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segunda-feira, 28 de maio de 2012

PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO CÔNJUGE UNIÃO DE FACTO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 15/05/2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
885/09.5T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
CÔNJUGE
UNIÃO DE FACTO

Data do Acordão: 15-05-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 218º, AL. A) DO C. CIVIL

Sumário: I – A causa subjectiva bilateral de suspensão da prescrição constante da alínea a) do artº 218º do Código Civil – de harmonia com a qual a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges – não é aplicável, por integração analógica ou interpretação extensiva, aos membros da união de facto.
II - O prazo de prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa de prestações realizadas no contexto de união de facto conta-se do momento da cessação desta.

III - No caso de persistência de non liquet sobre a quantidade da obrigação, o devedor deve ser condenado naquilo que se vier a liquidar em momento ulterior.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

C… interpôs recurso ordinário de apelação da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro, Comarca do Baixo Vouga, que, do mesmo passo, julgando parcialmente tanto a acção, declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, que propôs contra J…, como a reconvenção deduzida por este:

a) Declarou que a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão e andar do edifício principal poente, entrada 1, do prédio urbano sito na …, inscrito na matriz predial urbana sob o nº e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, pertence à autora;

b) Declarou que o réu não tem qualquer direito a permanecer e habitar no referido prédio;

c) Condenou o réu a restituir à autora os bens móveis constantes do arrolamento realizado no procedimento cautelar apenso.

d) No mais, face ao direito do réu de retenção do imóvel até ao recebimento do valor do seu crédito relativo às obras realizadas no imóvel e identificadas nos autos, absolveu o réu do pedido de entrega do imóvel, de abstenção de actos que impeçam a autora de o fruir e de sanção pecuniária compulsória por cada dia que mediar até essa entrega.

e) Condenou a autora a pagar ao réu as quantias de €35.000 (trinta e cinco mil euros) e de €6.000 (seis mil euros), relativas ao valor suportado para aquisição do imóvel e ao valor das obras nele realizadas pelo réu, acrescidas de juros de mora contados desde 11 de Setembro de 2009 até integral pagamento.

A recorrente, que pede, no recurso, a revogação desta sentença, na parte posta em crise, condensou a sua alegação nestas conclusões:

...

Na resposta o recorrido - depois de obtemperar, designadamente, que o momento relevante para o início da prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa surge quando cessa a união de facto e, por via disso, a fruição em comum dos bens adquiridos com participação de ambos os membros – concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.


2. Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:



3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Na espécie do recurso, o recorrido, pediu, em reconvenção – no articulado de contestação, apresentado por via electrónica no dia 7 de Setembro de 2009 – a condenação da recorrente a pagar-lhe a quantia de € 64.800,00, tendo alegado como causa petendi, o enriquecimento sine causa da apelante, resultante do facto de parte do preço da fracção autónoma - € 35.000,00 – ter sido satisfeito com um crédito seu relativamente ao vendedor, de ter pago, desde a data da escritura – 16 de Janeiro de 2006 - até Dezembro de 2007, metade das prestações do empréstimo contraído, em nome da apelante, para aquisição da mesma fracção, e de ter realizado nela obras diversas no valor de € 25.000,00.

A recorrente opôs ao recorrido, na réplica, a excepção peremptória da prescrição, por se terem passados mais de 3 anos entre a data da escritura e a data da apresentação do articulado de contestação.

No tocante ao valor das obras realizadas pelo apelado, a decisão recorrida, por se saber que o réu não aplicou a totalidade da mão-de-obra, mas se ignorar se foi o réu que custeou, na totalidade, os materiais, pelo que a questão deveria ser decidida com apelo à equidade, julgou adequado fixar o valor a restituir ao réu em € 6.000,00; a mesma sentença, depois de observar que a alínea a) do artigo 318º do Código Civil é aplicável, seja por aplicação extensiva ou analógica, às situações de união de facto, e que a defesa pelo membro devedor do casal (em união) de que o prazo de prescrição correu independentemente e mesmo durante a união de facto, constitui um manifesto abuso de direito, por violação dos ditames boa-fé, que devem presidir sobremaneira nos relacionamentos pessoais – julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição.

São estes dois pontos que merecem a aberta discordância da recorrente. No seu ver, de um aspecto, todos os créditos do recorrido, reconhecidos pela sentença recorrida foram atingidos pela prescrição, não sendo abusiva a sua alegação, e de outro, o valor do crédito relativo à realização das obras, determinado por critérios de equidade, nunca poderá ser superior a um terço do seu custo global.

Maneira que, tendo em conta os parâmetros de delimitação da competência decisória deste Tribunal representados pelo conteúdo da decisão recorrida e das alegações de ambas as partes, as questões concretas controversas que há que resolver são as de saber se:

a) Os créditos cuja titularidade a sentença impugnada reconheceu ao apelado foram ou não atingidos pela prescrição;

b) Ao alegar essa prescrição, a recorrente actua em abuso do direito;

c) O valor das obras realizadas pelo recorrido deve ser fixado em valor não superior a um terço do seu custo global.

A resolução destes problemas vincula naturalmente, à determinação do terminus a quo do prazo prescricional aplicável aos direitos de crédito do recorrido e ao exame do procedimento de decisão no caso de obrigação genérica.

No julgamento do recurso importa, contudo, ter presente que a sua improcedência, e a consequente confirmação da decisão recorrida, podem resultar da modificação pelo tribunal do fundamento dessa mesma decisão. Quer dizer: o tribunal superior pode aceitar a procedência do recurso – mas encontrar outro fundamento, distinto daquele que foi utilizado pelo tribunal de que ele provém, para confirmar a decisão recorrida.

3.2. Terminus a quo do prazo de prescrição aplicável.

Como se notou, não se discute no recurso a obrigação de restituição, assente no enriquecimento sine causa em que a recorrente, segundo a sentença impugnada, se encontra constituída: a controvérsia gravita limitadamente em torno do problema de saber se o direito de crédito correspondente do recorrido foi ou não atingido pela prescrição.

Realmente, cessada a união de facto, coloca-se frequentemente o problema da liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e da restituição das atribuições patrimoniais feitas, na pendência dessa união, por um deles ao outro.

De harmonia com certa doutrina, essa liquidação deve ser actuada de acordo com os princípios das sociedades de facto – quando os respectivos pressupostos se verifiquem[1]. Na jurisprudência, porém, havendo património adquirido com esforço comum, admite-se que a respectiva liquidação seja feita de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa ou com os princípios das sociedades de facto[2].

No entanto, a ausência da finalidade lucrativa da comunhão de vida[3] em que se traduz a união de facto, opõe-se ao uso da construção da sociedade de facto. Nestas condições, a composição dos interesses patrimoniais conflituantes deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada ao membro da união de facto que, por exemplo, contribuiu com dinheiro seu para que o outro interviesse como adquirente no contrato de compra e venda de um imóvel ou de um automóvel[4].

Na espécie do recurso tudo está, pois, em saber se deve reconhecer-se à recorrente o direito potestativo de opor a prescrição ao direito à restituição por enriquecimento sem causa, alegado pelo recorrido e reconhecido pela sentença recorrida.

A prescrição – de que o Código Civil não dá uma noção – assenta num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo. A ideia comum que lhe preside é a de uma situação de facto que se traduz na falta de exercício dum poder, numa inércia de alguém que, podendo ou porventura devendo actuar para a realização do direito, se abstém de o fazer[5].

Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de, licitamente, recusar a prestação a que estava adstrito (artº 304 nº 1 do Código Civil).

A prescrição não tem, portanto, uma eficácia extintiva, antes se limita a paralisar o direito do credor, dado que apenas confere o direito potestativo de a invocar: se este direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos; se a prescrição for invocada, a obrigação converter-se-á em obrigação natural – como tal inexigível, mas com solutio retendi[6].

É, naturalmente, sobre o devedor que recai o encargo de provar a prescrição da obrigação, ou melhor, os seus elementos estruturais: a não exigência do crédito pelo credor; o início e o decurso do lapso prescricional (artº 342 nº 2 do Código Civil).

Se o demandado conseguir provar estes dois elementos estruturais da prescrição – prescrição que sendo um facto impeditivo do direito de crédito alegado pelo autor ou pelo réu reconvinte é, ao mesmo tempo, fonte do direito potestativo invocado pelo demandado (devedor) de extinguir a relação obrigacional – passa a ser sobre o autor ou réu reconvinte que recai o ónus de provar o facto extintivo – v.g. renúncia do devedor à prescrição ou a sua suspensão - do direito potestativo do direito invocado pelo demandado[7].

Assim, no tocante à prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa, é a parte que, perante a invocação pela contraparte, do direito à restituição, alegue a prescrição que deve provar o decurso do prazo, articulando, evidentemente, os factos relevantes[8].

O direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (artº 482, 1ª parte, do Código Civil).

O início do prazo de prescrição é, evidentemente, um factor estruturante do próprio instituto. No tocante à obrigação de restituição fundada no enriquecimento sine causa, o Código Civil adopta, pois, em contrário da regra geral, o sistema subjectivo: o prazo começa a correr quando o empobrecido tenha conhecimento do seu direito e da pessoa que deve responder (artº 498 nº 1 do Código Civil). O conhecimento do direito reporta-se ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito e não a um conhecimento abstracto do direito, sendo a partir desse conhecimento que se contam os três anos[9].

À prescrição do direito à restituição assente no enriquecimento sem causa pode suspender-se nos termos gerais. Assim, por exemplo, a prescrição não começa nem corre entre cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens (artº 318 nº a) do Código Civil).

A razão material desta causa bilateral subjectiva de suspensão inicial da prescrição – dado que uma vez verificada ou no momento em que consubstanciam os requisitos que marcam o início da prescrição, esta não começa – radica no carácter peculiar do vínculo jurídico que liga os cônjuges – o vínculo jurídico do casamento – e da relação jurídica que dele emerge: a relação jurídica familiar em que o estado de casado se resolve. Uma pessoa casa e, depois, é outra, é juridicamente outra. E é outra a condição da sua pessoa, como é outra a situação dos seus bens.

A praescripitio dormens resultante da suspensão da prescrição apontada, visa, justamente obviar, por um lado, a que, com receio da prescrição se instale entre os cônjuges uma litigiosidade desnecessária, comprometedora, em última extremidade, da subsistência do casamento, e, por outro, que qualquer dos cônjuges, ordenado pelo propósito de salvaguardar a estabilidade do casamento ou por temor reverencial, prescinda dos seus direitos.

São portanto, duas as razões, embora de desigual importância, que presidem a esta causa de suspensão da prescrição: a primeira, e de longe mais significante, é a da exigência, na constância do casamento, por um dos cônjuges ao outro, da prestação devida, ser susceptível de causar danos graves na harmonia conjugal e de degradar, irremediavelmente, a relação dos cônjuges[10]; a outra, nitidamente subalterna, é constituída pelo perigo de um dos cônjuges, por força da ascendência que eventualmente tenha sobre o outro, determinar este cônjuge a abster-se do exercício do direito de crédito. A suspensão mantém-se mesmo no caso de separação judicial de pessoas e bens dado que, o vínculo conjugal, embora enfraquecido, ainda subsiste, com uma relevância interpessoal suficiente para que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio[11].

No caso do recurso, a sentença apelada, depois de verificar que a recorrente e o recorrido viveram em união de facto – embora se ignore a exacta duração dessa convivência, sabendo-se apenas que teve início em momento posterior à do respectivo divórcio, decretado por decisão passada em julgado no dia 20 de Novembro de 2003, e que já não subsistia em 22 de Dezembro de 2007 – e partindo, decerto, do pressuposto de que o prazo de prescrição direito à restituição da quantia de € 35.000,00 que foi descontado no preço de aquisição da fracção autónoma da recorrente, teve inicio na data em que foi outorgada a respectiva escritura pública de compra e venda – 16 de Junho de 2006 – concluiu pela sua suspensão, seja por aplicação extensiva ou analógica da estatuição da alínea d) do artº 318 do Código Civil às situações de união de facto.

A causa de suspensão da prescrição discutida – como, de resto, todas as demais – configura uma excepção à regra da continuidade e do curso ininterrupto do prazo da prescrição (artº 296 do Código Civil)[12]. As normas reguladoras da suspensão são, por esse motivo, excepcionais – já que devem entender-se como tais as regras que contrariam o regime geral.

Além disso, as causas de suspensão da prescrição são típicas e, por isso, a enumeração legal obedece ao princípio do numerus clausus, sendo, pois, taxativa, só comportando as concretizações do tipo que nela estiverem previstas. Como as tipologias taxativas são tipologias fechadas, elas não admitem a aplicação analógica a subtipos não previstos.

Nestas condições, as causas de suspensão são insusceptíveis de integração por analogia[13] - tomando-se aqui o conceito de analogia como aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de um argumento de semelhança substancial com os casos regulados – a chamada analogia legis, não a analogia iuris (artº 10 do Código Civil)

Em face do carácter excepcional e típico das normas reguladoras da suspensão da prescrição, deve ter-se, seguramente, por excluída a aplicação, por integração analógica, à prescrição do direito de restituição por enriquecimento sine causa, actuado pelo recorrido, da apontada causa de suspensão (artº 11, 1ª parte, do Código Civil).

Não é admissível, pois, por um argumento a simile – ou argumento com base na analogia – aplicar à situação objecto do recurso a apontada praescripitio dormens.

Sempre que a lei proíba a analogia – como sucede genericamente no tocante às normas excepcionais e às tipologias taxativas – mas admita a interpretação extensiva, a proibição pressupõe a prévia resolução desta questão delicada: a dos limites da interpretação admissível, ou seja, a questão de saber o que pertence à interpretação permitida e o que pertence já à analogia proibida.

Salienta-se este ponto, dado que não falta quem sustente que não é logicamente possível nem metodologicamente legítimo distinguir entre interpretação e analogia[14].

Decerto que o processo lógico é o mesmo; decerto que integração e interpretação são momentos, ambos, do processo metodológico de aplicação fundamentalmente unitário. Todavia, nada disto deve fazer esquecer que existem processos hermenêuticos cuja conclusão se mantém no quadro dos significados comuns atribuídos às palavras utilizados pelo legislador e processos cuja conclusão o ultrapassa.

O legislador é obrigado a exprimir-se através de palavras; as quais nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário se apresentam quase sempre polissémicas. Por isso, o texto legal se torna carente de interpretação - e neste sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de concretização, complementação ou desenvolvimento judicial – oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum, literal, um quadro de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos de interpretação. Fora deste quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se já inserido num domínio da analogia proibida. Neste sentido, aquele quadro não constitui um critério ou elemento – mas limite da interpretação admissível.

Um dos resultados possíveis da interpretação é, assim, a interpretação extensiva: o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto da lei fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal utilizada pelo legislador peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Em face disso, o intérprete estende então o texto, imprimindo-lhe um alcance conforme com o pensamento legislativo, fazendo coincidir a letra da lei com o seu espírito. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pelo texto são indubitavelmente abrangidos pelo seu espírito: da própria ratio legis decorre, v.g., que o legislador se quis referir a um género; mas, numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma espécie desse género.

A interpretação extensiva verifica-se, pois, sempre que a letra da lei se refira à espécie e o seu significado deva abarcar, por imposição dos elementos não literais da interpretação, o género ou sempre que a letra de uma tipologia taxativa respeito a um a alguns subtipos e o seu significado deva abranger, pelo mesmo motivo, outros subtipos do mesmo tipo[15].

A interpretação extensiva é, portanto, uma interpretação praeter litterum, dado que a dimensão pragmática da lei vai além da sua dimensão semântica e tem subjacente um juízo de agregação – o que vale para a parte deve valer para o todo

Como daqui decorre, a interpretação extensiva, assume, regra geral, a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei reclama a aplicação aos casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei, mas que indubitavelmente se compreendem na sua finalidade.

São dois os argumentos que se podem convocar para fundamentar uma interpretação extensiva: o argumento de identidade de razão – argumento a pari – e o argumento de maioria de razão – argumento a fortiori. De harmonia com o primeiro, onde a razão de decidir seja a mesma, mesma há-de ser a decisão; de acordo com o segundo, se a lei contempla, explicitamente, certas situações para que estabelece um dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justifiquem aquele regime.

Como se notou, a previsão da causa de suspensão indicada refere-se aos cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens, e, portanto, visa directamente a relação jurídico-familiar instituída pelo casamento. Dado que a palavra cônjuge tem, no contexto da lei, uma significado preciso e unívoco – o de pessoas unidas pelo vínculo jurídico jurídico do casamento – atribuir-lhe também o sentido de pessoas unidas de facto, ultrapassa nitidamente os limites da interpretação admissível e o caso já é nitidamente de aplicação analógica, dado que as pessoas que mantém uma relação de convivência e de comunhão à margem do casamento não são, para o bem e para o mal, cônjuges,

Mas ainda que ex-adverso o contrário se devesse entender, a verdade é que não há razões – seja de identidade ou de maioria de razão – para interpretar extensivamente aquela norma, de modo estender a respectiva causa de suspensão da prescrição aos unidos de facto, dado que a letra da lei não comporta uma excepção implícita que não é admitida pelo seu espírito.

A união de facto – heterossexual – é a convivência duradoura de homem e uma mulher como se casados fossem (artº 1 nº 1 da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio)[16]; descritivamente, a única diferença entre esta união e o verdadeiro matrimónio será, pois, a falta do vínculo formal do casamento[17].

A conjugação dos direitos de fundação constitucional de constituir família e de contrair casamento mostra que a Constituição não admite a redução do conceito da família à união conjugal, baseada no casamento.

O conceito constitucional de família não compreende, portanto, apenas a família matrimonializada. Do ponto de vista constitucional, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família, ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges[18].

Todavia, nada impõe, mesmo constitucionalmente, um tratamento jurídico inteiramente igual das famílias baseadas no casamento e das não matrimonializadas, desde, claro está, que as diferenciações não sejam arbitrárias, irrazoáveis ou desproporcionadas[19].

O princípio da protecção da união de facto – quer decorra directamente da abertura constitucional à união de facto quer do direito ao livre desenvolvimento da personalidade – não exige que o legislador – e muito menos o intérprete e o aplicador - dê à união de facto direitos idênticos aos que dá ao casamento, equiparando as duas situações.

Casamento e união de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem um compromisso de vida em comum, do qual resultam limitações graves aos seus direitos absolutos, pessoais e patrimoniais; os unidos de facto não querem, ou não podem, assumir esse compromisso.

Um tratamento diferente das duas situações, em que as pessoas que vivem em união de facto não tendo os mesmos deveres, não tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se, portanto, conforme com o princípio da igualdade, que só trata como igual o que é igual e não o que é diferente.

A norma que equiparasse, por inteiro, a união de facto ao casamento é que seria, ela sim, constitucionalmente ilegítima. Uma norma que nivelasse a união de facto e o casamento, impondo aos seus membros os mesmos deveres e reconhecendo-lhes os mesmos direitos que impõe e concede às pessoas casadas seria inconstitucional dado que o violaria o direito de não casar, dimensão ou vertente negativa ineliminável do direito de casar; Se as pessoas não podem casar, porque, por exemplo, existe um impedimento legal ao seu casamento, mal se compreenderia que a união de facto tivesse os mesmos efeitos do casamento que elas não podem celebrar (artº 2º da Lei 7/2001, de 11 de Maio); se as pessoas unidas de facto não querem casar, embora lhes fosse lícito contrair casamento, seria violento impor-lhes um estatuto matrimonial que, deliberadamente, não desejam: uma tal imposição violaria, abertamente o seu direito de não casar[20].

O direito a não ser forçado a contrair matrimónio, designadamente porque se quer desenvolver livremente a personalidade, ficaria vazio se as consequências jurídicas de viver em união de facto fossem exactamente as mesmas, em termos de deveres e direitos recíprocos, que as derivadas do casamento[21]. Se duas pessoas se recusam a casar são submetidas ao mesmo estatuto de direitos e deveres recíprocos que se aplica às pessoas casadas, que sentido tem recusar-se a contrair matrimónio, e, consequentemente, que sentido tem o reconhecimento do direito a não casar?

Está, portanto, fora de causa a equiparação da união de facto ao casamento, tão evidente se torna que da união de facto não decorrem para os respectivos sujeitos as obrigações de fidelidade, respeito, cooperação e assistência a que vincula os cônjuges (artº 1779 do Código Civil), e que, por outro lado, a união de facto não tem efeitos sucessórios nem determina a aplicação de um regime de bens aos respectivos sujeitos, cujas relações patrimoniais são regidas, em princípio, pelo direito comum das obrigações e dos direitos reais.

È claro que esta circunstância não impede, porém, que a união de facto se qualifique como relação de família, embora de conteúdo incomparavelmente mais pobre que a relação matrimonial. Nem a tanto fará obstáculo a norma que enumera as fontes das relações jurídicas familiares – o artº 1576 do Código Civil - pois o elenco das relações familiares nela constante, que mantém a redacção de 1966, poderá considerar-se alterado pela evolução legislativa - e jurisprudencial – posterior.

Crê-se, porém, que mesmo na fase ou no estado actual do nosso direito, e cingindo-nos aos efeitos meramente civis, a união de facto não deve considerar-se para a generalidade dos efeitos, como relação de família[22].

Como se notou, as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros estão sujeitas a um estatuto especial, denominado regime de bens do casamento. Não assim na união de facto: os seus membros são, em princípio, estranhos um ao outro, estando as suas relações jurídicas patrimoniais sujeitas, por inteiro, ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais e, por isso, podem contratar com terceiros ou entre si como de estranhos se tratasse. De outro aspecto, ao passo que o casamento, apesar do crescimento amolecimento do vínculo conjugal resultante da flexibilização ou da facilitação crescente do divórcio, é marcado por uma vocação de perpetuidade, ainda que meramente tendencial, a união de facto é caracterizada pela extrema precariedade, dado que pode dissolver-se, ad nutum, por simples acto de vontade de um dos seus membros: a permanência ou a cessação da união de facto é coisa que o Direito abandona por inteiro à vontade discricionária e mesmo arbitrária de cada um dos seus membros (artº 8 nº 1 b) da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio).

Nestas condições, não é admissível, através da simples actividade de interpretação, estender à união de facto normas cuja ratio assente na existência de uma relação jurídica familiar e tenham, por fundamento final principal, ainda que não exclusivo, a preservação do vínculo de que decorre essa relação, como é, notoriamente, a norma relativa à suspensão da prescrição entre cônjuges.

Em absoluto remate: não há razão para supor que, na norma considerada, o espírito da lei vá além da sua letra, de modo a que dessa fonte seja permitido inferir uma regra que não está abrangida na sua letra.

De resto, no caso, se deve ter-se por certo que a recorrente e o recorrido, posteriormente, à extinção, por divórcio, do seu casamento, conviveram em união de facto – dado que viveram juntos e a fazer vida de casal, em comunhão de mesa e leito, como se fossem marido e mulher – também se deve ter-se por exacto que não está demonstrada uma das condições de relevância dessa união: a duração superior a dois anos. Na verdade, a matéria de facto disponível não é suficiente para concluir que a convivência entre o recorrido e a recorrente teve aquela duração.

Ora, não estando demonstrada um dos pressupostos exigidos para que a união de facto possa beneficiar das medidas específicas de protecção indicadas na lei, como maior razão se deve recusar a aplicação – seja por via analógica ou simplesmente interpretativa – de normas especificamente dispostas para pessoas casadas.

Apesar disso, a união de facto em que viveram a recorrente e o recorrido não pode deixar de se ter por relevante, designadamente para o aspecto capital do recurso ao instituto do enriquecimento sine causa para regular as consequências patrimoniais decorrentes da cessação daquela convivência, dado que este efeito é de todo independente da sua duração e resulta das regras de direito comum, a que é indiferente o facto de a união não beneficiar também das especiais medidas de protecção.

Nestas condições, a recorrente, tem, quanto a este ponto, inteira razão: ao contrário do que sustenta a sentença apelada, aquela causa de suspensão da prescrição não é aplicável, seja por integração analógica, seja por interpretação extensiva, aos membros da união de facto.

Mas esta conclusão não é incompatível com a improcedência, neste segmento, do recurso.

Estando irrecusavelmente assente que as partes viveram em união de facto, já cessada e que, no contexto dessa convivência, se verificaram transferências patrimoniais do património do recorrido para o da recorrente, o prazo de prescrição do direito à sua restituição, por enriquecimento sine causa, conta-se, não do momento em que foram feitas as atribuições patrimoniais – mas do momento em que união de facto cessou[23].

De harmonia com regras de experiência e critérios sociais, a causa jurídica, ou ao menos, o motivo, das atribuições patrimoniais feitas no contexto de uma união de facto, é, justamente, essa convivência comum e a comunhão correspondente. Com a cessação dessa convivência desaparece, simultaneamente, a causa jurídica ou motivo da atribuição, em termos que legitimam o surgimento de uma pretensão dirigida à restituição do enriquecimento (artº 473 nº 2 do Código Civil). Seja qual for o enquadramento dogmático que se tenha por preferível – a condictio ob causam finitam ou outro[24] - deve entender-se que é no momento em que cessa a convivência e a comunhão de facto que surge o direito à restituição e, portanto, que é nesse momento que o membro da união adquire o conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa e, naturalmente, da pessoa que deve restituir.

Como no caso entre o momento em que cessou a união de facto em que viveram a recorrente e o recorrido e a dedução por este do pedido de restituição não decorreram mais de três anos, é meramente consequencial a conclusão de que o seu direito à restituição por enriquecimento sine causa não foi atingido pela prescrição (artºs 279 do Código Civil e 267 nº 1 do CPC).

Note-se que esta conclusão sempre permaneceria exacta no tocante ao direito à restituição, por enriquecimento sem causa, no tocante aos trabalhos realizados pelo recorrido, ainda que o prazo de prescrição, contra o que se disse, se devesse contar do momento da realização da atribuição patrimonial. É que a recorrente não demonstrou – como era seu ónus – a data em que a atribuição patrimonial correspondente teve lugar, e, portanto, a data do início do curso do prazo prescricional. Como haveria que resolver contra a apelante a dúvida correspondente, sempre seria de concluir pela improcedência, no tocante a essa prestação, da excepção peremptória da prescrição (artºs 342 nº 2 e 346, in fine, do Código Civil e 516 do CPC).

Em absoluto remate: o direito à restituição por enriquecimento sem causa alegado pelo recorrido e amparado pela sentença apelada não foi atingido pela prescrição.

Esta conclusão prejudica, evidentemente, a apreciação da questão abuso do direito, pela apelante, na actuação do direito potestativo de invocar a prescrição (artº 660 nº 2 do CPC). Dir-se-á, em todo o caso, que o argumento fundado no abuso do direito, adiantado, subsidiariamente, pela sentença impugnada, para deter a invocação pela recorrente, da prescrição sempre se deveria ter por improcedente. Patentemente, a matéria de facto disponível é insuficiente, para, com fundamento, na boa fé ou na tutela da confiança, deter o exercício pela recorrente do direito potestativo de invocar a prescrição (artº 334 do Código Civil).

Neste ponto, o recurso deve, pois, ter-se por improcedente. Resta por isso, aferir da bondade do outro fundamento da impugnação: o referido à questão do direito à restituição do enriquecimento relativo aos materiais aplicados pelo recorrido na fracção da recorrente e à mão-de-obra gasta por aquele naquela aplicação.

A sentença impugnada fixou o valor da obrigação, por recurso à equidade, em € 6 000,00. A recorrente discorda, achando que aquele cálculo é manifestamente exagerado, sendo adequado, no seu ver, quantificar aquela obrigação em um terço do custo global, daqueles materiais e desta mão-de-obra, apurado - € 7 000,00.

O conhecimento deste segmento da impugnação vincula ao exame do procedimento de decisão no caso da obrigação genérica.

3.3. Procedimento de decisão no caso de obrigação genérica.

Constitui ocorrência ordinária, o juiz chegar à sentença e verificar que, devendo condenar o demandado, o processo não lhe fornece, porém, os elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, só lhe resta uma solução jurídica: proferir uma condenação genérica, quer dizer, condenar o réu no que se vier a liquidar (artº 661 nº 2 do CPC).

A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação.

A obrigação é incerta quando a respectiva prestação não se encontra determinada ou individualizada; é ilíquida quando a sua quantidade não se encontra determinada. A iliquidez pode referir-se quer a prestações pecuniárias quer a prestações de dare.

É axiomático que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas de forma coactiva, pela razão evidente de que não se pode executar o património do devedor antes de determinar a quantia devida ou pedir a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada (artº 47 nº 5 do CPC). Assim, tem de ser liquidada a condenação em quantia ilíquida (artº 661 nº 2 do CPC).

A regra é esta: a liquidação há-de fazer-se no processo de declaração que tenha por objecto o direito à prestação e, portanto, só pode reservar-se para momento ulterior, em última extremidade, quando não seja possível fazê-lo naquele processo (artº 378 nº 1 do CPC).

Porém, quando a existência do direito á prestação e do correspondente dever de prestar não ofereça dúvida mas se desconhece o respectivo quantum, a única solução materialmente admissível é a condenação do devedor na realização daquela prestação – e a remessa da fixação do seu quantum para momento posterior[25].

Portanto, diversamente da solução normal para as situações de non liquet – que é o proferimento de uma decisão onerada com a prova – a incerteza sobre a quantia devida justifica apenas que se relegue para momento ulterior a sua quantificação (artº 516 do CPC). Esta solução parece decorrer da circunstância de, na determinação do quantum da obrigação, não se poder ficcionar o facto contrário àquele que devia ser provado como fundamento da decisão do tribunal[26].

Este pensamento transparece nitidamente na solução disposta na lei para o caso de, mesmo no incidente ulterior específico da liquidação, a prova produzida pelas partes se mostrar insuficiente para fixar a quantia devida: quando isso sucede, incumbe-se o juiz de a completar, mediante indagação oficiosa e, nomeadamente, através da produção de prova pericial (artº 380 nº 4 do CPC). Mesmo aqui, a persistência do non liquet sobre a quantidade da obrigação não dá lugar à intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova e ao consequente desfavorecimento da pretensão do credor, antes se impõe ao tribunal o dever de ultrapassar a deficiência, mediante iniciativa própria.

No caso que constitui o universo das nossas preocupações, está assente que o custo da mão-de-obra e dos materiais necessários para executar os trabalhos realizados na fracção da autora ascenderia a cerca de € 7 000,00. Mas – como notou a sentença apelada ela mesma – desconhece-se quantidade exacta de mão-de-obra que o recorrido despendeu na aplicação daqueles materiais e também não se sabe se foi o apelado que custeou a totalidade dos materiais aplicados.

Sendo irrecusável que ao recorrido assiste o direito à restituição dessas prestações – e que a recorrente está vinculada ao dever correspondente - também é inegável que se ignora o seu quantum exacto.

Importa, portanto, relegar para momento ulterior a fixação do exacto quantum daquele direito e da correspectiva obrigação de restituição.

Expostos todos os argumentos, afirma-se em síntese que:

1º) A causa subjectiva bilateral de suspensão da prescrição constante da alínea a) do artº 218 do Código Civil – de harmonia com a qual a prescrição não começa nem corre entre os cônjuges – não é aplicável, por integração analógica ou interpretação extensiva, aos membros da união de facto;

2º) O prazo de prescrição da obrigação de restituição por enriquecimento sem causa de prestações realizadas no contexto de união de facto conta-se do momento da cessação desta;

3º) No caso de persistência de non liquet sobre a quantidade da obrigação, o devedor deve ser condenado naquilo que se vier a liquidar em momento ulterior.

O recurso deve, pois, nestes termos proceder. As custas dele deverão ser satisfeitas pelo sucumbente – a recorrente – excepto na parte da obrigação cuja liquidação se relega para momento ulterior, em que as custas serão satisfeitas, provisoriamente, pela recorrente e pelo recorrido, em partes iguais (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

Dada a pouca complexidade do tratamento processual do objecto do recurso, a respectiva taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B que integra o RCP (artº 6 nº 2).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, consequentemente:

a) Revoga-se a decisão impugnada no segmento em que condenou a recorrente, C… a pagar ao recorrido, J…, a quantia de € 6 000,00, e condena-se a primeira a pagar ao segundo o que se vier a liquidar em momento ulterior, no tocante à mão-de-obra e aos materiais aplicados pelo último na fracção autónoma da primeira, até ao limite de € 7 000,00.

b) Mantém-se, no mais, a sentença impugnada.

As custas do recurso – cuja taxa de justiça deve ser fixada nos termos da Tabela I-B, integrante do RCP – serão satisfeitas pela recorrente, excepto no tocante às custas da parte da condenação cuja liquidação é relegada para momento ulterior, que serão suportadas, provisoriamente, pela recorrente e pelo recorrido.



Henrique Antunes (Relator)

Regina Rosa

Artur Dias


[1] Pereira Coelho, “Casamento e família no direito português”, Temas de Direito da Família, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 17 e RLJ, Ano 120, pág. 80 e Acs do STJ de 07.01.10, www.dgsi.pt., e de 09.03.04, CJ, STJ, XII, I, pág. 112. Segundo Gerado da Cruz Almeida – Da União de Facto, Convivência “More Uxorio” em Direito Internacional Privado, Lisboa, Pedro Ferreira - Editor, 1999, pág. 214 – essa opinião parecia ser a dominante em 1999 na doutrina portuguesa.
[2] Acs. da RL de 18.12.85, 29.09.07, 15.11.11, 18.01.11 e de 22.11.11., www.dgsi.pt.
[3] Telma Carvalho, “A união de facto: a sua eficácia jurídica”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pág. 234
[4] Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Reimpressão, AAFDL, 2008, pág. 657.
[5] José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág. 4.
[6] António Menezes Cordeiro, Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais, O Direito, Ano 133º, T, IV (Outubro -Dezembro), 2001, págs. 803 a 805 e Tratado de Direito Civil Português, I, T, IV, Almedina, Coimbra, 2007 (reimpressão), pág. 172. Contra, sustentando que a prescrição não converte a obrigação civil numa obrigação natural, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 381.
[7] Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, cit. pág. 151, nota nº 299; em sentido diverso, Dias Marques, Teoria Geral da Caducidade, Lisboa, 1953, pág. 105.
[8] Ac. da RL de 23.02.88, CJ, XIII, I, pág. 141.
[9] Acs. do STJ de 15.10.92, BMJ nº 420, pág. 448, e de 20.06.95, CJ, STJ, III, pág. 133.
[10] Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ nº 106, pág. 145.
[11] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 386.
[12] Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, Lisboa, Lex, 1996, pág. 550.
[13] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, Coimbra, 1998 (reimpressão), págs. 457 a 459, Dias Marques, Prescrição Extintiva, cit., págs. 119, 120 e 122, e Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, pág. 116.
[14] Pinto Bronze, Lições de Introdução ao Direito, 2002, pág. 809 e ss.
[15] Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 375.
[16] Esta Lei foi objecto de reconformação pelo artº 1 da Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto. Todavia, o conjunto de modificações trazidas pela lei nova não releva para a economia do recurso. De resto, dado que a união de facto entre a recorrente cessou em momento anterior ao da entrada em vigor da nova lei, sempre lhe seria aplicável a lei anterior (artº 12 do Código Civil).

[17] Guilherme de Oliveira, A família e os Menores, Enciclopédia Legal, Selecções do Readers Digest, Lisboa, 1987, pág. 19 e F. M. Pereira Coelho, Filiação, UC, FD, Coimbra, 1978, pág. 123.
[18] Há, assim, senão uma obrigação, pelo menos uma abertura constitucional à relevância jurídica das uniões familiares de facto. Neste sentido, J. J. Gomes Canotilho, CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada, artºs 1º a 107º, vol. I, Coimbra Editora, pág. 581; contra, F.M. Pereira Coelho – Casamento e Família no Direito Português, in Temas do Direito da Família, págs. 9, e RLJ, Ano 120, pág. 375 - para quem a norma constitucional não pretende referir-se à união de facto, respeitando, exclusivamente, à matéria da filiação, decorrendo o princípio da protecção da união de facto do direito de matriz constitucional ao livre desenvolvimento da personalidade (artº 26 da CRP).
[19] J. J. Gomes Canotilho, CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada, artºs 1º a 107º, vol. I, Coimbra Editora, pág. 581.
[20] Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, CDF, Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução do Direito Matrimonial, 2ª edição. Coimbra Editora, 2001, págs 89 e 90.

[21] Para uma enumeração dos efeitos – favoráveis, neutros e desfavoráveis – da união de facto, cfr. Nuno de Salter Cid, A Comunhão de Vida à Margem do Casamento, Entre o Facto e o Direito, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 674 a 691. A lei mantém uma clivagem entre o estatuto social da união de facto – invocação da relação perante terceiros, maxime entidades públicas sempre que isso convier aos interessados para efeitos de benefícios sociais, laborais, etc. – e o seu estatuto privado, relativo aos direitos e deveres recíprocos, às exigências de solidariedade, cooperação e responsabilidade, aos efeitos da ruptura, alimentos, etc. Ao reconhecimento público da união de facto não correspondeu uma responsabilização mínima dos seus membros nas suas relações recíprocas e para com a sociedade. A reivindicação da consagração para os unidos de facto apenas de direitos ficou a dever-se a uma propensão para a dependência face ao Estado que cada vez mais evidente na sociedade portuguesa. Todas as contas feitas, pode retirar-se esta conclusão: a união de facto não envolve a responsabilidade e a solidariedade inerentes ao compromisso matrimonial. Cfr. Rita Lobo Xavier, Novas sobre a União “More Uxorio” em Portugal, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, págs. 1392 a 1406.
[22] Pereira Coelho, RLJ, Ano 120, pág. 84 e “Casamento e família”, cit., pág. 6, Francisco Manuel Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, CDF, Curso de Direito da Família, vol. I, Introdução do Direito Matrimonial, cit., págs. 90 e 91, e Acs. do STJ de 09.03.04 e de 09.03.10, e da RL de 18.11.11, www.dgsi.pt. Não sendo a união de facto, para a generalidade dos efeitos, uma relação de família, o princípio constitucional da protecção da família, não impõe ao legislador ordinário a atribuição de efeitos favoráveis à união de facto: mas é também evidente que aquele princípio também não proíbe que o legislador conceda à união de facto os efeitos que tenha opor adequados e justificados. O princípio constitucional da protecção da família, assim como o princípio da protecção do casamento, só podem considerar-se violados se os efeitos gerais do casamento fossem extensíveis ao casamento, o que, mesmo face ao elevado nível de protecção de que goza a união de facto, está longe de ser o caso.
[23] Acs. da RL de 18.01.2011, www.dgsi.pt, e do STJ de 31.05.11 e de 15.11.95, www.dgsi.pt BMJ nº 451, pág. 387, respectivamente. Segundo o primeiro destes acórdãos, este entendimento constitui jurisprudência corrente.
[24] Cfr., Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (176), CEF, Lisboa, 1996, págs. 504 a 517.
[25] Lebre de Freitas, “Competência do tribunal de execução para a liquidação da obrigação no caso de sentença genérica arbitral”, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Volume II, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 636 e 637. O mesmo autor informa que se trata do entendimento largamente dominante quer na doutrina, quer na jurisprudência.
[26] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 110.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

FALSIDADE DE DECLARAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 18/04/2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/11.0TATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: FALSIDADE DE DECLARAÇÃO

Data do Acordão: 18-04-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 359º, N.º 2, DO C. PENAL

Sumário: Não é inconstitucional a norma que resulta dos artigos 359º, n.º 2, do Código Penal e 141º, n.º 3, 144º, n.ºs 1 e 2 e 61º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, segundo a qual, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, o arguido tem que responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, pois que àquele interrogatório se aplicam as regras do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de falsidade de declaração p. e p. pelo artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, no montante global de € 990,00.
*
Da motivação extraiu as seguintes conclusões:
1. Está provado que o arguido não esteve presente na audiência de discussão e julgamento do processo comum singular donde resultou a sua (única) condenação por condução em estado de embriaguez, conforme facto provado 9).
2. Está igualmente demonstrado que o arguido declarou "que nunca respondeu, nem esteve preso".
3. Logo. o arguido respondeu com verdade.
4. Não foi produzida prova susceptível de demonstrar os factos provados em 6), 7) e 8), que foram incorrectamente decididos e apreciados, e que deverão considerar-se não provados.
5. Uma vez que o arguido não prestou declarações na audiência de discussão e julgamento, não serão atendíveis os documentos juntos a fls. 1 a 26 e 39 a 55, que contêm declarações do arguido.
6. Aliás, a única testemunha inquirida soube apenas dizer que não conhecia nem reconhecia o arguido e que a pergunta que fazia "sempre" era "se alguma vez já respondeu".
7. A ausência de consciência e vontade do arguido em prestar falsas declarações é evidenciada pelo seu depoimento, quando, respondendo à julgadora a quo respondeu que: "eu nunca respondi. É a primeira vez que estou a responder. É hoje." e "É a primeira vez que tou em frente a um Tribunal e em frente a uma juíza".
8. É inadmissível o recurso a "presunção natural" por ofender a presunção de inocência, sem qualquer base real, que permitisse as ilações infundadas espelhadas nos pontos 6), 7) e 8), que deverão ser considerados não provados.
9. São insuficientes os factos (erradamente) considerados provados para fundamentar a condenação do arguido.
10. Efectivamente, da sentença não resulta ter sido cumprido o formalismo legal aplicável, previsto no artigo 141.°, 3 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 144.° n.º 1 do mesmo diploma legal.
11. Além disso, o arguido não cometeu o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359.° n.ºs 1 e 2 do Código Penal, que está integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, uma vez que a conduta do arguido só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim, o que não sucedeu.
***
Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendendo a confirmação da sentença recorrida.
Nesta instância, também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu mantendo os fundamentos da motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da decisão impugnada (por transcrição):
“ 1.° FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:
1) No dia 12 de Maio de 2010, pelas 11h 10 minutos, nos Serviços do Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A... prestou declarações, na qualidade de arguido, no âmbito dos autos de inquérito com o n.º 112/10.2PATNV, que ai correu seus termos.
2) Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, A... foi expressamente advertido que a falta de resposta às perguntas que lhe iam ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, o podia fazer incorrer em responsabilidade penal.
3) Na mesma ocasião, ao ser questionado sobre se já esteve preso ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo, quando e porquê, e se já foi alguma vez foi condenado e por que crimes, A... respondeu "que nunca respondeu, nem esteve preso".
4) A... assinou o auto onde foram exaradas as suas declarações.
5) Por sentença proferida em 24 de Abril de 2005, transitada em julgado em 12 de Maio de 2005, no âmbito do processo comum singular com o n.º 102/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, A... foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.0, n.º 1, do Código Penal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veiculas motorizados pelo período de 5 (cinco) meses.
6) A... previu e quis, nas circunstâncias atrás descritas, ao ser questionado sobre os seus antecedentes criminais, omitir a referência à condenação pela prática do crime referido em 5).
7) A... sabia que havia sofrido tal condenação e que estava obrigado a mencioná-la quando foi questionado sobre os seus antecedentes criminais.
8) A... agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9) A... não esteve presente na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do processo comum singular com o n.º l02/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas.

2.° FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa, designadamente e no essencial que:
I) No circunstancialismo referido em 1) a 3), foi perguntado a A... "O Senhor alguma vez foi presente ao Juiz", ao que o mesmo respondeu "Não".

3.° MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente a prova documental produzida e examinada em audiência uma vez que o arguido recusou prestar declarações.
O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A factualidade provada em 1) a 5) e 9) alicerçou-se na ponderação do conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foi por qualquer modo posta em causa.
Com efeito, dispõe o artigo 169.0 do Código Processo Penal que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. Daí resulta que a credibilidade dos autos de constituição de arguido e de tomada de declarações ao mesmo nessa qualidade que integram a certidão extraída do mencionado processo de inquérito com o n.º 112/10.2PATNV só poder ser afastada nos termos do artigo 170.° do Código Processo Penal.
Sucede que, na audiência de julgamento o arguido não quis prestar declarações, não tendo, por isso, esclarecido, a despeito do alegado na sua contestação, o modo como compreendeu a advertência e a pergunta que lhe foi dirigida.
Pelo contrário, este elemento probatório foi corroborado pelo depoimento da testemunha João Luís Correia Costa, o funcionário judicial que tomou declarações ao arguido, que referiu que, apesar de não se recordar em concreto da situação sub judice (o que naturalmente se compreende atenta a panóplia de diligência que tem de realizar no exercício das suas funções), tem por costume de explicar aos arguidos, relativamente aos antecedentes criminais, que devem esclarecer se já foram condenados pela prática de algum crime.
Refira-se ainda, a reforçar o entendimento sufragado, que o auto de declarações de arguido em causa, reproduzido a fls. 33, consagra de forma expressa, clara e inequívoca qual o âmbito do dever que incumbe ao arguido (especificando que "a falta de resposta às perguntas que lhe vão ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, ora) pode fazer incorrer em responsabilidade penal", bem como qual o teor da questão a que deve responder (indicando que lhe foi perguntado "se já esteve preso(a) ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo(s), quando e porquê, e se já foi alguma vez condenado(a) e por que crimes"), pelo que, tendo tal documento sido lido e assinado pelo arguido, dúvidas não restam de que o mesmo terá ficado sobejamente esclarecido quanto ao que lhe estava a ser perguntado.
Os factos subjectivos provados em 6) a 8), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, alicerçados na mencionada prova documental, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir que o arguido faltou conscientemente à verdade naquela ocasião.
A factualidade não provada resulta da ausência de prova concludente sobre a mesma. Com efeito, não foi produzido qualquer elemento probatório susceptível de demonstrar a desconformidade entre o teor dos mencionados documentos autênticos e a realidade, não tendo sequer o próprio arguido prestado declarações em sentido divergente.”

***
APRECIANDO

Como é sabido, o âmbito dos recursos é limitado em função das conclusões extraídas da respectiva motivação, pelos recorrentes, sem prejuízo, no entanto, das questões de conhecimento oficioso, conforme o disposto nos artigos 412º, n.º 1 e 410º, n.ºs 2 e 3 do CPP.
Vem o recorrente questionar a apreciação da prova produzida em audiência e, pugnando pela sua absolvição, (embora não invocando expressamente o vício previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP) sustenta que “são insuficientes os factos (erradamente) considerados provados para fundamentar a condenação do arguido”.
Quanto à matéria de direito, considera ainda o recorrente que não cometeu o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP, que está integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, uma vez que a sua conduta só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim.
*
A-
Discordando da apreciação da prova produzida e examinada em audiência, o recorrente impugna parte da matéria de facto que foi dada como assente na decisão recorrida. Para tanto alega que:
«- o arguido não se conforma com a decisão recorrida, por entender que houve errada decisão da matéria de facto, mormente dos pontos 6), 7) e 8), uma vez que do processo não só não resulta a demonstração desses factos como, pelo contrário, está evidenciada a sua falsidade,
- desde logo, por resultar das declarações obrigatórias do arguido, que o mesmo nunca antes fora presente em Tribunal, como está provado em 9), e que, portanto, sempre teve a consciência de coincidir com a verdade ao responder “que nunca respondeu, nem esteve preso”;
- depois porque, como fora julgado na ausência, efectivamente ser verdadeira a resposta do arguido “que nunca respondeu, nem esteve preso”»

Para além da prova testemunhal, existem outros meios de prova que valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quando tenham sido produzidos ou examinados em audiência (arts. 125º e 355º do CPP).
Como resulta da Motivação da sentença recorrida, «o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, concretamente a prova documental produzida e examinada em audiência uma vez que o arguido recusou prestar declarações.
A factualidade provada em 1) a 5) e 9) alicerçou-se na ponderação do conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foi por qualquer modo posta em causa» e, no exame crítico que efectuou atribuiu ainda o tribunal relevância ao depoimento da testemunha … (o técnico de justiça adjunto que, por competência delegada, tomou declarações ao arguido, o qual esclareceu o seu procedimento habitual quando, em interrogatório nos termos do artigo 144º do CPP, questiona os arguidos sobre a existência de antecedentes criminais; o que se pode verificar nos autos de interrogatório de fls. 21 (no proc. n.º 112/10.2PATNV) e de fls. 33 (nos presente autos), ambos efectuados pela testemunha ao arguido). Ou seja, face ao depoimento da testemunha, concluiu o tribunal a quo, e bem, que o Funcionário dos Serviços do Ministério Público advertiu o arguido quanto às consequências penais caso faltasse à verdade sobre os seus antecedentes criminais, o que está conforme com os citados Autos de Interrogatório de Arguido de fls. 21 e 33.
Mais consta na Motivação que «Os factos subjectivos provados em 6) a 8), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, alicerçados na mencionada prova documental, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir que o arguido faltou conscientemente à verdade naquela ocasião.»

Com efeito, foi dado como provado em 9) que o arguido não esteve presente na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do processo comum singular com o n.º l02/04.4PATNV, que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas.
Todavia, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, tal não significa que, por ter sido julgado na ausência (nos termos no art. 334º, n.º 2 do CPP), foi verdadeira a sua resposta de que “nunca respondeu, nem esteve preso”.
Bem sabia o arguido que havia sido julgado e condenado no âmbito do proc. n.º l02/04.4PATNV. Não ter estado presente em audiência de julgamento e na data designada para leitura da sentença, não é sinónimo de não ter respondido em tribunal.
Assim, com relevância nos autos (cfr. certidão de fls. 39/55), assinalam-se os seguintes factos:
- no proc. n.º l02/04.4PATNV, foi o arguido que (invocando a necessidade de se deslocar ao Luxemburgo por motivos familiares) requereu e consentiu que o julgamento fosse efectuado na sua ausência (fls. 40 e 43);
- tendo sido condenado em pena de multa, procedeu ao seu pagamento (CRC de fls. 25);
- e, tendo sido condenado na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 5 meses, entregou em Tribunal a sua carta de condução e decorrido tal lapso de tempo, procedeu ao seu levantamento (fls. 54 e 55), termos de entrega que assinou.

Daqui se conclui pois, que o arguido quando foi interrogado, em 12-5-2010 (fls. 21), no âmbito do proc. n.º 112/10.2PATNV, tendo sido advertido por órgão de polícia criminal de que a falta de resposta às perguntas que lhe iam ser feitas sobre a sua identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade da mesma, o fariam incorrer em responsabilidade penal, ao ser-lhe perguntado “se já esteve alguma vez preso ou com obrigação de permanência na habitação e em que processo, quando e porquê, e se já foi alguma vez condenado e por que crimes” ao ter dito que nunca respondeu, nem esteve preso, sabia que tal declaração não correspondia à verdade.
E, tanto assim é que, no âmbito dos presentes autos, cerca de 9 meses depois, como se observa no auto de interrogatório de fls. 33, ao ser advertido nos mesmos termos e, tendo-lhe sido efectuada a mesma pergunta (pelo mesmo funcionário dos Serviços do MP, conforme supra mencionado), disse que “respondeu uma vez por condução em estado de embriaguez, tendo sido condenado; nunca esteve preso”.

Cumpre ainda sublinhar, a discordância do recorrente com o facto de o tribunal a quo ter formado a sua convicção com base no conteúdo das certidões constantes de fls. 1 a 26 e 39 a 55, por considerar que “contendo tais documentos declarações prestadas pelo arguido, não podiam ser examinados em audiência, já que o arguido ali se remeteu ao silêncio”.
Na verdade, o arguido, ora recorrente, usou do seu direito ao silêncio, ao não prestar declarações em audiência; mas se tal direito não o pode prejudicar (artigos 343º, n.º 1 e 345º, n.º 1 do CPP) e, não recai sobre si o ónus da prova dos factos que lhe são imputados na acusação, também não o beneficia, até pelo facto de não ter contribuído para o esclarecimento da verdade, pelo menos do que alegara na contestação.
Ou seja, o direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Acontece, porém, que «a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.» - cfr. Ac. do STJ de 12-3-2008, in www.dgsi.pt.

A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada em sede de motivação, tendo o tribunal a quo tomado em consideração as regras da experiência comum e juízos de normalidade; na verdade, o Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos elementos probatórios que indicou, apreciados segundo a livre convicção do julgador, nos termos do que dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Mais alega o recorrente que, os factos 6), 7) e 8) deverão ser considerados não provados, por ser inadmissível o recurso a “presunção natural” por ofender a presunção de inocência.
Todavia, não lhe assiste razão.
Como salienta Vaz Serra ( - in Direito Probatório Material, BMJ, n.º 112, pág. 190.) “Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência”.
“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto” ( - Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.). Ou seja, na dúvida, funcionará o princípio in dubio pro reo.
Por conseguinte, sendo permitido em processo penal o recurso a prova por presunções, porque não proibida por lei (art. 125º do CPP), “as normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo”( - Ac. STJ, de 23-11-2006, in www.dgsi.pt.).
Deste modo, nenhum reparo nos merece a sentença recorrida quando considerou que, tendo o arguido sido já condenado pela prática de crime, não podia desconhecer o alcance da advertência que lhe foi feita de que a falta ou a falsidade da resposta sobre os seus antecedentes criminais o faria incorrer em responsabilidade penal.
Não há, assim, qualquer insuficiência na matéria de facto provada e, inexistem os demais vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do CPP, os quais teriam de resultar do próprio texto da sentença recorrida, por si só, ou conjugados com as regras da experiência comum.
*
B- Da verificação do crime de falsidade de declaração
Sustenta o recorrente que deverá ser absolvido da prática do aludido crime porquanto, na acusação não foram alegados todos os factos integradores do mesmo, além de que, estando o crime de falsidade de declaração previsto no artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP integrado no capítulo dos crimes contra a realização da justiça, a sua conduta só poderá ser sancionada nos casos em que se traduza na realização de um efectivo obstáculo àquele fim.

Mais uma vez falece a razão ao recorrente.
Como facilmente se pode observar, foram alegados na acusação de fls. 57/59 todos os factos integradores do referido crime, os quais vieram a ser dados como provados.

Estabelece o artigo 359º do Código Penal:
«1- Quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequências penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2- Na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais.» (sublinhado nosso, atendendo à situação que aqui nos ocupa)

Ora, um dos deveres processuais do arguido consiste em “Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais” – art. 61º, n.º 3, al. b) do CPP.
Desde logo, o dever de prestar declarações sobre a sua identidade e antecedentes criminais verifica-se durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido (art. 141º, n.º 3) e, no primeiro interrogatório não judicial de arguido detido (art. 143º, n.º 2).
Já quanto aos subsequentes interrogatórios, de arguido detido e de arguido em liberdade, dispõe o n.º 1 do artigo 144º do CPP que «são feitos no inquérito pelo Ministério Público e na instrução e em julgamento pelo respectivo juiz, obedecendo, em tudo quanto for aplicável, às disposições deste capítulo».
Acrescentando o n.º 2 que «No inquérito, os interrogatórios referidos no número anterior podem ser feitos por órgão de polícia criminal no qual o Ministério Público tenha delegado a sua realização».

No que respeita aos subsequentes interrogatórios de arguido - sobre o dever de resposta, com verdade, quanto aos antecedentes criminais, depois de legalmente advertido das consequências penais no caso de recusa ou de falsidade sobre os mesmos -, em sede de audiência de julgamento, na sequência da apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 342º do CPP (norma que foi julgada inconstitucional pelo Ac. n.º 695/95) veio este preceito a ser alterado pelo DL n.º 317/95, de 28Nov. ( - A Lei de autorização legislativa n.º 90-B/95, de 1Set., no art. 3º, al. gg) apontou como solução “Revogar o n.º 2 do artigo 342º, já que a indagação em audiência pública dos antecedentes criminais do arguido atenta com a sua dignidade e com as suas garantias constitucionais”.), tendo sido eliminada a referência aos antecedentes criminais.
No entanto, tal imposição de resposta, com verdade, mantém-se nas demais situações, ou seja, nos interrogatórios anteriores à audiência de julgamento.
Assim o refere Maia Gonçalves ( - in Código Penal anotado, 10ª Edição, pág. 913.) “Em tais termos, estes dispositivos do art. 359º do CP, designadamente o seu n.º 2, não têm aplicação quanto a declarações do arguido na audiência de julgamento sobre os seus antecedentes criminais, uma vez que sobre eles não pode ser interrogado nessa fase processual, continuando no entanto a ser aplicáveis a declarações por ele prestadas anteriormente à audiência de julgamento”.
A este propósito, pronunciou-se o TC (no AC. n.º 127/2007, de 27.02) que não julgou inconstitucional – face aos princípios da proporcionalidade, do Estado de Direito, das garantias de defesa, da presunção de inocência e do acusatório – a norma que resulta do artigo 359º, n.º 2, do Código Penal e dos artigos 141º, n.º 3, 144º, n.ºs 1 e 2, e 61º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, segundo a qual, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, o arguido tem que responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações, pois que àquele interrogatório se aplicam as regras do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2007, de 14.03 (publicado no DR, 1ª Série, n.º 129, de 6-7-2007), «O arguido em liberdade, que, em inquérito, ao ser interrogado nos termos do artigo 144º do Código de Processo Penal, se legalmente advertido, presta falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais incorre na prática do crime de falsidade de declaração, previsto e punível no artigo 359º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.».
Esta jurisprudência veio a ser confirmada pelo Ac. do STJ de 13-12-2007, e seguida, designadamente, nos acórdãos do TRC, de 24-2-2010, e do TRP, de 19-5-2010, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Acresce que, o crime de falsidade de declaração p. e p. pelo artigo 359º, n.ºs 1 e 2 do CP é um crime contra a realização da justiça, como função do Estado e, contrariamente ao alegado pelo arguido, o conhecimento dos antecedentes criminais do arguido – detido, preso ou em liberdade – durante o interrogatório, em fase anterior ao julgamento, apresenta vantagens para a realização da justiça, por conceder informação relevante para a decisão sobre a aplicação de medidas coactivas.
Como se sublinha no citado Ac. 127/2007 do TC «Não é, assim, inútil para a realização da justiça, nomeadamente para o efeito da tomada de decisão, pelo Ministério Público, de requerer a aplicação de medida de coacção diversa do termo de identidade e residência, a imposição, ao arguido, no interrogatório feito por órgão de polícia criminal durante o inquérito, do dever de responder com verdade à matéria dos seus antecedentes criminais, sob pena de cometer um crime de falsas declarações. Com efeito, sendo possível que essa informação não seja imediatamente obtida por outras vias e, além disso, que a informação obtida por outras vias, atendendo à própria natureza do registo, não esteja actualizada à data da tomada de decisão, pelo Ministério Público, de requerer (ou não requerer) a aplicação de certa medida de coacção, há ainda um bem jurídico a tutelar – a realização da justiça –, quando se estabelece uma imposição desse teor. Não é, como tal, violado o princípio da proporcionalidade ou o da necessidade da pena.»

Por conseguinte, mostrando-se preenchidos os elementos típicos do referido crime, impunha-se a condenação do arguido.
*
Improcede, na totalidade, a argumentação do recorrente.
*****
III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça.
*****
Elisa Sales (Relatora)
Paulo Valério

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/1d7eaf554a013ba7802579f30034838d?OpenDocument

quarta-feira, 16 de maio de 2012

CONTRATO DE TRABALHO A TERMO PROVA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 07/05/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
376/10.1TTVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PROVA

Nº do Documento: RP20120507376/10.1TTVLG.P1
Data do Acordão: 07-05-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: Sendo o motivo para a contratação a termo a substituição de trabalhadores em férias (identificados no contrato), compete ao empregador provar que tal motivo corresponde à verdade, isto é, que os trabalhadores identificados no contrato estiveram efetivamente de férias no período correspondente à contratação do trabalhador substituto.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo nº 376/10.1TTVLG.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 146)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1698)
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, Vila Nova de Gaia, veio propor a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de trabalho, contra C…, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que se declare e a Ré seja condenada a reconhecer que o contrato celebrado entre ambas é um contrato de trabalho sem termo, e que se declare ilícito o despedimento e a Ré seja condenada a reintegrar a A. no posto de trabalho que ocupava à data do despedimento, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, e ainda que seja a Ré condenada a pagar à A. as retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão.
Alegou em síntese que foi admitida por contrato de trabalho escrito a termo certo, celebrado por 6 meses, para desempenhar as funções inerentes a Técnico, nas lojas C… de …, …, … e …. A Ré sustentou a sua contratação a termo no artº 140º nº 1 e 2, al. a) em vista da substituição de trabalhadores que iriam entrar em gozo de férias. Porém, na execução do contrato, a A. trabalhou em lojas e em datas diferentes daquelas que corresponderiam à substituição dos trabalhadores indicados no contrato. Acresce que no conjunto das lojas em que prestou trabalho, há anos que se verificam carências permanentes de trabalhadores, não sendo suficientes os efectivos e não sendo pois verdade que as necessidades de serviço sejam temporárias ou excepcionais, enveredando a Ré por uma constante contratação a termo, em fraude à lei. A Ré comunicou à A. a não renovação do contrato, que importa num despedimento ilícito.

Contestou a Ré pugnando pela improcedência da acção, alegando que o motivo justificativo da contratação a termo é verdadeiro, corresponde a necessidades temporárias, resultantes da existência de trabalhadores em férias, à verdade e validade do termo não obstando que nalguns casos a substituição tenha sido indirecta ou que alguns dos trabalhadores substituídos tenham alterado o seu período de férias. A A. sempre exerceu funções correspondentes às dos trabalhadores substituídos. Não existem permanentes necessidades de trabalhadores e a Ré não recorre fraudulentamente à contratação a termo.

Proferido despacho saneador com dispensa de selecção da matéria de facto assente e controvertida, e após diversos requerimentos e despachos sobre prova, procedeu-se a julgamento, no final da qual foi proferido o despacho de fixação da matéria de facto provada e respectiva fundamentação.
Foi seguidamente proferida sentença cuja parte dispositiva é a seguinte: “Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente e, em consequência:
A) Declaro que a Autora B… é trabalhadora permanente da Ré C…, S.A. desde 11/5/2009, mediante a invalidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado nessa mesma data;
B) Declaro ilícito o despedimento da Autora por não ter sido precedido de processo disciplinar;
C) Condeno a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade, reportada a 11/5/2009;
D) Condeno a Ré a pagar à Autora as retribuições vencidas desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão, incluindo os subsídios de férias e de Natal, sem prejuízo do desconto dos montantes referidos no artigo 390º nº 2 do Código do Trabalho”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
I. Para efeitos de enquadramento e decisão da questão objecto do presente Recurso dir-se-á que cumpre apreciar a da validade do termo aposto no contrato a termo certo, celebrado entre as partes em 11/5/2009, com o fundamento de substituição de trabalhadores em férias, nos termos da a), do n.º 2 do art. 140.º do C.Trab..
II. Salvo o devido respeito, pelo teor da matéria dada como provada e que resumem a questão essencial, isto é, se havia no caso em apreço fundamento material à celebração do contrato a termo, a sentença proferida devia e só poderia ter ido em sentido contrário.
III. O Tribunal a quo parte do princípio que a Autora, porque não efectuou todas tarefas que habitualmente os trabalhadores designados no contrato faziam, até porque alguns exercem cargos de chefia, a mesma não substituiu aqueles trabalhadores por não exercer as mesmas funções.
IV. Posição que, com o devido respeito, que é muito, não se concorda.
V. Na verdade, o direito à segurança no emprego - constitucionalmente consagrado no artigo 53.º da C.R.P., não colide com a existência de contratos de trabalho a termo, nomeadamente, a lei permite a contratação a termo por necessidades de gestão corrente dos recursos humanos da entidade empregadora, como é o caso da substituição de trabalhadores, previsto na al. a) do n.º 2 do art. 140.º C.Trab..
VI. O objectivo deste tipo de contratação, e que se verifica no caso em concreto, é que o funcionamento das Lojas não seja alterado e, consequentemente, prejudicados os interesses dos clientes da Empresa, ora Recorrente.
VII. A Autora foi contratada para suprir necessidades transitórias de serviço por motivo de substituição de trabalhadores em férias e efectivamente prestou as funções de Técnica (TCN), que eram exactamente as que os trabalhadores substituídos exerciam.
VIII. Tais trabalhadores, conforme consta dos mapas de assiduidade juntos aos Autos, estiveram efectivamente de férias, com excepção da trabalhadora D…, que não gozou férias nos dias 1 e 2 de Outubro de 2009, pois, a seu pedido, a mesma alterou o seu período de férias.
IX. Conforme resultou provado que o Mapa de Férias é estipulado em Março de cada ano, constando do contrato o respectivo período de férias de cada um dos trabalhadores a substituir.
X. É sabido que, uma vez marcadas as férias, a sua alteração pode ocorrer por interesse do trabalhador, o que sucedeu in casu; porque não é previsível, esse facto não pode ser imputado à Ré, no sentido de ser facto susceptível de inquinar a estipulação do termo do contrato em crise.
XI. Ressalva-se ainda que a discrepância verifica-se apenas em 2 dias dos 6 meses de duração do contrato, o que de todo não nos habilita a afirmar que a Autora não efectuou as mesmas funções (de TCN) dos trabalhadores ausentes.
XII. Por outro lado, a Recorrente não atribuiu ou afectou a Autora a qualquer outra actividade que não a de TCN. Como resulta provado, a Autora sempre desempenhou aquelas funções, substituindo trabalhadores da Recorrente que estavam ausentes do serviço, por estarem de férias. E substituiu-os directamente (aos trabalhadores em férias) e indirectamente (substituindo outros que cobriam as situações de férias de quem a Autora, não poderia substituir, no caso, os trabalhadores que exercem funções de chefia).
XIII. Como resulta provado, a Autora sempre desempenhou aquelas funções, substituindo trabalhadores da Recorrente que estavam ausentes do serviço, por estarem de férias.
XIV. Pese embora a mesma não tenha realizado as concretas tarefas que os trabalhadores designados no contrato faziam tal não inquina a validade do contrato. Assim foi decidido pelo STJ, acórdão de 17/05/2007, disponível em www.dgsi.pt.
XV. As funções efectivamente desempenhadas pela Autora estão justificadas por aquela substituição, não se verificando uma desconformidade entre as funções atribuídas àquele e respectivo trabalho realizado e o contrato celebrado, justificando-se assim, a transitoriedade do contrato, ao abrigo dos n.os 1 e 2, a) do art. 140.º do C.Trab..
XVI. Serve isto para dizer que o motivo aposto no contrato a termo é válido. De resto, entendemos que esta é a interpretação mais adequada aos objectivos da lei e aos factos provados.
XVII. Por fim, a dita não coincidência apenas seria susceptível de gerar a invalidade do termo se, e na medida em que, dela se pudesse inferir que a estipulação do termo teve por fim iludir as disposições do contrato sem termo, ou que ele foi celebrado fora dos casos em que o termo é admissível, nos termos do art. 147.º, n.º 1, a) e b) do C.Trab. aplicável.
XVIII. O que não é o caso dos Autos.
XIX. Assim, a comunicação de 6/10/2009 não consubstancia qualquer despedimento ilícito, ao contrário do que se julgou em 1.ª Instância
XX. Enferma a douta decisão recorrida de erro de julgamento por clara violação do disposto arts. 140.º e 147.º do C.Trab. e n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré, ora Apelante, do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da procedência da apelação, à qual a recorrida respondeu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte:
1. A Autora foi admitida ao serviço do R. por contrato de trabalho escrito a termo certo, celebrado pelo prazo de 6 meses, com início no dia 11/5/2009 e termo no dia 10/11/2009, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Técnico (TCN) nas lojas C… sitas em … (…), …, … e … (…), nos termos que constam de fls. 13 a 15 dos autos, constando da sua Cláusula Quarta o seguinte: “O contrato é celebrado ao abrigo do nº 1 e alínea a) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho pelo prazo de 6 meses com início de 11/5/2009 e término em 10/11/2009, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores na situação de férias, respectivamente:
Loja Nome Mai Jun Jul Agosto Set Outubro
… E… 11 a 15
… F... 18 a 29 6 a 16
… G… 1 a 12
… H… 15 a 30 28 a 30
… I… 1 a 10 31 1 a 11
… J… 13 a 17 19 a 23
… K… 20 a 31 3 a 14
… L… 17 a 28 14 a 25
… D… 1 a 2
2. Foi convencionada a remuneração mensal ilíquida de €590.
3. A Autora prestou trabalho na loja de ….
4. A Autora trabalhou na loja de …, …, não tendo substituído a trabalhadora D….
5. Durante a vigência do contrato a Autora prestou ainda trabalho na loja ….
6. A Autora prestou trabalho nos termos e nos locais (lojas dos C…) que lhe foram prévia e pontualmente indicados por superiores hierárquicos da Ré.
7. No conjunto das lojas nas quais a Autora prestou trabalho verificam-se, desde há vários anos a esta parte, carências de trabalhadores para exercerem as funções de TCN.
8. Seja porque existem trabalhadores efectivos em gozo de férias, seja porque alguns se encontram impedidos por motivos de doença e outros pelas mais variadas razões, seja ainda porque o volume de serviço é elevado.
9. A Ré tinha ao seu serviço menos trabalhadores do que era habitual porque estavam de férias.
10. A Autora esteve a desempenhar as funções de TCN, para colmatar as necessidades de serviço motivadas pela ausência de trabalhadores em gozo de férias durante aquele período.
11. O trabalhador F… esteve de férias nos dias 18 e 29 de Maio e de 6 a 16 de Outubro, todos do ano de 2009.
12. A trabalhadora E… gozou férias de 4 a 15 de Maio de 2009.
13. O trabalhador L… esteve de ferias no período compreendido entre 17 e 28 de Agosto e de 14 a 25 de Setembro, todos do ano de 2009.
14. O trabalhador L… exerce as funções de Gestor de Loja, tendo sido substituído, na loja de …, por H…, trabalhadora que a Autora substituiu.
15. Após a elaboração do mapa de férias, a trabalhadora I… passou a ser a gestora de loja interina de ….
16. A trabalhadora D… não gozou férias nos dias 1 e 2 de Outubro de 2009, pois, a seu pedido, a mesma alterou o seu período de férias, tendo trabalhado naqueles dias.
17. O mapa de férias é estipulado em Março de cada ano, constando do contrato a que alude o ponto 1) o respectivo período de férias de cada um dos trabalhadores a substituir.
18. Uma vez marcadas as férias a sua alteração pode ocorrer por interesse do trabalhador, no caso de estar temporariamente impedido de gozar as férias no período inicialmente previsto.
19. Tendo havido uma alteração da escala de férias inicialmente prevista.
20. A Autora esteve a trabalhar dois dias, pelo menos, na Loja ….
21. A trabalhadora D…, após a elaboração do mapa de férias, foi deslocada para a loja de ….
22. A Autora não substituiu directamente o trabalhador F… de 18 a 29 de Maio de 2009 na loja de ….
23. Também não substituiu directamente o trabalhador L… de 17 a 28 de Agosto e de 14 a 25 de Setembro, todos de 2009, na loja de ….
24. Por carta expedida no dia 6/10/2009, junta a fls. 16 dos autos, o Réu comunicou à Autora que o contrato de trabalho referido não se renovaria.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se o contrato de trabalho celebrado entre as partes foi validamente celebrado a termo.

No acórdão que proferimos no Processo nº 193/10.9TTLMG.P1 em 6.2.2012, em que se discutia um caso idêntico, ainda que os factos fossem mais óbvios no sentido da procedência do pedido do trabalhador, escrevemos:
“Se a motivação aposta no contrato não levanta dúvidas, em termos da indicação dos motivos concretos, o passo seguinte é apreciar se a recorrida provou, como lhe competia, que tal motivação corresponde à verdade.
Os factos provados não permitem responder afirmativamente. Deles resulta com clareza, apesar da unificação dos Centros de Distribuição Postal em 2005, que a A. não executava os giros atribuídos aos trabalhadores concretamente referidos no contrato como estando de férias, e que cumpria um horário inferior ao destes. Se este último passo não tem particular relevância – posto que a contratação a termo se justifica em função de necessidades temporárias e a empregadora pode considerar que consegue reorganizar o serviço e cumprir com o serviço aos clientes de um modo tal que lhe seja apenas necessário substituir parcialmente – o primeiro tem sido já discutido judicialmente e considerado – e também nós consideramos – que cabendo ao empregador organizar o trabalho, este poder exige alguma maleabilidade, que permita conciliar as exigências do serviço com as capacidades dos trabalhadores, e portanto que não é forçoso, para que ocorra substituição, que o trabalhador contratado a termo execute as mesmas tarefas concretas do impedido de as realizar, por ausência. De resto, a recorrida provou que frequentemente há revisão dos giros que são assim alterados, com aditamento de percurso ou redução ao mesmo, conforme a carga de trabalho aumenta ou diminui ao longo do tempo, além de que, com frequência ainda, se encarrega um carteiro de fazer parte dum outro giro que é dividido por diversos outros carteiros e que Em virtude da maior dificuldade de realização de um determinado giro, num período em que o trabalhador que o está a fazer vai de férias, ou está ausente por doença, é alocado a esse mesmo giro um outro trabalhador da Ré, mais experiente, e não o contratado a termo, por uma questão de optimização empresarial. A recorrida provou ainda que por altura das férias recorre à contratação a termo.
A recorrida não provou que os trabalhadores referidos no contrato que outorgou com a A. como estando de férias, tenham estado de férias nos períodos em que a A. trabalhou.
(…)
Ora, o que a lei exige é que o motivo constante do contrato seja válido e que o empregador prove que correspondeu – aquele motivo concreto – à verdade. De contrário, se se admitisse como prova da verdade da necessidade temporária da contratação da recorrente o mero teor do facto 16[1], então isso corresponderia a afirmar que bastava à recorrida inserir nos contratos que o motivo do termo é a substituição de trabalhadores em férias, o que, na ausência da sua identificação concreta, inviabilizaria a sindicância da adequação da contratação aos estritos limites da necessidade. O facto é que nas empresas que têm variados trabalhadores, não decorre do simples gozo de férias destes que seja necessário contratar outros para os substituir – precisamente por isso a lei confere ao empregador o último poder na definição dos períodos de férias dos trabalhadores – artº 241º nº 2 do CT. Só a indicação das pessoas concretas dos trabalhadores em férias e dos períodos de férias efectivamente gozados por estes é que permite sindicar se o tempo da contratação corresponde à necessidade da empresa. O facto 16 não indica que a A. só exerceu funções em substituição de trabalhadores em férias. Se tivesse sido vertido para a sentença que os trabalhadores constantes do contrato tinham gozado férias no período e apenas no período em que a A. trabalhou, aí sim, poderíamos afirmar que a sua contratação tinha sido estritamente necessária” (fim de citação).
Também no caso dos autos é evidente que o motivo justificativo do termo é formalmente válido, pois indica com clareza porque a trabalhadora é contratada a termo, para substituir trabalhadores identificados, em férias, e descreve os períodos de férias, que, descontados os fins de semana, permitem cobrir todo o período de contratação da recorrida.
Trata-se por isso de apurar se a recorrente, enquanto empregadora onerada com o ónus de prova dos factos integrantes da justificação do termo – artº 140º nº 5 do CT – provou que o que se mostra escrito no contrato correspondeu à verdade.
Escreveu o Mmº Juiz “a quo”: “Aqui, no entanto, verifica-se uma grande desconformidade entre os trabalhos efectuados pela Autora e os previstos no contrato celebrado, já que a mencionada cláusula 4ª afectou de uma forma directa e estrita as funções a executar pela Autora apenas à substituição de determinados trabalhadores que iriam gozar férias (…) tendo-se apurado que a Autora executou funções muito para além destas, tendo desempenhado as suas funções numa outra loja, …, que ali não é referida, noutras datas que não aquelas e, além disso, não substituiu, por exemplo, os funcionários F… e L…”.
Repescando o nosso anterior acórdão, diríamos, com a recorrente, que alguma maleabilidade tem de ser concedida a quem gere uma empresa, e por isso não nos impressiona que a Autora tenha trabalhado dois dias na loja da …, não prevista no contrato – já não vemos é que tenha ficado provado que esse trabalho foi determinado por substituição indirecta, ou seja, para substituir alguém que tenha ido substituir um dos funcionários previstos no contrato. Também não ficamos completamente insensíveis à possibilidade de substituição indirecta – ela decorre da lei e tem sido afirmada pela jurisprudência – mas cremos melhor que essa modalidade deva estar expressamente prevista no contrato, porque caso contrário, o empregador terá de provar a substituição indirecta, não abstractamente, mas sim demonstrando que o trabalhador concretamente previsto no contrato como estando em férias foi substituído por um concreto trabalhador que o contratado foi substituir. Note-se porém, que não resulta do facto provado nº 22 que a recorrida tenha substituído indirectamente o trabalhador F….
Por outro lado, a recorrente não provou que os trabalhadores G…, J… e K… tenham estado de férias nas datas constantes do contrato – o facto nº 10 (A Autora esteve a desempenhar as funções de TCN, para colmatar as necessidades de serviço motivadas pela ausência de trabalhadores em gozo de férias durante aquele período) não tem essa virtualidade de concretização. Acresce que, embora a recorrente afirme e se tenha provado que houve uma alteração do mapa do férias pedido pela trabalhadora D…, e se tenha provado genericamente que “18. Uma vez marcadas as férias a sua alteração pode ocorrer por interesse do trabalhador, no caso de estar temporariamente impedido de gozar as férias no período inicialmente previsto” e que “19. Tendo havido uma alteração da escala de férias inicialmente prevista”, não foi concretizada, senão no caso da dita D…, tal alteração, e que, mesmo em relação à promoção da trabalhadora I…, não foi provado – e continuamos em crer que o ónus respectivo competia à recorrente – em que data é que tais alterações/promoção ocorreram, visto que o mapa de férias foi estipulado em 1 de Março e a contratação e início de laboração data de 11 de Maio. No caso portanto da promoção ou da alteração do mapa terem ocorrido antes desta última data, já a conclusão da recorrente de que tal não lhe é imputável não procede, razão pela qual devia provar a data em que tais eventos aconteceram.
Sucede ainda que, contratada para substituir trabalhadores em férias nas lojas de …, …, … e …, a recorrida trabalhou nas lojas de …, … e …, sem que tenha sido demonstrado que trabalhadores destas lojas substituíram os que, previstos no contrato, trabalhavam em … e em ….
Diríamos ainda que embora a contratação a termo não colida com o princípio constitucional da segurança e estabilidade do emprego, é um regime de contratação excepcional, o que devia limitar, e legalmente limita, a margem de flexibilidade que a recorrente lhe pretende aplicar.
Diríamos também que não é correcta a conclusão do recurso de que a recorrida substituiu todos os trabalhadores que efectivamente estiveram de férias, conforme os mapas de assiduidade o demonstram – porque, lembramos, a recorrente não impugnou a matéria de facto e não é isso que resulta da enumeração dos factos provados.
Por último, quanto à conclusão de que a discrepância entre a realidade da execução contratual e a estipulação constante do contrato apenas conduziria à invalidade se se provasse que a contratação tinha por fim iludir as disposições que regem o contrato sem termo, lembramos que a recorrida provou que “7. No conjunto das lojas nas quais a Autora prestou trabalho verificam-se, desde há vários anos a esta parte, carências de trabalhadores para exercerem as funções de TCN” e que “ Seja porque existem trabalhadores efectivos em gozo de férias, seja porque alguns se encontram impedidos por motivos de doença e outros pelas mais variadas razões, seja ainda porque o volume de serviço é elevado”. Ora, a natureza transitória da contratação a termo não se compadece com carências de trabalhadores, desde há anos, sendo que o motivo de tais carências não é só a existência de trabalhadores em férias – e volvendo ao nosso anterior acórdão, nem isto basta – mas sim também porque o volume de serviço é elevado. Então, se o volume de serviço é elevado, há anos, talvez não fosse impertinente contratar trabalhadores efectivos para lhe fazer face. E mesmo que se diga que a prova de que a estipulação do termo tinha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, foi insuficientemente feita pela recorrida, lembramos que a consideração do contrato como sem termo também resulta, e no caso concreto resulta, da aplicação da disciplina conjugada dos artigos 147º nº 1 al. b) e do artº 140º nº 1, ambos do Código do Trabalho.
Na verdade, consideramos, de acordo com todo o exposto, que a recorrida não provou suficientemente toda a verdade dos factos que invocou como justificação do termo, pelo que o contrato se tem de considerar como sem termo. Nem se diga em contrário que releva o facto nº 9, o de que a recorrente tinha ao seu serviço menos trabalhadores do que era habitual porque estavam de férias, porque o mesmo é genérico e não está temporalmente situado e ainda porque tem de se demonstrar a correspondência directa entre o que está consignado no contrato e a realidade contratual.
Termos em que improcedem as conclusões do recurso.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 7.5.2012
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
______________
[1] O facto nº 16 tinha o seguinte teor: “A A. esteve, de facto, a exercer as funções de CRT, em substituição de trabalhadores em gozo de férias”.
______________
Sumário:
Sendo o motivo para a contratação a termo a substituição de trabalhadores em férias concretamente identificados no contrato, ao empregador compete provar que tal motivo corresponde à verdade, o que exige a prova concreta que tais trabalhadores identificados no contrato estiveram efectivamente de férias no período correspondente à contratação do trabalhador substituto.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/f215e3bbbcf92815802579ff0032759b?OpenDocument

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