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segunda-feira, 25 de junho de 2012

QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA, INSOLVÊNCIA CULPOSA, PRESUNÇÕES JURIS ET DE JURE - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 04/06/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3063/10.7TBVFR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA

Nº do Documento: RP201206043063/10.7TBVFR-B.P1
Data do Acordão: 04-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 186º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

Sumário: O n.º 2 do art° 186° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece nas suas diversas alíneas, presunções de insolvência culposa, devendo entender-se tais presunções como de “juris et de jure”, ou seja, nestas diferentes alíneas enumeram-se os casos em que a insolvência é sempre culposa.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Pº nº 3063/10.7TBVFR-B.P1
Apelação
(102)
ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de insolvência em que foi declarada insolvente B…, no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, veio a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentar parecer propondo que a insolvência seja qualificada como culposa, por força do disposto no art. 186º, n.º 2, alíneas a), b) e d), e n.º 3, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

O Ministério Público aderiu ao parecer do Sr. Administrador da Insolvência, por se verificar, em concreto, a previsão das referidas alíneas do n.º 2 e do n.º 3 do art. 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, promovendo a qualificação da insolvência como culposa.

A insolvente deduziu oposição, com os fundamentos constantes de fls. 31 e seguintes, que aqui damos por reproduzidos. Defende que a alínea a) do n.º 3 do art. 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não tem aplicação no caso concreto, por se tratar de uma pessoa singular, alegando que o imóvel identificado na escritura pública de partilha subsequente ao divórcio foi adquirido com recurso a crédito bancário, garantido por hipoteca voluntária constituída sobre o mesmo imóvel, tendo o passivo correspondente sido adjudicado ao seu ex-marido e, por outro lado, que a venda efectuada à sociedade “C…, S.A..” se prendeu com razões de gestão e fiscais, sendo certo que a insolvente não tinha a consciência de estar eminente a insolvência da sociedade “D…, Lda.”. De facto, em Junho de 2009, não obstante alguns problemas de tesouraria, foi desenvolvido um plano de reestruturação e estavam em curso negociações para regularização das dívidas junto dos bancos. Aliás, não seria o património pessoal dos sócios e avalistas que poderia garantir os créditos bancários concedidos à referida sociedade, mas antes o valor da participação que aqueles detinham na mesma, sendo do conhecimento dos bancos que o património daqueles era insuficiente para o efeito.

A Sr.ª Administradora da Insolvência respondeu nos termos de fls. 53 e seguintes.

O Ministério Público não respondeu.

Foi proferida sentença em que se decidiu:
a) Qualificar a insolvência como culposa e declarar afectada por tal B…;
b) Decretar a inibição da mesma para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 5 (cinco) anos;
c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela mesma e a sua condenação da restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.

Inconformada, apelou a insolvente, apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
I. Carecem de legitimidade para vir accionar os avalistas, os credores do insolvente que não se opuseram ao Plano de Insolvência aprovado, conforme a faculdade que lhes é dada pelo artigo 216, n.º1, alínea a) do CIRE, no qual está previsto um plano de pagamento dos créditos.
II. Conforme se tem vindo a pronunciar a doutrina, nomeadamente por Catarina Serra, cujos argumentos e que se dão aqui por reproduzidos nos termos supra citados.
III. Desta forma, não pode proceder a presente acção, uma vez que os seus credores não têm legitimidade para exigir em juízo o pagamento das quantias devidas enquanto avalista.
IV. Se assim não se entender, deve a decisão ora recorrida ser revista devendo o a prova produzida ser reapreciada.
V. A Mmª. Juíza “a quo” fundamenta a decisão no que à matéria de facto concerne:
- no teor dos documentos principais juntos aos autos principais e demais apensos;
- no relatório apresentado pela Exma. Senhora Administradora de Insolvência (de aqui em diante apenas designada por AI) nos termos do artº. 155 do CIRE;
- nos elementos que resultam do processo de insolvência 3071/10 relativo à irmã da aqui Recorrente;
- no depoimento das testemunhas inquiridas, com destaque positivo para o teor do depoimento da testemunha E… e destaque negativo para o teor do depoimento da testemunha F….
VI. Mas, dos depoimentos recolhidos nos testemunhos prestados, quer pelas testemunhas arroladas pela AI quer pela testemunha arrolada pela Oponente, resultou claro que os factos vertidos nos artigos 31, 34, 36, 37, 38 e 39 da oposição, deveriam ter sido dados como provados.
VII. Quanto ao artigo 31, a testemunha F… disse claramente que a compra e venda dos imóveis à C… tinham como objectivo desenvolver a actividade imobiliária da sociedade, não tendo sido contrariado por nenhuma da restante prova produzida no presente processo (ou nos autos originais e respectivos apensos), nomeadamente pelos restantes testemunhos e/ou pela prova documental.
VIII. Quanto aos factos constantes dos artigos 36 e 37 da oposição, os depoimentos de E…, G… e F…, testemunhos que se dão aqui por reproduzidos nos mesmos termos que se encontram supra, deixaram bem claro que existiu um Plano desenvolvido pela H…, que existiram, a partir da data referida, negociações com os bancos, com vista à aplicação desse plano e que, como tal, havia a expectativa de que as dificuldades da D… fossem superadas a curto prazo.
IX. Expectativa essa que ainda hoje se mantém, como se pode ver pela aprovação do Plano de insolvência aprovado pela AI, que se encontra devidamente aprovado pelos credores da D…, conforme as declarações da mesma testemunha F….
X. Esta situação sai, mesmo reforçada, pelos documentos juntos aos autos e que consubstanciam as alíneas aa) e bb) dos factos dados por provados na sentença proferida no âmbito do processo de insolvência 3071/10 mencionado na motivação da sentença recorrida, nos quais consta que, com as datas de 16 e 20 de Novembro de 2009, respectivamente com o I…, SA e com o J…, SA a D… celebrou contratos de reestruturação do seu crédito.
XI. O artigo 38 da oposição resulta provado com o depoimento da testemunha G…, que confirmou que o K… não considerou o projecto da H… viável.
XII. No que diz respeito ao artigo 39 da oposição, a testemunha L…, funcionário do M…, S.A., deixou bem claro que os créditos eram concedidos sem qualquer avaliação ou sequer confirmação do património dos avalistas.
XIII. Após este depoimento, não restam dúvidas que os créditos eram concedidos com base única e exclusivamente no valor da D…, de outra forma, teria sido feita uma análise detalhada ao património pessoal dos avalistas, ou seja, o Banco ter-se-ia assegurado da existência de bens desonerados em quantidade suficiente para assegurar o pagamento do crédito o que, como verificámos, não aconteceu.
XIV. Resulta do exposto que os factos constantes dos mencionados artigos 31, 36, 37, 38 e 39 da oposição devem ser dados como provados.
XV. Sendo assim, e por maioria de razão, também têm que se dar como provados os factos vertidos no artigo 34 da mencionada oposição uma vez que os Administradores da Sociedade e, naturalmente os seus sócios, sempre acreditaram na viabilidade da empresa, nunca se convencendo que o desfecho seria a insolvência.
XVI. Mais deve o Tribunal rectificar a alínea a) dos factos provados porquanto a presente acção tem como objecto a insolvência de B… e não de O…, conforme se encontra na mencionada alínea.
XVII. Mais se recorre das alíneas aa) e bb) dos factos provados uma vez que consubstanciam factos novos, não invocados por nenhuma das partes.
XVIII. Entende-se ainda que, dos depoimentos já citados, não resultaram provados os três pressupostos em que o Tribunal baseia a douta sentença.
XIX. Não houve qualquer disposição de bens em proveito pessoal ou de terceiros por parte da Recorrente, aquando da partilha por Divórcio.
XX. Como resulta da alínea m) dos factos provados da douta sentença, a Recorrente transferiu então para o património do cônjuge não avalista, a propriedade dos imóveis aí descritos.
XXI. Contudo, transferiu-se também o passivo a ela associado, ou seja, a hipoteca e o pagamento do empréstimo, recebendo a quantia de 50.943,80 euros a título de pagamento de tornas.
XXII. Sendo assim, não houve qualquer prejuízo para os credores uma vez que, ao partilhar os imóveis em questão, a Recorrente deixou de ter um encargo, ou seja, o pagamento de um empréstimo, sobre um bem que não seria de utilidade aos credores, uma vez que se encontrava hipotecado a favor da N… e ainda recebeu uma quantia significativa de dinheiro de valor superior ao outro imóvel partilhado, que certamente enriqueceu o património da agora insolvente.
XXIII. Também não houve qualquer prejuízo para os credores da Recorrente com a celebração das escrituras pública de 1 de Junho (rectificada a 5 de Junho do mesmo ano) e 10 de Julho de 2009, através das quais a Insolvente vendeu à sociedade C…, Lda., da qual era sócia, os cinco imóveis descritos nas referidas escrituras – alíneas k), l) e n) dos factos provados da sentença ora recorrida.
XXIV. Sociedade essa que viu o seu capital social aumentado, passando a quota da insolvente a ter o valor de 10.000,00 quando antes era de 1.000,00 euros – alínea x) dos factos provados.
XXV. Ou seja, a Recorrente não só manteve a sua quota na sociedade compradora, como ainda aumentou a mesma.
XXVI. Como tal, não deixaram os imóveis de estar acessíveis aos credores da Recorrente, porquanto a mencionada quota, fazendo parte do seu património era, obviamente, um bem penhorável.
XXVII. Os credores da Recorrente ficaram mesmo, com tal negócio, beneficiados, senão vejamos: dos bens vendidos, a Recorrente era detentora de uma quota correspondente a 3/42 enquanto que, na sociedade C…, a sua participação era de 8/42, conforme se explica detalhadamente no artigo 62 supra.
XXVIII. E não houve qualquer prejuízo para os credores na posterior venda das acções da Recorrente, conforme resulta dos factos provados na alínea y) da Sentença agora recorrida, uma vez que tal venda não foi resolvida pela Senhora Administradora da Insolvência.
XXIX. Assenta ainda a condenação prevista na Sentença ora recorrida, bem como as acusações supra rebatidas, na premissa de que a Recorrente teria plena consciência de uma suposta iminente insolvência da sociedade D….
XXX. Não consta da lista de factos dados como provados na mesma Sentença qualquer menção a estes dois aspectos, ou seja, à existência de uma iminente insolvência da sociedade e do seu conhecimento por parte da Recorrente, e nenhum deles resulta como provado dos testemunhos ouvidos.
XXXI. Veio a testemunha E…, que desempenhava as funções de secretária na D…, afirmar que a Recorrente lhe teria confidenciado que tinha sido aconselhada a divorciar-se para salvaguardar os bens próprios.
XXXII. Ora, como já foi referido, encontra-se este depoimento cheio de contradições, designadamente no que diz respeito às informações que lhe teriam sido contadas pela Recorrente, o conhecimento que resultou do que “se dizia” pela empresa, ou ainda de meras deduções, conforme confessado pela mesma testemunha.
XXXIII. Quanto à testemunha G…, funcionário do K…, apenas podia dar a sua opinião da situação da D… perante a instituição bancária em que trabalha, e não generalizar para a restante Banca.
XXXIV. Tal funcionário não tomou conhecimento dos factos aquando da existência de relações comerciais entre a D… e o K…, nem tão pouco quando os créditos e os avales agora em causa foram concedidos.
XXXV. Na verdade, apesar da testemunha afirmar veementemente que, em Abril de 2009, a D… se encontrava insolvente, a instituição bancária para a qual trabalha, só requereu a insolvência da mesma a 26 de Janeiro de 2010.
XXXVI. O que significa claramente que, nem o próprio banco acreditava em tal insolvência, ou que as dificuldades financeiras que eventualmente existissem não fossem ultrapassáveis.
XXXVII. E é um facto que, ainda hoje, o K… acredita na D…, de outra forma, não faria sentido que tivesse aprovado o Plano de Insolvência da sociedade, e muito menos, que tivesse convertido parte do crédito em capital social da mesma.
XXXVIII. No que diz respeito ao depoimento de L…, funcionário do M…, este apenas teve conhecimento de factos até ao momento em que o processo passou para o departamento de contencioso, não sabendo, como tal, nada relativamente aos factos posteriores a esse momento.
XXXIX. Ou seja, o que estes dois últimos depoimentos atestam é que, em Maio de 2009, existia incumprimento no pagamento de algumas obrigações assumidas perante os respectivos bancos.
XL. O que, só por si, não significa que estivéssemos perante uma insolvência iminente.
XLI. Quanto a esta matéria, são referidos no artigo 85 supra o Assento do STJ n.º 9/94 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2009, que aqui se dão por devidamente transcritos.
XLII. Ora, no caso em apreço, face à prova produzida, forçoso é concluir que em finais de Maio ou de Junho de 2009, a D… não estava em situação de insolvência, nem a mesma era iminente.
XLIII. Aliás, verificados os factos índice previstos no artigo 20º do CIRE, nenhum deles se verificou no caso sub judice, nem durante todo o segundo semestre de 2009, nem tão pouco no início do mesmo.
XLIV. Tanto as testemunhas E… e F…, confirmaram ao Tribunal que os salários dos trabalhadores, e os pagamentos ao fisco e à Segurança Social sempre foram escrupulosamente cumpridos.
XLV. Não existe então, nos depoimentos mencionados, certeza ou conhecimentos de facto que legitimem a convicção criada pelo Tribunal de que a D… estaria em iminente insolvência, e, muito menos, que a Recorrente tivesse consciência desse facto.
XLVI. Pelo exposto, não estão, no caso em apreço, reunidos os requisitos do artigo 186.º, n.º2 alínea d) do CIRE, uma vez que, não só não se logrou provar que a D… se encontrava em iminente insolvência como, muito menos se provou que a recorrente tivesse consciência desse facto.
XLVII. Mas ainda que se entenda que a D… se encontrava em iminente insolvência, que a Recorrente tinha essa consciência, ou que tinha obrigação de a ter, o que por mero dever de patrocínio se pondera, a verdade é que, não houve qualquer prejuízo para os seus credores, nem com a partilha por divórcio, nem com a venda dos imóveis à C…, como se demonstrou supra.
XLVIII. Desta forma, não houve disposição dos “bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”, como dispõe o mencionado artigo do CIRE.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito, requer V. Exas. se dignem conceder provimento ao presente recuso, pugnando pela revogação da sentença recorrida nos termos expostos.

Por seu turno, apresentaram contra-alegações a Massa Insolvente, representada pela administradora da insolvência, sendo as respectivas conclusões as seguintes:
A. A QUESTÃO PRÉVIA, suscitada carece, diga-se, de total fundamento legal;
B. É extemporânea e descontextualizada no âmbito do presente incidente de qualificação de insolvência;
C. Teria, assim, que ter sido colocada no âmbito do processo principal de insolvência – que não foi. Pois, então, já se apurou a legitimidade dos credores. Tendo a decisão (sentença de declaração de insolvência) transitado em julgado. Encontram-se assente este facto, que não foi objecto de oposição nem tão pouco recurso;
D. Tendo, por isso, transitado em julgado a douta Sentença de 4 de Janeiro de 2011 que decretou a insolvência da aqui Recorrente;
E. Por último, quanto a esta questão, atente-se que se não opôs ou impugnou a Recorrente os créditos reclamados e posteriormente reconhecidos pela Banca;
F. Tendo agora, surpreendentemente, ou talvez não, uma postura verdadeiramente contraditória e em claríssimo abuso de direito, que deverá sucumbir com todas as ínsitas consequências legais;
G. QUANTO À REAPRECIAÇÃO DA PROVA, a Meritíssima Juiz a quo, fundamentou a sua decisão:
a) no teor dos documentos principais juntos aos autos principais e demais apensos;
b) no relatório apresentado pela Exma. Sra. Administradora de Insolvência, nos termos do art. 155.º do CIRE;
c) nos elementos que resultam do processo de insolvência n.º 3071/10.8TBVFR, a correr termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, relativo à irmã da recorrente e, por fim
d) no depoimento das testemunhas inquiridas, positivamente, quanto às testemunhas E…, G…, L… e, negativamente, quanto à testemunha F…;
H. E, por consequência lógica, deu como não provados os artigos 31, 34, 36, 37, 38 e 39 da Oposição, não existindo qualquer contradição entre todas as provas conjugadas entre si;
I. Existindo, uma forte sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.
J. Em resultado fica uma mera discordância, injustificada e birrenta da Recorrente face à decisão;
K. Devendo, manter-se a douta decisão face ao princípio da oralidade e da imediação conforme decorre da jurisprudência que de forma abrangente se referiu e transcreveu na motivação, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos;
L. Pois, a credibilidade das provas (o seu mérito ou desmérito) e a convicção criada pelo julgador da 1ª instância «tem de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores», fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento, «onde para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam»;
M. Acresce que, da prova produzida e gravada em audiência de julgamento não se pode retirar qualquer uma das conclusões a que a Recorrente chega. Que foram verdadeiramente destorcidas da realidade pela mesma.
N. Atente-se por exemplo que o ARTIGO 31.º DA OPOSIÇÃO nunca poderia ser dado como provado, quer face à documentação constante no processo de insolvência, quer por outro lado, face aos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento;
O. Ora, a TESTEMUNHA F…, indica pela ora Recorrente, foi verdadeiramente inconsistente e sem qualquer credibilidade porque, APESAR DE ADMINISTRADOR ÚNICO DA SOCIEDADE C… E PESSOA QUE HÁ VÁRIOS ANOS OCUPAVA CARGOS DE RESPONSABILIDADE TAMBÉM NA PRÓPRIA D…, QUANDO QUESTIONADO SOBRE QUAIS OS INVESTIMENTOS REALIZADOS NA SEQUÊNCIA DESSE ACTO E QUAIS OS RESULTADOS DESSA SOCIEDADE, NÃO SOUBE ESCLARECER O TRIBUNAL (cd1, depoimento de F…, aos 38:17 até 39:10);
P. Relativamente AO ARTIGO 34 DA OPOSIÇÃO e de acordo com o TESTEMUNHO DE E…, desde 2009, a empresa estava com dificuldades, ao que soma o facto da própria insolvente ter sido sócia da empresa e a par dos seus irmãos aí trabalharem (CD1, depoimento de E…, aos 1:26 até 2:00);
Q. Acresce ainda, quanto a esta matéria o depoimento da TESTEMUNHA G…, tendo referido que em “Maio/Abril de 2009” o processo da D… “passou para a gestão e recuperação de crédito, porque existia um incumprimento reiterado por parte da empresa para com a banca”. Conhecendo a insolvente e a sua irmã, O… porque tinham “avalizado todas as operações de crédito junto do banco” (CD1, depoimento de G…, aos 1:37 até 2:00). A mesma testemunha indica que o último pagamento à banca foi realizado em Abril de 2009. E que em Maio do mesmo ano, todas as obrigações estavam vencidas e não mostravam a mínima possibilidade para puder cumprir (CD1, depoimento de G…, aos 3:50 até 4:04). Pelo que, a Avaliação do K… era a de que a empresa não estava solvente, tendo sempre a convicção de que a empresa não recuperava (CD1, depoimento de G…, aos 2:28 até 2:49). Para além de aspectos colaterais, uma vez que tiveram conhecimento de que se encontrava a ser realizada uma dissipação do património, quer quanto D…, quer quanto à aqui recorrente (CD1, depoimento de G…, aos 2:59 até 3:50);
R. Pelo que concluíram que nada mais restava senão requerer a insolvência da D… (CD1, depoimento de G…, aos 5:13 até 5:26);
S. Relativamente ao depoimento de L…, funcionário do M…, foi referido que desde Maio de 2009, diversas obrigações se venceram, originando a instauração de acções executivas, veja-se a título de exemplo a mencionada na al. r) dos factos dados como provados. Logo, nunca poderia ser desconhecido por parte da insolvente, ora Recorrente, que a D… se encontrava em situação de insolvência iminente;
T. QUANTO AOS ARTIGOS 36 E 37 da oposição também, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, nunca poderiam ser dados como provados. Ora, veja-se a este respeito o depoimento de G… que foi peremptória ao afirmar que “O projecto da H… (…) não tinha sustentabilidade absolutamente nenhuma” (…) “na opinião do K…” (CD 1, depoimento de G…, aos 19:30 a 19:49);
U. No que diz respeito ao ARTIGO 38 da oposição, A D… já se encontrava em insolvência iminente desde Maio de 2009, uma vez que, desde essa data, estavam vencidas todas as obrigações junto do K… (CD1, depoimento de G…, aos 1:37 até 2:00). Em consequência e atento o facto i) dado como provado, a 26 de Janeiro de 2010, o K… requereu a declaração de insolvência da D…. Sendo que, de acordo com o facto j) dado como provado, A PRÓPRIA D… apresentou-se à insolvência, no dia anterior àquele em que juntou oposição ao pedido instaurado pelo K…;
V. No que concerne ao ARTIGO 39 DA OPOSIÇÃO e de acordo com as declarações de L…, o aval prestado pelos sócios da D… era factor importante e tinha como destino final o pagamento dos créditos na eventualidade da empresa não puder cumprir.
Acrescentando ainda que, o seu parecer, não se baseava apenas na D… e naquilo que o negócio em que ela estava inserida representava, mas também, necessariamente, sem dúvida, com a informação que tínhamos das pessoas, do património que tinha. (CD2, depoimento de L…);
W. Por conseguinte, não restam dúvidas de que os créditos eram concedidos com base não só no valor da D… e no valor do seu negócio, mas também no valor patrimonial dos avalistas;
X. Resulta assim do exposto que os factos constantes nos art. 31.º, 34.º, 36 a 39.º da Oposição não poderiam ter resposta distinta à que tiveram (não provados);
Y. Acresce que, face ao comportamento da insolvente goza a Recorrida da presunção de má fé da Recorrente;
Z. Atente-se assim que quanto À PARTILHA POR DIVÓRCIO na douta sentença da qualificação da insolvência, foi dado como provado, na al. m), a transmissão do património comum do casal, por partilha, após o divórcio, para o conjugue não avalista, marido. O que prejudicou, inegavelmente, os credores da insolvente B…;
AA. Até porque, ao contrário do que é dito pela recorrente no ponto 56 das suas alegações, in fine, a ter sido paga qualquer quantia monetária para liquidação das tornas, que não foi, o mesmo não entrou no património da agora insolvente; ficando sem o cativo e permanecendo o passivo. Aliás pelo credor hipotecário foi reclamado o crédito na sua totalidade;
BB. Divorcio e partilha que ocorreu apenas para fuga do património aos credores o que foi demonstrado, inequivocamente, pelo depoimento da TESTEMUNHA E…, secretária da administração da sociedade D…, Lda., durante cerca de 12 anos. Que conhece, a insolvente e a sua irmã O…, há “12 anos, desde que entrou para a empresa” (CD1, depoimento de E…, aos 1:15 até 1:19), que para além de “patroas, foram/eram amigas” (CD1, depoimento de E…, aos 00:42 até 00:51), tendo afirmado que a Insolvente e a sua irmã se divorciaram em Maio/Junho de 2009 (CD1, depoimento de E…, aos 3:18 até 3:30), por terem sido aconselhadas, no intuito de «salvar os bens próprios delas» (CD1, depoimento de E…, aos 4:52 até 4:57), sendo certo que, depois do divórcio, «continuaram a levar uma vida normal» (CD1, depoimento de E…, aos 4:20 até 4:25).
CC. Quanto à VENDA DOS IMÓVEIS HERDADOS À SOCIEDADE C…, em complemento, foi dado como provado nas al. k), l) e n) que a insolvente vendeu em Junho/Julho de 2009, à sociedade C…, da qual era sócia, cinco imóveis, que tinha herdado por óbito, em 18 de Abril de 2001, do seu pai P…. Dessa forma e mais uma vez, visou desfazer-se de parte do património susceptível de garantir o cumprimento das suas responsabilidades. Até porque a prática das referidas compras e vendas, para além do divórcio e partilha, já supra esclarecido, terem ocorrido precisamente no ano de 2009 e após o vencimento das suas obrigações perante os credores. Ao que acresce o facto de a C… não ter assumido qualquer responsabilidade ou garantia perante os credores da insolvente B… (cfr. al. q) dos factos provados). Tendo sido, inclusivamente, transformada numa sociedade anónima, cujas acções estão na mão de terceiro que se desconhece (cfr. al. y) dos factos dados como provados e CD1, depoimento de F…, aos 37:04 até 37:38), após as referidas compras e vendas.
DD. O que mais uma vez obsta aos credores o «acesso» aos bens alienados a favor da mencionada sociedade.
EE. Em complemento, DA CONSCIÊNCIA DA INSOLVÊNCIA IMINENTE DA D…, reitera-se que a Recorrente tinha plena consciência da insolvência iminente da D…. Desde Maio de 2009 diversas obrigações se venceram, originando a instauração de acções executivas, veja-se a título de exemplo a mencionada na al. r) dos factos dados como provados. Ao que acresce o facto de que, conforme o TESTEMUNHO DE E…, desde 2009 a empresa estava em dificuldades. Reitera-se ainda que a própria insolvente era sócia e exercia funções na empresa a par dos seus irmãos (CD1, depoimento de E…, aos 1:26 até 2:00).
FF. Por conseguinte, se a secretária da administração, à data, se apercebeu das dificuldades, muito mais se aperceberia a insolvente face à relação de proximidade que tinha com a empresa e familiares.
GG. Ao que acresce ainda o depoimento da TESTEMUNHA G…, que indicou que, em “Maio/Abril de 2009”, o processo da D…” passou para a gestão e recuperação de crédito, porque existia um incumprimento reiterado por parte da empresa para com a banca”. Conhecendo a insolvente e a sua irmã, O… porque tinham “avalizado todas as operações de crédito junto do banco” (CD1, depoimento de G…, aos 1:37 até 2:00).
HH. Por conseguinte, dúvidas não restam de que era do conhecimento, não só da insolvente, como em geral, de que a empresa D… se encontrava, desde Maio de 2009, em situação de insolvência iminente.
II. Assim sendo e por tudo o explanado, dúvidas não restam de que se verificam os requisitos do disposto no art. 186.º, n.º 2 al. d) do CIRE;
JJ. NÃO TENDO A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO VIOLADO QUALQUER NORMATIVO LEGAL, SENDO AO CONTRÁRIO A DOUTA DECISÃO RECORRIDA UM PARADIGMÁTICO EXEMPLO DE BEM JULGAR.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O RECURSO DE APELAÇÃO APRESENTADO IMPROCEDER, CONFIRMANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.

Também o Ministério Público veio apresentar resposta às alegações, sendo as respectivas conclusões, as seguintes:
1. A recorrente coloca como questão prévia a ilegitimidade dos seus credores virem-lhe exigir os seus créditos, por se tratarem de créditos constituídos na qualidade de avalista de uma sociedade relativamente à qual foi aprovado plano de insolvência.
2. Tal questão prévia carece de qualquer enquadramento e fundamento legal. Nunca foi suscitada nos autos, nem foi alvo de qualquer decisão, pelo que não pode aqui ser apreciada.
3. A recorrente pretende ainda que os factos alegados na sua oposição sob os arts. 31º, 34º, 36º, 37º, 38º e 39º sejam considerados como provados.
4. A consideração de um facto como provado é feita após a valoração conjunta de toda a prova produzida nos autos, quer testemunhal quer documental. Não basta que uma testemunha profira determinada afirmação para que a mesma seja considerada como provada.
5. Os factos cujo aditamento se requer não resultaram minimamente provados nos autos. A recorrente limita-se a transcrever parcialmente os depoimentos que lhe interessam, ignorando todas as partes e todos os depoimentos que não são favoráveis à sua pretensão.
6. É o que sucede com o depoimento da testemunha F…, da E… e do G…, os quais se encontram apenas reproduzidos parcialmente, e apenas na parte conveniente.
7. De facto, não obstante o teor das partes transcritas pela recorrente, do depoimento integral das referidas testemunhas e dos demais prestados em audiência de julgamento, resulta que os factos cuja aditamento se requer não reuniram prova suficiente, pelo que foram os mesmos considerados, e bem, na sentença recorrida como não provados.
8. As presunções do art. 186º, nº 2, do C.I.R.E, são inilidíveis, ou seja não admitem prova em contrário. Verificando-se a ocorrência de factos aí descritos, tem necessariamente que se atribuir carácter culposo à insolvência.
9. Tendo-se provado a ocorrência da presunção p. na al. d) – de que a insolvente dispôs de bens em proveito pessoal ou de terceiros - necessariamente tinha de ser qualificada como culposa a presente insolvência.
10. De facto, verificando-se essa presunção, a lei prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito para se ter como culposa a insolvência.
11. Perante a prova da ocorrência do comportamento descrito na presunção, forçosamente tem de se concluir pela qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de um juízo casuístico do caso concreto.
12. Os factos descritos na referida presunção são de tal modo reprováveis e aptos a provocar a insolvência que é indiscutível o juízo de culpa que a lei lhe atribuiu.
13. A insolvência foi considerada como culposa com três fundamentos: a consciência pela recorrente, desde o início de 2009, da iminente insolvência da “D…”, sociedade de que era sócia e da qual tinha avalizado diversas obrigações bancárias; a partilha por divórcio, em Junho de 2009, onde foram atribuídos ao marido os dois imóveis que constituíam o património do casal; a venda da sua quota-parte de cinco imóveis à sociedade “C…”, em Junho e Julho de 2009.
14. Da conjugação destes factos, verifica-se que a recorrente ao aperceber-se da iminência da insolvência da sociedade de que era sócia, e da qual tinha avalizado a título pessoal diversas obrigações bancárias, tudo fez para colocar o seu património pessoal “ a salvo” dos credores, alienando todos os imóveis que possuía.
15. Fê-lo através da partilha por divórcio (em que atribuiu todos os bens do casal ao marido) e pela venda da quota –parte de cinco prédios à sociedade “C…”.
16. De notar que o marido não tinha qualquer obrigação para com os credores da recorrente, e de que a “C…” foi transformada em sociedade anónima e, depois da venda dos imóveis, a recorrente vendeu as suas acções deixando de ser sócia dessa sociedade.
17. Ao contrário do que alega a recorrente, na partilha por divórcio a mesma não ficou desonerada da sua obrigação de pagar os passivos que pendiam sobre os imóveis, uma vez que nenhum dos bancos beneficiários desses créditos participou na escritura de partilha, pelo que, o que aí ficou exarado apenas possui validade entre a recorrente e o marido.
18. Também não é verdade que a venda da quota-parte dos imóveis à “C…” se tenha devido a interesses desta sociedade, uma vez que não foi feita qualquer prova de que esta sociedade tenha utilizado os imóveis para realizar qualquer transacção imobiliária. Limitou-se a alienar as acções, logo que os imóveis foram inscritos a seu favor, transmitindo-as uma sociedade marroquina, e estando agora na mão de terceiros desconhecidos.
19. O património da recorrente foi assim completamente dissipado por esta em poucos meses, e logo que se apercebeu que iria responder a título pessoal pelas dívidas do “D…” que tinha avalizado.
20. Pelo exposto, bem andou a Ex.ª Juiz a quo ao qualificar como culposa a presente insolvência.
Nestes termos, deve manter-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Foram colhidos os vistos legais.

II – AS QUESTÕES DO RECURSO

Como resulta do disposto nos artºs 660º nº 2 e 684º nº 3 do CPC e vem sendo orientação da jurisprudência, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões, sem embargo de haver outras questões que sejam de conhecimento oficioso.
Ora, tendo presentes essas conclusões, as questões colocadas no presente recurso são as seguintes:
1. Saber se os credores carecem de legitimidade para vir exigir da insolvente o pagamento dos seus créditos, por se tratarem de créditos derivados da sua qualidade de avalista de uma sociedade sobre a qual existe plano de insolvência aprovado.
2. Da reapreciação da prova.
3. Saber se a insolvência poderia ter sido classificada como culposa, como o fez a sentença recorrida ou se deve ser considerada fortuita como pretende a recorrente/insolvente.

III – FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância, provaram-se os seguintes factos:
a) O “Q…” requereu a declaração de insolvência de O… a 15 de Junho de 2010;
b) A requerida não deduziu oposição;
c) Foram considerados confessados os factos alegados na petição inicial e foi proferida sentença que declarou a insolvência a 4 de Janeiro de 2011;
d) A insolvente contraiu casamento católico com S… a 11 de Janeiro de 1992, o qual foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento a 16 de Junho de 2009;
e) A requerida foi sócia da sociedade “D…, Lda.”;
f) A Sr.ª Administradora da Insolvência incluiu na lista de créditos reconhecidos, créditos no valor global de 8.351.445,11 euros;
g) Tais créditos provêm de avais prestados a favor da sociedade “D…, Lda.”, com excepção do crédito da “N…, S.A.”, que reclamou um crédito no montante global de 136.786,98 euros, garantido por hipoteca voluntária constituída sobre a fracção autónoma designada pelas letras AJ descrita na CRP de Vila Nova de Gaia, freguesia de …, com o número 994/19930721;
h) Foram apreendidos para a massa insolvente bens no valor de 395.419,89 euros, assim identificados: crédito de natureza privilegiada detido na insolvência da sociedade “D…, Lda.”, fracção autónoma identificada na alínea anterior e participação social na sociedade “T…, S.A.”;
i) A 26 de Janeiro de 2010 o “K…, S.A.” requereu a declaração de insolvência da sociedade “D…, Lda.”, sendo que, por sentença proferida a 8 de Julho de 2010, no processo n.º 462/10, do 4º Juízo Cível deste Tribunal, transitada em julgado a 25 de Agosto de 2010, foi tal sociedade declarada insolvente;
j) A própria sociedade apresentou-se à insolvência no dia anterior àquele em que juntou oposição no processo referido na alínea anterior, acção especial que correu termos pelo 1º Juízo Cível deste Tribunal, com o número 2601/10;
k) Por escritura pública outorgada no dia 1 de Junho de 2009, no Cartório Notarial de Matosinhos, de U…, V…, W…, B… e marido, S…, O…, X…, Y… e mulher, Z…, e AB… e mulher, AC…, intervindo os outorgantes maridos por si e ainda na qualidade de sócios-gerentes, em representação da sociedade “C…, Lda.”, declararam que no dia 18 de Abril de 2001 faleceu P…, no estado de casado com V…, em únicas núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como herdeiros, além da referida mulher, os filhos Y…, W…, à data casada com AD…, sob o regime da comunhão de adquiridos, B…, AB…, O… e X…, sendo donos e legítimos possuidores, em comum e sem determinação de parte ou direito, dos cinco imóveis ali identificados (dois urbanos e três rústicos), que faziam parte integrante da herança aberta e indivisa por óbito de P…, declarando ainda vender tais imóveis à aludida sociedade, representada por Y… e AB…, os quais, nessa qualidade, declararam comprar para a sua representada;
l) Por escritura pública outorgada a 5 de Junho de 2009, no Cartório Notarial de Matosinhos, de U…, V…, W…, B… e marido, S…, O…, X…, Y… e mulher, Z…, e AB… e mulher, AC…, e F…, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade “C…, S.A.”, declararam que por manifesto erro na declaração na escritura pública referida na alínea anterior foi indevidamente alienado o imóvel inscrito na matriz predial sob o artigo 711º, quando na verdade o que pretendiam vender, além dos ali identificados nas verbas um, três, quatro e cinco, era o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, com o número 59363, assim rectificando a aludida escritura;
m) Por escritura pública de partilha por divórcio celebrada a 19 de Junho de 2009, no Notário de AE…, em …, Santa Maria da Feira, S… e B… declararam que foram casados um com o outro sob o regime da comunhão de adquiridos, que por decisão de 16 de Junho de 2009, transitada em julgado na mesma data, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento, foi entre eles decretado o divórcio, pretendendo proceder à partilha do património comum constituído pela fracção autónoma designada pelas letras AJ descrita na CRP de Vila Nova de Gaia, freguesia de …, com o número 994/19930721, com o valor patrimonial de 196.620,00 euros, sobre a qual recai hipoteca a favor da “N…, S.A.”, para garantia do capital inicial de 210.000,00 euros, e pela fracção autónoma designada pela letra K, descrita CRP de Santa Maria da Feira, freguesia de …, com o número 863/19960404-K, com o valor patrimonial de 49.295,12 euros, adjudicando ao primeiro tais imóveis, que assume também o passivo junto da referida instituição financeira no montante, à data, de 144.027,53 euros, encontrando-se pagas as tornas devidas à segunda, no montante de 50.943,80 euros, em dinheiro;
n) Por escritura pública outorgada no dia 10 de Julho de 2009, no Cartório Notarial de Matosinhos, de U…, V…, B…, por si e na qualidade de procuradora de W…, O…, X…, Y… e mulher, Z…, e AB… e mulher, AC…, declararam que no dia 18 de Abril de 2001 faleceu P…, no estado de casado com V…, em únicas núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como herdeiros, além da referida mulher, os filhos Y…, B…, à data casada com S…, sob o regime da comunhão de adquiridos, W…, à data casada com AD…, sob o regime da comunhão de adquiridos, AB…, O…, hoje divorciada de AF…, e X…, sendo donos e legítimos possuidores, em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de 3 pavimentos, dependência, garagem e quintal, sito na Rua …, n.º .., …, Vila Nova de Gaia, não descrito na CRP e inscrito na matriz predial com o artigo 711, que fazia parte integrante da herança aberta e indivisa por óbito de P…, declarando ainda vender tal prédio à sociedade referida na alínea m), representada por F…, na qualidade de administrador único, que, nessa qualidade, declarou comprar para a sua representada;
o) A sociedade “C…, Lda.” foi transformada em sociedade anónima por registo de 8 de Junho de 2009;
p) Eram seus sócios V…, Y…, W…, B…, AB…, O… e X…;
q) A sociedade “C…, S.A.” não assumiu qualquer responsabilidade ou garantia perante os credores da aqui insolvente;
r) O “AG…, S.A.” instaurou contra a insolvente, entre outros, acção executiva, pedindo o pagamento da quantia de 1.248.876,02 euros, a qual corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho com o número 952/09, no âmbito da qual não se logrou o pagamento ou a penhora de bens da insolvente;
s) O “Q…” reclamou um crédito no montante de 1.673.078,75 euros;
t) Tal crédito encontra-se vencido desde 29 de Maio de 2009;
u) O “AG…, S.A.” reclamou um crédito no montante de 1.311.220,59 euros;
v) Nos últimos três anos, a insolvente exerceu funções de administrativa na sociedade “D…, Lda.”;
w) A insolvente é titular de uma participação social de 50 acções na sociedade “T…, S.A.”;
x) Através da inscrição 5, ap. 13, de 8 de Junho de 2009, encontra-se registado o aumento de capital e a transformação da sociedade “C…, Lda.”, em 63.000,00 euros, passando o capital social a ser de 70.000,00 euros e a quota da insolvente a ter o valor de 10.000,00 euros, quando antes era de 1.000.00 euros;
y) A 21 de Novembro de 2009, o capital social de 70.000,00 euros, titulado por 700 acções, estava distribuído entre a sociedade AH…, com sede em Marrocos, com 630 acções, e V…, com 70 acções;
z) Nos anos de 2007 e 2008, S… declarou, em sede de IRS, um rendimento de, respectivamente, 520.806,92 euros e 28.039,78 euros.
aa) O…, irmã da aqui insolvente, foi declarada insolvente por sentença proferida a 29 de Outubro de 2010, na sequência do requerimento inicial apresentado pelo “Q…” a 15 de Junho de 2010;
bb) Contraiu casamento católico com AF…, o qual foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento por decisão de 29 de Maio de 2009, sendo que, a 19 de Junho de 2009, foi celebrada a escritura pública de partilha do património comum.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Saber se os credores carecem de legitimidade para vir exigir da insolvente o pagamento dos seus créditos, por se tratar de créditos derivados da sua qualidade de avalista de uma sociedade sobre a qual existe plano de insolvência aprovado.

A recorrente veio suscitar esta questão nesta sede recursiva, apelidando-a de questão prévia, recurso este da sentença recorrida em que se discute, primacialmente a questão da classificação da insolvência.
Na sentença recorrida não se abordou a questão da legitimidade da requerente da insolvência.
Ora, o âmbito do conhecimento do recurso de apelação está limitado, às questões suscitadas pelo recorrente perante o Tribunal a quo, ou seja, àquelas questões em que este se pronunciou de modo desfavorável para ele, estando-lhe vedado conhecer de matéria nova, ainda não proposta para discussão. [1]
Os recursos são, assim, meios instrumentais de reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre (artºs 676º n.º 1 e 690º n.º 1, do CPC).
Em consequência, questões novas são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido por lá não terem sido suscitadas nem serem de conhecimento oficioso.
Pelo que, este Tribunal da Relação não pode conhecer em recurso de questões não suscitadas pelas partes no tribunal a quo, salvo na hipótese de se tratar de questões de conhecimento oficioso e houver factos assentes ou conhecidos em razão, além do mais, de notoriedade geral que o permita.
Perante o que acima deixámos expresso, não restam dúvidas de que a recorrente/insolvente suscitou perante este Tribunal da Relação, questão jurídica nova, com o sentido acima referido, que não pode ser conhecida, sob pena de estarmos a decidir ex novo.
Na verdade, como bem referem nas suas contra-alegações a massa insolvente de B…, representada pela administradora da insolvência e o Mº Pº, trata-se de questão perfeitamente extemporânea e descontextualizada, uma vez que a mesma nunca foi suscitada nestes autos, nem no processo principal.
De resto, a ora recorrente nem sequer se opôs à insolvência ou recorreu da sentença que a decretou.
Por isso, a sentença de 04/01/2011 que decretou a insolvência da ora recorrente, transitou em julgado.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões de recurso.

2. Da reapreciação da prova.

A recorrente entende que os factos por si vertidos nos artºs 31º, 34º, 36º, 37º, 38º e 39º da oposição deveriam ter sido dados como provados, face à prova produzida em audiência de julgamento.
Mais entende dever ser rectificada a al. a) dos factos provados porquanto a presente acção tem como objecto a insolvência de B… e não de O….
Insurge-se ainda contra os factos contidos nas als. aa) e bb) da sentença recorrida, alegando que tais factos não foram alegados por nenhuma das partes.
Começando pela abordagem deste último ponto.
É certo que nos presentes auto não foi alegada tal matéria por nenhuma das partes intervenientes, mas conforme decorre da fundamentação da matéria dada como provada, o Mmº Juiz a quo teve como fundamento para a sua decisão, entre outros, os elementos que resultaram do Pº de Insolvência nº 3071/10.8TBVFR, a correr termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, relativo à irmã da ora recorrente, conforme resulta, aliás, da acta de audiência de julgamento de fls. 110 e segs. em que se refere expressamente que a audiência teve lugar simultaneamente nos presentes autos e naqueles outros supra assinalados.
De qualquer modo, de acordo com o disposto no artº 11º do CIRE, no incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
O Tribunal pode, assim, recolher oficiosamente todos os elementos que considere pertinentes para a boa decisão da causa.
Como tal, devem manter-se os factos dados como provados sob as als. aa) e bb) na sentença recorrida.

Entende ainda a recorrente que deve ser rectificada a al. a) dos factos provados porquanto a presente acção tem como objecto a insolvência de B… e não de O….
Assiste inteira razão à recorrente.
De facto, os presentes autos dizem respeito à declaração de insolvência de B… e não a sua irmã O…, conforme decorre, aliás, da sentença de declaração de insolvência junta aos autos a fls. 277/280, datada de 04/01/2011.
Assim, dado tratar-se de um lapso material, decide-se operar a respectiva correção ao abrigo do disposto nos artºs 666º/2 e 667º/1 ambos do CPCivil, devendo passar a ler-se na al. a) da matéria dada como provada na sentença recorrida, o seguinte:
a) O “Q…” requereu a declaração de insolvência de B… a 15 de Junho de 2010.

Por último, requer a insolvente/recorrente o aditamento de factos da oposição que, em seu entender, deveriam ter sido dados como provados, atentos os depoimentos prestados quer pelas testemunhas arroladas pela AI, quer pelas testemunhas arroladas pela oponente, ora recorrente.
A sentença recorrida deu como não provados os factos vertidos nos artigos 31, 34, 36, 37, 38 e 39 da oposição.
Para assim decidir, o Mmº Juiz a quo teve em consideração, o teor dos documentos juntos aos autos principais e respectivos apensos, incluindo o presente; o relatório apresentado pela AI nos termos do disposto no artº 155º do CIRE; os elementos que resultaram do Pº de insolvência nº 3071/10 relativo à irmã da aqui insolvente, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, com destaque positivo para o depoimento da testemunha E… e destaque negativo para o depoimento da testemunha F….
Mas, analisemos cada um dos factos cujo aditamento à matéria de facto provada se requer:
Artº 31º da oposição:
Pretende a recorrente que da sentença recorrida passe a constar como facto provado que «a compra e venda dos imóveis constantes da escritura de 01.06.2009 prendeu-se unicamente com razões de gestão e fiscais, pois era mais eficiente do ponto de vista daqueles critérios gerir o património imobiliário procedente da herança de P… através de uma sociedade do que directamente através dos diversos herdeiros».
A recorrente fundamenta esta sua tomada de posição face ao depoimento prestado pela testemunha F…, economista e que exerceu funções na área administrativa e de informática na D… desde 2005 a 2009, o qual não foi contrariado por nenhuma da restante prova produzida nem pela prova documental.
De facto, a referida testemunha disse que “Em relação a esse tipo de compras que foi feito pela C…, isso tinha em vista o desenvolvimento da actividade imobiliária da C…” acrescentando ainda que “Porque tinha já construído 2 vivendas em …, penso eu, que tinha corrido bem e então como a empresa também pertencia às mesmas pessoas nessa data então decidiu-se pôr, aquilo que fosse património na C… para dotar a C… de meios para chegar junto da banca e facilitar mais os financiamentos à construção, para poder desenvolver a actividade da construção para aquilo que estava vocacionada. Portanto, foram esses os pressupostos da passagem do património porque o património dividido por 6 ou 7 não tem o mesmo valor que estando numa empresa imobiliária que também pertencia a eles e, portanto que poderia potenciar o desenvolvimento da actividade. Já se tinha arranjado uma pessoa que sabia de imobiliária e, tinha-se avaliado os prédios de acordo com, o que eram as condições do mercado na altura. E, atribui-se um valor para que não fosse nem muito alto nem muito baixo, mas de acordo com aquilo que estava a ser feito no mercado na hora”.
Contudo, esta testemunha, apesar de administrador da sociedade C…, não soube elencar um único investimento imobiliário feito na sequência das compras dos quinhões hereditários que cada um dos sócios desta sociedade detinha naqueles bens (que não eram outros senão os vendedores daqueles bens imobiliários) e quais os resultados dessa sociedade.
Como tal, bem andou o Tribunal a quo ao ter desvalorizado o depoimento desta testemunha neste aspecto como noutros que adiante abordaremos, porque se percebeu perfeitamente da audição do seu depoimento que sabia mais do que aquilo que disse em Tribunal, não o pretendendo elucidar.
Mantêm-se, por isso, tal matéria como não provada.

Artº 34º da oposição:
Pretende igualmente a recorrente que se dê como provado que «é absolutamente falso que a insolvente tivesse consciência de estar iminente qualquer insolvência da D… em Junho de 2009, ou sequer que fosse previsível o pedido de insolvência que foi apresentado contra a D… em inícios de 2010».
Resulta do depoimento prestado pela testemunha E… que foi secretária da D… durante 12 anos que “Em 2009 já se sabia que a empresa estava com dificuldades” a que acresce o facto de a ora insolvente trabalhar na própria empresa e ser sócia da mesma.
No mesmo sentido depôs a testemunha G…, bancário no K… e presidente da comissão de credores no Pº de Insolvência da D… ao dizer que “Em Maio/Abril de 2009, o processo da D… passou para a gestão e recuperação de crédito, porque existia um incumprimento reiterado por parte da empresa para com a banca”. Disse ainda que “conhece a insolvente e a sua irmã O… porque estas tinham avalizado todas as operações de crédito junto do banco”. Acrescentou ainda esta testemunha que “o último pagamento à banca foi realizado em Abril de 2009 e em Maio do mesmo ano todos os créditos estavam vencidos e não mostravam vontade de os solver”.
Esta testemunha acrescentou ainda que “era notório que a D… se encontrava naquela data, numa situação de insolvência, sendo tal facto do conhecimento generalizado de toda a banca”, sendo também realçado por esta testemunha que houve por parte dos sócios da D… uma clara intenção de dissipação do património e para não fazer intervir o património pessoal de cada um deles nas dívidas da D…, dado que todos os sócios se divorciaram na mesma altura, à excepção de um dos irmãos/sócios, acabando depois todos por vender os seus quinhões hereditários à C… de que todos eram sócios.
Esta situação é, também confirmada pela testemunha E… que referiu que a insolvente lhe desabafou que se divorciou para salvaguardar os bens próprios, mas que continuou a fazer a sua vida normal, vivendo, em conjunto com o agora ex-marido.
Toda esta situação contrasta, aliás, com o depoimento prestado pela testemunha F… que disse que “até Maio de 2009 tudo estava a funcionar normalmente na D…” quando é sabido que já em 2009 existiam acções executivas instauradas contra a ora insolvente, mas que esta testemunha disse desconhecer.
Isto mesmo foi confirmado pelo depoimento da testemunha L…, gerente do M… de …, quando disse que “desde Maio de 2009, diversas obrigações venceram-se, originando a instauração de acções executivas.
Disto mesmo é exemplo o que consta da al. r) dos factos provados na sentença recorrida.
Por todas estas razões, o credor K… entendeu não existir outra solução senão requerer a insolvência da D….
Em face de todos estes depoimentos e atendendo também à prova documental, é por demais evidente não poder ser desconhecida da insolvente, ora recorrente, a situação de insolvência iminente da D…, Lda.
Como tal, nunca poderia ser dada como provada matéria em que se assegurasse não ter a insolvente consciência de estar iminente qualquer insolvência da D… em Junho de 2009 ou ser previsível o pedido de insolvência que acabou por ser apresentado contra aquela sociedade em inícios de 2010.

Aos artºs 36º e 37º da oposição:
Pretende ainda a recorrente que se dê como provado que «era espectável que tais dificuldades da D… fossem superadas no curto prazo, tendo a sociedade, através dos seus Administradores, desenvolvido um plano de reestruturação nesse sentido, dado que a D… era e é viável – basta ver o plano de insolvência proposto pela mesma Srª Administradora de Insolvência» e que «a partir de Outubro de 2009 foram inclusivamente negociados acordos de regularização com os Bancos, com base num Plano desenvolvido com o apoio da H…, prevendo a constituição de um sindicato bancário».
Também relativamente a esta matéria não pode a mesma ser dada como provada, face ao depoimento da testemunha E… que referiu que o problema da D… era todo com a banca e chegaram até a “contratar a empresa H… para um plano de recuperação, mas o mesmo não foi avante”.
Igualmente a testemunha G… foi peremptória em referir que “o projecto da H… não tinha sustentabilidade absolutamente nenhuma, na opinião do K…”.
Mantêm-se, por isso, tal matéria, como não provada.

Artº 38º da oposição:
Requer a insolvente/recorrente que se dê como provado que «inesperadamente e com total surpresa, um dos bancos que iria constituir o sindicato entendeu romper repentinamente as negociações, em Março de 2010, tendo-se depois precipitado o pedido de insolvência da D…».
Não é possível dar esta matéria como provada, como pretende a recorrente/insolvente, por três razões:
1ª- A D… já se encontrava em situação de insolvência iminente desde Maio de 2009, uma vez que desde essa data se encontravam vencidas todas as obrigações junto do K…, de acordo com os já mencionados depoimentos das testemunhas G… e L…;
2ª- Tal como decorre da matéria de facto ínsita na al. i) da matéria dada como provada (que não foi impugnada) a declaração de insolvência da D…, Lda. foi requerida não depois de Março de 2010, como pretende fazer crer a recorrente, mas em 26 de Janeiro de 2010, sendo que, por sentença datada de 8 de Julho de 2010, transitada em julgado, foi tal sociedade declarada insolvente e,
3ª- De acordo com o teor da al. j) da matéria dada como provada, foi a própria D… que se apresentou à insolvência, no dia anterior àquele em que juntou oposição ao pedido de insolvência requerido pelo K….
Como tal, não constituía qualquer surpresa a insolvência da D… uma vez que tal situação já era iminente desde Maio/2009, razão pela qual não pode, de todo, tal matéria ser dada como provada.

Artº 39º da oposição:
Por último, segundo a recorrente deveria ter-se dado como provado que «Os bancos credores sempre haviam concedido crédito à D… unicamente pelo valor da D… e respectivas participações sociais e nunca por causa do restante património pessoal dos sócios, pois bem sabiam os Bancos ser manifestamente insuficiente para garantir só por si o pagamento dos avales prestados».
Esta foi a versão defendida pela testemunha F…, cujo depoimento, como já vimos, não tem a mínima contextualização factual.
Ao invés, os depoimentos unânimes e coerentes das testemunhas G… e L…, ambos funcionários bancários do K… e M… respectivamente, foram no sentido de que os avais prestados pelos sócios da D… era factores importantes e tinham como fim assegurar o pagamento dos créditos na eventualidade da empresa não os poder pagar. Com a alienação do património pessoal dos sócios ficaram aquelas instituições bancárias desprotegidas no que concerne aos seus créditos, por via de terem deixado de existir bens pessoais dos avalistas que assegurassem os avais prestados.
Caso os avais não tivessem importância para garantir os créditos concedidos, nem se perceberia por que razão eles foram constituídos.
Resulta, assim, que também quanto a esta matéria, não pode a mesma ser dada como provada.
Improcedem, por isso, também, neste segmento recursivo, as conclusões do recurso.

3. Saber se a insolvência poderia ter sido classificada como culposa, como o fez a sentença recorrida ou se deve ser considerada fortuita como pretende a recorrente/insolvente.

Na sentença recorrida classificou-se a insolvência da insolvente/recorrente como culposa, com os seguintes fundamentos:
- Na intenção da insolvente querer prejudicar os seus credores com a partilha de bens após o divórcio e com a venda à C… do seu quinhão hereditário e,
- na consciência da insolvência iminente da D….
A ser assim, estes comportamentos da insolvente/recorrente, o que iremos abordar de seguida, subsumem-se, tal como o fez a sentença recorrida, no disposto no artº 186º nº 2 al. d) do CIRE, aplicável por força do nº 4 do mesmo normativo.
Vejamos se assim é.
A insolvência pode ser qualificada como culposa ou fortuita (art. 185º, do CIRE) estando os pressupostos da sua qualificação como culposa enunciados no art. 186º, nos seguintes termos: [2]
“1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2- Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido um contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188º
3- Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.”
Por sua vez, dispõe-se no nº 4, daquele artigo que «os nºs 2 e 3 é aplicável, com as necessária adaptações, à actuação de pessoa singular insolvente e seus administradores, onde a isso se não opuser a diversidade de situações».
Além disso, conforme preceitua o nº 5, do mesmo normativo, «se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente».
É precisamente esta a situação do caso em apreço, dado que a insolvente, sendo uma pessoa singular, não titular de empresa (cf. art. 5º, do CIRE), não estava obrigada a apresentar-se à insolvência (cf. art. 18º, nº 2, do CIRE). Nesta conformidade, a qualificação da insolvência como culposa ou fortuita apenas depende da verificação de um comportamento enquadrável na noção geral contida no nº 1 do art. 186º, do CIRE e/ou das presunções do nº 2, atendendo às circunstâncias do caso.
Importa, pois, apurar se, in casu, é possível imputar à insolvente uma actuação dolosa ou com culpa grave, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra (segundo o critério plasmado no nº 1, do art. 186º, do CIRE) ou, ainda, se a situação é enquadrável em alguma das alíneas do nº 2, daquele artigo.
Note-se, porém, que, embora as presunções do nº2 do art. 186º se apliquem às pessoas singulares (com as devidas adaptações – cf. nº4, do art. 186º), nem todas as hipóteses ali contempladas são susceptíveis de aplicação a devedores que sejam pessoas singulares, como parece ser o caso, desde logo, das alíneas e) e f).
Vejamos, então.
Desde logo, os factos provados e as circunstâncias do caso, como bem se refere na sentença recorrida, “não são susceptíveis de demonstrar objectivamente as situações indicadas no artº 186º nº 2 als. a) e b) do CIRE.
Trata-se de uma pessoa singular, é conhecido o percurso dos bens identificados nos factos provados, não há notícia de que existissem outros e não resulta dos autos que os valores dos negócios jurídicos descritos sejam inferiores aos valores de mercado”.
Mas, será o comportamento da insolvente enquadrável na al. d) do nº 2 do artº 186º do CIRE, aplicável por força do nº 4 do mesmo preceito?
O nº 2 do artº 186º do CIRE estabelece nas suas diversas alíneas, presunções de insolvência culposa, devendo entender-se tais presunções como de “juris et de jure”, ou seja, nestas diferentes alíneas enumera-se os casos em que a insolvência é sempre culposa.
Está, pois, consagrada uma presunção de culpa, não sendo necessário prová-la e não sendo admissível prova em contrário.
Será, então, que a insolvente dispôs de bens em proveito pessoal ou de terceiros.
Foi dado como provado que foi efectuada a transmissão do património comum do casal constituído até então pela insolvente e por seu marido S…, por partilha, após o divórcio para o cônjuge marido, não avalista (cfr. al. m) dos factos provados).
A recorrente sustenta que com este circunstancialismo não prejudicou os seus credores, já que ao partilhar os imóveis em questão, a ora recorrente deixou de ter um encargo (pagamento do empréstimo) sobre um bem que não seria de utilidade para os credores, dada a hipoteca que sobre o mesmo recaía a favor da N… e ainda recebeu tornas em quantia superior ao outro imóvel partilhado, assim enriquecendo o património da insolvente.
A ser assim, não se percebe por que razão tendo a partilha por divórcio ocorrido em 19/06/2009, o AG…, SA não logrou o pagamento (ou, pelo menos, parte dele) ou a penhora de bens da insolvente no âmbito do pª executivo em que pedia o pagamento à insolvente de € 1.248.876.02 (cfr. al. r) dos factos provados).
Por outro lado, conforme decorre da matéria de facto provada, também o Q… reclamou um crédito no montante de € 1.673.078,75, o qual se encontra vencido desde 29 de Maio de 2009 (cfr. als. s) e t) da matéria de facto provada).
Daqui decorre que, ou a insolvente não recebeu quaisquer tornas, (o que nos parece ser a hipótese mais plausível de ter acontecido) ou não quis solver, pelo menos, em parte as suas dívidas. Com este comportamento, a insolvente quis salvaguardar o seu património pessoal transmitindo-o para o seu cônjuge que não era avalista da D…, assim colocando a salvo esses seus bens.
Isto mesmo decorre, como vimos, do depoimento da testemunha E….
Ora, estes factos prejudicaram, sem qualquer dúvida, os credores da insolvente B….
Por outro lado, a insolvente vendeu em Junho/Julho de 2009 à sociedade C…, da qual era sócia, o seu quinhão hereditário em cinco imóveis dos quais era titular desde 2001 (cfr. als. k), l) e n) da matéria dada como provada).
Com esta conduta, a insolvente quis, mais uma vez, ludibriar os seus credores, desfazendo-se do seu património que poderia garantir parte da dívida para com aqueles. Veja-se que, estas vendas e a partilha por divórcio ocorreram após o vencimento das suas obrigações perante os credores.
Sendo ainda de realçar que a C…, SA não assumiu qualquer responsabilidade ou garantia perante os credores da ora insolvente e aqui recorrente (cfr. al. q) da mat. provada) e inclusive foi transformada em sociedade anónima por registo de 8 de Junho de 2009 (cfr. al. o) da matéria provada), estando as respectivas acções distribuídas entre uma sociedade com sede em Marrocos e V…, mãe da ora insolvente (cfr. al. y) da mat. provada), pelo que, não se percebe como é que os credores saíram beneficiados com tal negócio, como, absurdamente alega a recorrente.
É que tal como ficou demonstrado, a C… não procedeu a qualquer actividade imobiliária com os imóveis em causa nem os utilizou tendo em vista a realização de qualquer investimento, designadamente imobiliário. Antes vendeu o maior quinhão das suas acções a uma sociedade com sede em Marrocos.
E, assim, perante este evidente descaminho de bens, a insolvente ainda alega que os credores não saíram lesados nos seus interesses, tanto assim que a AI não resolveu tais negócios de compra e venda.
Esquece-se a recorrente/insolvente que, estando provavelmente os bens já na posse de um terceiro, não será fácil proceder, na prática, à resolução de tais negócios.
Por último, resta abordar a questão de saber se a insolvente tinha consciência da insolvência da D….
Resulta dos factos dados como provados (cfr. als. r), s), t) e v) da mat. provada), a plena consciência da insolvente da situação de insolvência em que a D… se encontrava quando celebrou os negócios acima mencionados.
Veja-se que, se uma testemunha, mera funcionária administrativa E…, tinha consciência que, desde o início de 2009 a D… se encontrava em dificuldades financeiras e económicas, como não pode a insolvente que trabalhava também na sociedade D… não ter consciência disso também, ainda por cima tendo uma especial relação de proximidade com a empresa e seus familiares, todos eles sócios da mesma.
Também já referimos, aquando da abordagem da questão anterior que a testemunha G…, funcionário do K…, referiu que “em Abril/Maio de 2009, o processo da D… passou para a gestão e recuperação de crédito, porque existia um incumprimento reiterado por parte da empresa para com a banca”, acrescentando que “quer a insolvente quer a sua irmã O… haviam avalizado todas as operações de crédito junto do banco”.
Desta forma, a actuação da insolvente é susceptível de integrar os pressupostos enunciados na al. d) do nº 2 do art. 186º, do CIRE, onde se estabelece uma presunção “juris et de jure”, e em que a sentença recorrida se apoiou para qualificar a insolvência.
Improcedem, pois, in totum, as conclusões do recurso da apelante.

V – DECISÃO

Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 04/06/2012
Maria José Rato da Silva Antunes Simões
Abílio Sá Gonçalves Costa
António Augusto de Carvalho
______________
[1] Vide, por todos os Acs. do STJ de 03/11/2005 (relator Ferreira Girão) e de 15/12/2005 (relator Salvador da Costa), consultáveis em www.dgsi.pt.
[2] Trata-se de instituto novo, introduzido no CIRE – cf. Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, p. 61. e também, Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, p. 201 e Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. II, p. 13.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c982bb074610a5ed80257a1e0051e811?OpenDocument

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