. b), a extensão da alteração da verdade dos factos ou da omissão dos factos relevantes”.
Já no domínio da redacção anterior do preceito, tanto a doutrina como a jurisprudência vinham entendendo que a má fé a que respeita o artigo 456 do CPC devia ser apreciada numa dupla vertente: a má fé material ou substancial e a má fé instrumental.
A primeira abrangia os casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, a alteração consciente da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais, referindo-se a segunda ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção de justiça ou para impedir a descoberta da verdade (sem esquecer os novos comportamentos expressamente contemplados na actual redacção do preceito e atrás evidenciados).

O entendimento quer da doutrina, quer da jurisprudência era de que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
Escreveu Alberto dos Reis a propósito no CPCivil Anotado, II, pág. 263 que "não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada" e, ainda, que a "simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir".
Ora, numa situação como a dos autos em que é pedido que uma testemunha indicada pelo próprio agravante deponha a outros factos por se ter verificado no decurso da inquirição que deles teria conhecimento, sendo certo que se tratava de testemunha residente no estrangeiro, parece-nos reprovável que a parte não prescinda do prazo de cinco dias. Com efeito, tal prazo não tem aqui justificação pois o que a lei visa com ele é a possibilidade de a parte indagar acerca da pessoa que vai depor, para a indagar, instar ou contraditar. Mas neste caso não se trata de uma nova testemunha, pelo contrário trata-se de testemunha indicada pela própria agravante. Seria portanto desejável que a parte cooperasse sendo um uso manifestamente reprovável dos meios e poderes processuais protelar, sem motivo sério, a continuidade da inquirição de testemunha por si arrolada, residente no estrangeiro e que se encontrava presente, conduta violadora do princípio da cooperação que constitui, a partir da reforma do CPC, um princípio fundamental e angular do processo civil, com expressão no art. 266º do Código, no sentido de fomentar a colaboração entre os magistrados, os mandatários e as próprias partes, com vista a obter-se, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Por outro lado, a agravante foi notificada para se pronunciar sobre a litigância de má fé, assegurando o tribunal o contraditório como do despacho consta.

Dai que seja de manter a condenação da parte como litigante de má fé, improcedendo o agravo.

Do exposto resulta a improcedência de todos os recursos de agravo interpostos.

Apreciemos agora o recurso de apelação interposto da sentença pela recorrente “A” Ldª.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:

a) O depoimento da testemunha “L” (21.06.2005, cassete nº 1, lado B, 474, a cassete nº 2, lado A, 152), que fundamentou a resposta do douto Tribunal a quo aos artigos 108º, 111º, 112º, 116º a 119º, não se mostra devidamente gravado através de registo sonoro;

b) A impossibilidade dessa reapreciação importa uma nulidade insanável, por violação do disposto art.º 712º do CPC.

c) Em sede de fundamentação da sua convicção quanto às respostas à matéria de facto, explana o Tribunal a quo a sua apreciação da credibilidade da prova testemunhal produzida em audiência, sendo possível, na simples leitura desse trecho da peça em causa, notar a flagrante dualidade na apreciação dos depoimentos, consoante os mesmos tenham sido prestados por testemunhas indicadas pela Recorrente ou pela Recorrida;

d) Às testemunhas desta última são reservados os atributos da coerência, esclarecimento, convencimento, conhecimento, por vezes em grau “amplo”, “especial” ou “profundo”, e sempre redundando na sua especial credibilidade;

e) Já merecem, sem razão, tratamento bem diverso as testemunhas indicadas pela A., a quem o Tribunal a quo reservou os atributos de “não isentas”, “pouco credíveis”, “incongruentes”, “tendenciosas”, sem que tais insuficiências resultem minimamente dos depoimentos que prestaram;

f) A testemunha “B”, acompanhou cada passo dos acontecimentos sub judice, possuindo conhecimento directo, muito aprofundado e circunstanciado dos factos; no entanto, no entender do Tribunal, o seu depoimento teve uma credibilidade considerada “muito reduzida”;

g) Este erro de valoração do Tribunal recorrido é ainda mais patente quando se atenta na apreciação feita aos depoimentos das testemunhas indicadas pela R., muito particularmente as testemunhas “M” e “N”, os responsáveis da “C” a quem a A. acusa de dolosamente terem provocado a sua débacle, em benefício de amigos;

h) O mesmo erro de valoração se repete na análise aos depoimentos prestados pelas testemunhas da A., “1”, “2”, “3”, “4”, “5”, “6”, “7” e “8”, a quem, a fim de as desacreditar, se imputam relações profissionais ou pessoais, quer com esta última, quer com o seu legal representante;

i) O mesmo se diga quanto às testemunhas “9”, “10”, “11” e “12”, em relação às quais se realçou as suas relações passadas com a R., e em especial os litígios que com ela mantêm ou mantiveram, como forma de evidenciar algum grau de animosidade que fosse susceptível de abalar a sua credibilidade;

j) Na análise crítica à fundamentação das respostas aos artigos da base instrutória em particular, constata-se pois a desvalorização absoluta do depoimento das testemunhas apresentadas pela A., ainda que com conhecimento directo dos factos e com razão de ciência devidamente esclarecida, em contraposição com a sobrevalorização do depoimento das testemunhas apresentadas pela R., sempre qualificados como coerentes e convincentes;

l) A apreciação e valoração da prova testemunhal produzida padece de uma manifesta desigualdade de tratamento entre as testemunhas da A. e da R., sendo aquelas indevidamente descredibilizadas e estas injustificadamente valorizadas, sem consideração pelos factores que, também eles, seriam determinantes de uma menor credibilidade.

m) Foram incorrectamente julgados os seguintes pontos da base instrutória:

n) Artigos 1º, 4º, 9º e 10º a 19º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas”B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737, “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), e “12” (22.06.2004, cassete nº 2, lado B, 0200, a cassete nº 3, lado A, 1085);

o) Artigo 39º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737), “9” (23.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a lado B, até final), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), “4” (18.05.2004, cassete nº 2, lado B, 1300, a cassete nº 3, lado A, 1200), “6” (01.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0528, a cassete nº 4, lado A, 0100);

p) Artigos 41º, 42º e 43º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909) e “13” (01.06.2004, cassete nº 4, lado A, 0161 a 0884);

q) Artigos 46º e 48º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737; 10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “9” (23.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a lado B, até final), “11” (22.06.2004, cassete nº 1, lado A, 0700, a cassete nº 2, lado B, 0130), e ainda a carta de 28/07/99 (emitida pela R. e dirigida à A.) e o fax de 04/08/99 (emitido pelo “G” e dirigido à A.);

r) Artigos 49º, 50º, 51º, 52º, 60º e 61º, impondo decisão diversa o documento de fls. 459 e seguintes e os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737; 10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500) e “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482);

s) Artigo 53º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737), “9” (23.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a lado B, até final), “10” (22.06.2004, cassete nº 1, lado A, 0700, a cassete nº 2, lado B, 0130) e “12” (22.06.2004, cassete nº 2, lado B, 0200, a cassete nº 3, lado A, 1085);

t) Artigos 54º a 57º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500) e “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482);

u) Artigo 58º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909) e “4” (18.05.2004, cassete nº 2, lado B, 1300, a cassete nº 3, lado A, 1200);

v) Artigo 74º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “9” (23.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a lado B, até final), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500), e a carta de 22.07.1999 e dirigida ao Dr. “M” pelo Eng. “O”;

x) Artigos 75º a 78º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500) e “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482);

z) Artigos 79º e 82º, impondo decisão diversa o depoimento da testemunha “6” (01.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0528, a cassete nº 4, lado A, 0100), Dr. “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737; 10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “7” (22.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0790, a cassete º 4, lado A, 0876), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), todos dando conta da efectiva perda de clientela pela “I”, e duas delas coincidindo no relato de que os clientes as procuram com reclamações a propósito da actuação da nova concessionária;

aa) Artigos 83º e 86º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas Dr. “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “11” (22.06.2004, cassete nº 1, lado A, 0700, a cassete nº 2, lado B, 0130);

bb) Artigos 84º e 85º, impondo decisão diversa os depoimentos de Dr. “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909);

cc) Artigos 88º a 90º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas Dr. “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “12” (22.06.2004, cassete nº 2, lado B, 0200, a cassete nº 3, lado A, 1085), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), “4” (18.05.2004, cassete nº 2, lado B, 1300, a cassete nº 3, lado A, 1200), bem como a própria experiência comum que leva a que se tenha de considerar que a recorrente, ao manter a estrutura de instalações e trabalhadores que já possuía, teria a garantia de que iria prosseguir noutros moldes a mesma actividade de comércio automóvel, não sendo de conceber que o fizesse por mera perdularidade;

dd) Artigos 91º a 94º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas, “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), “12” (22.06.2004, cassete nº 2, lado B, 0200, a cassete nº 3, lado A, 1085), “7” (22.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0790, a cassete º 4, lado A, 0876), Dr. “B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737; 10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737; 02.11.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 2, lado B, 2572);

ee) Artigos 95º a 100º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas,”B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737; 02.11.2004), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “4” (18.05.2004, cassete nº 2, lado B, 1300, a cassete nº 3, lado A, 1200), “6” (01.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0528, a cassete nº 4, lado A, 0100);

ff) Artigos 101º E 102º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas,”B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “1” (16.03.2004, cassete nº 1, lado A, 0236, a cassete nº 3, lado A, 0500), “2” (16.03.2004, cassete nº 3, lado A, 0501, a cassete nº 5, lado B, 0482), “14” (22.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0790, a cassete nº 4, lado A, 0876), sendo ainda decisivo nesta matéria o relatório da auditora “P” (fls. 863), que avalia a A. em 794 mil contos;

gg) Artigos 103º E 104º, impondo decisão diversa os depoimentos das testemunhas Dr. “B” (10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737), “6” (01.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0528, a cassete nº 4, lado A, 0100), “7” (22.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0790, a cassete º 4, lado A, 0876) e “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909);

hh) Artigos 111º, 112º e 114º, impondo decisão diversa, o facto da resposta dada a estes três artigos padecer do supra referido erro de sobrevalorização dos depoimentos das testemunhas da R., acrescendo ainda que tais respostas pecam por excesso e pela utilização de conceitos abstractos, que não permitem aferir qualquer realidade factual ou objectiva;

ii) Artigo 116º, impondo decisão diversa o estudo constante de fls. 588 a 597, que contém em si várias referências abonatórias e apreciativas quanto à estrutura e composição da própria A.;

jj) Artigo 117º, impondo decisão diversa, o facto da resposta dada a este artigo padecer do supra referido erro de sobrevalorização dos depoimentos das testemunhas da R., para além de que o depoimento da testemunha “L”, que fundamenta a resposta do douto Tribunal a quo a este artigo, não é susceptível de sindicância, já que o seu registo sonoro não se encontra realizado.

ll) Artigo 130º, impondo decisão diversa, no sentido de não provado, a circunstância deste artigo encerrar em si o conceito abstracto de “asfixia comercial”, em absoluto obscuro e não susceptível de se traduzir em factos concretos;

mm) Artigo 132º, impondo decisão diversa a circunstância de relativamente a este artigo o Tribunal a quo se ter substituído à parte no sentido de completar a deficiente alegação de facto;

nn) Artigo 133º, impõe-se que a resposta a este artigo dada se dê por não escrita pelos mesmos fundamentos enunciados a propósito do artigo 130º da BI;

oo) Artigo 139º, impondo decisão diversa o facto de se encontrar em contradição com os depoimentos de inúmeras testemunhas indicadas pela A. e ouvidas a matérias conexas (artigos 41º, 42º e 43º - depoimentos das testemunhas”B” (27.01.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 5, lado A, 1737; 10.02.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 4, lado A, 1737; 02.11.2004, cassete nº 1, lado A, 0006, a cassete nº 2, lado B, 2572), “3” (18.05.2004, cassete nº 1, lado A, 0001, a cassete nº 2, lado B, 0909), “13” (01.06.2004, cassete nº 4, lado A, 0161 a 0884), “10” (01.06.2004, cassete nº 4, lado A, 0894, a cassete nº 5, lado B, 0867) e “7” (22.06.2004, cassete nº 3, lado A, 0790, a cassete º 4, lado A, 0876) e ainda em contradição com o esforço encetado pela A., bem patente nas parcerias bancárias que esta procurava a fim de se financiar e comprovadas pelo documento de fls. 857;

pp) Artigo 143º, o qual se revela irrespondível na medida em que, sem estarmos na posse dos valores de referência, é impossível aquilatarmos daquilo que é anómalo;

qq) Artigo 147º, impondo decisão diversa a circunstância da resposta que lhe foi dada, ser mais uma vez tendenciosa, na medida em se responde simplesmente provado, sem se esclarecer que a hipótese de coligação partiu do gerente da A., atenta a prova produzida ao artigos 41º a 44º da BI;

rr) Artigo 157º, impondo decisão diversa o facto da resposta dada a este ponto ser igualmente contraditória com a prova produzida quanto à procura de parcerias (“E”; “H”; “F”) e, bem assim, incompatível com o documento de fls. fls. 857, demonstrativo do esforço que o gerente da A. desenvolveu quanto à procura de soluções de financiamento que lhe permitissem sanear a sua própria empresa, atenta a prova produzida aos artigos 41º a 44º da BI;

ss) Artigo 159º, impondo decisão diversa, no sentido da resposta ser “não provado”, pois não tendo resultado provada a existência de uma fraca percepção dos produtos representados pela R. no distrito de , mostra-se absurda a resposta de “provado” à necessidade de qualquer recuperação;

tt) Artigos 162º e 171º, impondo decisão diversa, no sentido da resposta ao primeiro destes artigo ser restringida à parte que se refere à ocorrência da reunião de apresentação do “G” à A., considerando-se não provada toda a demais matéria nele contida; relativamente ao artigo 171º deve a resposta ser de “não provado”, por contradição com a resposta dada ao art.º 61º (segundo a qual a carta de denuncia do contrato de concessão foi minutada pela R., que “exigiu” ao gerente da A. que a subscrevesse);

uu) Artigo 172º, deverá ser respondido no sentido de “não provado”, pois é da natureza das cartas circulares o não terem destinatário específico e «circularem» entre uma massa de sujeitos identificados, não pelo nome, mas por uma determinada qualidade, além de que dificilmente se compreende que uma organização com o grau de profissionalismo apregoado pela R., e orientada para a excelência, viesse apresentar felicitações a uma concessionária que as não merecesse.

vv) Não existe qualquer mecanismo contratual ao qual seja possível subsumir factos provados na presente acção, em termos susceptíveis de basear a conclusão do Tribunal a quo de que, à época dos factos sub judice, a R. podia prevalecer-se de qualquer resolução sem pré-aviso;

xx) No contrato relativo aos veículos de passageiros “C” (fls. 247-286), nenhum dos fundamentos resolutivos previstos se mostra aplicável ao caso em apreço, sendo que a inexistência, ou pelo menos falta de prova, de qualquer anexo daquele contrato, deixa no vazio as remissões efectuadas;

zz) O mesmo se passa nos contratos relativos aos veículos de passageiros “D” e veículos comerciais “C” (fls. 288-370 e 373-455, respectivamente), sendo que neste caso, estando provado o teor dos respectivos anexos, não se mostram provados os factos necessários à verificação das eventuais condições de natureza financeira previstas nos respectivos anexos 2;

aaa) Ao impor a resolução antecipada do contrato, que no entender do douto Tribunal a quo equivaleu ao exercício de um direito que lhe assistia, a Recorrida incorreu em responsabilidade contratual, ficando por isso, já que estava destituída de qualquer fundamento legal ou contratual que legitimasse essa posição, obrigada a indemnizar a recorrente por todos os danos por esta sofridos e traduzidos na perda da concessão, nos lucros cessantes atinentes às oficinas, à venda de veículos semi-novos e novos, às peças e nos danos emergentes decorrentes do pagamento dos encargos inerentes a toda uma estrutura produtiva sem qualquer ocupação ou rentabilidade, cujos valores se encontram devidamente peticionados;

bbb) Ainda que assim não fosse, provado que deverá ficar que os contratos assinados em 01.10.1996 entre recorrente e recorrida foram celebrados sem prévia negociação individual, resulta que o regime aplicável é o constante do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações nele posteriormente introduzidas;

ccc) Para além da prova produzida em audiência de julgamento e mediante o teor dos próprios contratos (dos quais consta, no ponto E do Anexo 3, a referência “…reconhecendo as partes reciprocamente a exigência de homogeneidade das normas contratuais entre a Concedente e cada um dos membros da Rede…”), sempre se aplicaria a inversão do ónus prevista no art. 1º nº 2 do citado diploma, impondo-se à recorrida a prova de que as cláusulas de que se quisesse prevalecer haviam resultado de negociação prévia – o que não logrou fazer;

ddd) Da análise das cláusulas ínsitas naqueles anexos 2 à luz do citado diploma legal, resulta que as mesmas devem ser consideradas nulas à luz do referido regime das cláusulas contratuais gerais, contratadas sem prévia negociação individual, que estabelece limitações incompatíveis com as obrigações impostas pela recorrida e contratadas pela recorrente;

eee) Considerando a nulidade de tais cláusulas, forçoso se torna concluir a manifesta falta de legitimidade para a resolução contratual por parte da Recorrida, o que impõe que daí se retire a mesma conclusão explanada em aaa);

fff) Quando no dia 24 de Setembro de 1999, o gerente da recorrente, obedecendo à imposição da Recorrida, subscreveu a carta de denúncia do contrato de concessão, carta por esta ultima minutada (resposta ao artigo 61º da BI), depositou dessa forma nas mãos da recorrida 50 anos de trabalho de toda uma família, sem qualquer contrapartida para além de promessas que rapidamente se provaria serem vãs;

ggg) Viu-se sem a concessão ao abrigo da qual vendia os produtos representados pela recorrida, e sem os automóveis semi-novos cuja venda seria o cerne da sua nova actividade. O que era a sua razão de existir, a “C” tirara por meio de artifícios; o que seria a sua forma de subsistir, a “C” negava sem sombra de pudor;

hhh) A actuação ardilosa, insidiosa e malévola da recorrida configurou flagrante violação dos princípios da boa-fé na execução dos contratos e da boa-fé pré-contratual, plasmados nos artigos 762º, n.º 2 e 227º do Código Civil (artigos que se entende terem sido violados), no que respeita ao processo mediante o qual extorquiu à recorrente a carta de denúncia e às promessas incumpridas quanto à sua actividade futura;

iii) Princípios de boa-fé, note-se, que se mostravam especialmente prementes atentas as longas décadas de relacionamento entre as partes;

jjj) Tal actuação culposa da recorrida constituiu a causa directa dos danos sofridos pela recorrente, tal como explicitados na p.i. e amplamente provados, os quais não se teriam verificado não fora o pérfido plano pela primeira empreendido;

lll) Fecha-se assim o círculo da responsabilidade da recorrida, que culposamente praticou factos ilícitos que foram causa directa de danos sofridos pela recorrente, os quais deverão pois ser indemnizados pela recorrida, como peticionado.

mmm) De harmonia com o disposto no artigo 748º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Recorrente declara expressamente que MANTÉM O INTERESSE EM TODOS OS AGRAVOS OPORTUNAMENTE INTERPOSTOS e que permanecem retidos, devendo pois os mesmos subir juntamente com o presente recurso.

Termos em que, com o douto suprimento de Vª Exªs, deve a sentença do Tribunal recorrido ser revogada, sendo proferida outra que julgue procedente a acção.


Assim se fazendo a devida justiça! “

APRECIANDO A APELAÇÃO

Requerendo a apelante a reapreciação da prova há que apreciar se se verifica, antes de mais, a arguida nulidade decorrente da não gravação do depoimento da testemunha “L”.

Refere a Apelante nas suas alegações de recurso que:

“Nos presentes autos, o depoimento da testemunha “L” (21.06.2005, cassete nº 1, lado B, 474, a cassete nº 2, lado A, 152), que fundamentou a resposta do douto Tribunal a quo aos artigos 108º, 111º, 112º, 116º a 119º, não se mostra devidamente gravado através de registo sonoro.
Encontra-se por isso inviabilizada a possibilidade desse Venerando Tribunal dar cumprimento ao citado dispositivo legal.
Tal omissão gera nulidade no que respeita à parte do depoimento desta testemunha.
Ademais importa referir que, salvo melhor opinião, entende a recorrente que a nulidade ora arguida é insanável, já que a norma não se destina tão somente a facultar às partes o reexame da prova produzida, mas também a possibilitar ao Tribunal da Relação a absoluta faculdade de repor a justiça material e de julgar a matéria de facto que, indiscutivelmente, “... constitui o principal objectivo do processo civil declaratório...”, julgamento esse que “... justifica e norteia toda a tramitação anterior, desde a alegação da matéria de facto nos articulados, passando pelo saneamento e condensação, até à proposição e produção dos meios de prova capazes de influir na convicção do julgador” (António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 2ª edição, pág. 165).
Acresce que a recorrente, ao constatar deficiência de gravação e na dúvida sobre se a mesma se reflectia tão somente na cópia que lhe foi entregue, ou também na cassete original, requereu ao douto Tribunal a quo esclarecimento acerca dessa dúvida, bem como, caso a cassete original se encontrasse audível, a entrega de nova cópia desta e prorrogação do respectivo prazo para produzir alegações.
A tal requerimento e constatada a falta de gravação da cassete original, conforme informação de fls. 2.664, esse mesmo Tribunal despachou no seguinte sentido:
“…I. Dê conhecimento a ambas as partes do teor da informação supra.
II. Entregue nova cópia das cassetes à A..
III. Quanto ao requerimento de prorrogação do prazo para a apresentação das alegações, será apreciado depois da parte contrária se pronunciar, ou decorrido o prazo para tal.
Entretanto, não ocorre qualquer suspensão do prazo para apresentação das alegações…”.
Assim, o douto Tribunal a quo entendeu dever conferir à recorrida o direito de se pronunciar sobre o prazo requerido pela recorrente, o que no entender desta não se mostrava necessário, já que integra os poderes discricionários do Tribunal.
Resultou daí que, no dia 10 de Julho de 2006 (último dia para apresentação das alegações sem pagamento da respectiva multa) ainda não tivesse sido proferido despacho sobre o prazo requerido.
Ficou por isso a recorrente impossibilitada de proceder à análise crítica do depoimento – fundamental – da testemunha “L”.
Impossibilidade essa extensível a este Venerando Tribunal, que se vê assim, na prática, impedido de sindicar de forma plena toda a prova produzida.”


Ouvida por este tribunal a cassete onde estaria gravado o depoimento de tal testemunha constata-se que não ficou devidamente gravado, impedindo a sua apreciação.
Por outro lado resulta dos autos o seguinte circunstancionalismo que se nos afigura relevante para a apreciação da invocada nulidade:
1. As cassetes com a gravação da inquirição das testemunhas, e concretamente da cassete que continha o depoimento da testemunha “L” foram entregues, por 15 dias, ao mandatário da Apelante no dia 10.1.2006- vide fls 2326.
2. Nessa data ainda não tinha terminado o julgamento pois que nesse mesmo dia proferiu o tribunal despacho a designar o dia 13 de Fevereiro de 2006 para continuação do julgamento.-.fls 2324.
3. A entrega de tais cassetes tinha em vista a preparação dos debates sobre a matéria de facto das alegações de facto, pois que nem sequer tinha havido resposta à base instrutória e sentença- vide acta de fls. 2323 a 2325.
4. A sentença foi proferida no dia 26.4.2006.
5. O recurso de apelação da sentença foi interposto no dia 16.5.20006, admitido no dia 26.5.2006, tendo sido enviada carta datada de 24.5.20006 ao Advogado da Apelante notificando-o da admissão do recurso.
6. Estando a decorrer o prazo para as alegações de recurso, no dia 28.6.2006 o Advogado da A. informou o tribunal que o depoimento da testemunha “L” era inaudível, requerendo a entrega de novas cópias audíveis e prorrogação de prazo para alegar por um período não inferior a 20 dias.
7. A fls 2664 dos autos consta a informação da secção, datada de 4.7.2006, de que a cassete respeitante à gravação do depoimento daquela testemunha tanto no original como na cópia contem deficiências havendo uma parte do depoimento inaudível.
8. O tribunal em face dessa informação proferiu despacho, nessa mesma data e ordenou a entrega de nova cópia da cassete ao Advogado da Apelante, não suspendeu o prazo para apresentação das alegações e relegou para momento posterior, após audição da parte contrária, a apreciação da requerida prorrogação de prazo para apresentação de alegações.(vide fls. 2664)
9. Tal despacho foi cumprido em 5.7.06 tendo sido feita a notificação por correio registado aceite em 7.7.06- vide fls. 2665 e 2676.
10. A parte contrária pronunciou-se a fls.2670 a 2673, concluindo que o tribunal deveria indeferir a solicitado prorrogação de prazo.
11. O tribunal não proferiu nenhum outro despacho sobre o pedido de prorrogação de prazo para a apelante apresentar alegações, questão cuja apreciação tinha relegado para momento posterior.
12. A Apelante apresentou as alegações de recurso no dia 13.7.2006, suscitando a questão da nulidade decorrente da não gravação do depoimento daquela testemunha.


Vejamos se se verifica a invocada nulidade.


Dispõe o art. 522º-B, do CPC, que as audiências finais e os depoimentos nele prestados são gravados sempre que alguma das partes o requeira por não prescindir da documentação da prova nela produzida.

Sendo a gravação efectuada por sistema sonoro, nos termos que constam do art. 522º-C do CPC.

Normativos introduzidos no ordenamento jurídico com a reforma do processo civil pelos Decretos-Leis nº 329-A/95, de 12 de Dezembro e nº 39/95, de 15 de Fevereiro.


Este último diploma regulamentou especificamente a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida.

E o seu preâmbulo assinala, de forma clara, as funções desempenhadas pela documentação ou registo das audiências finais e da prova produzida.

Pretendeu-se, através do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento, alcançar três objectivos:

Em primeiro lugar, tal registo amplia as garantias das partes no processo, e nessa perspectiva, cria um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa a real possibilidade de reacção quanto a incorrecções na apreciação das provas pelo julgador e quanto à fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito;

Em segundo lugar, o registo dos depoimentos prestados em audiência constitui o meio mais idóneo para evitar que aqueles que depõem intencionalmente deturpem a verdade dos factos, inquinando as respostas à matéria de facto e respectiva motivação;

Finalmente, o registo das audiências e da prova nelas produzida configura-se, ainda, como instrumento adequado para auxiliar de forma relevante o próprio julgador sobre as matérias sobre as quais foram sendo prestados os sucessivos depoimentos.


O estabelecimento da possibilidade da gravação das audiências finais, ao implicar a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, determinou a criação – particularmente para o Recorrente que impugna a decisão proferida sobre a prova gravada ou registada – de um especial ónus de alegação, em consequência do preceituado no art. 690º-A do CPC.

Este especial ónus de alegação, a cargo do Recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das Relações (resultantes da nova redacção do art. 712º do CPC) e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

Daí que se estabelecesse no art. 690º-A do CPC que o Recorrente devia , sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto. Este preceito foi contudo revogado pela ultima reforma ao CPC mas nos termos do art. 685 -B do CPC continua a incumbir ao recorrente delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar e indicar os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo de gravação da prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto indicando, com exactidão as passagens da gravação em que se funda..

É, inquestionável, que o registo da prova tem a utilidade de permitir ao Tribunal, em caso de dúvida sobre a decisão da matéria de facto, a reconstituição do conteúdo do acto de produção da prova e a função de permitir às partes o recurso dessa decisão, que de outro modo não seria possível ao tribunal de recurso.

Mas, não sendo audíveis os registos dos depoimentos gravados, a parte que tenha interposto recurso da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto vê-se impedida de exercer o seu direito de recurso com tais fundamentos, ficando coarctada a possibilidade de salientar quaisquer incongruências ou discrepâncias entre o que a testemunha realmente disse em julgamento e o que o Tribunal deu efectivamente como provado.


Ora, tendo a Apelante recorrido da decisão da matéria de facto indicando para fundamentar a pretendida alteração, entre outros, o depoimento daquela testemunha a conclusão a que se tem de chegar, em face da deficiência da gravação, é que as verificadas deficiências do registo magnético são impeditivas da reapreciação da prova. Este tribunal de recurso não pode reapreciar a prova, no que à referida testemunha respeita.



A deficiência da gravação constitui uma nulidade secundária, das previstas no art.º 201º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, uma vez que tal deficiência integra uma omissão de um acto prescrito na lei (art.º 7º, n.º 2, do Dec. – Lei n.º 39/95, de 15/2), que pode nitidamente influir na decisão da causa por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de facto pelas partes com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pela Relação.
Como tal, deve ser arguida pela parte que nisso tenha interesse nos termos do art.º 205º, n.º 1, do mesmo Código.
Este dispositivo, porém, pressupõe o conhecimento do cometimento da nulidade, ou por esta ser detectável quando cometida, ou por o dever ser quando a parte, posteriormente a tal cometimento, intervenha em algum acto praticado no processo ou seja notificada para qualquer termo dele. Nem sequer faria sentido que a parte fosse obrigada a arguir nulidades que não soubesse ou não tivesse obrigação de saber que haviam sido cometidas, sendo que, na hipótese dos autos, só dela se poderia aperceber precisamente quando, pretendendo impugnar a matéria de facto, analisasse a gravação.
Assim, desconhecida a nulidade durante a audiência, é manifesto que não poderia ser arguida durante esta.
.
E só pode ter tomado conhecimento da nulidade porventura existente quando começou a preparar as alegações da apelação, e verificou que tal depoimento não era audível tendo oportunamente requerido e dentro do prazo para apresentar as suas alegações nova cópia audível.
E não só requereu eventual cassete audível que o tribunal tivesse como prorrogação do prazo para alegar.
Sem dúvida que não arguiu a nulidade no prazo de dez dias (art.º 153º do mesmo Código) a contar dessa entrega que lhe foi feita 10.1.2006.
Nem sequer seria exigível que o fizesse no prazo de 10 dias a contar dessa data pois o julgamento ainda não havia terminado, nem sequer havia sido dada a resposta à base instrutória e proferida a sentença. Tal nulidade presume-se detectada apenas após interposição e admissão do recurso, quando já começara o prazo para elaboração das alegações, e como meio necessário para delimitação do objecto do recurso, que abrangia a apreciação da matéria de facto pela Relação.
Note-se que a Apelante suscitou a apreciação dessa questão, ainda, na 1ª instância, e antes de ter apresentado as alegações(embora no decurso do respectivo prazo) sem que o tribunal recorrido tenha tomado posição, não obstante a informação que lhe foi feita pela secção de que as cassetes existentes com a gravação daquele depoimento tinham as apontadas deficiências. A própria apelante alertou o tribunal para esse facto, solicitando até uma prorrogação do prazo para alegar tendo o tribunal determinado a entrega de novas cópias (que já sabia não conterem a gravação plena daquele depoimento, o que constituiu um acto inútil) e a notificação da parte contrária para se pronunciar quanto à prorrogação do prazo para a A. alegar, não tendo posteriormente a esta resposta proferido qualquer despacho.
Numa situação destas incumbiria ao tribunal, até oficiosamente, repetir o julgamento ouvindo novamente a testemunha.
Assim sendo entendemos que a arguição de tal nulidade atento o circunstancialismo já referido (1 a 12 supra) foi feita em tempo, pois que tendo o tribunal ordenado a entrega de nova cópia da cassete por despacho de 4.7.06, notificado por correio registado no dia 5.7.06 e aceite no dia 7.7.06 veio a apelante argui-la nas próprias alegações da apelação que apresentou em 13.7.2006 até ao termo do prazo para a apresentação das mesmas. Sem dúvida que o prazo de nulidade, no caso “sub-judice”, deve, contar-se a partir do momento em que o Tribunal determina a entrega de nova cópia da cassete.
De outro modo a parte seria “punida” pelo facto de num primeiro momento ter cooperado com o Tribunal avisando para uma circunstância que poderia, eventualmente, ser resolvida.
De resto, o n.º 6 do art 698 do CPC , conjugado com o disposto no art.º 690º-A, n.º 2, do mesmo Código, conduz ao entendimento de que só aquando da elaboração das alegações da apelação em que pretenda impugnar matéria de facto o recorrente tem de analisar a gravação, cuja falta de análise anterior não constitui por isso violação de qualquer dever de diligência, e portanto ao entendimento de que a arguição da eventual nulidade pode ser feita só então, uma vez que os dez dias acrescidos são concedidos precisamente para possibilitar a análise das gravações pelo recorrente apenas na fase da elaboração das mesmas alegações, dado que ele pode não se ter conformado com a decisão sobre a matéria de facto somente por, face a apontamentos que tenha tomado ou a partes de depoimentos de que se recorde, admitir divergência de interpretação que fez da prova produzida em relação ao decidido pelo Juiz, podendo nada o levar a crer, na altura da interposição do recurso, na existência da deficiência da gravação.
E muito embora a jurisprudência não seja pacífica quanto a esta questão parece-nos mais acertada esta corrente jurisprudencial, que defende que não é exigível à parte ou ao seu mandatário que procede à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), arguir tal nulidade, sendo no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto.
Mas numa situação como a retratada nos autos nem sequer teremos de sustentar o decidido com base nesta corrente jurisprudencial pois que a arguição da nulidade nas alegações de recurso foi feita em tempo.

Assim sendo, deverá ser repetido o julgamento apenas com a audição da referida testemunha.

DECISÃO

Pelo exposto negam provimento aos recursos de agravo interpostos e julgam procedente o recurso de apelação determinando a repetição do julgamento apenas com a audição daquela testemunha cujo depoimento ficou deficientemente gravado, mais se anulando os termos subsequentes (despacho decisório da matéria de facto e sentença).
A recorrente suportará a custas dos agravos não providos.

Lisboa, 13 de Outubro de 2009

Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/0/12e30bdf104d686080257662005cc032?OpenDocument

sexta-feira, 27 de abril de 2012

RESPONSABILIDADE FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 28-03-2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2083/07.3TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: RESPONSABILIDADE
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 28-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO

Sumário: I – O sinistrado não pode renunciar aos créditos emergentes do acidente de trabalho, carecendo de qualquer eficácia uma declaração nesse sentido, mas pode emitir uma declaração de quitação relativamente a tais créditos, na medida em que a quitação pressupõe o cumprimento da prestação debitória.
II – A circunstância de os sócios da sociedade empregadora – nos quais se inclui o sinistrado de acidente de trabalho sofrido ao serviço da mesma – declararem na escritura de dissolução da sociedade que esta “não tem activo nem passivo”, não implica por si só o reconhecimento por parte do sinistrado de que a sua empregadora não lhe deve qualquer quantia por força daquele acidente.
III – Impedem a fixação de tal sentido interpretativo as circunstâncias de, por um lado, não estar ainda definido no momento da escritura, nem judicial, nem extra-judicialmente, que à sociedade cabia uma parcela de responsabilidade pelo ressarcimento do referido acidente de trabalho e, por outro, de a sociedade empregadora considerar, à data, que nada devia ao sinistrado por ter toda a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para uma companhia de seguros.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П

1. Relatório
1.1. Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, é autor o sinistrado AA e são réus:
· BB - Companhia de Seguros, S.A.,
· AA e CC, ambos na qualidade de sócios da sociedade empregadora do sinistrado, DD – Sociedade de Construção Civil, Lda. (a qual foi entretanto dissolvida e liquidada) e
· Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT).
Na tentativa de conciliação a que alude o art. 108.º do Código do Processo de Trabalho, realizada em 2008.02.07, o sinistrado, a seguradora e o empregador DD – Sociedade de Construção Civil, Lda aceitaram a existência e caracterização do acidente dos autos como acidente de trabalho, as lesões sofridas pelo sinistrado bem como o nexo de causalidade entre estas e o acidente. O acordo não foi logrado por o sinistrado não aceitar a avaliação da sua incapacidade pelo perito médico que interveio na fase conciliatória, considerando estar afectado de incapacidade superior, por a seguradora aceitar o acordo proposto pelo MP, mas apenas com referência a uma retribuição anual de € 6.743,80 e por o empregador não aceitar qualquer responsabilidade, por entender que o contrato de seguro que celebrou com a ré/seguradora cobria a totalidade da retribuição anual auferida pelo autor/sinistrado que era de € 8.211,20, não aceitando igualmente a avaliação da incapacidade feita pelo referido perito médico.
O sinistrado deu início à fase contenciosa do processo em 2008.07.10, demandando a BB - Companhia de Seguros, S.A. e a DD – Sociedade de Construção Civil, Lda.
Alegou na sua petição inicial, em síntese: que sofreu um acidente de trabalho em 2006.09.04, em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram incapacidades temporárias, bem como a incapacidade permanente parcial atribuída pelo perito médico que interveio na fase conciliatória, a qual agora aceita, e que à data do acidente auferia uma retribuição de € 8.211,20.
Terminou pedindo a condenação das RR, a pagar-lhe o capital de remição da pensão decorrente da incapacidade de que é portador, na proporção das respectivas responsabilidades, e bem assim que a R. empregadora seja condenada a pagar-lhe a quantia correspondente às diferenças de indemnizações por incapacidades temporárias.
A R. seguradora apresentou a contestação de fls. 76 e ss., na qual reiterou a posição assumida na tentativa de conciliação.
Apurando-se que a R DD-Sociedade de Construção Civil, Lda. foi dissolvida e liquidada por deliberação da sua Assembleia Geral de 2008.06.30, foi CC –, nos termos previstos no art. 162º e 163°, n°s 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais, assumindo estes a posição processual da R. empregadora. No mesmo despacho foi determinado o prosseguimento da acção contra o Fundo de Acidentes de Trabalho, “prevendo a eventualidade de na sentença final, se vir a entender que a empregadora é responsável pelas prestações decorrentes de acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado e que os sócios nada receberam na sequência da partilha dos bens daquela (arts. 39° da Lei n° 100/97, de 13/09, e 1°, no 1, a) do D.L. 142/99 de 30/04, e 27°, al. a) do CPT)” – vide o despacho de fls. 174.
Citados os chamados, apenas o FAT veio a contestar, sustentando que os sócios da empregadora devem ser responsabilizados pelo pagamento das prestações decorrentes do presente acidente, em substituição da sociedade extinta e que o sócio sinistrado ao declarar que a empresa não tem qualquer passivo, necessariamente reconhece que já não lhe deve qualquer quantia, nomeadamente a emergente do acidente de trabalho em causa, pelo que a 2.ª R. já nada deve ao sinistrado e que, a não ser assim, foram prestadas falsas declarações aquando da dissolução da R., devendo o liquidatário responder nos termos do artigo 158.º do CSC e não devendo o FAT assumir a responsabilidade pela reparação.
Foi proferido despacho saneador, com selecção dos factos assentes e controvertidos, e o FAT deduziu reclamação, que foi parcialmente atendida.
Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto sem reclamação (fls. 253 e ss.), foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, e em consequência, decide este Tribunal:
A- Fixar as incapacidades de que o autor/sinistrado AA esteve afectado em consequência do acidente de trabalho dos autos (ocorrido em 04/09/2006) em:
− Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 05/09/2006 até 11/05/2007;
− Incapacidade Temporária Parcial (ITP) de 20% desde 12/05/2007 até
17/05/2007;
− Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 6,9% desde 17/05/2007 (data da alta).
B- Condenar a ré/seguradora Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao autor/sinistrado:
1- O capital de remição de uma pensão de € 325,73 (trezentos e vinte e cinco Euros, e setenta e três cêntimos), com início em 18/05/2007;
2- Juros de mora sobre a quantia referida em 1-, contados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde a data ali referida até integral pagamento;
3- A quantia de € 8 (oito Euros), a título de reembolso de despesas com
transportes.
C- Condenar o Fundo de Acidentes de Trabalho a pagar ao autor/sinistrado as seguintes quantias:
1- € 713,98 (setecentos e treze Euros e noventa e oito cêntimos), a título de indemnizações por incapacidades temporárias;
2- O capital de remição de uma pensão de € 70,88 (setenta Euros e oitenta e oito cêntimos), com início em 18/05/2007.
D- Absolver os réus AA e CC de todos os pedidos.»

1.2. O FAT, inconformado, interpôs recurso desta decisão, tendo arguido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, no requerimento de interposição de recurso.
Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. O A., ainda patrocinado pelo Ministério Público, respondeu pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. Concluiu do seguinte modo:
(…)
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 296, no qual o Mmo Juiz a quo se pronunciou no sentido de que se não verifica a invocada nulidade e acrescentou que, caso assim se não entenda, bastará atentar na natureza indisponível dos direitos do sinistrado para concluir que a argumentação do FAT carece de fundamento.
1.5. O A. constituiu mandatário (vide a procuração de fls. 302), cessando o patrocínio do Ministério Público.
1.6. Subido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – duas questões se colocam à apreciação deste tribunal:
1.ª – a da invocada omissão de pronúncia;
2.ª – a de saber se o FAT deve ser responsabilizado pelo pagamento das prestações devidas pelo empregador ao sinistrado AA.
*
3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1- A DD – Sociedade de Construção Civil, Lda (adiante designada “Empregadora”) dedicava-se à actividade de construção, reparação, e demolição de edifícios.
2- No dia 04/09/2006, cerca das 14h00m o autor, AA (adiante designado “autor”) trabalhava [como] sob as ordens, orientação e autoridade da empregadora, como carpinteiro, e mediante contrapartida em dinheiro.
3- Na ocasião referida em 1- o autor encontrava-se a exercer as funções ali referidas, numa obra a cargo da empregadora, em ....
4- Na ocasião e local referidos em 2- e 3-, quando trabalhava com um tubo de ventilação de ar, o autor caiu de um andaime para o chão.
5- Em consequência da queda referida em 4-, e o autor sofreu as lesões físicas documentadas a fls. 22-23, nomeadamente traumatismo do ombro direito e coluna lombar, com fractura do corpo de L2.
6- Em consequência dos factos descritos em 4- e 5-, e das sequelas decorrentes das lesões referidas em 5- o autor ficou afectado de:
− “Incapacidade Temporária Absoluta”, desde 05/09/2006 a 11/05/2007;
− “Incapacidade Temporária Parcial” de 20%, desde 12/05/2007 até 17/05/2007;
− “Incapacidade Permanente Parcial” desde 17/05/2007 (data da alta).
7- A empregadora e a ré BB- Companhia de Seguros, S.A. (adiante designada “ré/seguradora”), celebraram entre si um acordo escrito, que vigorou pelo menos a partir desde 07/09/2000, titulado pela apólice ....
8- Nos termos do acordo escrito mencionado em 7-, a Empregadora transferiu para a ré/seguradora o risco da ocorrência de “acidentes de trabalho” sofridos por trabalhadores ao seu serviço, até determinado limite.
9- A ré/seguradora entregou ao autor a quantia global de € 3.280,84, a título de “indemnizações por incapacidades temporárias”.
10- Do registo comercial da empregadora constam as seguintes inscrições:
“Insc. 3 AP. 31/20080104 15:59:29 UTC – ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE
SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA : 3.500,00 Euros
TITULAR: AA
QUOTA: 1.500,00 Euros
TITULAR: CC
(…)
Insc. 4 AP. 13/20080707 12:01:32 UTC – DISSOLUÇÃO E ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO
Data da aprovação das contas: 2008-06-30
(…)
Nome do depositário: AA
(…)
Insc. 5 OF. 20080708 – CANCELAMENTO DA MATRÍCULA
(…)”
11- A inscrição de dissolução da empregadora, mencionada em 10- foi instruída com cópia da “ACTA nº. 10”, que se acha a fls. 158-159, datada de 30/06/2008, e onde consta nomeadamente, que aquela sociedade “já não exerce qualquer actividade, e não tem activo nem passivo, tendo o respectivo património sido absorvido na actividade desenvolvida”.
12- À data referida em 2-, o autor auferia:
− € 507,00 mensais, a título de “vencimento”;
− Montantes iguais ao referido em a), a título de “subsídio de férias” e de “subsídio de Natal”;
− € 101,20 por cada dia mês de trabalho efectivamente prestado, a título de “subsídio de alimentação” …
− … perfazendo um total anual de € 8.211,20 [(€ 507 x 14) + (€ 101,20 x 11)]
13- À data referida em 2- o acordo referido em 7- garantia, relativamente ao autor, uma remuneração anual de € 6.743,80 (€ 481,70 x 14).
[...]».
Estes os factos a atender para resolver as questões postas no recurso uma vez que no caso sub judice não foi impugnada a matéria de facto e não ocorre qualquer das situações que autorizam o Tribunal da Relação a alterá-la oficiosamente ou a determinar a sua ampliação (cfr. o artigo 712.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
*
4. Fundamentação de direito
*
4.1. As questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo à luz do regime jurídico dos acidentes de trabalho constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, uma vez que o acidente sub judice ocorreu em 4 de Setembro de 2006, no âmbito da sua vigência.
Ao caso é igualmente aplicável a regulamentação da Lei dos Acidentes do Trabalho de 1997, inserida no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
*
4.2. O recorrente arguiu a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, anunciando sinteticamente que procedia a tal arguição nos termos do preceituado no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) por falta de pronúncia do Mmo. Juiz sobre questões que devia apreciar.
No início da sua alegação explicita as razões por que considera verificar-se aquela nulidade, enunciando conclusões especificamente respeitantes a tal matéria.
Por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer. Este normativo pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida e possibilitando-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
No requerimento de interposição de recurso o recorrente limita-se a arguir genericamente a nulidade da sentença com indicação do preceito em que entende dever a mesma subsumir-se, sem que indique, mesmo resumidamente, as razões de tal arguição.
Tem, contudo, a jurisprudência admitido que aquela exigência se mostrará cumprida, no caso de o requerimento e a alegação constituírem peça única, com a exposição dos motivos determinantes das nulidades feita na alegação, imediatamente a seguir ao requerimento stricto sensu, de forma perfeitamente clara e autónoma – vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.10.31, Recurso n.º 1442/07, de 2008.03.12, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005 (também em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade a norma constante do art. 77.º do CPT/99 “na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição de recurso com referência a que se apresenta a arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço do tribunal superior”.
É o que sucede no caso sub judice, uma vez que o recorrente dedica a primeira parte da alegação à substanciação das razões por que considera verificar-se a nulidade, enunciando conclusões a ela especificamente respeitantes, razão pela qual se irá tomar conhecimento da arguição.
*
4.3. Invoca o recorrente que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 668º do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão por si suscitada na contestação de estar o sinistrado (sócio da empregadora) ressarcido dos danos emergentes do acidente uma vez que na acta em que foi decidida a dissolução os sócios declararam não ter a sociedade activo nem passivo.
Compulsando a contestação de fls. 193 e ss., verifica-se que nela o FAT invoca a responsabilidade dos sócios do empregador pelas consequências do sinistro, apesar da dissolução e liquidação nos termos do artigo 162.º do CSC e, além disso, alega que, ao terem os sócios declarado não haver activo nem passivo a liquidar, e sendo um dos sócios o próprio sinistrado, este reconheceu então que a sociedade não lhe deve qualquer quantia emergente do acidente de trabalho dos autos e, a não ser assim, foram prestadas falsas declarações e o liquidatário deve responder pelo passivo nos termos do artigo 158.º do CSC.
A nulidade por omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 668.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, consiste no incumprimento do dever que ao juiz incumbe de, na sentença, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, bem como aquelas cujo conhecimento oficioso lhe seja imposto por lei (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo CPC).
Analisada a sentença, verifica-se que a Mmo. Julgador a quo abordou na mesma a questão da responsabilidade dos sócios da sociedade liquidada, concluindo que a mesma se não verifica em face do que prescrevem os artigos 146.º, 162.º, n.º 1 e 163.º, n.º 1 do CSC e por se não ter feito prova de que na partilha receberam bens desta (conforme a resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
Mas não enfrentou concretamente a questão do reconhecimento pelo sinistrado de que a sociedade não lhe deve qualquer quantia e da responsabilidade dos liquidatários nos termos do artigo 158.º do CSC, sendo evidente a falta de pronúncia sobre estas questões suscitadas pelo recorrente na sua contestação, o que implica, ao abrigo dos artigos 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, 666.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil a nulidade da sentença recorrida, nessa parte.
É assim de considerar verificada a arguida nulidade, procedendo a 1.ª questão suscitada no recurso (conclusões 1.ª a 3.ª).
*
4.4. Consequentemente cabe a este tribunal, nos termos do artigo 715.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, conhecer das questões que deixaram de ser conhecidas pelo tribunal recorrido, uma vez que os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários.
Afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo as partes, nos termos previstos no n.º 3 daquele artigo 715.º, dado que a omitida apreciação se reporta, precisamente, à segunda questão colocada no recurso, que é discutida nas conclusões 4.ª a 10.ª da apelação e nas contra-alegações do A. As partes tiveram, pois, ampla oportunidade de sobre tal matéria se pronunciarem, pelo que a decisão a proferir nunca constituirá decisão-surpresa, sendo a consequência natural do conhecimento cabal do objecto do recurso.
Passamos, assim, a enfrentar a segunda questão enunciada.
*
4.5. No âmbito do regime jurídico dos acidente de trabalho aplicável ao acidente sub judice, o art. 39º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro prevê a criação de uma entidade com autonomia administrativa e financeira destinada a assumir e suportar o “pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária” estabelecidas nos termos daquela lei “que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação”.
Por outro lado, nos termos do preceituado no artigo 1º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 142/99 de 30 de Abril, diploma que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho (F.A.T.) anunciado naquela lei, constitui competência desta entidade:
“Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável.”
Confrontada com a situação da dissolução e posterior liquidação da sociedade empregadora “DD – Sociedade de Construção Civil, Lda.” (factos n.ºs 10. e 11.), a sentença recorrida analisou a questão da eventual responsabilidade pessoal dos sócios pelo pagamento das anteriores dívidas da sociedade, concluindo que a mesma se não verifica.
E, para sustentar a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho, discorreu nos seguintes termos (excluem-se as notas de rodapé):
«[…]
4 – DA RESPONSABILIDADE DO FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Estabelece o art. 39º, nº 1 da LAT que “A garantia do pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas nos termos da presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento, ou impossibilidade de identificação, serão assumidas e suportadas por fundo dotado de autonomia a criar
por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, nos termos a regular”.
Desta disposição legal decorre claramente que sempre que ocorra o desaparecimento da entidade empregadora, pode o fundo ali identificado – e que é o Fundo de Acidentes de Trabalho11 - ser accionado nos termos da referida disposição legal. Nestes casos, não tem a insuficiência económica da entidade empregadora que ser comprovada por processo de insolvência.
No caso que nos ocupa, verifica-se que os sócios da DD, Lda procederam à sua dissolução, e posteriormente levaram a cabo a inscrição no registo comercial do encerramento da dissolução.
Como já referimos, nos termos do disposto no art. 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, o registo do encerramento da liquidação subsequente a dissolução de uma sociedade comercial tem por efeito a extinção da mesma. O conceito de “desaparecimento” que consta do art. 39º da LAT, acima transcrito abrange seguramente todas as situações de extinção de sociedades comerciais.
Assim sendo, conclui-se que no caso em apreço se verifica a situação prevista no art. 39º da LAT, pelo que deve o FAT pagar as prestações pecuniárias da responsabilidade da empregadora, e que adiante serão objecto de cálculo.
Não obstante, o FAT não responde pelo pagamento de juros de mora devidos pela entidade empregadora (art. 2º, nº 6 do citado DL 143/99, alterado pelo DL 187/2007).
Pagando as quantias ao autor/sinistrado as quantias que competia à empregadora suportar, ficará o FAT sub-rogado nos correspondentes direitos e privilégios creditórios (art. 5º-B, nº 1 do mesmo diploma).
[…]»
Não está em causa no recurso a questão de saber se a situação da extinção da pessoa colectiva se mostra compreendida na hipótese do “desaparecimento” da entidade responsável, tal como o mesmo foi enunciado nos artigos 39.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e 1.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 142/99 (questão que não é pacífica na jurisprudência).
A sentença recorrida configurou a dissolução e posterior liquidação da pessoa colectiva – a sociedade empregadora “DD, Lda.” – como um efectivo desaparecimento e o recorrente não o questionou no recurso, pelo que incumbe acatar tal entendimento decisório (cfr. o artigo 684.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).
As questões colocadas pelo recorrente FAT para sustentar que não deve assumir a responsabilidade pela reparação situam-se num outro plano.
*
4.6. Em primeiro lugar, sustenta que o empregador nada deve ao sinistrado – o que logicamente determinaria que nenhuma responsabilidade poderia assumir o FAT – e ancora esta afirmação na circunstância de o sinistrado ter declarado na escritura de dissolução da sociedade que esta não tem qualquer passivo, pelo que necessariamente reconhece que já não lhe deve qualquer quantia, nomeadamente a emergente do acidente de trabalho em causa.
Resulta dos factos provados que, efectivamente, após o acidente dos autos (verificado em Setembro de 2006), o sinistrado veio a tornar-se sócio da sociedade de construção civil empregadora em Janeiro de 2008 e que, em Junho de 2008, foi deliberada a dissolução e liquidação da sociedade declarando os sócios, nos quais se inclui o sinistrado, que a sociedade não tinha activo nem passivo.
Deve começar por se dizer que a declaração em causa nunca poderia configurar uma renúncia do sinistrado aos créditos emergentes do acidente de trabalho que sofreu em 4 de Setembro de 2006. Como bem é sublinhado no despacho que se pronunciou pela inverificação da nulidade assacada à sentença (vide fls. 296), careceria de qualquer eficácia uma declaração no sentido de o sinistrado renunciar aos direitos emergentes do acidente de trabalho de que fosse titular perante a sua empregadora, por força do que estabelecem os artigos 34.°, n.° 2 e 35.° da Lei n° 100/97, de 13 de Setembro.
De todo o modo, sempre pode perspectivar-se a alegação do recorrente de que o sinistrado reconheceu não lhe dever o empregador qualquer quantia na óptica de que a mesma equivaleria a uma declaração de quitação relativamente aos créditos emergentes do acidente sub judice, nada obstando, em abstracto, a que a mesma se verifique, na medida em que pressupõe o cumprimento da prestação debitória (cfr. o artigo 787.º do Código Civil).
A tese que o recorrente pretende fazer valer no recurso de que, com a declaração dos sócios da sociedade de que esta não tem passivo, o sinistrado “reconhece” que a sociedade nada lhe devia, resulta da interpretação que o mesmo faz de tal declaração, da mesma retirando a conclusão de que o sinistrado se encontrava já ressarcido pelo seu empregador dos danos emergentes do acidente.
Não podemos concordar com esta perspectiva.
Senão vejamos.
Nos termos do preceituado no art. 236.º, n.º 1, do CC, “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Acolhe este preceito a denominada doutrina objectivista da “impressão do destinatário”: a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; mas, de acordo com o n.º 2, do mesmo preceito legal, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre ela e a declarada.
Como sublinham os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, “[a] normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante” – in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 3.ª edição, p. 223.
Ou, no dizer do Professor Mota Pinto, “[r]eleva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do destinatário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer” – in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 3.ª edição, pp. 447-448.
Tenha-se também presente que nos termos do disposto no art. 238.º, n.º 1, do CC, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Tendo por horizonte estes critérios interpretativos, entendemos que, no circunstancialismo do caso concreto, nunca poderia conferir-se à declaração dos sócios da sociedade de que esta não tem passivo o alcance que o recorrente pretende dar-lhe.
Na verdade, para além de naquele momento não estar ainda definido – nem judicial, nem extra-judicialmente – que à sociedade cabia uma parcela de responsabilidade pelo ressarcimento do acidente de trabalho em análise nestes autos, há que ter presente que a sociedade empregadora considerava, então, que nada devia ao sinistrado por ter toda a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a R. Companhia de Seguros.
Foi essa a posição que emitiu na tentativa de conciliação realizada em 7 Fevereiro de 2008 no âmbito dos presentes autos, aí referindo expressamente que “não aceita responsabilizar-se pelo acidente uma vez que considera que estava totalmente transferido para a companhia de seguros o salário base de auferido pelo sinistrado de € 507,00 x 14, acrescido de € 101,20 x 11 de subsídio de alimentação. O que perfaz o montante global anual de 8.211,20. Assim, entende que é à companhia de seguros a quem cabe a responsabilização global pelo acidente de trabalho” (vide fls. 49-52) e que reiterou em requerimentos avulsos ulteriormente efectuados, juntando documentos que na sua perspectiva o comprovavam (vide fls. 126 e ss.).
Pelo que, em coerência, declararam os sócios na escritura de dissolução celebrada em 30 de Junho desse mesmo ano de 2008 que a sociedade não tinha passivo.
E o sinistrado, na qualidade de sócio da sociedade, entendia também certamente que, quanto a este aspecto do acidente (e nenhum outro cabe aqui analisar), a sociedade não tinha passivo.
Sendo, por isso, claramente excessivo atribuir àquela sua declaração, na qualidade de sócio, o alcance de esta equivaler ao reconhecimento de que o mesmo, na qualidade de sinistrado, se encontrava ressarcido pela sociedade dos danos emergentes do acidente.
E cabe lembrar que o recorrente FAT conhece necessariamente a tramitação deste processo e a posição que nele a sociedade empregadora foi assumindo, pelo que, perspectivando-o como um declaratário normal com capacidade para entender o conteúdo da declaração e diligente na apreciação de todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, nunca poderia considerar equivaler a declaração em causa ao reconhecimento de que a R. já nada lhe deve a título de reparação dos danos do acidente, como alega na contestação e reitera no recurso.
A esta conclusão não obsta a circunstância de o sinistrado vir a demandar ulteriormente a seguradora e a sociedade empregadora quando em Julho de 2008 despolotou a fase contenciosa do presente processo especial, na medida em que, perante a posição assumida pela seguradora na tentativa de conciliação e a possibilidade de o contrato de seguro não cobrir a totalidade da remuneração auferida, se impunha ao Digno Magistrado do Ministério Público que o patrocinava a demanda conjunta, na petição inicial apresentada ao abrigo do artigo 119.º do Código de Processo do Trabalho, de ambas as entidades que poderiam ser responsabilizadas pelas consequências do acidente. A não o fazer, e perante o dissídio que resultava da tentativa de conciliação quanto ao âmbito da transferência da responsabilidade, sempre o juiz determinaria mais tarde a intervenção da sociedade empregadora nos termos previstos no artigo 127.º do mesmo diploma, sem que tal signifique, obviamente, o reconhecimento inequívoco da responsabilidade desta.
Em suma, nem os elementos interpretativos disponíveis confortam a posição do recorrente de que o sinistrado reconheceu na escritura encontrar-se ressarcido pela sociedade dos danos emergentes do acidente, nem tal específico sentido interpretativo tem o mínimo de correspondência no texto do documento constante de fls. 158-159 (parcialmente transcrito no ponto 11. da matéria de facto), ainda que imperfeitamente expresso.
Improcede, nesta parte, o recurso.
*
4.7. Sustenta ainda o recorrente que, a não se considerar que o sinistrado reconheceu não lhe dever a sociedade empregadora qualquer quantia com a declaração de que a empresa não tem passivo, tal favorece a fraude, permitindo que as entidades responsáveis sacudam as respectivas responsabilidades bastando que os sócios deliberem a dissolução.
Também aqui lhe não assiste razão.
Se a responsabilidade da sociedade dissolvida e liquidada se atém sempre ao seu património, não deixa de estar igualmente prevista a responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais, prevendo a lei expressamente as hipóteses em que sejam prestadas falsas declarações aquando da dissolução das sociedades, fazendo nesses casos recair sobre os liquidatários o encargo de responder perante os credores sociais.
É o que resulta do disposto nos artigos 146.º e ss. do CSC, dos quais destacamos os seguintes preceitos relativos à liquidação da sociedade:
Artigo 154.º
Liquidação do passivo social
1 - Os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social.
2 - No caso de se verificarem as circunstâncias previstas no artigo 841.º do Código Civil, devem os liquidatários proceder à consignação em depósito do objecto da prestação; esta consignação não pode ser revogada pela sociedade, salvo provando que a dívida se extinguiu por outro facto.
3 - Relativamente às dívidas litigiosas, os liquidatários devem acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil.

Artigo 158.º
Responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais
1 - Os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados.
2 - Os liquidatários cuja responsabilidade tenha sido efectivada, nos termos do número anterior, gozam de direito de regresso contra os antigos sócios, salvo se tiverem agido com dolo.

Artigo 163.º
Passivo superveniente
1 - Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.
2 - As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341.º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.
3 - O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no n.º 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 - Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais.
5 - Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.
Assim, mostra-se expressamente prevista a hipótese de os liquidatários, com culpa, indicarem falsamente à assembleia que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, responsabilizando-os a lei pessoalmente para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados. O que responde directamente às apreensões sobre a hipótese de fraude enunciadas pelo recorrente.
Deve acrescentar-se que, no caso em análise, nada indicia que se verifique a culpa dos sócios liquidatários pressuposta no artigo 158.º do CSC.
Na medida em que, na perspectiva do empregador – expressa na tentativa de conciliação e, noutros momentos do processo, em requerimentos avulsos – havia transferido para a seguradora a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho quanto ao sinistrado relativamente a todo o salário auferido por este, não restaria para si qualquer responsabilidade pela reparação de tal acidente. E é absolutamente compreensível e coerente com esta posição que os seus sócios liquidatários, igualmente, considerassem não ter a sociedade qualquer passivo no que diz respeito à referida reparação do acidente sub judice, nada emergindo dos autos que indicie a sua culpa.
Acresce que, ainda que assim não fosse, sempre se teria de concluir pela inaplicabilidade do art. 158º já que, por força deste normativo, o liquidatário é responsável pessoalmente para com os credores sociais:
- se indicar falsamente, nos documentos apresentados à assembleia que os direitos de todos os credores estão satisfeitos ou acautelados, nos termos da lei;
- se, para tanto, agir com culpa; e
- se a partilha se efectivar, isto é, se tiver havido entrega de bens aos sócios.
Não estando provado, no caso em apreço, também este último requisito jamais poderia lograr aplicação o invocado preceito – vide sublinhando este aspecto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2008, Processo n.º 08B1184, in www.dgsi.pt.
Nada justifica, pois, a responsabilização dos liquidatários nos termos do artigo 158.º do CSC, como defende o ora recorrente.
Finalmente, cabe sublinhar que na presente acção os sócios da sociedade empregadora assumiram a qualidade de réus, sendo chamados, enquanto sócios, em substituição de sociedade extinta, nos termos do art. 162.º do CSC e que foi produzida prova no sentido de se aferir se na partilha de bens da sociedade receberam bens desta – a fim de os responsabilizar na medida do recebido – prova que não foi feita como se infere da resposta negativa ao art. 4º da base instrutória.
Pelo que também não poderiam sequer tais sócios ser responsabilizados nos termos dos artigos 162.º e 163.º do CSC, não merecendo qualquer censura a douta sentença recorrida quando conclui pela absolvição dos sócios da DD, Lda de todos os pedidos e pela consequente responsabilização do ora recorrente FAT pelo pagamento das prestações que competia à referida sociedade suportar nos termos previstos no artigo 39.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro de 1997 e 1.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99.
Sempre sem prejuízo, no caso de satisfação pelo FAT das prestações devidas, da sub-rogação do Fundo em todos os direitos dos pensionistas para reembolso das prestações que tenha pago, seja nos termos gerais do regime da sub-rogação legal, constante dos artigos 592.º a 594.º, do Código Civil, seja de acordo com a expressa previsão constante do artigo 5.º-A, do DL n.º 142/99, na alteração que lhe foi introduzida pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio – vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2011, Recurso n.º 282/05.1TTVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt.
Soçobra, totalmente, o recurso.
*
4.8. Apesar de vencido no recurso que interpôs, o FAT encontra-se isento de custas (artigo 29º, nº 1, alínea a) do CCJ), pelo que não há lugar a custas.
*
*
4. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a douta sentença da 1.ª instância.
Sem custas.
*
Lisboa, 28 de Março de 2012

Maria José Costa Pinto
Seara Paixão
Ferreira Marques

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/359ad5d97671a9a9802579d7003575cf?OpenDocument


Pesquisar neste blogue