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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 14/06/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4269/07.1TBGMR.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 14-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: I - Resultando demonstrado nos autos, que o obrigado, à prestação alimentícia a menores, tem dois veículos automóveis e reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora devidamente identificada, cumpre à pessoa, a quem a prestação alimentícia deveria ser entregue, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2, não lhe sendo lícito requerer a condenação do FGADM sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
II – Para que o FGADM seja condenado a suportar o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores é necessário mostrar-se verificada, através dos actos praticados para o efeito, a impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189º da OTM, não bastando a alegação de que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias fixadas a cargo do devedor originário.
III- Só após, se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios estabelecidos pelo artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM), é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM, já que a obrigação que lhe é imposta, de assegurar as prestações a que se refere a Lei nº 75/98, de 19/11, é subsidiária e autónoma relativamente às situações previstas naquele artigo.


Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Maria..., por si e em representação dos seus filhos menores, Helder e Soraya, veio requerer que seja fixada a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) o montante da prestação alimentícia no valor de € 100,00, a favor de cada um dos menores, com fundamento no incumprimento do progenitor, Francisco, que deixou de liquidar as prestações a que ficou obrigado em conferência de pais realizada em 13.12.2007.

Por despacho de fls. 280 a 281, foi indeferida essa pretensão, do pagamento das prestações alimentícias a cargo do Fundo, com base no facto de o requerido prosseguir actividade profissional remunerada na Suíça.
Desse despacho foi interposto recurso de agravo, o qual foi provido, por douto Acórdão desta Relação de 22.3.2011, tendo sido ordenado o prosseguimento dos autos, “… de modo a apurar-se, designadamente, qual a residência do devedor de alimentos, na Suíça, o seu local de trabalho e respectiva entidade patronal e qual o montante da remuneração por ele recebida, decidindo-se, depois, em conformidade.”.
Em cumprimento do decidido, o Tribunal, no âmbito da acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, determinou a notificação do requerido para indicar a respectiva entidade patronal e o vencimento auferido, ao que o mesmo não correspondeu, tendo tal comportamento sido objecto de sanção processual (cfr. fls. 25, 41 e 54, do apenso «A»).
Não tendo essa informação sido voluntariamente prestada, e uma vez que a requerente confessou desconhecer a realidade laboral do requerido, na sequência de dar cumprimento ao doutamente ordenado naquele Acórdão, a fls. 298 a 299, determinou-se:
a) Se solicitasse os bons ofícios do Consulado Português na Suíça (mais próximo ao local de residência do requerido) no sentido de apurar se o progenitor Francisco é trabalhador dependente, indicando, se possível, a entidade patronal e o vencimento respectivos;
b) Se solicitasse os bons ofícios do organismo da Segurança Social congénere no sentido de elaborar inquérito sumário acerca das condições de vida do progenitor, no qual seja informado a situação laboral daquele, a respectiva actividade profissional e entidade patronal, bem como o vencimento respectivo.
Foram juntas as informações solicitadas e, a fls. 327 foi proferido despacho, no qual se decidiu: “Considerando o que consta de fls. 69, dos autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, na qual está identificada a entidade patronal do progenitor, tendo sido inclusive junto um recibo de vencimento (cuja tradução ali foi ordenada), determino a notificação da progenitora para esclarecer se vai desencadear procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, e, no caso negativo, os fundamentos para o não fazer.”.
A fls. 330 a requerente respondeu expondo os motivos porque não tenciona desencadear qualquer procedimento no sentido da obtenção da cobrança de alimentos no estrangeiro, invocando, por um lado, desconhecer se as declarações prestadas correspondem à verdade, por outro lado, por concluir que as despesas do requerido consomem os seus proventos e, por último, invocando a demora desse processo, cerca de três anos, segundo as informações que colheu.
O Ministério Público emitiu o parecer que consta de fls. 333 a 334, no qual consigna a sua discordância quanto ao exposto pela requerente.
De seguida, a fls. 337 e ss., foi proferida a seguinte decisão que se transcreve, em síntese: ”Da leitura conjugada dos artigos 1º, da Lei nº 75/98, de 19/11, e 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05, resulta que a responsabilidade do Estado pelo pagamento das prestações devidas a menores tem natureza autónoma e subsidiária em relação à anteriormente fixada ao progenitor devedor, sendo o seu pressuposto a não realização coactiva da prestação através de alguma das formas previstas no artigo 189º, da OTM, ou através de acção executiva ou procedimento contemplado em instrumento de direito internacional ao qual o Estado Português se tenha vinculado, ou seja, pressupõe a fixação prévia da obrigação de alimentos e a inviabilidade da sua cobrança coerciva (cfr. Acórdãos do TRC, de 03-05-2006 e 24- 06-2008, in www.dgsi.pt).
No entanto, na situação em análise, no auto de fls. 69 dos autos de alteração e sobretudo do recibo de vencimento de fls. 72 (cujo teor não foi impugnado), consta que o progenitor reside na Suíça, país onde prossegue actividade remunerada, auferindo o vencimento no montante líquido de CHF € 3.721,05, estando identificada naquele recibo a entidade patronal e a sede da mesma.
Deste modo, não tendo sido despoletado qualquer mecanismo para cobrança das prestações alimentícias declaradas vencidas a fls. 262 a 263, apesar da notificação dos elementos atinentes à capacidade económica do progenitor, não se verifica, no presente, o pressuposto relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento daquelas, até porque, na pirâmide de obrigações dos progenitores, pontificam as atinentes aos alimentos devidos aos filhos menores (sendo imperativo para o requerido reorganizar as suas despesas, em função dos seus deveres parentais para com os filhos residentes em Portugal).
Neste seguimento, indefiro o pagamento das prestações alimentícias a cargo do FGDAM.
Notifique.”.
Inconformada com o decidido interpôs recurso a requerente, terminando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª – Ao presente processo são aplicáveis as disposições da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, relativa à Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, e do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que regula a Garantia de Alimentos Devidos a Menores prevista na referida lei e, ainda, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns do processo civil.
2ª – Da leitura conjugada dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, resulta que a lei faz depender o dever de prestar do Estado da observância cumulativa de vários requisitos:
a) Existência de uma sentença que fixe os alimentos devidos a menores;
b) Residência do alimentado em território nacional;
c) Inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional;
d) Que o alimentado não beneficie, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre; e
e) Não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida, através de uma das formas previstas no art. 189º da OTM.
3ª – Prevê o art. 189º da OTM que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida, ser-lhe-ão deduzidas no vencimento/salário/ordenado as respectivas quantias.
4ª – No caso em apreço nos presentes autos, não foi possível proceder aos referidos descontos, apesar das várias diligências efectuadas nesse sentido, visto não ser conhecida a entidade patronal do pai dos menores, o que, por si só, demonstra nos autos encontrarem-se preenchidas todas as condições previstas no artigo 189º da OTM que fazem depender a atribuição da prestação de alimentos a cargo do FGADM.
5ª – Na verdade, após várias diligências frustradas no sentido de apurar se o progenitor se encontra empregado e aufere um salário, aquele veio a prestar declarações, juntando para o efeito um recibo de vencimento.
6ª – Não se sabe se as declarações prestadas pelo pai dos menores correspondem, de facto, à verdade, não se encontrando provado em parte alguma do processo por meio seguro qual a sua entidade patronal e qual o valor que aquele recebe mensalmente.
7ª – Para que não restassem dúvidas quanto ao incumprimento do pai dos menores, a Recorrente suscitou o incidente de incumprimento do pagamento das prestações alimentícias pelo Recorrido, o que foi julgado verificado pelo Tribunal.
8ª – Segundo resulta da decisão em crise, a responsabilidade do Estado tem como pressuposto a não realização coactiva da prestação através de alguma das formas previstas no artigo 189º da OTM ou acção executiva ou procedimento contemplado em instrumento de direito internacional ao qual o Estado Português se tenha vinculado.
9ª – Porém, não resulta da lei, designadamente dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19/11, e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, que seja pressuposto da responsabilidade do Estado pelo pagamento das prestações devidas a menores a impossibilidade de os cobrar através de procedimento contemplado em instrumento de direito internacional.
10ª – O Tribunal a quo notificou a Recorrente para dizer se iria desencadear procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, e, após aquela ter respondido, e explicado porque o dizia, que não iria desencadear o referido procedimento, o Tribunal indeferiu o pedido de pagamento de prestações pelo FGADM.
11ª – Nessa medida, o Tribunal a quo sujeitou a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, do espírito da lei ou da intenção do legislador.
12ª – Nunca o Tribunal poderia ter sujeito a Recorrente à adopção de procedimento de cobrança de alimentos no estrangeiro, nem, muito menos, ter indeferido o pedido de pagamento daqueles pelo FGADM em consequência da sua não prossecução.
13ª – Da legislação aplicável não resulta a obrigação daqueles a quem a prestação deveria ser entregue de esgotar todos os meios, métodos e possibilidades, ainda que remotamente existentes no sistema jurídico para tentar cobrar coactivamente as prestações devidas.
14ª – Do exposto resulta que, para que seja concedido o benefício da prestação a cargo do FGADM, não se torna necessário esgotar todas as vias de cobrança possíveis, mas antes, como diz a lei, basta que “a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não o [faça] por uma das formas previstas no art. 189º da OTM”.
15ª – O que, no caso em apreço nos presentes autos, ficou indubitavelmente provado, ou seja, dúvidas não existem que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor originário.
16ª – De tudo quanto vem de se dizer resulta que o Tribunal a quo violou as disposições constantes dos artigos 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 3º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, bem como dos artigos 24º e 69º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo como tal, ser revogada a decisão proferida.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por o Tribunal a quo ter sujeito a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, e, em consequência, a decisão recorrida revogada e julgar-se o pedido procedente, por ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor faltoso.

O Ministério Público respondeu nos termos que constam a fls. 373 e ss., pugnando pela manutenção da decisão recorrida e negação do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660º nº 2, 684º nº 2 e 3 e 690º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).
Assim, a questão única a apreciar consiste em saber se, se mostram verificados os requisitos necessários para que as prestações alimentícias fixadas judicialmente aos menores sejam suportadas pelo FGADM e, por isso, a decisão recorrida deve ser revogada.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos com interesse para a decisão são os enunciados no relatório que antecede, resultado dos trâmites processuais desenvolvidos nos autos.

Refere a apelante que o Tribunal “a quo” sujeitou a fixação de uma prestação à verificação de requisitos que não decorrem da lei, e, em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada e julgar-se o pedido procedente, por ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor faltoso.
Vejamos.
Dispõe a este propósito a Lei nº 75/98, de 19/11, no seu artº 1 que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.”.
No artº 2, nº 1, que “As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal...”.
No artº 3, nº 1, que “Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.”.
O Decreto-Lei nº 164/99, de 13/05 regulamentou aquela Lei nº 75/98 e, no seu artigo 2º dispõe o seguinte:
“1 - É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1º e 2º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.”
No seu artº 3, este diploma dispõe sobre os pressupostos e requisitos de atribuição, nos seguintes termos:
“1 -O Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - As prestações a que se refere o nº 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”.
Nos termos do disposto no nº 5 do artº 4 do mesmo Decreto Lei, “O centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.”.
Sendo que o pagamento destas prestações pressupõe a prova regular da subsistência dos requisitos da sua atribuição, dispondo o nº 4, do artº 9, “A pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.”.
Os normativos que antecedem surgiram da necessidade imposta ao Estado de criar mecanismos que lhe permitam assegurar aos menores a necessidade básica de sustento na falta de cumprimento da prestação de alimentos pelo devedor, juridicamente obrigado, assim dando cumprimento ao consagrado no artº 69, nº1, da Lei fundamental, onde se dispõe: ”As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.”.
A propósito, lê-a-se o consignado no Acórdão do STJ de 07.04.2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt “a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69.º n.º 1, da Constituição.
É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores».
Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).
Atento o que dispõem o nº 2 do artº 2 daquela Lei nº 75/98 e o nº 3 do artº 3 do DL nº 164/99, a prestação a fixar pelo Tribunal é uma prestação nova e autónoma em relação à anteriormente fixada ao devedor, prestação que tem como limite 4 UC por devedor, mas que não inviabiliza que o Juiz, no respeito por aquele tecto, fixe prestação alimentar diversa da fixada, na medida em que, tal é tão-só um dos índices a ter em conta pelo julgador.
Em suma, existindo um progenitor/incumpridor obrigado à prestação de alimentos a filhos menores, o Estado assume, através do FGADM, subsidiariamente a obrigação de garantir, transitoriamente, os alimentos devidos e previamente fixados, desde que verificados os requisitos legais exigidos por lei.
Pois, devido ao carácter autónomo e subsidiário que a prestação a cargo do Estado assume face à prestação imposta ao devedor principal, que não cumpre, a sua atribuição a cargo do FGADM, atenta a análise dos dispositivos supra enunciados, depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) Estar uma pessoa, através de uma decisão judicial, obrigada a uma prestação de alimentos a favor de menor que resida em território nacional, artºs 1 da Lei 75/98 e 2, nº 2 e 3, n°1, a), do Dec-Lei n° 164/99;
b) Que a pessoa obrigada não pague a prestação a que está obrigado e não seja possível cobrar essa prestação nos termos previstos no artº 189 da OTM, artºs 1 da Lei 75/98 e 3, n°1, a), do Dec-Lei n° 164/99;
c) Que o menor não disponha de um rendimento liquido superior ao salário minímo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, artºs 1 da Lei 75/98 e 3, n°1, b), do Dec-Lei n° 164/99.
Do exposto resulta que, quem estiver perante situação que se enquadre neste circunstancialismo, deve desencadear o procedimento para que o Estado intervenha em substituição do obrigado/incumpridor.
Refere Tomé d`Almeida Ramião, in “Organização Tutelar de Menores”, 9ª edição, pág 168, que quem estiver nas condições acabadas de referir, podendo ser a pessoa a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue, deve formular o pedido com vista a que seja intentado o procedimento adequado a satisfazer as prestações a cargo do Fundo, juntando a respectiva prova documental, no sentido de que o tribunal fixe o montante da prestação que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.

No nosso caso, a requerente, pessoa a quem a prestação de alimentos deveria ser paga, desencadeou o presente procedimento, alegando verificarem-se as condições supra enunciadas.
No entanto, realizadas nos autos as diligências instrutórias necessárias, para aferir dessa alegação, o Tribunal “a quo” indeferiu a pretensão da requerente com fundamento em não se verificar, no presente, o pressuposto relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento das prestações alimentícias devidas aos menores.
Assim é, apenas, quanto a este requisito, ou seja, apurar se é ou não possível cobrar essa prestação nos termos previstos no artº 189 da OTM, que temos que nos pronunciar, uma vez que a recorrente alega ser manifesta a inviabilidade da obtenção coerciva das prestações alimentícias. Baseando esta conclusão nos juízos de valor que tece, a fls. 356 das suas alegações sobre o salário e despesas do requerido/obrigado.
Por sua vez, o Ministério Público pugna pela manutenção da decisão recorrida nas suas alegações em resposta ao recurso da recorrente. Sustenta que constando dos autos que o pai das crianças se encontra emigrado, na Suíça e aufere, mensalmente, cerca de 3 721, 05 francos suíços e, possui dois veículos automóveis não deve ser fixado um montante a suportar pelo FGADM sem que antes se utilizem todos os meios legais no sentido de coagir o obrigado a satisfazer a obrigação de contribuir para as despesas com os alimentos dos filhos.
Que dizer?
É sabido, como já dissemos, que a exigibilidade da prestação, por parte do Fundo, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM).
Isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
No nosso caso, resulta demonstrado nos autos, a fls. 222 e 223 que o obrigado a prestar alimentos tem dois veículos automóveis e que reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora identificada, bem como a sua sede. Assim sendo, é nosso entendimento, com o devido respeito por opinião contrária, que cumprirá à apelante, em primeiro lugar, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2. Não o tendo feito, nem demonstrando a impossibilidade do fazer, não lhe é lícito, neste momento, requerer a condenação do FGADM, sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
Como é evidente, a situação carreada para os autos alterou-se, após a prolação daquele douto Acórdão desta Relação supra referido e, apesar de terem sido colhidas informações sobre a situação económica e profissional do obrigado a alimentos, a recorrente não desencadeou o mecanismo de cobrança de alimentos e nem pretende fazê-lo conforme informou no seu requerimento de fls. 330 e 331 e reiterou nas suas alegações de recurso, concluindo sob o nº15, “que ficou indubitavelmente provado, ou seja, dúvidas não existem que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias pelo devedor originário.”. Alegação que não prova de modo algum.
Logo, tal como o Tribunal recorrido não concordou com a conclusão da recorrente, também nós não a podemos aceitar, desacompanhada que se mostra da prática de qualquer acto por parte da mesma no sentido de obter os alimentos, devidos aos menores a seu cargo, do obrigado a prestá-los. Tudo acrescido, das informações trazidas aos autos com vista a viabilizar o exercício desses procedimentos.
Assim, com segurança, atentos os elementos supra referidos, é de concluir que não se mostra verificado no presente processo aquele requisito, relativo à inviabilidade de obtenção coactiva do pagamento das prestações a cargo do requerido/obrigado, necessário para que se determine a sua atribuição a cargo do FGADM, como bem decidiu o Tribunal “a quo”.
Pelo que a apelação tem de improceder e mantém-se a douta decisão recorrida, que indeferindo a pretensão da recorrente, não violou qualquer dispositivo legal.
Resumindo:
I - Resultando demonstrado nos autos, que o obrigado, à prestação alimentícia a menores, tem dois veículos automóveis e reside na Suíça, onde desenvolve uma actividade remunerada por conta de entidade empregadora devidamente identificada, cumpre à pessoa, a quem a prestação alimentícia deveria ser entregue, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189º da OTM, mais propriamente à alínea b) do nº 2, não lhe sendo lícito requerer a condenação do FGADM sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do referido no artigo 1º da Lei nº 75/98, de 19/11.
II – Para que o FGADM seja condenado a suportar o pagamento das prestações alimentícias devidas a menores é necessário mostrar-se verificada, através dos actos praticados para o efeito, a impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189º da OTM, não bastando a alegação de que se tornou inviável a obtenção coerciva das prestações alimentícias fixadas a cargo do devedor originário.
III- Só após, se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios estabelecidos pelo artigo 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (OTM), é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM, já que a obrigação que lhe é imposta, de assegurar as prestações a que se refere a Lei nº 75/98, de 19/11, é subsidiária e autónoma relativamente às situações previstas naquele artigo.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a douta decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Notifique.

Guimarães, 14 de Junho de 2012
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/54ca4c5f36f1e8c580257a33004b08e8?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

RESPONSABILIDADES PARENTAIS PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DIREITO DE VISITA TERCEIRO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA AUDIÇÃO DA CRIANÇA - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 20/06/2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
450/11.7TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
DIREITO DE VISITA
TERCEIRO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA

Data do Acordão: 20-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS 1º J
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 146, 147, 150 OTM, 1887-A E 1901 CC, 1410 CPC, REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO DE 27/11/2003, CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA DE 20/11/1998

Sumário: 1.- Se o facto de o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária viabiliza a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança orienta o julgador no sentido de sempre curar por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude.
2.- Não se extrai do artigo 1887º-A do Código Civil ou de qualquer outro preceito aplicável que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão, já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.

3.- Tendo uma criança estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas.

4.- Este direito de visita é legalmente admissível, nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos da O.T.M., do art. 1410.º do CPC, e Regulamento ( CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/2003.

5.- Quer o artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança» quer o Direito interno constituído impõem a audição da criança, sendo que, no caso português, tal audição deve ser, por regra, realizada pelo juiz.


Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
*
I. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu contra MJ (…) e MA (…) a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor MC (…)

Alegou, para o efeito, que a MC (…) é filha dos Requeridos; estes nunca foram casados entre si e encontram-se separados de facto; a MC (…) encontra-se a viver com a mãe; os Requeridos não estão de acordo quanto à regulação do exercício de tais responsabilidades relativamente à menor.

O Requerido não compareceu à conferência agendada com vista à obtenção de acordo de regulação entre os progenitores, apesar de citado.

Realizou-se inquérito sobre a situação sócio-económica da MC (…) e da Requerida mas não do Requerido.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer sobre a regulação.
Foi proferida sentença que confiou a MC (…) à guarda e cuidados da Requerida e fixou regime de visitas e de prestação alimentar pelo Requerido.
O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso do «despacho datado de 14.11.2011» pelo qual foi indeferido «o pedido do Ministério Público para que se solicitasse à Segurança Social a elaboração de Relatório Social sobre a situação familiar de (…), padrinho da menor em questão nos presentes autos, a fim de se aferir da viabilidade de eventual fixação de regime de visitas à menor».
Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões das suas alegações:
«1.º A menor MC (…) estabeleceu uma relação idêntica à filiação com o padrinho, que dela cuidou desde pequena, sendo esta a figura primária de referência da menor.
2.° O interesse da menor reclama a fixação de um regime de visitas ao padrinho a favor da mesma.
3.° Essa fixação é possível nos termos do art. 146.°, aI. d) e 150.° da O.T.M. e 1410.° do C.P.C., por se tratar de um processo de jurisdição voluntária.
4.° A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.° da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta.
5.° Tal audição é essencial para a boa decisão da causa.
6.° O despacho recorrido ao indeferir a realização das diligências probatórias requeridas pelo Ministério Público, tendentes a recolher informação adequada para fixar um regime de visitas ao padrinho, com o fundamento da inadmissibilidade legal desse regime de visitas, violou as normas constantes do art. 146.°, aI. d) e 150.° da O.T.M., do art. 1410.° do C.P.C., do art. 1906.°, n° 7 do C.C., dos art. 3.°, n° 1 e 12.° da e.D.C. e, ainda, do art. 26.° da C.R.P. »

Concluiu pedindo que fosse revogada a decisão impugnada e substituída «por outra que determine que se solicite à Segurança Social a elaboração de Relatório Social à situação familiar do padrinho da menor, a fim de se aferir da viabilidade da fixação do regime de visitas, e que determine a audição da criança».

As alegações do Recorrente não foram objecto de resposta da parte contrária.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Tendo a menor estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas, sendo que tal fixação é possível nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos da O.T.M., e do art. 1410.º do Código de Processo Civil?
2. A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta, sendo tal audição essencial para a boa decisão da causa?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vêm provados os seguintes factos:
A) A menor MC (…) nasceu em 17 de Novembro de 2002 (cfr. certidão de nascimento junta aos autos a fls. 4).
B) A menor MC (…) é filha dos requeridos MA (…) e MJ (…)
C) A menor encontra-se a viver com a requerida MJ (…) desde há cerca de 2 anos.
D) A requerida declarou que aufere o vencimento mensal de 250 euros da sua actividade de empregada de limpeza. Reside com um companheiro que explora um estabelecimento comercial de café, auferindo um rendimento mensal de cerca de 1.500 euros. Do seu agregado familiar fazem igualmente parte um filho com 13 meses, que também é filho do seu actual companheiro, e ainda outro filho com 17 anos de idade. Para além disso, requerida tem ainda como fonte de rendimentos o abono de família destinado aos menores no valor de 295,57 euros.
E) O agregado familiar da menor MC (…) vive numa habitação situada por cima de um café, que possui condições de habitabilidade, higiene e conforto. É composta por 3 quartos, sendo um destinado à menor MC (…).
F) A menor MC (…) é uma criança afectiva, responsável, educada, sem problemas comportamentais, e encontra-se numa fase de adaptação ao agregado familiar da mãe, na medida em que residiu com um padrinho durante os seus primeiros 7 anos.
G) Os progenitores da menor MC (…) tiveram uma relação esporádica que durou pouco tempo.
H) Os últimos contactos do progenitor com a menor MC (…)ocorreram no ano de 2008, altura em que a mesma esteve hospitalizada. A partir dessa altura o requerido não estabeleceu qualquer contacto com a menor, quer pessoalmente, quer por via telefónica, ou por qualquer outra forma.
I) Nesse ano de 2008, o requerido auxiliou o sustento da menor MC (…), na medida em que entregou algumas quantias durante o período de 6 meses. A partir dessa altura o requerido não contribuiu com qualquer valor para o sustento da menor.
J) O requerido exerceu a actividade profissional de vigilante.
K) Actualmente é desconhecido o paradeiro do requerido Marco Lima.»

Fundamentação de Direito
1. Tendo a menor estabelecido com o seu padrinho, que dela cuidou desde pequena, uma relação idêntica à de filiação e sendo esta a sua figura primária de referência, o seu interesse reclama a fixação ao mesmo de um regime de visitas, sendo que tal fixação é possível nos termos da al. d) do art. 146.º e no 150.º, ambos da O.T.M., e do art. 1410.º do Código de Processo Civil?
Por referência ao regime do direito de visita regulado no «REGULAMENTO (CE) N.o 2201/2003 DO CONSELHO de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000» (Regulamento Bruxelas II bis), afirmou-se em MARINHO, Carlos M G de Melo, Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág.s 63 e 64 que «As regras fixadas no Regulamento, incidentes sobre esta temática, aplicam-se a qualquer tipo de exercício do direito de visita, com abstracção da pessoa do seu beneficiário (abrangendo, pois, por exemplo, os avós e terceiros). A sua concretização prescinde de qualquer forma de exercitação tarifada (compreendendo todos os tipos de contacto, tais como os telefónicos e os electrónicos).» Encontramos esta abrangência alargada nos n.ºs 7 e 8 do art. 2.º de tal encadeado normativo.
Quis-se, por esta via, deixar aberta a porta a todas as formas de concretização e tutela dos interesses dos menores, sempre com a noção subjacente de que a realidade é mais rica que a norma e que, aqui, se busca a tutela do superior interesse da criança a um nível que é o único susceptível de emprestar sentido e coerência a essa noção e que afasta qualquer legalismo ou predomínio da forma sobre a adequação da decisão ao facto, equidade e justiça.
O superior nível hierárquico do regime de Direito Europeu – aplicável a título directo e imediato em Portugal ainda que apenas em situações de relevo transfronteiriço – bem como o seu tempo de surgimento, inculcam a noção de que deve ser-lhe atribuído o valor de referencial e elemento de aferição da vontade actualizada do legislador – sendo que Portugal participou activamente nas respectivas negociações.
Este elemento não é o único, porém, a conceder um subsídio para a decisão a proferir já que, por força do disposto no art. 150.º da Organização Tutelar de Menores (O.T.M.) – aprovada pelo €DL n.º 314/78, de 27 de Outubro – estamos perante um processo de jurisdição voluntária o que nos remete, em sede de esforço interpretativo, para o disposto no Artigo 1410.º do Código de Processo Civil, com o seguinte teor:
«Critério de julgamento
Nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.»
Se este elemento «abre a porta» para a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança impõe o caminho. É ele que deve orientar o julgador, que sempre curará por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude.
Sob tão exigente e difícil comando, não poderá, pois, o juiz, deter-se no primeiro escolho interpretativo. Não o chega a ser, porém, o disposto no artigo 1887.º-A do Código Civil que, a propósito do «Convívio com irmãos e ascendentes» estatui:
«Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes».
Deste preceito apenas resulta a expressa tutela dos direitos de contacto dos irmãos e avós com o menor, aliás em desenvolvimento de noção actualizada do direito de visita e em superação de concepção inicialmente circunscrita à família nuclear, básica, fechada, assente nas relações pais-filhos – foi, justamente, a clausura do regime regulatório nas relações estritamente emergentes do casamento, assente na aludida família nuclear, que ditou a curta vida e relativo insucesso do Regulamento (CE) n.º 1347/2000, revogado pelo texto de Direito Europeu acima apontado.
Não se extrai da aludida norma, ou de qualquer outra, que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.
Sob um tal contexto, não há razão para se proscrever a possibilidade de os laços concretos da menor com o seu padrinho serem de tal maneira fortes e relevantes na sua existência e formação que justifiquem a atribuição do Direito de visita.
2. A criança tem direito a ser ouvida, nos termos do art. 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, por estar em causa a decisão de uma questão que a afecta, sendo tal audição essencial para a boa decisão da causa?
Impõe-se que se avalie, também, a questão da necessidade de audição da menor.
A este nível, releva o disposto no Artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança», adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, com o seguinte teor:
«1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.»
Por seu turno, encontramos no direito interno português um importante elemento referenciador, neste domínio – o Artigo 1901º, com o seguinte teor:
«Responsabilidades parentais na constância do matrimónio
1 - Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais.
2 - Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação.
3 - Se a conciliação referida no número anterior não for possível, o tribunal ouvirá o filho, antes de decidir, salvo quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem.»
Esta redacção – emergente da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008 – corresponde a uma evolução da anterior, já que se prescindiu da idade de referência quatorze anos, o que significa que apenas a falta de capacidade de discernimento do menor ou outras dificuldades cognitivas ou emocionais de aferição casuística poderão obstar à audição da criança.
O artigo 147.º-A da Organização Tutelar de Menores estabeleceu, sob a epígrafe «Princípios orientadores» que:
«São aplicáveis aos processos tutelares cíveis os princípios orientadores da intervenção previstos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo, com as devidas adaptações.»
Esta lei – Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro – dispôs, no seu artigo 4.º:
«Princípios orientadores da intervenção
A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
(...)
i) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção;
(...)»
Tão importante se revela a audição da criança que o aludido Regulamento Europeu – destacado entre todos os diplomas do espaço comum de justiça por ter suprimido pela primeira vez na História o «exequatur» – só permitiu a aludida dispensa precursora do processo intermédio de revisão e confirmação de sentença estrangeira que contenha decisão sobre direito de visita ou relativa ao retorno da criança em casos de rapto parental, quando se tenha garantido a audição do menor – cf. art.s 41, n.º 2, al. c) e 42.º, n.º 2, al. a).
Por isso se disse na obra apontada – pág. 70:
«Que se crie a oportunidade de o menor ser ouvido no âmbito dos processos que lhe respeitem é requisito axilar no Regulamento. É, também, exigência pressuponente da abolição do exequátur. Só excepcionalmente, em função da idade ou da maturidade da criança, não se abrirá essa possibilidade.
Não se exige que o menor seja ouvido por um juiz, no quadro de uma audiência formal, pelo que serão os direitos internos a enquadrar formalmente a diligência.
Tal audição deverá pressupor a adequada preparação técnica dos profissionais nela envolvidos, ser realizada com discrição, em termos adaptados ao específico fim processual visado, e ser concretizada em clima de confiança, adaptado às circunstâncias pessoais do menor e, em particular, à sua idade.»
Regressando ao caso português, não se vê razão para que não seja o juiz a proceder à audição directa do menor – antes as indicadas normas e os poderes instrutórios que lhe são atribuídos no processo civil nacional e no procedimento em causa o apontam – em vez de se atribuir essa actividade a entidades ou pessoas com funções de intermediação, como que demitindo-se da colheita directa da prova, quando a intervenção desses terceiros não se revele estritamente necessária com vista às finalidades processuais – necessidade que se verifica, por exemplo, quando se revelem necessários conhecimentos especiais da área da psicologia.
Flui do exposto proceder o recurso, devendo determinar-se a audição da menor, cujo discernimento se presume atenta a sua idade, avaliando-se a possibilidade de concessão de direito de visita ao padrinho referenciado nos autos e que, segundo o Ministério Público indicou e devia ter sido averiguado em sede instrutória, constitui figura de referência da sua vida, já que dela cuidou desde pequena.
SUMÁRIO:

1. Se o facto de o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais ter a natureza de processo de jurisdição voluntária viabiliza a busca da melhor solução, alijada de peias normativas e de forma, o conceito de superior interesse de criança orienta o julgador no sentido de sempre curar por encontrar a solução que – não só objectivamente mas também à «luz» dos afectos, do grau de desenvolvimento psíquico, da percepção da distinta dimensão do tempo da infância e dos efeitos dos dias no estádio de desenvolvimento do menor concreto – lhe construa, à medida exacta desses elementos e das suas necessidades, um universo em que possa rever-se, encontrar-se e crescer em plenitude;

2. Não se extrai do artigo 1887º-A do Código Civil ou de qualquer outro preceito aplicável que distintas relações, outros afectos, ainda que relativos a terceiros, não possam merecer relevo regulatório no momento da decisão incidente sobre o exercício das responsabilidades parentais – nem esta expressão («parentais») nos deve afastar desta conclusão, já que exprime apenas o núcleo e a origem do instituto e não fala da felicidade e dos interesses da criança, que tudo dominam.

3. Sob um tal contexto, não há razão para se proscrever a possibilidade de os laços concretos da menor com o seu padrinho serem de tal maneira fortes e relevantes ao nível da sua existência e consequências que justifiquem a atribuição do Direito de visita;

4. Quer o artigo 12 da «Convenção sobre os Direitos da Criança» quer o Direito interno constituído impõem a audição da criança, sendo que, no caso português, tal audição deve ser, por regra, realizada pelo juiz.


III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente procedente e, em consequência, revogamos a sentença impugnada e determinamos que o Tribunal a quo proceda à audição da menor MC (…) e à ponderação, após colheita dos elementos instrutórios tidos por necessários, da possibilidade de fixação de regime de visitas ao aludido padrinho.
Sem custas.

*

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Alberto Ruço (1.º Adjunto)
Judite Pires (2.ª Adjunta)

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/94d01a78963e00ea80257a370048565d?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL GUARDA CONJUNTA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 22/05/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1900/05.7TBSXL-E.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA DO MENOR
GUARDA CONJUNTA
ALIMENTOS

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 22-05-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: 1. Não havendo acordo do pai e da mãe quanto regime de residência, e na impossibilidade de guarda conjunta, deve estabelecer-se o regime de guarda alternada por tempos correspondentes aos períodos escolares. Este regime pode ser alterado por ambos os pais, de comum acordo.
2. Atendendo a que daí resultam encargos para ambos os pais, que se compensam, não é de fixar pensão de alimentos. As despesas de educação e saúde serão comparticipadas por ambos em partes iguais.
3. As questões de grande importância para a vida do menor serão decididas pelo pai e pela mãe, de comum acordo, sujeitas a decisão do tribunal na falta deste.
( Da responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
O 2º Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial do ..., por sentença de 2011.09.01 (fls. 445-466) julgou improcedente o pedido de alteração da regulação do exercício do poder paternal apresentado por A ( Pai Requerente, Recorrente) contra B ( Mãe ) , relativamente ao menor C , mantendo nos seus precisos termos a regulação constante da sentença de 1998.11.27, que nomeadamente confiou o menor à guarda e cuidados da mãe B , exercendo esta o poder paternal. Manteve também a decisão de 2011.05.23, que condenou o recorrente em multa, por desobediência ao Tribunal.
O recorrente recorreu da decisão e da sentença referidas, pedindo que se revogue a condenação em multa e que se revogue a sentença de regulação, substituindo-a por outra que confie o menor ao Requerente ou que altere o regime de férias, dias festivos e contactos com os avós paternos.
O Ministério Público pronunciou-se pela confirmação integral da sentença, nada mais se lhe oferecendo dizer quanto à decisão de condenação em multa.
Cumpre decidir (1) se é de manter a condenação em multa; e (2) se é de alterar a regulação de exercício das responsabilidades parentais anteriormente fixada – e em que termos.
Fundamentos
Factos
Apuraram-se os seguintes factos, dados como provados pelo Tribunal a quo:
1. C nasceu a 19 de Fevereiro de 1998 e é filho de A e de B (assento de nascimento a fls. 23 do apenso A)
2. Por sentença homologatória de 27 de Novembro de 1998, foi regulado o poder paternal de C , nos seguintes termos:
1º O menor (...) fica a cargo e guarda da requerida mãe, que exercerá o poder paternal;
2º O requerente pai poderá ter o menor todas as sextas-feiras, indo buscá-lo a casa da requerida mãe às 9h00 e indo colocá-lo às 18h00;
3º Nos restantes dias, o pai poderá visitar o menor sempre que para isso tenha disponibilidade, respeitando para o efeito os períodos de descanso do menor e avisando previamente a requerida mãe;
4º O menor passará a véspera de Natal com a requerida mãe;
5º O dia de Natal será passado com o requerente pai, devendo entregar o menor em casa da requerida mãe às 20h00;
6º A véspera de Ano Novo será passada com o pai nas condições referidas para o dia de Natal;
7º O dia de Ano Novo será passado com a requerida mãe;
8º No ano seguinte, inverter-se-ão as posições;
9º O dia de Páscoa será passado com o requerente pais, no horário estipulado para a sexta-feira;
10º No ano seguinte, inverter-se-ão as posições;
11º No dia de aniversário do menor o mesmo passará das 9h00 às 15h00 com o requerente pai e o resto do dia com a requerida mãe;
12º No dia de aniversário do pai, este poderá passá-lo com o menor, no horário estipulado para a 6a feira;
13º Nas férias de Verão, o menor passará pelo menos cinco dias de férias com o requerente pai, em datas a combinar entre ambos;
14º O requerente pai contribuirá para o sustento do menor, com uma prestação de alimentos no valor de vinte e cinco mil escudos (25.000$00), sendo feito por desconto no seu vencimento, até ao final do mês anterior àquele a que a prestação de alimentos se referir, para a conta bancária da qual a requerida é titular na CGD – balcão de ... – (...), devendo a prestação referente ao mês de Dezembro ser feita de imediato. O requerente pai compromete-se ainda a enviar, via fax, a identificação completa da entidade patronal, para efeitos de pagamento da contribuição de alimentos. (acta a fls. 50 e ss. do apenso A)
3.- Por sentença homologatória de 24 de Março de 2000, foi alterada a regulação do poder paternal referida no nº 2, nos seguintes termos:
1º A mãe deverá entregar o menor todos os dias de semana no hospital da Estefânia de Lisboa pelas 9h30m, aí o deixando entregue ao pai, para este levar o menor a tratamento de fisioterapia, quando terminar o tratamento deverá entregar o menor por volta da hora de almoço, na ama;
2º Nas 6as feiras o menor passará integralmente o dia com o pai e pernoitará com o mesmo de 6a feira para Sábado, obrigando-se o pai a entregar o menor na casa da mãe às 19h00 de Sábado;
3º A pensão de alimentos fixada será actualizada anualmente no mês de Janeiro pela taxa de inflação publicada anualmente pelo INE relativa ao ano anterior.
4º Em relação ao regime de férias ficará estabelecido que para o ano de 2001, as férias passarão a ser de 10 dias e no ano de 2002 e ss. de 15 dias com o pai, em data a combinar entre ambos.
(acta a fls. 61 e ss. do apenso C)
4 -Em relatório social sobre B, datado de 20 de Setembro de 2006 escreveu-se que:
(...) A requerente referiu desenvolver esforços através de inúmeras diligências que realiza, tendentes a obter a reabilitação do filho. A mesma apresenta ansiedade e algum desgaste resultante das preocupações inerentes ao acompanhamento da problemática de saúde do C , considerando que é o único progenitor a responsabilizar-se pela realização de aulas de natação e sessões de fisioterapia, por ser a figura parental que acompanha o menor na generalidade das sessões. Todavia, o requerido referiu ter acompanhado o menor em situações como a intervenção cirúrgica realizada no Hospital de Faro, em sessões de fisioterapia no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa e em aulas de natação.
Verificam-se escassas áreas de convergência entre requerente e requerido, que parece resultar da fraca capacidade de descentração, que tem dificultado a comunicação sobre o menor, reflectindo-se na partilha das responsabilidades parentais, o que tem originado conflitos entre ambos. Todavia, tem-se verificado convívio regular entre o menor e o requerido, que permanece geralmente um dia por semana em casa deste, desde o final do dia de 6a feira até ao final de Sábado.
Também existem divergências no entendimento que ambos têm da dimensão da problemática de saúde do C, apresentando cada um perspectivas diferentes quanto à gravidade do problema e quanto à necessidade de tratamento, o que tem agravado a dificuldade de diálogo e avolumado as tensões entre os requeridos. B apresenta grande envolvimento e afectividade com o menor e capacidades para o exercício da parentalidade, nomeadamente para continuar a executar os cuidados parentais, a assegurar a vigilância da saúde do filho e protecção na sua educação.
De acordo com a informação prestada pelo estabelecimento de ensino que o menor frequenta, a requerente apresenta interesse pela sua evolução escolar, prestando adequado acompanhamento ao menor. A mesma foi descrita como uma mãe muito presente, que procurava conhecer a evolução escolar do menor mesmo quando não era convocada. (...) B sempre integrou o C no seu agregado, residindo em apartamento com três assoalhadas, que apresenta condições de habitabilidade e foi adquirido através de empréstimo bancário. A requerente apresenta um quadro económico resultante da sua situação laboral regular que lhe tem permitido fazer face às despesas de manutenção do agregado.
O C frequenta a Escola Primária no 4 da …., tendo ficado retido no 2° ano de escolaridade. De acordo com a professora do ano lectivo anterior, o menor revelava interesse pela escolaridade, mas verificavam-se dificuldades de concentração, não dispondo de conhecimentos escolares para o nível que frequentava, apesar de ter beneficiado de apoio individualizado. O menor apresenta problemática de saúde, tendo sido submetido a intervenção cirúrgica há cerca de seis anos. O mesmo mantém vigilância médica periódica e tratamentos de fisioterapia e natação aconselhados clinicamente.
A requerente denota algum desgaste motivado pelas diligências que tem realizado relacionadas com a problemática de saúde que o menor apresenta, considerando que tem assumido a exclusividade das preocupações e responsabilidades que lhe são inerentes, dado que o requerido tem uma percepção diferente do problema. Existem escassas áreas de convergência entre requerente e requerido, verificando-se fraca capacidade de comunicação entre ambos, que têm originado alguns conflitos.
O requerido comparticipou para a manutenção do menor através do pagamento de prestação de alimentos até ao final de 2005. Considera-se que as despesas referentes à educação e saúde do C, também deverão ser comparticipadas pelo requerido, mediante apresentação de recibos.
( relatório social a fls. 233 e ss. dos autos principais)
5- Em relatório social sobre A, datado de 20 de Setembro de 2006 escreveu-se que:
(...) A trabalhou durante oito anos na empresa "Office ...", mas em Outubro de 2005, iniciou actividade por conta própria, explorando estabelecimento comercial durante três meses, situação que não se tornou rentável. O requerente afirmou ter deixado de pagar as prestações de alimentos no início deste ano, dado que não as conseguiu conciliar com o pagamento de dívidas contraídas no decurso de actividade independente e que ainda continuará a pagar actualmente, segundo referiu.
O requerente verbalizou disponibilidade para participar na manutenção económica do filho, voltando a assumir o pagamento de prestações de alimentos.
(...) A aparenta adaptação à separação da requerente, mas apresenta dificuldade em reconhecer a interdependência de comportamentos que terão levado ao fim da relação. O requerido voltou a constituir agregado, percepcionando na companheira características que têm permitido a colaboração da mesma no exercício da parentalidade, nomeadamente na prestação de cuidados quando o C integra este agregado.
(...) O requerido manifesta interesse pelo desenvolvimento do C fomentando o convívio entre ambos, verificando-se convívio regular permanecendo o menor um dia por semana em casa deste, desde o final do dia de 6a feira até ao final de Sábado. (...)
(relatório social a fls. 239 e ss. dos autos principais)
6.- Em sentença exarada a 6 de Julho de 2007, foram julgados provados os seguintes factos:
1) O menor C é filho da Requerente e do Requerido e nasceu a 19 de Fevereiro de 1998;
2) Por sentença, datada de 27 de Novembro de 1998 e já transitada em julgado, proferida no âmbito do Processo no 899/98 do 1° Juízo Cível deste Tribunal, foi homologado o acordo de regulação do poder paternal relativamente ao menor;
3) O poder paternal relativamente ao menor foi estabelecido nos seguintes termos:
“ -o menor fica a cargo e à guarda da mãe que sobre ele exercerá o poder paternal; - O pai poderá ter o menor todas as sextas-feiras, indo buscá-lo a casa da mãe às 9 horas e indo colocá-lo às 18 horas; - Nos restantes dias o pai poderá visitar o menor sempre que para isso tenha disponibilidade, respeitando para o efeito os períodos de descanso do menor e avisando previamente a mãe; - O menor passará a véspera de Natal com a mãe; O dia de Natal será passado com o pai, devendo entregar o menor em casa da mãe às 20 horas; - A véspera de Ano Novo será passada com o pai nas condições referidas para o dia de Natal; - O dia de Ano Novo será passado com a mãe; - No dia seguinte inverter-se-ão as posições; - O dia de Páscoa será passado com o pai no horário estipulado para a sexta-feira;- No ano seguinte inverter-se-ão as posições; - No dia de aniversário do pai o menor passará o dia com o mesmo nas condições estabelecidas para o dia da semana; No dia de aniversário do menor o mesmo passará das 9 horas às 15 horas com o requerente pai e o resto do dia com a requerida mãe; Nas férias de verão o menor passará pelo menos cinco dias de férias com o pai em datas a combinar entre ambos; o pai contribuirá para o sustento do menor com uma prestação mensal de 25.000$00 (vinte e cinco mil escudos), sendo feita por desconto no seu vencimento, até ao final do mês anterior àquele a que a prestação de alimentos se referir para a conta bancária da qual a mãe é titular na Caixa Geral de Depósitos - balcão de ... - com o n° 0000000000000, devendo a prestação referente ao mês de Dezembro ser feita de imediato; O pai compromete-se a enviar via fax a identificação completa da entidade patronal para efeitos de pagamento da contribuição de alimentos;- A pensão de alimentos é actualizada anualmente em Janeiro de acordo com o índice de inflação aprovado pelo INE";
4- O C sofreu aos seis meses uma lesão cerebral no hemisfério direito que lhe afectou gravemente o movimento do braço e perna esquerdas;
5- O menor foi sujeito, aos dois anos de idade, a uma intervenção cirúrgica para remoção de dois quistos no cérebro;
6-Com a remoção dos quistos essa zona do cérebro ficou inactiva sendo considerada pelos médicos como zona morta;
7- Como consequência desses danos cerebrais, o menor tem uma incapacidade permanente global de 40%;
8- O C passou a necessitar após a cirurgia referida em 5) de efectuar tratamentos de fisioterapia três vezes por semana, inicialmente no Hospital D. Estefânia e a título gratuito, e posteriormente na Clínica Médica S... na ...;
9 - Actualmente o menor continua a fazer fisioterapia;
10 - Por indicação médica o menor passou a frequentar as aulas de natação, com as quais a progenitora despende mensalmente e em média quantia não inferior a € 17,29 ;
11- Também por recomendação médica passou a frequentar as aulas de equitação terapêutica;
12 - Devido a dificuldades de visão, em 10 de Fevereiro de 2005, a progenitora despendeu com a consulta médica a quantia de € 50,00 e com a aquisição de óculos a quantia de € 140,00;
13-A progenitora despendeu com a escola que o C frequentou a quantia de cerca de € 100,0 por mês, €25,00 com prolongamento, € 80,00 com alimentação, no montante global de € 205,00;
14- A Requerente reside com o C e com o seu actual companheiro numa casa composta por três assoalhadas e boas condições de habitabilidade, dispondo o menor de quarto próprio;
15- A Requerente aufere mensalmente o salário base de cerca de € 868,00, a que acrescem quantias a título de prémios de venda no valor de € 227,00, subsídio de alimentação no valor de € 87,86, subsídio para falhas no valor de € 20,58, e comissões variáveis que no mês de Setembro de 2006 atingiram o valor de € 852,58, totalizando o seu vencimento liquido nesse mês o valor global de € 1.591,95 e no mês de Outubro o valor líquido de € 1.570,00;
16-Requerente apresentou declarações de rendimentos em consignando o valor global de € 30.383,92 e em 2005 consignado o valor global de € 34.846,96;
17- Em Setembro de 2004 o C frequentou o Externato "Sol …." e frequentava as aulas de natação despendendo a progenitora mensalmente e em média a quantia de € 29,85;
18 - Em 2006 o menor ficou retido no 2° ano de escolaridade continuando a frequentar a escola primária n° 4 da ... e actividades dos tempos livres, devido a dificuldades ao nível da concentração;
19 - Em Setembro de 2003 o progenitor apresentou a sua demissão da "... Office ...";
20 - Actualmente o progenitor, que trabalha no "….." de Loures, e a sua companheira, auferem mensalmente e em média a quantia de € 1.700,00, sendo que a companheira do Requerido aufere como operadora de telemarkting a quantia mensal líquida de € 867,58;
21- O agregado no qual o Requerido se insere em 2004 auferiu rendimentos no montante global de € 23.142,41; em 2005 o montante global de € 26.886,00;
22- O requerido reside com a companheira e a filha de ambos, D , numa casa composta por quatro assoalhadas, com adequadas condições de habitabilidade, tendo o C o seu próprio quarto;
23-Despendem mensalmente e em média com água, electricidade, gás, condomínio, saúde, quantia não inferior a € 100,00;
24- A mensalidade do ATL da D suportada pelo Requerido atinge valor não inferior a € 105,00;
25- O Requerido suporta as prestações mensais dos empréstimos para aquisição de casa no valor mensal global de € 696,64;
26- Suporta as prestações mensais para aquisição do veículo automóvel no valor de €215,69;
27- A companheira do Requerido despende mensalmente a quantia de valor não inferior a €42, 10 com o passe social para as deslocações diárias para Lisboa;
28- Suporta anualmente com seguros a quantia média não inferior a € 567,86.
(sentença a fls. 361 e ss. dos autos principais)
7 - Na sentença referida no nº 6, ficou decidido que:
“ julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, determino: que se mantêm integralmente a pensão de alimentos actualmente em vigor, bem como a guarda do menor a cargo da progenitora; determino que o progenitor passará a ser responsabilizado por metade de todas as despesas médicas, medicamentosas, com fisioterapia, natação e equitação e outras que sejam medicamente recomendadas, desde que não comparticipadas nem suportadas por seguro de saúde, dispondo o Requerido do prazo de 15 dias para proceder à transferência de tal montante para a conta indicada pela progenitora e após a apresentação do recibo comprovativo de tal realização.
(sentença a fls. 361 e ss. dos autos principais)
8.- O progenitor não pagou a pensão de alimentos devida ao menor nos meses de Julho, Agosto, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008.
9.- Por declaração datada de 22 de Abril de 2010, o …. declara que A auferia, nessa data, € 1.205,59 ilíquidos, acrescidos de € 301,40 a título de isenção de horário e € 116,16 de subsídio de alimentação. (documento a fls. 122 do apenso D)
10.-A progenitora pagou € 243,73 pela prática de natação por C, no ano de 2009. (declaração da Santa Casa da Misericórdia do ... a fls. 56)
11.- A progenitora pagou a soma de € 1.269,74 de ATL frequentado pelo menor entre Janeiro e Dezembro de 2008, seguro escolar e frequência de praia no mês de Julho do mesmo ano. (recibos emitidos pela Santa Casa da Misericórdia do ….., a fls. 69 a 74)
12.- A progenitora pagou € 808,1 em mensalidades de ATL e passeio escolar, frequentado pelo menor entre Janeiro e Julho de 2009. (recibos emitidos pela Santa Casa da Misericórdia do …, a fls. 86 a 89)
13.- Na sequência de fim-de-semana passado com o menor, o progenitor não procedeu à entrega do mesmo à mãe, a 19 de Setembro de 2009.
14.- Em declarações prestadas a 25 de Novembro de 2009, às 16h30m, C verbalizou, perante Magistrada Judicial e do Ministério Público, que:
tem 11 anos e frequenta a escola .... Desde há cerca de dois meses que está a viver com o pai. Antes, vivia com a mãe e via o pai todos os fins-de-semana entre sexta-feira à tarde e Sábado à tarde e também durante a semana, porque o pai o ia visitar à escola. Porém, tinha saudades do pai e queria passar mais tempo com ele. Resolveu então ir viver com o mesmo. Deu conhecimento da sua decisão, quer ao pai, quer à mãe, com o que esta concordou. (...) Se não gostar de viver com o pai, pedirá para voltar a viver com a mãe, mas até agora sente-se satisfeito por estar com o pai.
(acta de conferência de pais a fls. 26 e ss. do apenso E)
15.- Na diligência referida no nº 14, foi definido regime provisório de alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
a) O Menor fica a viver com o pai, sendo as decisões de particular importância para a vida do menor decididas por ambos os progenitores; b) A mãe poderá estar com o menor sempre que o entender, sem prejuízo dos períodos de descanso e obrigações escolares; c) O menor estará com a mãe todos os fins de semana desde Sábado às 19h00 até Domingo às 19h00. A mãe vai buscar o menor a casa do pai e o pai vai buscar o menor a casa da mãe; d) O menor passará metade de todas suas férias escolares com a mãe; e) Por ora, não se fixa pensão de alimentos. (acta de conferência de pais a fls. 26 e ss. do apenso E)
16.- Em relatórios sociais de 24 de Fevereiro de 2010, consta que:
(…) A requerida reside sozinha, desde Setembro de 2009. A residência, propriedade da requerida, é constituída por 3 assoalhadas, com adequadas condições de habitabilidade e higiene, conforme referido. O C possui quarto próprio, provido de equipamento e mobiliário adequado à sua faixa etária. (...)De acordo com as informações recolhidas, os progenitores mantém um acentuado conflito na forma como estabelecem relação, persistindo dificuldades de comunicação e negociação, pondo em causa uma adequada partilha das questões relativas ao percurso e desenvolvimento do menor em causa. A capacidade de negociação e as áreas de consenso parecem limitar-se ao determinado pelo Tribunal e a alguma flexibilidade de ambas as partes relativamente aos horários a cumprir aquando do cumprimento do regime de visitas (ex.: os convívios semanais decorrem com regularidade e após aviso prévio ao progenitor).
Desde Setembro de 2009, o C permanece aos cuidados do progenitor (...)Face ao litígio existente entre os progenitores, B evidencia uma postura pouco disponível para estabelecer uma relação funcional em termos comunicativos, que permita assumir comportamentos e atitudes capazes de salvaguardarem os interesses do C . A existência de um litígio marcado entre os progenitores deve-se a uma focalização excessiva de ambos nos conflitos interpessoais, em detrimento de uma focalização nos interesses do jovem, o que poderá comprometer a satisfação das necessidades emocionais, afectivas e relacionais do menor junto das figuras de referência. Conforme referido, o menor mantém convívios presenciais regulares com a progenitora, os quais se revelam gratificantes para o C . A mesma fonte refere, ainda, a existência de contactos telefónicos entre mãe e filho (…)
Do contacto efectuado com o C , verifica-se que o mesmo identifica, por ora, o agregado familiar paterno como a sua actual referência, pelo que a manutenção do regime de guarda vigente parece ir de encontro aos interesses e salvaguarda do seu bem-estar. Através do contacto estabelecido com o C , verifica-se que a criança apresenta um desenvolvimento adequado à sua faixa etária. De acordo com as informações recolhidas, o menor manifesta limitações significativas em termos emocionais (i.e. sentimentos de insegurança), associadas à problemática familiar. Tende a adoptar uma postura ambivalente relativamente às figuras parentais (i.e. assumpção de posturas afectuosas e agressivas), centrando-se nas preocupações que detém relativamente a estes, em detrimento das suas próprias vivências psico-sociais. Consequentemente, esta postura do menor dificulta a vivência plena das suas experiências internas e das relações com os outros.
Ao nível da interacção relacional o C revela-se um jovem afectuoso, evidenciando com ambos os progenitores uma forte ligação afectiva, porém pouco securizante devido à constante exposição do mesmo aos conflitos parentais. Na sequência desse contacto, o menor expressou a sua vontade de permanecer, por ora, no agregado familiar do progenitor. Quando questionado sobre os motivos geradores desta pretensão, foi possível perceber que se deve ao facto de pretender experienciar o seu quotidiano inserido no agregado da figura paterna ("Vivi onze anos com a minha mãe, e quero saber agora como é viver com o meu pai" (sic)). Considera, ainda, ambos os progenitores como figuras de referência, quer ao nível afectivo quer normativo, com os quais evidencia manter uma relação de cumplicidade. Face ao período em que permaneceu à guarda da progenitora, o menor refere que o mesmo foi gratificante e benéfico para o seu desenvolvimento psico-afectivo, salientando, apenas, que a figura materna possui uma actividade profissional exigente em termos temporais, o que dificultava, por vezes, um acompanhamento mais efectivo por parte da mesma.
Porém, a requerida refere que, apesar da sua actividade profissional lhe tomar muitas horas diárias, terá sempre acompanhado o menor durante as consultas e tratamentos médicos. Quanto ao actual período em que permanece à guarda do progenitor, o menor evidencia-se agradado com a sua integração no referido agregado, salientando a sua adequada relação afectiva com todos os elementos constituintes do presente agregado. O C refere, ainda, que mantém contactos regulares com a figura materna (ex.: contactos durante a semana, após término do período lectivo, e convivios ao fim-de-semana, n dia de Domingo), os quais se revelam gratificantes para si.
Conforme referido, o progenitor tem assumido uma postura facilitadora perante os convívios, colaborando para a ocorrência dos mesmos sempre que o menor e a progenitora expressam vontade para esse efeito ("Quando eu quero estar com a minha mãe, eu ligo-lhe, e depois ela liga ao meu pai e ele diz que sim" (sic)). No que respeita às eventuais discrepâncias entre as rotinas e regras existentes no agregado familiar materno e paterno, o C refere que o progenitor lhe incute maior número de regras, nomeadamente, só lhe é permitido ver televisão ou ir ao computador, após realização de todos os trabalhos escolares e estudo para recuperação de disciplinas com resultados mais deficitários, assim como o horário de dormir é relativamente mais cedo na residência da figura paterna. (…)
De acordo com as informações facultadas junto do professor ….., as figuras parentais adoptam modelos educativos divergentes (a figura materna assume um modelo educativo mais permissivo, enquanto que a figura paterna assume um modelo educativo mais autoritário)
(relatórios sociais a fls. 110 e ss. do apenso E)
17.- A requerida aufere de vencimento cerca de € 1600,00 mensais (relatório social a fls. 113 do apenso E).
18.- A partir de Janeiro de 2010, a progenitora acompanhou o seu filho C a consulta mensal de ortodôntia – com duração prevista de 24 meses – custeando o respectivo tratamento, no valor total de € 2.700,00, o que fez com o conhecimento e consentimento do progenitor.
19.- Em relatório pericial de 1 de Junho de 2010, conclui-se que C parece percepcionar ambas as figuras parentais como protectoras e geradoras de segurança e bem-estar. Ambas são descritas como atentas e preocupadas e com práticas educativas ajustadas. Relativamente à mãe, esta surge como alguém um pouco mais rígido, ao contrário do pai, que, apesar de poder castigar o menor, é sentido como mais tolerante e disponível. Considera-se também que a figura materna poderá evidenciar maior dificuldade em distinguir a conjugalidade da parentalidade, situação para a qual deverá ser sensibilizada, tendo em conta o impacto negativo que poderá ter no menor. Devido à elevada conflitualidade que o menor sente que existe entre os pais, considera que a situação desejada de divisão equitativa de tempo com cada um deles não será possível. Assim, deseja continuar a residir com o pai, mantendo contactos com a mãe. Não se encontram indícios que a expressão desta vontade possa ser fruto de manipulação, sugestionamento ou pressão por parte de terceiros.
(relatório a fls. 234, 235 do apenso E)
20.- Em declaração datada de 2 de Novembro de 2010, a Dra. Ana …..escreveu que :
No dia 15 de Outubro reobservei o C , com 12 anos, em consulta de Medicina Física e de Reabilitação, na presença do pai. O C tem uma hemiparesia congénita com muito boa funcionalidade e perfeita integração sócio-escolar. Tomei a decisão clínica de parar a fisioterapia, que comuniquei ao pai e ao C . (...) (declaração documentada a fls. 237 do apenso E)
21. Em registo informático de detalhes de consulta de pediatria de C , a 29.11.2010, o Dr. ….. fez constar como observações, paralisia cerebral, MFR. (cópia a fls. 316 do apenso E)
22.- Em registo informático de detalhes de consulta de pediatria de C , a 04.04.2011, o Dr. …. fez constar que :
a fisiatra entende que desde 15.10.2010, o C não necessita manter MFR, por esse motivo e após reavaliação do jovem, emendo a informação clínica que forneci ao Tribunal de Menores da comarca do .... A criança deve manter natação - pelo menos 3 vezes por semana - e ginástica.
(cópia a fls. 293 do apenso E)
23.- Desde que está integrado no agregado familiar do pai, o C pratica natação uma vez por semana, com a assiduidade registada a fls. 302 e ss.. (cfr. declaração a fls. 231 do apenso E)
24.- C foi notado com 2 (escala de 1 a 5) a Inglês, História e Geografia e Matemática, no 2º período de avaliação do ano lectivo 2010/2011, a 11 de Abril de 2011. (cópia da ficha de informação a fls. 325 do apenso E)
25.- Desde que se encontra integrado no agregado do progenitor, o C vê a mãe, de 2ª a 6ª, sempre que o deseja.
26.- O progenitor mudou a sua residência para a casa onde actualmente reside há cerca de 3 anos.
27.- A progenitora só teve conhecimento de tal alteração de residência em momento posterior a Setembro de 2009.
28.- O menor visitava o pai e pernoitava nessa moradia, sendo que, nem A, nem C , informaram a mãe de tal facto.
29.- O progenitor não informou a mãe que o C cessou tratamento de fisioterapia em Novembro de 2010, nas circunstâncias referidas no artigo 19.
30.- O progenitor não informa a progenitora da evolução da saúde e da avaliação escolar do menor.
31.- A progenitora não vai buscar o C é todos os fins-de-semana, como estipulado no regime de visitas provisório.
32.- O progenitor faz prevalecer as visitas aos avós paternos, residentes em Castelo Branco, às visitas de fim-de-semana da progenitora, ausentando-se com o menor sem consentimento desta.
33.- Como castigo pela avaliação referida no nº 24, o progenitor privou o C do uso do telemóvel.
34. - Notificado do despacho a fls. 358, 359 do apenso E, no qual se escreveu que
o menor será ouvido somente na presença da signatária e Digno Curador de Menores. Nenhum dos progenitores deverá acompanhar o menor, ou estar sequer presente em Tribunal,
o progenitor acompanhou o menor na data e hora agendados para diligência. (acta a fls. 361, 362 do apenso E)
A estes, acrescem os factos 35. a 39., acrescentados nas páginas 17-18 do presente acórdão.
Análise jurídica
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo nas seguintes considerações:
Estabelece o artigo 182º da OTM, em conjugação com os artigos 150º e 186º do mesmo diploma, a modificabilidade da pensão alimentícia fixada em sede de regulação de poder paternal, posto que ocorram circunstâncias supervenientes que o justifiquem.
***
Entender-se-ão como circunstâncias modificativas, no caso concreto, a vontade e decisão do menor de residir com o progenitor, declarada perante magistrado judicial (cfr. nº 14 dos factos provados).
Neste sentido, refira-se que os exames periciais realizados ao menor evidenciam que a manifestação de tal vontade não deriva de manipulação, sugestionamento ou pressão por parte de terceiros (cfr. no 19 dos factos provados).
Ainda, note-se que se evidencia do mesmo exame e relatório social elaborado (cfr. nº 16 dos factos provados), a condição de único “companheiro” da mãe, onde integra agregado monoparental, revelar-se-á emocionalmente mais onerosa para o menor, do que a integração no agregado familiar do pai, que lhe proporciona a vivência da conjugalidade e fraternidade (o C reside com o pai, a madrasta e uma meia irmã).
Mais, por haverá que ponderar que nos últimos dois anos o menor residiu com o progenitor, situação alicerçada, é certo, em incumprimento de RPP, mais subsequentemente sancionada por decisão judicial (cfr. no 15 dos factos provados)
Por último, note-se que a progenitora não cumpriu integralmente o regime de visitas fixado, falhando em ir buscar o menor todos os fins de semana, como determinado (cfr. nos 31 dos factos provados).
***
Porém, haverá que aferir se tais circunstâncias justificam, de per si, a alteração do regime fixado, concretamente, no sentido que vem peticionado, de atribuição da guarda e poder paternal ao requerente.
Em contrário, cite-se que de ambos os relatórios – periciais e sociais – já citados, se dá conta de relacionamento estreito e afectivo equidistante do C com ambos os progenitores, sendo que ambos denotam capacidade parentais e motivação para prestar ao menor todos os cuidados a nível educacional, de desenvolvimento e de saúde.
Porém, em concreto, verifica-se que o progenitor teve falhas no exercício do poder paternal, no período que dispôs de guarda do menor, concretamente:
A nível de formação do menor, releva-se pela negativa, a sua deliberada inclusão e partidarização no conflito parental, nomeadamente, pela acção do menor de ocultar da mãe a alteração de residência do pai durante um largo período de tempo – o que implicava que esta desconhecesse a localização do filho no período de visita (cfr. nos 26, 27, 28) e posteriormente, em Setembro de 2009, quando se consumou o incumprimento do dever de entrega do menor.
Ainda, o pai incumpriu o regime de visitas fixado em benefício da mãe, ausentando-se para casa dos avós paternos com o menor aos fins de semana, sem o consentimento desta (cfr. nº 32 dos factos provados).
No que concerne à saúde do menor, o progenitor aparenta inconformismo perante a condição clínica do filho (cfr. relatório citado no nº 16 dos factos provados). Em aparente consequência, terá consultado a médica que acompanhava o cumprimento da prescrição dos tratamentos de fisioterapia ao menor, que determinou a sua cessação (nº 16 dos factos provados). Não cumpriu, nem em frequência, nem em assiduidade, a prescrição de natação do médico de família, omissão que poderá ter consequências no bem estar do menor (nºs 21, 22 e 23 dos factos provados). Ainda, a necessidade do menor usar aparelho ortodôntico foi assegurada pela progenitora (nº18 dos factos provados).
No que respeita à educação, é de notar que o aproveitamento escolar do menor é mau, no período em que permanece à guarda do pai (cfr. nº 24 dos factos provados). Assumindo que o menor sempre esteve exposto ao conflito entre os progenitores e que têm sido constantes as demandas judiciais (decide-se agora o apenso E dos presentes autos), afigura-se-nos que nem uma, nem outra situação serve de desculpa à situação descrita.
Por último, refira-se que o progenitor não cumpriu a responsabilidades parentais conjuntas, falhando até o dever de informação sobre as alterações nas prescrições de tratamento médico ditado ao menor (cfr. nºs 29, 30 dos factos provados).
***
Cumprindo sopesar as circunstâncias descritas, entendemos ser de privilegiar a análise do que foi o exercício das responsabilidades parentais pelo progenitor, nos moldes referidos. Concretamente, na insuficiência e desadequação da sua perspectiva de boa formação moral, e acompanhamento da saúde e percurso curricular do menor.
Assim, mais se considerando que o menor mantém estreita relação afectiva e harmonia de convivência com a mãe – não obstante a preferência demonstrada pelo progenitor – entende-se ser do seu melhor interesse beneficiar dos cuidados e acompanhamento desta, ponderadas as dificuldades evidenciadas pelo progenitor.
Assim, entende-se ser de improceder o pedido e manter a regulação definitiva vigente.
A isto, opõe o recorrente as seguintes conclusões:
1. Deve ser revogada, por nula, por falta de fundamento e justificação legal - artigos 193º e seguintes do Código de Processo Civil, a decisão que aplicou a multa aplicada ao Recorrente por ter acompanhado/transportado o seu filho menor ao edifício do tribunal a quo para realização da diligência de audição de menor notificada telefonicamente com antecedência inferior a 24 horas úteis, com o fundamento em desobediência a indicação expressa do tribunal e por aplicação do artigo 519º, 1 e 2 do CPC.
2. Porquanto, do despacho que decidiu a data e os termos da audição do menor não resulta que o seu legal representante o não pudesse acompanhar ao edifício do tribunal, nem havia tempo de solicitar e obter esclarecimentos ao tribunal caso resultassem dúvidas nesse sentido, face à data e forma de notificação da diligência e a realização da mesma.
3. Decidir o tribunal de primeira instância que a conduta do pai/recorrente consubstancia desobediência a ordens suas e deve ser ponderada contra si na decisão de prova, consubstancia venire contra factum proprium do tribunal face a todos os factos expostos, ao teor do despacho de 20.5.2011 e à omissão de disponibilização de meios que permitissem que o menor estivesse presente na diligência de audição de menor no dia útil seguinte (23.5.2011), nomeadamente pela notificação de terceira pessoa que o fizesse (fossem as alegadas familiares, fossem funcionários do tribunal, fossem agentes da PSP, fosse quem o tribunal entendesse).
4. Por outro lado, verifica-se que o despacho em apreço padece de nulidade quando fundamenta a aplicação da multa em desobediência e o normativo legal indicado, 519º 1 e 2 do CPC, refere tão só recusa em colaborar, sendo certo que do mesmo não resulta, nem dos autos, que o Pai/recorrente não tenha colaborado com o tribunal a quo para a descoberta da verdade material.
5. A sentença que julgou improcedente a alteração do exercício das responsabilidades parentais é formalmente incorrecta e materialmente injusta, inconstitucional e ilegal, por conter tudo contra os superiores interesses do menor C de 13 anos de idade e espelhar os preconceitos do direito da mãe a ter consigo os filhos e do pai mero pagador, ainda que contra vontade expressa do menor e contra todos os relatórios periciais.
6. De facto, o Recorrente/pai solicitou ao tribunal a quo que alterasse definitivamente o exercício das responsabilidades parentais confiando-o aos cuidados do pai e que mantivesse/fixasse uma pensão de alimentos, a qual deveria ter valor igual ao prestado pelo Recorrente até Setembro de 2009, mantendo- -se o demais como decidido provisoriamente nestes autos e anteriormente nos autos principais.
7. Nunca o pai peticionou a alteração da pensão de alimentos estabelecida para o seu filho menor, pelo que não se percebe a fundamentação de direito vertida na sentença impugnada ao interpretar que estabelece o artigo 182º da OTM, em conjugação com os artigos 150º e 186º do mesmo diploma, a modificabilidade da pensão alimentícia fixada em sede de regulação do poder paternal, posto que ocorram circunstâncias supervenientes que o justifiquem”.
8. Também não é referido na sentença que a mãe/recorrida contestou a pretensão do Recorrente/pai referindo que o pai pretendia deixar de pagar a pensão de alimentos e juntar o abono de família do menor mais a sua pensão de deficiência para pagar a sua vivenda – cfr. fls, 11 e segs. e 73 e 74,
9. Verifica-se, então que a sentença não reproduz as pretensões dos progenitores nem faz a adequada interpretação e aplicação do regime de alteração das responsabilidades parentais quer processual, sendo nula por violação desde logo regras processuais estabelecidas nos artigos 182º e 180º da OTM e 668º do CPC.
10. Violou também a M.ma juiz as normas de direito probatório ao não ter julgado provados factos constantes de documentos juntos aos autos e relevantes para a descoberta material e ter considerado provados factos em contradição com documentos existentes nos autos, para além de ter omitido os depoimentos da perita Dr. …. (fls. 290), do consultor técnico e médico de saúde infantil do menor desde o nascimento (fls. 169 do Apenso E), pelo que se impõe a sua impugnação e modificação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 685º-B e 712º do CPC.
11. E também por nesta data, e ao abrigo do disposto no artigo 693ºB do CPC, requerer a junção aos autos da ficha de avaliação escolar final do ano lectivo 2010/2011 do C , donde resulta que transitou de ano e só foi entregue ao Pai/recorrente, em início de Julho de 2011, após o encerramento da audiência de discussão e julgamento sendo que esta terminou a 13.5.2011 fls. 356 ou a 27.5.2011 se considerar a leitura do despacho de fixação de matéria de facto fls. 377 e segs.
12. Assim, e por constar dos autos prova documental, devem ser também considerados provados os factos a seguir descriminados por relevantes para a acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais do menor C :
*
Em relatório psicológico de 5.8.2009, conclui-se que quanto à personagem valorizada, o C faz do pai a família imaginária, atribuindo-lhe um grande valor no seio da família – fls. 21 a 28.
* A progenitora aufere mensalmente € 82,07 a título de abono de família do filho menor C – fls. 102 e 113.
* O progenitor pagou natação, material escolar, alimentação escolar e ginástica do C após 20 de Setembro de 2009 e nos anos 2010 e 2011 – fls. 33 a 71, 206, 207 e 239 a 251, fls. 263 e seguintes.
* O progenitor pagou ATL do C nos meses de Setembro de 2010 a Fevereiro de 2011 – fls. 239 a 251.
* O C transitou para o 7º ano - conforme ficha de informação do 3º período de avaliação do ano lectivo 2010/2011 de 27.6.2011 junta em sede de recurso.
13. Para além da adição dos factos acima descritos aos factos provados, deve também ser alterado nos factos constantes dos n.os 21º 22º “consulta de pediatria” para “consulta de saúde infantil/medicina familiar”, por força dos documentos referidos nos mesmos e junto aos autos não constar qualquer consulta de pediatria efectuada no centro de saúde da ... pelos Dr. …. e Dr. …. que aí exercem medicina familiar enquanto médico de clínica geral.
14. Independentemente da modificação da matéria de facto provada, o que se espera que venha a suceder, verifica-se que sentença deve ser revogada por contrária a decisão de direito como os factos julgados provados e padecer de inconstitucionalidade.
15. De facto, não só a M.ma Juiz desconsiderou expressamente a vontade do menor adolescente (proferida em 25.11.2009 perante a juiz titular dos autos à data, em Fevereiro de 2010 perante a técnica social, em 1.6.2010 perante perita e psicóloga do Instituto de Medicina Legal e em 23.5.2011 perante a juiz a quo), os relatórios periciais, como ignorou por completo as promoções do Dig.no Magistrado do Ministério Público proferidas em Abril e Julho de 2010 a fls. 141 e segs e 189 e segs, a decisão provisória do tribunal de 25.11.2011, tendo simplesmente baseado a sua decisão em convicções de que os filhos são para estar com a mãe e o pai só deve pagar.
16. Dos factos constantes dos autos, à legislação, doutrina e jurisprudência, dúvidas não subsistem que o menor C , actualmente com quase 13 anos e sete meses de idade, demonstrou claramente preferir residir e estar à guarda do seu pai, ora Recorrente, o qual aceita a sua decisão, quer por a respeitar quer por ter condições familiares e habitacionais para tal.
17. E ao contrário do que a M.ma Juiz conclui, resulta claramente dos referidos processos de poder paternal que quem sempre se preocupou com a saúde e bem-estar do filho foi o pai, aqui Recorrente, e que sempre pediu a guarda não obstante a tenra idade do menor à data dos autos (1998) e os demais apensos A, B, C e D foram iniciados pela mãe para tentar reduzir os contactos do pai com o menor e aumentar os valores das comparticipações alimentícias.
18. E resulta, também, dos autos que desde 18 de Setembro de 2009, data a partir da qual o menor se encontrava a residir com o Recorrente e aos seus cuidados, manteve todas as suas actividades quer escolares quer de natação e fisioterapia até esta última ser suspensa por decisão da médica e que não existiu mais qualquer demanda judicial.
19. É muito grave um tribunal de família e menores proferir decisões de regulação, inicial ou alterada, das responsabilidades parentais, para além de não atender ao interesse do menor em concreto, onde não englobe as questões essenciais à data em que é proferida: fixação de residência do menor; regime de visitas; prestação de alimentos do progenitor não guardião e a fundamentação da não atribuição da guarda conjunta – artigo 1906º do Código Civil, como é o caso.
20. E mais grave ainda é a decisão que remete para um regime vigente que foi fixado quando a criança tinha 8 meses e 2 anos de idade e actualmente tem 13 anos, como é o caso.
21. E gravíssimo e inadmissível é que se sobreponha numa decisão judicial os direitos de mãe aos direitos e interesses do menor, como o fez a M.ma juiz a quo.
22. Apesar de não resulta provado nem alegado que a progenitora tenha actuado ou tenha capacidade para actuar melhor que o pai, muito pelo contrário resulta do referido relatório de avaliação psicológica que a mãe tem menos disponibilidade para o menor e se enerva mais descarregando no mesmo.
23. E muito menos se provou ou alegou que o menor esteja pior ao nível escolar e da sua saúde do que quando estava aos cuidados da sua mãe.
24. Acrescido do facto que esta sentença nem considera os alimentos legalmente devidos pela progenitora não guardiã durante a decisão provisória que durou quase dois anos, em violação frontal do disposto nos artigos 1878º, 1879 e 2006º do Código Civil e ter apreciado e decidiu condenar o progenitor guardião no pagamento de umas prestações em atraso e com as actualizações, não obstante o número e valor das prestações alimentícias ser superior atendendo ao tempo decorrido entre a decisão provisória e a sentença que julga improcedente a alteração definitiva.
25. Esquecendo, ainda, a M.ma juiz a quo que os pais não podem privar o C menor de conviver com os avós e com a sua irmã – vide artigo 1887ºA do CC. Logo se a lei não permite que progenitores da criança obstem ao convívio com os avós e irmãos, que não o fizeram, não pode o tribunal decidir contra legem.
26. Assim, verifica-se que os fundamentos do tribunal a quo estão em contradição entre si e com o regime legal vigente, com a factualidade provada nos autos, pelo que deverá ser julgado procedente a acção convertendo o regime provisório fixado em 25.11.2009 em definitivo, fixando os alimentos desde a data da propositura da acção, pois só assim se salvaguardam os superiores interesses do menor.
27. Por conseguinte, para além de inconstitucional por violação do princípio da igualdade dos progenitores e da defesa dos superiores interesses do menor consagrados nos artigo 36º da Constituição da República Portuguesa, a sentença impugnada enferma de nulidades por desrespeito das normas processuais (artigos 174º a 182º da OTM, artigo 668º, nº 1 do CPC) e do regime normativo substantivo previsto nos artigos 1877º e seguintes e 1906º, 2003º e segs todos do Código Civil, por não ter apreciado as pretensões do Recorrente/pai e impostas por lei e por os fundamentos estarem em contradição entre si e com os factos julgados provados e que deveriam ter sido considerados provados.
28. Face aos factos julgados provados, ainda que incorrectamente como aqui impugnado, ao regime normativo, à jurisprudência e à doutrina, resulta evidente que sempre devia o tribunal a quo ter mantido o regime provisório a título definitivo, julgando procedente por provada a acção de alteração das responsabilidades parentais, por força do disposto nos artigos 1906º e 1877º e seguintes do Código Civil, ao não o ter feito, a sua sentença é inconstitucional por violação do artigo 36º, 3, 5 e 6 e padece de nulidade por força das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 668º do CPC e 180º da OTM, pelo que se impõe a sua revogação e substituí-la por outra nos termos peticionados pelo Recorrente/pai por se encontrarem nos autos factos provados que o permitem.
29.- E, também por resultarem dos autos factos que comprovam a capacidade financeira da progenitora, deve esse venerando tribunal condenar a Recorrida/mãe do menor no pagamento ao Recorrente/pai da pensão de alimentos devida desde Setembro de 2009 que é a data da propositura da acção (artigo 2006º do Código Civil) e a data a partir da qual o menor foi residir com o pai, na transferência do abono de família para conta bancária do pai a indicar oportunamente, até à data da entrega do menor à sua mãe em 10.9.2011, face à decisão ora impugnada e ao seu efeito meramente devolutivo e após a sua entrega ao pai com a revogação da sentença em crise, por força do disposto no artigo 2006º do Código Civil conjugado com os artigos 1877º, 1879º e 2003º e seguintes do referido código.
30.- Pois, não só o tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as pretensões do Recorrente/pai, como não apreciou todas as questões relevantes à regulação das responsabilidades parentais dos menores como impõe o artigo 180º da OTM e os artigos 1877º e seguinte do Código Civil que impõe a decisão actual de cada uma das questões atendendo ao desenvolvimento/crescimento dos menores e à legislação aplicável ao tempo, para além de ser claramente inconstitucional ao não ter tratado de forma igual os progenitores nem protegido os relevantes interesses do menor.
31.- Mesmo que se entenda que o menor deve residir com a mãe e ficar aos seus cuidados, o que não se concede, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que, então, deve ser alterado o regime de férias, os dias festivos e os contactos com os avós paternos, no sentido de: o menor passará metade das férias escolares com cada um dos progenitores, devendo o progenitor não custódio comunicar ao outro o seu período de férias até 15 de Abril de cada ano; o menor passará pelo menos três fins-de-semana por ano com os avós paternos e que a mãe ser condenada a pagar o valor da pensão de alimentos e despesas vigente ao pai/recorrido referente ao tempo em que o menor esteve a residir com este, ou seja, desde Setembro de 2009 a Setembro de 2011, bem como o valor do abono de família do menor desse período.
Por seu lado, o Ministério Público alegou o seguinte:
Quanto à condenação em multa do Progenitor
Por despacho proferido a fls. 358/359 – foi determinada “... a audição do menor, a ter lugar no dia 23 de Maio de 2011, às 14 horas. O menor será ouvido somente na presença da signatária e Digno Curador de Menores. Nenhum dos Progenitores deverá acompanhar o menor, ou estar sequer presente em Tribunal ...”.
Por despacho proferido a fls. 361 e 362 e constatando-se que o Progenitor acompanhou o menor até à presente diligência, foi aquele condenado em multa de 2 UC’s conforme artigo 519° n°s. 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil.
O Progenitor requer a fls. 364 a 368, que seja dada sem efeito a multa aplicada e que, caso a multa seja mantida, desde já se argui a nulidade dos mesmos e respectiva diligência, por falta de fundamento e justificação legal — arts. 193° e segs. do Cód. de Proc. Civil.
O despacho proferido a fls. 445 e 446, confirmou na íntegra o despacho proferido a 23 de Maio de 2011, julgando improcedente a nulidade invocada.
• Nada mais se nos oferece dizer para além do que ficou mencionado na promoção e despachos proferidos quanto à alegada questão e que damos como totalmente reproduzidos.
Sentença proferida nos Autos
1) Refere o Recorrente que
Da parte II da sentença em apreço, começa logo por interpretar que estabelece o artigo 182° da OTM, em conjugação com os artigos 150º e 186° do mesmo diploma, a modificabilidade da pensão alimentícia fixada em sede de regulação do poder paternal, posto que ocorram circunstâncias supervenientes que o justifiquem”. Para além de fazer o julgador a quo uma interpretação errada do artigo 182° da OTM, o qual permite que se peticione a alteração de qualquer questão relevante da regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor, e não só a alimentícia, quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, não coincide com o alegado e peticionado pelo pai a fls. 2, 33 a 71 dos autos.
Nunca o pai peticionou a alteração da pensão de alimentos estabelecida para o seu filho menor.
Muito pelo contrário, o Pai/Recorrente peticionou que fosse mantido o mesmo valor da pensão de alimentos a pagar pela mãe - vide fls. 2, 33 a 71.
Ou seja, o Recorrente/pai solicitou ao tribunal a quo que alterasse definitivamente exercício das responsabilidades parentais cofiando-o aos cuidados do pai e ser mantivesse/fixasse uma pensão de alimentos, a qual terá valor igual ao prestado pelo Recorrente até Setembro de 2009, mantendo-se o demais como decidido provisoriamente nestes autos e anteriormente nos autos principais.
E, também, não é referido na sentença que a mãe/recorrida contestou a pretensão do Recorrente/pai referindo que o pai pretendia deixar de pagar a pensão de alimentos e juntar o abono de família do menor mais a sua pensão de de deficiência para pagar a sua vivenda — cfr. fls. 11 e segs e 73 e 74.
Conclui-se, então que a sentença impugnada não reproduz as pretensões do Recorrente/pai nem faz a adequada interpretação e aplicação do regime de alteração das responsabilidades parentais quer processual, como se demonstrou pela violação do artigo 182° e 180° da OTM, quer substantivo como adiante melhor se explicitará ...”.
•Consideramos que a menção a “... modificabilidade da pensão alimentícia fixada em sede de regulação ...” – vide a douta sentença II - Do direito (fls. 463), se trata de um mero lapso de escrita – resultado muitas vezes da elaboração de documentos por meios informáticos.
Acresce ainda que todas as considerações expendidas na douta sentença e quanto ao direito, têm a ver, única e exclusivamente, com a questão da alteração do regime fixado quanto à guarda do menor. A título de exemplo mencione-se a fls. 464 “... Porém, haverá que aferir se tais circunstâncias justificam, de per si, a alteração do regime fixado, concretamente, no sentido que.vem peticionado, de atribuição da guarda e poder paternal ao requerente...”.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, deverá improceder a invocada violação do disposto nos arts. 182º e 180º da O.T.M.
2) Alega o Recorrente que
“...Violou também a M.ma juiz as normas de direito probatório ao não ter julgado provados factos constantes de documentos juntos aos autos e relevantes para a descoberta material e ter considerado provados factos em contradição com documentos existentes nos autos, para além de ter omitido os depoimentos da perita Dr. …. (fls. 290), do consultor técnico e médico de saúde infantil do menor desde o nascimento (fls. 169 do Apenso E), pelo que se impõe a sua impugnação e modificação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 685°B e 712° do CPC.
• Salvo o devido respeito, não concordamos com o alegado. Na douta decisão recorrida, ficou dado como provado – ponto 16 – os relatórios sociais elaborados pela Segurança Social – fls. 110 e segs. dos presentes autos - Técnica Social Dra. …..
Por outro lado, o Recorrente não explicita os depoimentos prestados quer pela Dra. …. quer pelo consultor técnico e médico de saúde infantil. Assim, não sabemos ao que se refere.
3) É ainda alegado que
“... Da matéria de facto julgada provada na sentença resulta que a vontade do menor C, com 13 anos de idade desde 18.02.2011, é de residir e de continuar a residir com seu Pai/Recorrente ... as posições dos peritos vertidas nos relatórios sociais elaborados em 2010 e relatório de avaliação psicológica de 1.06.2010, são de que o menor deve permanecer e residir com o pai/recorrente e ficar à sua guarda.
• O actual artigo 1901º nºs. 2 e 3 do Cód. Civil impõe, como regra, a audição dos filhos nas questões que lhes digam respeito, resultando também da Convenção de Nova lorque sobre Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990, um princípio genérico de audição das crianças e dos jovens, com maturidade psicológica, na resolução de questões do seu interesse. As limitações ao princípio da audição decorrem da capacidade da criança. Sendo importante a declaração do jovem, não é por si só decisiva. O julgador tem que sopesar todos os elementos existentes nos autos e que permitam concluir qual dos progenitores poderá prestar os melhores cuidados e acompanhamento.
A douta sentença recorrida enumera de uma forma exemplar os factores que levam à conclusão que o menor deverá ficar à guarda e cuidados da Progenitora.
4) É ainda alegado que
“... para além de inconstitucional por violação do princípio da igualdade dos Progenitores e da defesa dos superiores interesses do menor consagrados no art. 36° da Constituição da República Portuguesa ... a sentença é formalmente incorrecta e materialmente injusta e ilegal ...”.
• A douta sentença recorrida não violou qualquer princípio de igualdade dos progenitores. A sentença está devidamente fundamentada quer no plano fáctico quer jurídico. Concordamos integralmente com o respectivo teor.
Os autos evidenciam um acentuado conflito entre os progenitores, com dificuldades de comunicação e negociação, que se repercute no menor.
Resulta quer da motivação quer das conclusões formuladas pelo recorrente a total falta de indicação de provas que fundamentam a impugnação. Salvo o devido respeito, o recorrente limita-se a, de forma genérica e sem grande sustentação, fazer uma referência a alguns fundamentos avançados na douta sentença e esquecendo outros.
No caso em apreço, a douta sentença recorrida procedeu a uma análise critica de toda a prova produzida. O julgador explica com clareza como retirou as conclusões que verteu na douta sentença recorrida, provenientes da análise que fez da prova produzida. O recorrente não concorda, respeita-se esse entendimento, mas tal atitude não passa disso mesmo, de uma mera discordância. A alegação do recorrente mais não constitui assim do que uma verdadeira impugnação da convicção adquirida pelo douto Tribunal “a quo”, mas perfeita e integralmente justificada por este na douta sentença. Assim, somos de parecer, ao contrário do que parece sustentar o recorrente, que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício, erro ou omissão que importe analisar.
Não basta, pois, a afirmação de discordância do recorrente, para justificar a existência de erro notório na apreciação da prova, a qual não se verifica na douta decisão sob recurso.
A douta sentença recorrida explicita de forma adequada, correcta e escorreita, os factos dados como provados, a sua convicção que se mostra bem fundada.
Assim, pelos motivos que se deixaram exarados, concluímos ser de atribuir a guarda do menor à mãe, que exercerá o poder paternal.
Assim e em conclusão, a douta sentença recorrida não enferma de qualquer violação legal/constitucional ou outra, pelo que deve ser integralmente confirmada.
As questões a apreciar
É objeto do presente recurso – delimitado pelas conclusões do recorrente acima expostas (arts. 684-3 e 685.A-1 do CPC – apreciar as seguintes questões: (1) Se se justifica a multa aplicada ao Requerente pelo Tribunal. (2) Se houve violação dos arts. 182 e 180 da OTM e 668 do CPC. (3) Se a sentença é omissa quanto a factos constantes de documentos dos autos, ou se ela dá como provados factos em contradição com documentos. (4) Se devem ser dados como provados factos constantes de outros documentos. (5) Se deve ser corrigida quanto aos factos 21 e 22. (6) Se devia ter tido em conta a vontade manifestada pelo menor. (7) Se é omissa quanto a alimentos a pagar pela mãe. (8) Se a sentença viola o art. 36 da Constituição. (9) E se, atribuindo à mãe a custódia do menor, deve ser alterado o regime de visitas e de férias, fixando-se pensão de alimentos e despesas relativas ao período em que o menor esteve provisoriamente entregue ao pai.
Vejamos estas questões:
(1) Não se justifica revogar a multa aplicada ao pai
O pai do menor trouxe-o para o Tribunal a fim de ser ouvido no passado dia 2011.05.23, contrariando indicações expressas no sentido de que nenhum dos progenitores devia acompanhar o menor ou estar sequer presente em Tribunal nesse dia. Foi condenado em 2 U.C. de multa, por falta de colaboração com o Tribunal – art. 519-1 do CPC.
Recorre, alegando que não havia mais ninguém disponível para trazer o menor e que do despacho que lhe foi transmitido não resultava que não pudesse acompanhar o filho ao edifício do tribunal, nem teve tempo de solicitar esclarecimentos ao tribunal sobre a questão.
O despacho foi levado ao conhecimento do requerente e da sua Ex.ma mandatária e era inequívoco: “O menor será ouvido somente na presença da signatária e Digno Curador de Menores. – Nenhum dos progenitores deverá acompanhar o menor, ou estar sequer presente em Tribunal” – fls. 359.
Se não tivesse compreendido o despacho, poderia ter pedido esclarecimentos à sua Ex.ma Advogada, que decerto lhos prestaria, pois comprometeu-se a avisar o seu constituinte para fazer apresentar o menor – fls. 360.
Ao acompanhar o filho ao Tribunal, podia ter influenciado o depoimento deste. Com isso, não cumpriu o seu dever de colaboração para a descoberta da verdade material. Foi uma forma de desobedecer ao Tribunal. Justifica-se a condenação em multa nos termos do art. 519-1 do CPC.
Assim, o recurso improcede neste ponto.
(2) Não houve violação dos arts. 182 e 180 da OTM e 668 do CPC
Embora – decerto por erro de escrita, como refere o MºPº – a sentença mencione a modificabilidade da pensão de alimentos, com fundamento nos arts. 182, 180 e 156 da OTM, a decisão prossegue referindo-se à questão da regulação do poder paternal, e concluindo ser de manter a regulação definitiva vigente. Não há qualquer violação das normas referidas, como não há nulidade de sentença por violação do art. 668 do CPC.
(3) Não há na sentença qualquer contradição ou omissão, salvo o que se refere a seguir
Conforme observa o MºPº, os relatórios sociais da Drª …. (fls. 110-118) estão incluídos na sentença – § 16. Quanto ao depoimento de fls 290, limita-se a confirmar o relatório pericial referido. Finalmente, o depoimento do médico que o recorrente cita como incluído a fls 169 não se encontra de facto aí. Quanto aos “documentos juntos aos autos”, não os identifica.
(4) Há novos factos provados a acrescentar
O recorrente pretende que se dê como provado o seguinte:
1* Em relatório psicológico de 5.8.2009, conclui-se que quanto à personagem valorizada, o C faz do pai a família imaginária, atribuindo-lhe um grande valor no seio da família – fls. 21 a 28.
2* A progenitora aufere mensalmente € 82,07 a título de abono de família do filho menor C – fls. 102 e 113.
3* O progenitor pagou natação, material escolar, alimentação escolar e ginástica do C após 20 de Setembro de 2009 e nos anos 2010 e 2011 – fls. 33 a 71, 206, 207 e 239 a 251, fls. 263 e seguintes.
4* O progenitor pagou ATL do C nos meses de Setembro de 2010 a Fevereiro de 2011 – fls. 239 a 251.
5* O C transitou para o 7º ano - conforme ficha de informação do 3º período de avaliação do ano lectivo 2010/2011 de 27.6.2011 junta em sede de recurso.
Quanto ao primeiro ponto, do relatório referido (fls. 21) não pode retirar-se o que o recorrente pretende. O relatório analisa os testes a que o menor foi submetido e conclui que o menor “reflete grandes diferenças entre a família imaginária e a real”. Na família imaginária, o C atribui ao “pai” (imaginário) um grande valor; mas na família real, “o C revela uma grande desvalorização (sublinhado no relatório) da família no seu todo”. Portanto, a conclusão do relatório é perfeitamente oposta ao que o recorrente pretende: o C não faz do pai a família imaginária; pelo contrário, tem bem presente a diferença entre a família imaginária e a família real, que grandemente desvaloriza no teste.
Já os restantes pontos, incluindo os resultados escolares (antes da subida do recurso, o recorrente veio apresentar documentos recentes, nos termos do art. 524 do CPC – comprovando os últimos resultados escolares do menor), devem ter-se como provados, motivo por que, ao abrigo do disposto no art. 712-1-a do CPC, se decide incluí-los nos factos provados de sentença sob os números 35) a 39), nos seguintes termos:
35. A progenitora aufere mensalmente € 82,07 a título de abono de família do filho menor C – fls. 102 e 113.
36. O progenitor pagou natação, material escolar, alimentação escolar e ginástica do C após 20 de Setembro de 2009 e nos anos 2010 e 2011 – fls. 33 a 71, 206, 207 e 239 a 251, fls. 263 e seguintes.
37. O progenitor pagou ATL do C nos meses de Setembro de 2010 a Fevereiro de 2011 – fls. 239 a 251.
38. O C transitou para o 7º ano no fim do ano lectivo 2010-2011- fls. 520, 521 e 538.
39. Desde que ficou a residir com a mãe, em consequência da sentença recorrida, o C teve notas negativas em seis disciplinas de línguas e matemática, e notas positivas em três disciplinas de ciências no fim do 1º período escolar do 7º ano, antes do Natal de 2011 – fls. 538.
(5) Não há correções a fazer aos factos 21 e 22 da sentença
O recorrente pretende que se corrija o nome das consultas referidas nos factos 21 e 22 da sentença. A rectificação é irrelevante, pelo que se indefere.
(6) a (9) As restantes questões serão apreciadas seguidamente
A paralisia cerebral não é uma doença mental
Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que a paralisia cerebral de que sofre o C não é uma doença mental. É uma deficiência crónica não progressiva resultante da lesão de uma ou mais partes do cérebro, provocada frequentemente por falta de oxigenação das células cerebrais. É importante dizer que os afetados por esta deficiência crónica possuem habitualmente uma inteligência normal, salvo quando a lesão atingiu as áreas correspondentes ao pensamento e à memória.
Não é uma doença mental, e também não é uma doença progressiva. Não se agrava com a idade. Mas também não se conhece cura: dura toda a vida, mas pode-se recorrer a terapias que facilitam a vida do deficiente. Muitas crianças afetadas com ela frequentam escolas normais se não apresentarem deficiências físicas ou inteletuais graves. Podem tirar cursos superiores. Mais de 90% das crianças com paralisia cerebral sobrevivem na idade adulta. Os sintomas podem oscilar entre a falta de habilidade motora quase imperceptível e a espasticidade grave que confina os afetados a uma cadeira de rodas. Há quatro variantes principais de paralisia cerebral: espástica (músculos rígidos e fracos), coreoatetóide (músculos que se movem devagar e sem controlo), atáxica (pouca coordenação e movimentos inseguros), mista (combinação das anteriores).
São referidos vários casos históricos de paralisia cerebral. Sofreram desta deficiência crónica artistas, cientistas e políticos. Por exemplo, o imperador romano Claudius. E é conhecido o caso de Stephen Hopkins (1707-1785), presidente do supremo tribunal da colónia de Rhode Island e depois governador, que ao assinar a Declaração de Independência dos Estados Unidos terá dito: “My hand trembles, but my heart does not”. Há vários atores e atletas conhecidos como afetados de paralisia cerebral. Ver “Cerebral palsy”, http://en.wikipedia.org. e Enciclopédia Médica,Merck Sharp & Dohme, vol. IV, trad, Quidnovi, Lisboa, 2006.
No caso do C, a paralisia cerebral não lhe afetou a inteligência, a memória e a afetividade. O relatório de avaliação psicológica, elaborado em 2010, quando o C tinha 12 anos, revelou que “o seu discurso verbal é espontâneo e organizado” … “expressa-se com um vocabulário e tom de voz adequados” … “situa-se no espaço e no tempo e demonstra ter conhecimentos demográficos (nome, idade, data de nascimento, composição da família e dados relativos à sua vida escolar). Não se observam alterações ao nível do pensamento. Ao nível da sua vida imaginária e afetos, evidencia capacidade em exprimir emoções, medos e sonhos, demonstrando ter uma boa capacidade simbólica”.
A paralisia cerebral não pode servir, pois, de pretexto para secundarizar a opinião do C , primeiro interessado na solução deste problema familiar. Para o Tribunal, o C não pode ser parte do problema: tem de ser parte da solução.
A retórica de uma ficção jurídica: os superiores interesses da criança
Poucas questões são tão traumáticas nas relações de família como os litígios que nascem da discussão entre os pais sobre o destino da criança em caso de ruptura da unidade familiar. Às recriminações mútuas sobre a responsabilidade dessa ruptura, acrescentam-se as recriminações sobre o efeito devastador que ela produz na criança sempre vítima inocente e objeto de um conflito que largamente a ultrapassa e em que ela não passa habitualmente de um simples pretexto.
As decisões sobre a guarda dos menores em caso de divórcio são frequentemente ocasião de um prolongamento constantemente revivido de um conflito que os adultos separados não querem entender e contraditoriamente não querem e não podem nunca esquecer.
A entrega dos menores tem uma elevada carga simbólica, representando as mais das vezes o indício de uma definição de culpa subconsciente, que nenhum dos adultos desavindos quer e pode admitir. Então, há aqui um problema filosófico de justiça distributiva, mais do que um problema de psicologia da culpa.
O atual pensamento sobre a justiça da entrega dos menores esteve, nos finais do século passado, centrado em duas abordagens diferentes – como diz Jon Elster (1989), que temos vindo a seguir aqui de perto. Por um lado, os psiquiatras Joseph Goldstein, Anna Freud e Albert Solnit recomendaram que a entrega fosse decidida rapida e irreversivelmente, sem direitos de visita ao progenitor a quem não foi atribuída a custódia, para evitar que a criança seja perturbada por um conflito que a transcende completamente. Por outro lado, a análise económica do direito, pela mão de Robert Mnookin e L. Kornhaser desferiu um violento ataque ao princípio dos “superiores interesses da criança” (the best interests of the child) que adquirira foros de senso-comum na política do direito dos menores a partir dos anos 60-70 do século passado.
A abordagem de Goldstein/Freud/Solnit apresentava-se como racional e bem intencionada do ponto de vista da psiquiatria da criança, mas chocante do ponto de vista da ética e da justiça distributiva entre adultos.
O princípio dos superiores interesses da criança obteve consagração legal também entre nós. Por exemplo, na Lei 14/99, de 1 de Setembro, Lei de proteção das crianças e jovens, art. 4º, estabelece-se que “a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: – Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”. Este princípio foi expressamente recebido no novo art. 147.A do DL 314/78, de 27 de outubro (actual redação).
Mnookin (1973), Mnookin (1975) e depois Mnookin/Kornhauser (1979), seguidos pelo próprio Jon Elster (1989) arguiram que o princípio dos superiores interesses da criança constitui um princípio indeterminado. Ou seja: não há uma razão objetiva que nos faça concluir quais sejam os superiores interesses da criança. Porque os interesses da criança, na prática, não passam dos interesses do pai ou da mãe, disfarçados de interesses da criança. Na realidade, o interesse da criança é que os pais não se guerreiem por causa dela, ou que não estejam em conflito independentemente dela, e esse interesse o tribunal nunca consegue impô-lo aos pais. Assim, ao definir o interesse superior da criança, o juiz acaba sempre por fazer as escolhas da sua preferência... que atribui superiormente à criança.
Tal como acontece com os adultos, o interesse da criança é uma ficção jurídica construída em tribunal, que pode não ser a efetiva preferência do interessado. Como em tantos outros casos, o pensamento legislativo constrói aqui uma ficção jurídica que tem uma função retórica na narrativa judiciária. Isto é: que serve para persuadir o auditório a que o juiz se dirige (os advogados, o inspetor judicial, o tribunal superior) do acerto da sua decisão.
Esta consideração faz-nos reverter à ideia de custódia conjunta. É do superior interesse da criança manter o contacto protetor de ambos os pais, apesar do risco de conflito, e evitando sempre que possível situações que possam degenerar em conflitos de responsabilidade parental.
É assim que na novilíngua jurídica mais recente se abandonou a terminologia “poder paternal” em favor de “responsabilidades parentais” (introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de outubro).
(A noção não é, porém, uma inovação portuguesa. Ela surgiu pela primeira vez na Europa no Children Act 1989, a lei britânica de proteção das crianças, justificada pela ideia de de que o conceito de parental responsibility refletia melhor a ideia de que os poderes parentais existiam para benefício da criança e não dos pais. Em breve se estenderia à legislação de vários países europeus. Hoje, tornou-se uma terminologia comum – v. o Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental).
No atual art. 1906-1 do Código Civil, em caso de divórcio, “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos em que vigoravam na constância do matrimónio (…)” (fls. 178).
Este regime abre o caminho para a guarda conjunta. Mas esta é uma via prática que não queremos aqui ensaiar, dada a situação de litígio não resolvido entre os pais do C , e tendo em conta a falta de experiência prática dessa solução. Aqui também, o tribunal deve actuar com a prudência, parcimónia e previdência que a situação impõe.
Referências bibliográficas
Sobre a matéria aqui exposta, pode ler-se:
2006, Paralisia cerebral, Enciclopédia Médica, Merck Sharp & Dohme, vol. IV, trad, Quidnovi, Lisboa, 2006.
Bennet, W.W. / Feldman, M.S., 1981, Reconstructing reality in the courtroom. 203 pp., Tavistock, N.York.
Elster, Jon, 1989, Solomonic judgements. Studies in the limitations of rationality. 232 pp., Cambridge Univ. Press, N.York, 1992.
Folberg, J., ed., 1984, Joint custody and shared parenting. Bureau of the National Affairs, Washington D.C.
Freeman, M.A., 1983, The rights and wrongs of children. Pinter, London.
Goldstein, J. / Freud, A. / Solnit, A., 1986, In the best interests of the child. Free Press, N. York.
Mnookin, R., 1973, Foster care – in whose best interest ? Harvard Educational Review 43:599-638.
Mnookin, R., 1975, Child custody adjudication: judicial functions in the face of indeterminacy. Law and Contempo-rary Problems 39:226-293.
Mnookin, R. / Kornhauser, L., 1979, Bargaining in the shadow of the law. Yale Law Journal 88:950-997.
Mueller, D., 1979, Public choice. Cambridge Univ. Press, N. York.
Mueller, D., 2003, Public choice III. 770 pp., Cambridge Univ. Press, N. York, London.
Perelman, Ch. / Olbrechts-Tyteca, 1992, Traité de l'argumentation. La nouvelle rhétorique. 5ª ed., 734 pp., Ed.Univ. Bruxelles, Bruxelles, 1992.
Reece, H., 2008, Parental responsibility. – Cane/Conaghan, eds. The new Oxford companion to law. Oxford Univ. Press, N. York, 2008
O concreto regime aqui decidido
Qual é a solução para que propendemos ?
Em primeiro lugar, uma solução que não entre em choque com o sentimento do filho. Mas que também não choque o sentimento da mãe e do pai.
A guarda conjunta não parece aconselhável, dada a situação de litígio já antigo entre o pai e a mãe.
O C, após a separação dos pais, ficou com a mãe até aos 11 anos de idade. Depois, esteve a viver com o pai, com quem também manteve sempre uma boa relação. O C diz que “Eu queria ficar com os dois, uma semana com um e outra semana com outro, mas não dava, por causa da escola, e já sabia que os pais não se iam entender, ia ser uma grande confusão” (ibd. Fls. 178).
Este Tribunal não pode deixar de tomar nota da grande sensatez e maturidade que o C já revelava aos 12 anos, apesar do conflito entre os pais não o ajudar em nada.
O C tem agora 14 anos.
A partir de novembro de 2009, ficou a viver com o pai, nos termos de um regime provisório de alteração das responsabilidades parentais (fls. 29-30 e facto 15) – solução com que a mãe não se conformou, embora antes a tivesse admitido na prática (fls. 27).
Dada a idade do menor e as dificuldade de relacionamento entre os pais, não é aconselhável que o C fique definitivamente afastado do pai e da irmã (agora com 11 anos), ainda que com regime de visitas.
Então, a segunda melhor solução parece ser a residência alternada, por períodos mais longos.
Tendo em conta a organização dos tempos lectivos, parece aceitável que o C passe os períodos escolares alternadamente com a mãe e com o pai. Nos seguintes termos, decide-se:
1. Instituir o regime da guarda alternada do menor, o qual passará a vigorar no fim do corrente ano lectivo de 2011-2012, nos seguintes moldes:
a. O menor fica à guarda do pai nos seguintes períodos:
- no 1º período das férias escolares de verão, meses de junho e julho;
- o período das férias do Natal e o 2º período escolar (sem as férias da Páscoa);
b. O menor fica à guarda da mãe:
- no 2º período das férias escolares de verão, meses de agosto e setembro;
- o primeiro período escolar (setembro-dezembro, sem as férias do Natal);
- o período das férias escolares da Páscoa e o 3º período escolar (até ao fim das aulas).
2. Cada um dos progenitores exercerá em exclusivo o poder paternal relativamente ao filho nos períodos em que este se encontra confiado à sua guarda, sem prejuízo do prescrito na cláusula seguinte;
3. As decisões relativas à escolha do estabelecimento escolar a frequentar pelo menor, à sua submissão a (eventuais) operações cirúrgicas, aos locais de frequência de actividades extracurriculares prescritas pelos médicos e à educação religiosa (esta só até aos 16 anos), bem como à representação e administração de (eventuais) bens do menor, serão tomadas conjuntamente por ambos os progenitores;
4. Fixar o seguinte regime de visitas:
a. O pai e a mãe poderão visitar o menor sempre que existir vontade mútua (do menor e do progenitor) nesse sentido, sem prejuízo das actividades escolares e do descanso daquele.
b. O menor passará fins-de-semana alternados com o progenitor com quem, à data, não se encontre a residir (de sexta a domingo);
c. Os dias de véspera de Natal, Ano Novo e Páscoa serão passados com a mãe; e o dia de Natal, o dia de Ano Novo e o domingo de Páscoa com o pai; no ano seguinte, invertem-se as posições.
d. O C passará, alternadamente, com o pai e com a mãe o dia do seu aniversário.
e. As visitas aos avós serão feitas nos períodos em que o menor estiver a residir com o pai (avós paternos) e com a mãe (avós maternos).
5. Cada um dos progenitores suportará as despesas de alimentos do menor nos períodos em que este se encontra à sua guarda, sem prejuízo do estabelecido na cláusula seguinte.
6. As despesas de saúde do menor, bem como as despesas com a aquisição de livros e material escolar, serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, mediante a apresentação de documento comprovativo da sua realização.
7. Não há pensão de alimentos a pagar pela mãe e pelo pai desde o pedido de alteração da regulação, porque os respetivos montantes se compensam.
Em suma:
1. Não havendo acordo do pai e da mãe quanto regime de residência, e na impossibilidade de guarda conjunta, deve estabelecer-se o regime de guarda alternada por tempos correspondentes aos períodos escolares. Este regime pode ser alterado por ambos os pais, de comum acordo.
2. Atendendo a que daí resultam encargos para ambos os pais, que se compensam, não é de fixar pensão de alimentos. As despesas de educação e saúde serão comparticipadas por ambos em partes iguais.
3. As questões de grande importância para a vida do menor serão decididas pelo pai e pela mãe, de comum acordo, sujeitas a decisão do tribunal na falta deste.

Decisão
Assim, e pelo exposto, acorda-se em confirmar a condenação do recorrente em multa e em revogar a sentença recorrida, substituindo o regime de regulação das responsabilidades parentais aí referido pelo constante dos parágrafos 1. a 7. da página 22 desta sentença, acima exposto.
Custas mínimas por ambos, em partes iguais.

Lisboa, 22 de Maio de 2012

João Ramos de Sousa
Manuel Ribeiro Marques
Pedro Brighton

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8a94e8acd8ddcef180257a22003ad711?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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