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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CRIME EXAURIDO NE BIS IN IDEM MEDIDA DA PENA - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora - 26/06/2012


Acórdãos TRE
Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
40/09.4PEEVR.E2
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIME EXAURIDO
NE BIS IN IDEM
MEDIDA DA PENA

Data do Acordão: 26-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES DOIS DOS RECURSOS

Sumário:
1. O tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, excutido ou de empreendimento, consumando-se no primeiro acto de execução, sendo os actos posteriores a continuação do crime já iniciado.

2. Estando provado que de Outubro de 2009 a Junho de 2010 os arguidos se dedicaram a transacção de haxixe, e que a 8 de Abril de 2010 adquiriram haxixe em Espanha que tencionavam comercializar em Portugal, tendo então ali sido detidos e julgados, os factos objecto do processo espanhol não podem integrar simultaneamente o processo português.

3. Mas tais factos também não podem sair isoladamente ou apenas de per sida decisão recorrida, já que integram um mesmo crime em conjunto com outros factos dela constantes – os ocorridos de Outubro de 2009 a 8 de Abril de 2010.

4. Deve entender-se que a detenção dos arguidos pelas autoridades policiais espanholas pôs termo à execução de um primeiro crime de tráfico, existindo uma nova e autónoma resolução criminosa dos arguidos, posterior à sua prisão, reveladora de um segundo crime de tráfico de estupefacientes.

5. O ne bis in idem implica a cisão dos factos em dois grupos, separando os cometidos até à detenção em Espanha, daqueles que vieram a ser cometidos posteriormente, relevando apenas o segundo grupo para a condenação em Portugal.


Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo Comum Colectivo n.º 40/09.4PEEVR do 1º juízo do Tribunal Judicial Évora de foi proferido acórdão que decidiu, entre outros:

Condenar o arguido JL pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes do art.º 21, nº 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos e seis meses de prisão e pela prática do crime de detenção de arma proibida, dos artigos 3°, 5°, al. e), 7°, nº 1 e 86°, nº 1, al. c), todos, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 18 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de sete anos de prisão.

Condenar o arguido AJ pela prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes do art.º 21, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão.

Condenar o arguido CF, pela prática de um crime de Tráfico de menor gravidade do art.º 25, al. a) do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na execução por igual período e sujeita a regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (arts. 50 e 53 do C.P.).

Inconformado com o assim decidido, recorreram os arguidos, concluindo da forma seguinte:

O JL,

“a) Efectuando uma análise prudente e objectiva do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, forçosamente terá que se concluir que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado os factos constantes da matéria assente com os números 1 a 4, 6 a 8, 10, 11, 12, 16 e 17, 21, 22, 30 a 33 e 35.

b) Isto porque, o Tribunal a quo considerou como matéria não provada que o arguido JL, aqui recorrente, tenha vendido produtos estupefacientes às testemunhas indicadas pela acusação (cfr. fls. 24 do douto acórdão).

c) Assim, o arguido JL não vendeu produtos estupefacientes a:

- JP;
- RP (depoimento gravado entre 14:54:04 e 14:57:18);
- DC (depoimento gravado entre 14:57:55 e 15:13:25);
- JN;
- FF (depoimento gravado entre 15:14:41 a 15:17:22);
- SW (depoimento gravado entre 15:18:05 e 15:33:16);
- AS (depoimento gravado entre 15:36:38 e 15:42:34);
- ML (depoimento gravado entre 15:43:16 e 15:46:44).

d) Estas testemunhas foram arroladas pela acusação, ou porque foram vistas com os arguidos nas acções de vigilância encetadas pelo OPC ou porque com eles mantiveram comunicações telefónicas que foram interceptadas.

e)Não se alcança do depoimento de qualquer das testemunhas referidas que estas tenham adquirido produtos estupefacientes ao arguido JL.

f) Pelo que, impõe-se questionar como é possível que, por um lado, tenha sido dado como provado que pelo menos desde Outubro de 2009 até 01 de Junho de 2010 (cfr. pontos 1 a 4, 6 a 8, 10, 12 da matéria de facto dada como provada) o arguido JL vendeu produtos estupefacientes e, por outro lado, dar-se como não provado que tenha vendido a todas as testemunhas da acusação supra referidas, sendo que estas foram arroladas por contactarem com o recorrente alínea c) dos factos não provados – cfr. pág. 17 do aresto)?

g) Face a esta contradição lógica, questiona o recorrente: afinal a quem vendeu produtos estupefacientes?

h) Ainda no que concerne ao facto provado n.º 12, em que o Tribunal a quo considerou como provado que o recorrente preparava e dividia em doses individuais o haxixe, questiona o recorrente o que poderá ter criado no Tribunal essa convicção.

i) Porquanto, em casa do recorrente não existia qualquer utensílio que indiciasse a pesagem e divisão do haxixe em doses individuais, nem tão pouco foi isso afirmado por qualquer testemunha ou arguido.

j) Aliás, a balança de precisão encontrava-se na casa do arguido FC, o arguido cuja pena de prisão em que foi condenado foi suspensa na sua execução – cfr. facto provado n.º 27 (pág. 9 do acórdão).

k) Já quanto à matéria dada como provada nos n.ºs 13, 14 e 15, a mesma é objecto de um processo judicial em Espanha, não devendo por isso ser apreciada neste processo, por incompetência territorial do Tribunal.

l) Quanto à detenção das 17 placas e meias de haxixe, que terá adquirido em Espanha, o recorrente não se conforma que lhe imputem a propriedade da mesma.

m) A este respeito, veja-se a confissão do arguido AJ, que se encontra transcrita na motivação.

n) Este arguido assumiu a responsabilidade pelo haxixe encontrado no veículo em que os arguidos se faziam transportar.

o) Nada contrariou a confissão do arguido AJ.

p) Veio o Tribunal a quo fundamentar a sua convicção em interceções telefónicas (v. pág. 23, 24, 25 e 26 do acórdão), nomeadamente as conversações mantidas entre o recorrente e um desconhecido, curiosamente apelidado de “mestre curandeiro”, que conforme resulta dos autos nunca foi investigado.

q) Destas conversas, com o devido respeito, não resulta qualquer prova para fundamentar a alegada prática de tráfico de produtos estupefacientes, bem como das demais, com indivíduos não identificados e com outros que mesmo estando identificados não confirmaram, em sede de produção de prova, as conclusões do Tribunal.

r) Estranha o Recorrente que, sendo tão vigiado pela Polícia, tendo sido tantas vezes fotografado e visto a vender produtos estupefacientes (v. prova documental), que nunca tenha sido detido nesses momentos, em flagrante delito.

s) Pelo que as escutas telefónicas, enquanto meios de prova que o são, não substituem outro tipo de diligências que podiam ter sido encetadas se, efectivamente, o recorrente se dedicasse a essa actividade entre Outubro de 2009 e Junho de 2010.

t) Pelo exposto, não faz qualquer sentido que, em face da prova testemunhal produzida e da confissão do arguido AJ, o arguido/recorrente tenha sido condenado por vender produtos estupefacientes a indivíduos não identificados (cfr. pontos 1 a 4, 6 a 8 e 10 da matéria de facto dada como provada) e por ter adquirido e transportado 17 placas e meia de haxixe (cfr. ponto 21 e 22 da matéria de facto dada como provada).

u) Termos em que se impõe a modificação da decisão recorrida sobre a matéria de facto (artigo 431.º do CPP) e a consequente redução da pena aplicável ao arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes.”

O AJ,

“1ª O presente recurso vem interposto do douto acórdão condenatório.

2ª Tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de seis anos de prisão.

3ª Efectivamente, o arguido praticou os factos descritos nos pontos 17 e 21 dos factos provados do acórdão recorrido, factos que consubstanciam a prática pelo mesmo do crime de tráfico de estupefacientes.

4ª O que o arguido confessou quer em sede de primeiro interrogatório, quer em sede de julgamento.

5ª Porém, não pode o arguido conformar-se com a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido, em concreto, nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 12 e 16 dos factos dados como provados.

6ª Inexiste qualquer meio de prova que permitisse ao Tribunal recorrido concluir que o arguido procedeu à venda de estupefacientes, distribuindo-os a terceiros.

7ª O arguido era um mero transportador, remunerado por essa função, sendo que, relativamente aos consumidores identificados nenhum afirmou ter adquirido estupefacientes ao arguido.

8ª Não podendo o Tribunal concluir que o terá feito somente relativamente a outros que não foi possível identificar.

9ª O facto de o arguido ser um transportador contratado para o efeito, resulta aliás dos relatórios e escutas realizadas, que confirmam ter sido o arguido contactado para efectuar o transporte da droga apreendida.

10ª Não foi apreendida ao arguido na sua habitação qualquer outro estupefaciente ou meios habitualmente relacionados com o tráfico.

11ª Acresce que, não valorizou o acórdão recorrido a confissão do arguido.

12ª Confissão espontânea e pouco habitual neste tipo de processo.

13ª Desvalorizada pelo Tribunal, por alegadamente corresponder apenas a uma reacção à prisão preventiva e não a um arrependimento genuíno.

14ª Porém, mesmo que assim seja, significa apenas que a “pena”, embora aplicada de forma preventiva, está a produzir o seu efeito.

15ª Razões pelas quais, dando como não provados os factos acima indicados, constantes das alíneas 1, 2, 3, 4, 6, 12 e 16 dos factos dados como provados e adequando a pena a aplicar ao arguido em função da sua efectiva culpabilidade, farão V.ªs Ex.ªs justiça.

16ª Acresce que os factos dados como provados nos pontos 13 a 15 dizem respeito a matéria pela qual o arguido está a ser julgado em Espanha, não podendo tais factos ser valorados no presente processo.

17ª O que o Tribunal claramente faz, em clara violação do princípio basilar do direito processual penal de não poder o arguido ser condenado duas vezes pelos mesmos factos

18ª A fundamentação usada pelo tribunal para justificar a decisão dos factos dados como provados entre os n.ºs 1 e 15 é claramente insuficiente, inexistindo qualquer prova que permitisse ao Tribunal concluir como fez relativamente ao arguido AJ, aqui recorrente

19ª Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, no sentido de:

a) Revogar o acórdão proferido.

b) Considerar não provados os factos inscritos no acórdão sob os n.ºs 1, 2, 3, 4, 6, 12 e 16.

c) Determinar nova medida da pena, considerando a sua efectiva culpabilidade, atendendo ao facto de ser um mero transportador. ”

O CF
,
“a) Através de uma análise objectiva do conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento, e atenta a personalidade do arguido, forçosamente terá que se concluir que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado os factos constantes da matéria assente com os números 20, 21, 22, 32 e 33.

b) Na douta decisão, o Tribunal consignou como matéria não provada que «[…] o) O arguido CF tinha conhecimento do propósito dos arguidos JL e AJ, em adquirirem estupefacientes.» (cfr. fls. 19 do acórdão).

c) Mas, de acordo com o acórdão, apesar de não saber ao que ia, o arguido CF teria obrigatoriamente que saber que no carro que conduzia (no regresso de Ayamonte a Évora) era transportado haxixe.

d) Não foram consideradas as declarações confessórias do arguido AJ, nem da testemunha FF, Chefe da PSP de Évora.

e) Nas declarações do arguido AJ (gravadas entre 11:49:52 a 12:09:26), este além de se assumir como proprietário do haxixe, de afirmar que o arguido CF desconhecia que o haxixe era transportado no veículo em que seguiam, declarou ainda que durante a viagem estava a ser consumido haxixe.

f) A testemunha Chefe F, assertivamente declarou que sabia que aquele cheiro era das placas de haxixe porque é um polícia rotinado, um polícia com experiência.

g) Ora, o recorrente não é polícia, nem tem quaisquer ligações a actividades ilícitas de tráfico de estupefacientes.

h) É um cidadão normal, social e familiarmente inserido, sem quaisquer antecedentes criminais.

i) Pelo que, desconhecia e não tinha que conhecer o cheiro das placas de haxixe, que não distinguiu do cheiro do haxixe que estava a ser fumado pelos outros arguidos (J e A) que iam no veículo.

j) O Tribunal a quo limitou a intervenção do recorrente à condução do veículo, dando como não provado que este estivesse envolvido em quaisquer outros actos ligados ao tráfico de estupefacientes.

k) Mas, por outro lado, decide que este arguido tinha que conhecer o cheiro das placas de haxixe, porque os agentes da PSP declararam que esse era o cheiro que sentiram quando abordaram o veículo; o que é, no mínimo, insuficiente.

l) Era Verão, estava muito calor, e circulavam no veículo com os vidros abertos, pois este não tem ar-condicionado, o que, naturalmente e com a velocidade de circulação do veículo, arejou o carro e atenuou cheiros exalados.

m) Não tendo conhecimento de que o haxixe era transportado no veículo em que circulava, não está preenchido o elemento subjectivo do tipo de ilícito.

n) O arguido, apenas foi conduzir o veículo porque o irmão, o arguido JL, lho pediu, uma vez que o recorrente é titular de habilitação legal para conduzir veículos automóveis.

o) O recorrente, ao conduzir o veículo no regresso de Ayamonte para Évora, fê-lo com a convicção de que estava tudo normal, tal como fez o inverso, sempre desconhecendo intenções e actos de aquisição de haxixe.

p) O recorrente, não tinha conhecimento nem vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

q) O artigo 13.º do Código Penal dispõe que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.

r) O crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não prevê a punição em caso de negligência.

s) Pelo que, se impõe a absolvição do arguido CF.

Termos são os expostos, em que se impõe a modificação da decisão recorrida sobre a matéria de facto, tal como dispõe o artigo 431.º do CPP, porquanto o arguido CF desconhecia que no veículo por ele conduzido era transportado haxixe, não tendo nem nunca tendo tido intenção, vontade ou conhecimento de que o fazia. Pelo que, não está preenchido o elemento subjectivo do tipo de tráfico de menor gravidade, impondo-se, assim, a absolvição do arguido CF.”

Na resposta ao recurso, o M.P. pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno:

“1. Os arguidos foram acusados e pronunciados pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01 –cfr. 1385 e 1504 dos autos.

2. Foi o próprio arguido AJ quem, em sede de primeiro interrogatório judicial, declarou que destinava o haxixe à venda –cfr. fls. 973 dos autos- declarações que foram lidas em sede de audiência de julgamento – cfr. fls. 2070 e 2071- sendo que o arguido não soube minimamente justificar o motivo pelo qual as proferiu – afirmou apenas aos 09’54” «Eu nunca disse a ninguém que vendia haxixe. Isso alguém percebeu mal. (…) Assinei, isso foi à própria da hora, assinei sem ler, se calhar»

3. Também o co-arguido JL, referindo-se ao arguido AJ, referiu aos 10’40” das suas declarações «Ele às vezes podia dar-me um bocado de haxixe»

4. Acresce que no dia 17.05.2010, cerca das 22.00 horas, o arguido A recebeu no seu telemóvel com o nº 92xxxx uma chamada telefónica, efectuada pela sua mãe, em que esta diz «há uma Cristiana que diz que tá junta contigo e anda a vender coisa para ti» cfr. produto nº 807 Apenso IV e, no dia 25 de Maio de 2010, cerca das 21.29 horas, o arguido A recebeu no mesmo telemóvel uma chamada efectuada por um desconhecido do seguinte teor «…Fala-me lá se tens aí cenas bacanas! O PJ ligou-me a ver se tinhas mamite?» ao que o arguido retorquiu «Assim pelo telefone é zero!»

5. Da conjugação de todos esses elementos resulta que, efectivamente, o arguido AJ, destinava o haxixe que adquiria em Espanha à venda a terceiros com o propósito de obter vantagens económicas, como no essencial se deu como provado nos pontos colocados em crise pelo arguido no seu recurso.

6. De qualquer forma, ainda que assim não se entendesse, sempre haveria que dar-se como provado o facto descrito na primeira parte do número “16” pois foi o próprio arguido AJ a confessar que, no período ali indicado foi por três ou quatro vezes a Aia Monte, buscar haxixe, pois quando perguntado, no decurso do julgamento, respondeu «fiz isso por três ou quatro vezes» - 04’30”. Assim,

7. O que é suficiente, em conjunto com os demais factos provados para integrar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01.

8. Face ao modo de execução adoptado pelo arguido -revelador de forte energia criminosa-, à persistência na prática de factos idênticos, às quantidades de haxixe introduzidas no território nacional -que já apresentam algum relevo-, aos extensos antecedentes criminais do arguido -que incluem duas condenações em penas de prisão suspensas na sua execução- e a acentuada culpa revelada pelo arguido, afigura-se que a pena de seis (6)anos de prisão em que foi condenado está ajustada aos critérios estabelecidos no artº 71º, do Cód. Penal.

9. Tanto mais que a confissão efectuada pelo arguido AJ foi de pouco valor, porque foi encontrado em flagrante delito com o haxixe, no dia 01.06.2010 e, por outro, não foi verdadeira na medida em que visou chamar a si toda a responsabilidade e procurar a absolvição dos co-arguidos JL e CF, em contrário de diversos elementos probatórios juntos aos autos.

10. O arguido JL foi questionado pela Exmª. Srª. Juiz sobre o destino do haxixe e da cocaína encontrados em sua casa no dia 01.06.2010 nos seguintes termos: «a droga era para si e para algum amigo que o visitasse?» ao que o arguido respondeu «Sim!» e de seguida «O haxixe e a cocaína?» repetindo o arguido «Sim!» - 06’15”.

11. Tais declarações mostram-se conformes aos elementos recolhidos no interior da residência do arguido, por ocasião da busca ali efectuada no dia, 01.06.2010, em que se verifica que a cocaína ali encontrada estava dividida em doses individuais – vejam-se auto de apreensão e declarações da testemunha MR – 28’00” «doses individuais de cocaína no interior da jarra»

12. Por seu turno a testemunha DC disse, referindo-se ao arguido JL (08’50”) «ele deu-me haxixe no valor de cinco Euros e eu dei-lhe cinco euros de haxixe que tinha», sendo certo que no decurso do inquérito afirmou, a fls. 1301, declarações que foram lidas em audiência conforme despacho de fls. 2074 dos autos «que talvez tenha telefonado ao “Zelas” por duas ou três ocasiões para comprar haxixe para o seu consumo, comprado cinco euros de cada vez. Começou a contactá-lo porque alguém (…) lhe terá dado o número do JL com a indicação de que caso necessitasse de estupefaciente para consumir, o poderia contactar, o que efectivamente aconteceu».

13. Acresce que a testemunha S, disse em julgamento que «Telefonou ao Zelas para comprar cocaína para si e para os seus amigos (…) deu dinheiro ao Zelas para pagamento de cocaína que ele vendeu aos seus amigos»

14. Sendo ainda certo no decurso do inquérito, a fls. 1306, cuja leitura foi efectuada em julgamento, conforme despacho de fls. 2075, descreveu em pormenor o modo como esses contactos se processaram, o preço acordado e os contactos mantidos entre ambos para a concretização dos pagamentos.

15. Mais, resulta das transcrições das intercepções telefónicas validamente realizadas que o arguido JL assumiu claramente perante o individuo que tratava por “Mestre” que adquiria estupefacientes, nomeadamente, haxixe e cocaína para revender a terceiros - cfr sessões nºs. 857 e 884, donde resulta que o arguido JL não saía de casa para vender sem consultar o “Mestre” e as sessões nºs. 1017 e 2249, donde resulta que as vendas de cocaína -«negócio da pesada»- tinham diminuído mas continuava a vender haxixe –«tenho daquele que fumo».

17. Verifica-se ainda que a testemunha MR, em vigilâncias que realizou, constatou que «entravam indivíduos em casa do JL onde permaneciam dois ou três minutos e voltavam a sair» 31’30” – comportamento típico de compradores de estupefacientes.

18. Finalmente, mas não menos importante, constata-se que o arguido assumiu perante o “Mestre”que uma das pessoas que o acompanhava no dia 08.04.2010, aquando da sua detenção em Espanha em poder de cerca de 2,6kgs de haxixe é seu sócio, que o estupefaciente foi apreendido e que ficou sem dinheiro (sessão 551 – Apenso II).

19. De igual forma, o arguido AJ, no dia 11.05.2010, assumiu perante uma terceira pessoa (Produto nº 53 – Apenso IV) que foi a Espanha buscar ganza, cerca de 2,5kg, que pertenciam ao arguido e a outro que o acompanhava, cabo-verdiano, com missangas no cabelo.

20. Mais ali refere que apesar do haxixe ser seu e desse seu sócio assumiu a responsabilidade toda.

21. Esses relatos dos arguidos a terceiros, em momentos diversos, sobre o sucedido no dia 08.04.2010 e a propriedade do estupefaciente então apreendido são coincidentes entre si e conformes aos elementos recebidos das autoridades espanholas –cfr. fls. 615 a 625 dos autos- o que demonstra que nessas ocasiões os arguidos falaram verdade.

22. Bem andou, pois, o tribunal colectivo, ao dar como provados os factos indicados nos pontos colocados em crise pelo arguido JL

23. Ora face a tais factos e às condições pessoais do arguido constata-se que a pena de seis anos e seis meses de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01, está ajustada à reiterada prática do ilícito pelo arguido, à sua culpa, à existência de uma condenação anterior por idêntico crime e aos dispositivos legais aplicáveis, nomeadamente, ao disposto no artº 71º, do Cód. Penal.

24. Apurou-se, em julgamento que, indubitavelmente, no regresso de Ayamonte a Évora o arguido CF sabia que transportavam o haxixe.

25. Com efeito, o estupefaciente mostrava-se dividido em 17 placas, não integralmente embrulhadas num fina película colocadas sob o banco traseiro, estava bastante calor de tal forma que uma das placas derreteu e colou-se ao chassis do veículo e o cheiro dentro do veículo era bastante intenso, tudo conforme relataram as testemunhas FF – 02’45” - e MR -24’30”.

26. Como ainda afirmaram essas mesmas testemunhas e é sabido comummente, o haxixe possui um cheiro característico que o identifica pelo que o arguido CF, que conduziu o veículo de Ayamonte até Mértola, localidade onde foram abordados pela P.S.P. necessariamente se apercebeu da presença do haxixe no veículo.

27. Tanto mais que as placas estava mal acondicionadas e simplesmente espalhadas sob o banco traseiro não se encontrando dentro de algum recipiente que retivesse o odor que delas emanavam.

28. Não são, neste caso, necessários especiais conhecimentos para detectar e identificar tal cheiro.

29. Assim, bem andou o tribunal “a quo” em considerar provados os elementos cognitivo e volitivo do dolo e, consequentemente, em condenar o arguido CF.

30. Por tudo o exposto, o Acórdão recorrido não merece censura e deve ser mantido nos seus precisos termos.”

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta apôs o seu visto.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na decisão recorrida consideraram-se os seguintes factos provados:

“1 - Desde, pelo menos, Outubro de 2009 até ao dia 01/06/2010, os arguidos JL, AJ e FC, vinham a dedicar-se a actividades relacionadas com a transacção de haxixe.

2 - No âmbito dessa sua actividade os arguidos forneceram diariamente a um número não concretamente apurado de consumidores doses individuais daqueles produtos estupefacientes, mediante a entrega por estes de quantias monetárias como contrapartida.

3 - As entregas directas de produto estupefaciente por parte dos arguidos aos consumidores que para o efeito os contactavam eram efectuadas nesta cidade de Évora, em diversos locais públicos e de diversão nocturna para onde os arguidos se deslocavam propositadamente ou em casa dos mesmos.

4 - Tal sucedia com os arguidos JL e AJ que, entre outros locais, procediam à venda dos referidos produtos estupefacientes em suas casas, sitas, respectivamente, ... no Bairro das Fontanas e na..., Horta das Figueiras, em Évora;
5 - Também o arguido FC efectuava a venda daquelas substâncias em sua casa, situada, à data, na Rua ..., em Évora;

6 - Para o efeito, os consumidores que pretendiam adquirir estupefaciente contactavam os arguidos pessoalmente ou através dos seus telemóveis e recebiam deles quantidades não concretamente apuradas de haxixe e cocaína;

7 - Durante o período de tempo acima referido o arguido José Luís Barros utilizou os seguintes números de telefone, móveis e fixos, para aquele efeito, sobre os quais foram autorizadas e levadas a cabo intercepções telefónicas:

- 93xxxxx(código 1Y811M) e respectivo IMEI 355211031764180 (código 1Y811iE);
- 92xxxxx(código 1Y812M) e respectivo IMEI353945015832811 (código 1Y812iE);
- 91xxxxx (código 2A134M) e respectivo IMEI354079030071ü7ü (código 2A134iE);
- 266xxxx (código 2A135);
- 91xxxxx (código 2A581M) e respectivo IMEI35826703694338ü (código 2A581iE);

8 - Dos novos números que ia utilizando o arguido JL informava os arguidos A e F, os consumidores e outras pessoas com quem se relacionava no âmbito desta descrita actividade;

9 - O arguido AJ, por seu turno, utilizou durante o período em causa o telefone com número 92xxxxx, para efectuar contactos nos moldes acima descritos, tendo o mesmo sido sujeito e intercepções devidamente autorizadas (código 43175M e respectivo IMEI 35659203004586 a que coube o código 43175iE);

10 – Os arguidos JL, AJ e FC, adquiriram a outros indivíduos quantidades não identificadas de haxixe;

11 – Os arguidos JL e FC, adquiriram a outros indivíduos quantidades não identificadas de haxixe e cocaína;

12 - Na posse de haxixe, os arguidos JL, AJ e FC, preparavam-no e dividiam-no em diversas doses individuais que, posteriormente, acondicionavam em embalagens, as quais vendiam aos consumidores;

13 - Foi com aquele objectivo que os arguidos JL e AJ se deslocaram a Espanha, à localidade de Ayamonte, no dia 8 de Abril de 2010;

14 - Naquela ocasião os identificados arguidos adquiriram a indivíduo desconhecido naquela localidade 13 placas de haxixe, com o peso total de 2,600g, que se preparavam para transportar para esta cidade de Évora quando foram interceptados pelas autoridades espanholas e ali detidos e presentes a juízo;

15 - Na sequência desta detenção os arguidos foram libertados tendo, contudo, ficado sujeitos, pelas autoridades judiciárias espanholas, à apresentação em tribunal nos dias 1 e 15 de cada mês;

16 - No cumprimento daquela obrigação os arguidos JL e AJ continuaram a deslocar-se a Espanha, aproveitando tais circunstâncias e ocasiões para adquirirem haxixe que, posteriormente, vendiam nesta cidade aos consumidores nos moldes já indicados;

17 - Assim, no 01/06/2010, os arguidos JL e AJ deslocaram-se a Espanha no veículo de matrícula ----GE, pertença de US que, o emprestou;

18 - A arguida SF era, e é, companheira do arguido JL;

19 – A arguida SF ajudou o arguido JL a persuadir a arguida U a emprestar o referido veículo;

20 - Nesta ocasião o veículo em causa era conduzido por CF, irmão do arguido JL acedendo, em colaborar com os mesmos, conduzindo-os a Espanha;

21 - Levando a cabo os seus intentos, os arguidos JL e AJ, adquiriram em Espanha, a individuo não identificado, 17 placas e meia, com o peso líquido total de 1.655,23g, de um produto vegetal prensado, o qual, sujeito e exame pericial, viria a revelar-se que se tratava de haxixe (canabis, resina);

22 - Tal produto foi pelos arguidos dissimulado no banco traseiro do referido automóvel e, desta forma, era por todos transportado quando foram detidos em flagrante delito pela PSP;

23 - No momento da detenção os arguidos tinham, ainda, consigo, além do produto estupefaciente o seguinte:

- O arguido JL, um telemóvel de marca, Nokia e € 50;
- O arguido AJ, um telemóvel de marca, Samsung e € 50;

24 - Estes arguidos guardavam, ainda, no interior das suas residências o seguinte:

- No quarto, no interior do guarda roupa e dentro do bolso de um casaco, o arguido JL tinha 7,846 g de haxixe e na sala atrás de uma jarra de flores 4,355g do mesmo produto e, ainda, aproximadamente, 2,90g de cocaína (c1oridrato), guardada no interior de uma jarra de flores, bem como a quantia de € 460;

25 - Este arguido tinha, ainda, na sua posse em sua casa uma arma de fogo, calibre 22, marca Star, modelo "eibar", com um cano, devidamente municiada com 8 munições, calibre 22;

26 - O arguido FC guardava numa gaveta da mesa-de-cabeceira do seu quarto de dormir o seguinte: 11,022 g de cocaína (c1oridrato), 3,947g de haxixe e € 165 em dinheiro;

27 - Em cima da referida mesa-de-cabeceira, o arguido tinha uma balança de precisão, que utilizava para pesar e dividir o haxixe em doses individuais, que depois vendia a terceiros;

28 - O arguido JP no mesmo dia 01/06/2010, tinha sua posse, no interior do quarto de dormir da sua residência, em cima de um guarda fato, 14,329g de haxixe;

29 – O haxixe apreendido aos arguidos JL e FC eram destinados por estes a vender a outros indivíduos que para o efeito os procurassem;

30 - Assim como o dinheiro e demais produtos eram provenientes da actividade de venda e cedência de produtos estupefacientes e, como tal, foi apreendido;

31 - Por outro lado, os telemóveis e o veículo automóvel foram utilizados pelos arguidos no desenvolvimento da referida actividade de tráfico de produtos estupefacientes, servindo-se os arguidos de tais objectos para melhor conseguirem os seus intentos;

32 - Os arguidos JL, AJ, FC, JC e CF, conheciam a composição química e as características das substâncias e dos produtos que nas circunstâncias descritas, detinham, ou transportavam ou transaccionavam, sabendo que aqueles, por lei, são considerados estupefacientes;

33 - Sabiam que não podiam adquirir, transportar, vender, ou, por qualquer forma, ceder e deter as referidas substâncias e produtos pois para tal não estavam autorizados;

34 - O arguido JL sabia, ainda, que não poderia deter na sua posse a arma de fogo acima descrita, já que para tal não estava autorizado;

35 - Em qualquer caso, os arguidos JL, AJ, FC, JC e CF agiram com vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas e são punidas por lei.

Quanto à determinação da sanção:

36 – Os arguidos F, JL e CF, não têm antecedentes criminais.

37 – O arguido JL já foi julgado no âmbito do PCC --/01.0PEEVR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 5-3-02, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão.

O arguido JL já foi julgado no âmbito do PS ---/07.5GTEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 13-12-07, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 500 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 17-11-07.

O arguido JL já foi julgado no âmbito do PS ---/08.1GTEVR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 30-04-08, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 1 050 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 27-04-08.

O arguido JL já foi julgado no âmbito do PS --/08.0PTEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 17-09-08, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 450 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 13-09-08.

38 – O arguido AJ já foi julgado no âmbito do PCS --/98.6PBEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 17-01-03, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 18 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos.

Estão em causa factos praticados em 19-09-98.

Já foi julgado no âmbito do PCC --/02.2PEEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 18-05-04, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos.

Estão em causa factos praticados em 30-04-02.

Já foi julgado no âmbito do PS --/04.3GFEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 27-10-04, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 540 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 10-10-04.

Já foi julgado no âmbito do PS ---/06.0GDEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 16-05-07, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 240 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 30-07-06.

Já foi julgado no âmbito do PCS ---/06.0PBEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 01-02-08, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 750 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 12-09-06.

Já foi julgado no âmbito do PCS ---/07.9PBEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 24-04-08, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena 800 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 15-04-08.

Já foi julgado no âmbito do PCS ---/06.0PBEVR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Évora, tendo sido condenado, em 12-11-08, pela prática de um crime de ameaça de um crime de dano, na pena de um ano de prisão, suspensa pelo mesmo período.

Estão em causa factos praticados em 11-06-06.

Já foi julgado no âmbito do PA ---/07.6GBELV, do 1º Juízo do Tribunal de Elvas, tendo sido condenado, em 13-02-08, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 600 € de multa.

Estão em causa factos praticados em 01-07-07.

39 – JL é filho de um casal de emigrantes caboverdianos, que tentou em Portugal, condições mais favoráveis a nível económico. Contudo o falecimento de ambos, na sequência de acidente de viação, desencadeou a integração do arguido, aos nove anos de idade, bem como o irmão mais novo, no agregado de familiares (tios), então residentes em Setúbal.

Abandonou a escola aos 14 anos, completando o 7º ano de escolaridade. Após, trabalhou no tio, na construção civil, nomeadamente em Évora, para onde vieram residir.

Aos 18 anos abandonou o agregado familiar, foi viver para Lisboa e foi preso. Após regressou a Évora e viveu com os tios. Pouco depois, iniciou ligação conjugal com SF, união da qual, possui um filho com 4 anos de idade, tendo passado a arrendar habitação.

Apresenta dificuldades de integração comunitária, atendendo a que não possui documentos de identificação, não sendo considerado cidadão nacional.

Em meio prisional, evidencia dificuldade no cumprimento de regras institucionais, tendo já sido alvo de processos disciplinares.

Não tem actividade laboral permanente.

40 – O arguido AJ foi criado pela mãe, sendo que o pai, já falecido, se afastou do agregado familiar, tendo ido residir para Angola.

Evidenciou percurso escolar com sucesso até aos 15 anos, altura em que se desmotivou. Passou a desenvolver trabalhos indiferenciados como ajudante de obras e de carpinteiro de cofragens, em Évora, Faro e Espanha.

Aos 23 anos iniciou vida conjugal com uma jovem, de quem tem 3 filhos de 8, 5 e 4 anos de idade.

À data dos factos, vivia com a mãe (empregada de limpeza) e os três filhos, não desenvolvendo actividade laboral regular.

Em relação aos bens jurídicos em causa, tem dificuldade em reconhecer os danos causados ou percepcionar os efeitos da sua conduta junto das vítimas. Reconhece apenas as consequências negativas da sua reclusão, sobretudo para os seus filhos.

Consumia produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas em excesso.

Tem bom comportamento na prisão e é visitado regularmente pela mãe, companheira e filhos.

41 – CF viveu com o irmão J, na casa de tios, a partir dos 5 anos de idade, após o falecimento dos pais. Num contexto familiar de baixa condição económica, foi encaminhado para a Casa Pia de Évora, onde viveu até aos 18 anos, embora frequentasse com regularidade, o meio familiar dos tios.

Saiu da Casa Pia com o 9º ano completo.

A nível profissional desempenhou várias actividades. Há dois anos, celebrou um contrato de trabalho que lhe veio a proporcionar maior estabilidade.

Desde adolescente que se assume como consumidor ocasional de estupefacientes.

Do seu trajecto vivencial destacam-se dois relacionamentos afectivos, tendo do primeiro nascido uma filha, com quem não reside e tem convivência de proximidade. A segunda união marital teve início há três anos.

À data dos factos residia com a companheira.

Este arguido é Assistente Operacional no Hospital do Espírito Santo de Évora e a companheira é administrativa numa empresa privada, obtendo um rendimento global de 1187€.

Pagam 300€ de renda de casa. O arguido despende 100€ por mês a título de alimentos devidos à sua filha menor.
(…)”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não se detectam – as questões a apreciar são as seguintes:

JL
- Impugnação da matéria de facto
- Violação do ne bis in idem

AJ
- Impugnação da matéria de facto
- Violação do ne bis in idem

CF
- Impugnação da matéria de facto.

Consigna-se, por último, que os arguidos JL e AJ questionam a pena mas como mera decorrência da impugnação da matéria de facto, no estrito sentido de que menos factos (provados) se reflectiriam em pena de menor severidade, e o arguido CF pugna pela absolvição também na pretendida procedência do seu recurso da matéria de facto.

Assim, os três recursos incidem nuclearmente (ou mesmo exclusivamente) na impugnação da matéria de facto, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts 412º, nº3, 428º e 431º do Código de Processo Penal.

Questão prévia:

Impõe-se, no entanto, o conhecimento de uma questão prévia.

Os recorrentes JL e AJ argumentam que os factos 13. a 15. são objecto de um processo que corre termos em Espanha, razão pela qual não podem aqui ser condenados por estes mesmos factos.

Referem-se ao seguinte episódio: “Os arguidos JL e AJ se deslocaram a Espanha, à localidade de Ayamonte, no dia 8 de Abril de 2010; Naquela ocasião adquiriram a indivíduo desconhecido naquela localidade 13 placas de haxixe, com o peso total de 2,600g, que se preparavam para transportar para esta cidade de Évora quando foram interceptados pelas autoridades espanholas e ali detidos e presentes a juízo”

Dos elementos entretanto obtidos, oficiosamente por este Tribunal da Relação, constata-se que os arguidos foram conduzidos a Espanha em execução dos processos de mandado de detenção europeu nº 92/11 (o JL, em 17/04/2012) e nº 93/11 (o AJ, em 14/03/2012), a fim de serem julgados no proc. nº 216/2011 do Juzgado de lo Penal nº2 de Huelva, por um crime contra a saúde pública. De acordo com os mandados de detenção europeu, o julgamento tem por objecto os seguintes factos: por, no dia 08/04/2010, os arguidos circularem num veículo Oppel, em direcção a Portugal, transportando treze placas de 200 gramas de haxixe, com o peso total de 2,900 gramas.

Em 18/05/2012, regressaram a Portugal, tudo indicando terem já sido julgados em Espanha, uma vez que foi com essa exclusiva finalidade que fora pedira e autorizada a sua detenção e entrega.

Muito estranhamente, e apesar da existência daquele processo ser conhecida nos autos – assim se mostra descrita nos factos provados, “os arguidos foram interceptados pelas autoridades espanholas e ali detidos e presentes a juízo” –, é totalmente ignorada na matéria de direito, nada sendo dito sobre este mesmo núcleo de factos objecto de dois processos diferentes (os autos e o processo de Huelva).

Da leitura do acórdão, no seu todo, resulta que o tribunal colectivo considerou, sem mais, todos os factos (provados) como integrantes de um crime de tráfico de estupefacientes cometido por cada um dos arguidos. E por todos esses mesmos factos proferiu condenação e fixou penas.

Os recorrentes afloram muito pertinentemente o problema, sobre o qual o Ministério Público na resposta ao recurso não se pronuncia, nada trazendo aos autos que contrarie a pretensão dos arguidos – a de que os factos repetidos sejam retirados do processo português e não influam nesta condenação.

Assim, há que decidir o recurso com os elementos disponíveis, tanto mais que se trata de processo de arguido(s) preso em que já houve lugar a uma anulação do acórdão de 1ª instância, sendo esta a segunda vez que o processo vem a este Tribunal da Relação, para o mesmo efeito.

O art. 29º, nº5 da CRP impede que uma mesma questão seja de novo apreciada, proibindo que se seja julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

Em Portugal, os arguidos não foram julgados pela prática de nenhum dos factos ora em apreciação.

Mas o art. 54º da Convenção de Aplicação do Acordo Schengen também preceitua que “aquele que tenha sido definitivamente julgado por um tribunal de uma parte contratante não pode, pelos mesmos factos, ser submetido a uma acção judicial intentada por uma outra parte contratante, desde que, em caso de condenação, a sanção tenha sido cumprida ou esteja actualmente em curso de execução ou não possa já ser executada, segundo a legislação da parte contratante em que a decisão foi proferida”.

Pelo que, mesmo que tal não resultasse de norma de direito interno ou nacional, sempre existiria preceito comunitário a disciplinar a perseguição jurisdicional da actividade delituosa transnacional.

Consigna-se, desde já e como ponto prévio, que consideramos não ser caso de reenvio prejudicial. O cruzamento de dois regimes penais de estados europeus e a clarificação do que deva entender-se por mesmos factos, poderia levar à ponderação da questão prejudicial. Decorre do art. 234º do Tratado CE que sempre que uma questão sobre a interpretação do Tratado seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional dos Estados-Membros, “esse órgão pode, se considerar que essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie.”

O reenvio prejudicial serve a interpretação e a aplicação uniforme do direito comunitário e garante aos cidadãos comunitários o acesso à justiça comunitária. Reconhecendo-nos como potenciais destinatários obrigatórios, já que a Relação é, aqui, tribunal da última condenação, considera-se desnecessário suscitar o reenvio prejudicial pois a obrigatoriedade decorreria sempre da verificação cumulativa de duas circunstâncias: necessidade do recurso ao direito comunitário para a resolução da causa e existência de um problema de interpretação desse direito.

E mesmo nos casos em que o recurso ao direito comunitário (ao art. 54º da CA.A.S.) se afigure necessário à decisão da causa, “pode acontecer que essa obrigação perca a sua razão de ser e fique destituída de conteúdo. Isto acontece, designadamente, quando a questão suscitada é materialmente idêntica a outra questão suscitada em processo análogo e já decidida a título prejudicial” (como se diz no Ac. Da Costa en Schaake, de 227.05.63: v. Nogueira Serens, loc. cit., p. 637). Tendo mesmo já reconhecido, expressamente, o Tribunal de Justiça que “a correcta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada”, considerando ser de afastar em tal situação a obrigação do reenvio (no Ac. CILFIT: v. Nogueira Serens, loc. cit., pp. 637-638).

E é o que consideramos ocorrer na situação presente.

Com efeito, a respeito na norma comunitária sub Júdice, no Ac. de 18.07.2007, proc. C-288/05 contra Junger Kretzinger, o Tribunal de Justiça decidiu: “O art. 54º da C.A.A.S. deve ser interpretado no sentido de que: – o critério pertinente para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais entendida como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido”

Também no Ac. de 28.09.2006, proc. C-150/05, Van Straaten, entendera que “O art. 54º da C.A.A.S. deve ser interpretado no sentido de que o critério relevante para efeitos da aplicação deste artigo é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido”. Aí se considerando, ainda, que o ne bis in idem consagrado no art. 54º “que tem por objectivo evitar que uma pessoa, por exercer o seu direito de livre circulação, seja objecto de acção penal pelos mesmos factos no território de vários estados contratantes” se aplica a uma decisão de um estado contratante que absolve um arguido por falta de provas.

E a 09.03.2006, no Proc. C-436/04 contra Van Esbroeck, se decidiu que “o critério relevante para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido”

Neste se acrescentara, também com interesse para a nossa decisão, que “a apreciação definitiva da identidade dos factos materiais cabe às instâncias nacionais competentes, que deverão determinar se os factos materiais em causa constituem um conjunto de factos indissociavelmente ligados no tempo, no espaço e pelo seu objecto”, revelador de que aquilo que se pode pedir ao Tribunal não é que decida o caso concreto.

Por último, o Ac. de 18.07.2007, Proc. C-367/05, contra Norma Kraaijenbrink, que reiterara que “o Tribunal de Justiça já declarou que o único critério relevante para efeitos da aplicação art. 54º da C.A.A.S. é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligados entre si. Daqui decorre que o ponto de partida da apreciação do conceito de mesmos factos na acepção do art. 54º consiste na tomada em consideração de forma global, dos comportamentos ilícitos concretos que deram lugar a acções penais nos órgãos jurisdicionais dos dois Estados contratantes. Assim o art. 54º só se pode tornar aplicável quando a instância chamada a conhecer da segunda acção penal declare que os factos materiais estão ligados entre si, no tempo, no espaço e pelo seu objecto, pelo que formam um conjunto indissociável” (os sumários dos Acs. estão disponíveis em Mário Ferreira Monte, O Direito Penal Europeu. De “Roma” a “Lisboa” – subsídios para a sua legitimação, 2009, pp. 373 ss).

Cumpre pois saber se, de acordo com a norma comunitária, e também em conformidade com o direito nacional, os factos constantes do acórdão recorrido são os mesmos factos objecto do processo em Espanha.

O problema não se resolve com a simples contraposição ou sobreposição naturalística do episódio de vida descrito nos pontos 13. e 14. Ou seja, com o reconhecimento de que os factos provados “Os arguidos JL e AJ deslocaram-se a Espanha, à localidade de Ayamonte, no dia 8 de Abril de 2010; Naquela ocasião adquiriram a indivíduo desconhecido naquela localidade 13 placas de haxixe, com o peso total de 2,600g, que se preparavam para transportar para esta cidade de Évora quando foram interceptados pelas autoridades espanholas e ali detidos e presentes a juízo” são também objecto do processo que corre termos em Espanha.

A identidade de facto releva ou interessa quando simultaneamente constituir identidade de crime. Por outras palavras, interessa, não o facto pelo facto, mas o facto com um conteúdo ou uma consequência normativos.

Importa concretizar e delimitar a situação de vida a que se deve atender para resolver a questão da unidade ou pluralidade de facto e do(s) crime(s), não sem antes esclarecer o critério jurídico que se adoptará.

Temos para nós como boa, por conducente a resultado justo por via de correcta interpretação da lei, a solução proposta por Figueiredo Dias para o problema da clarificação do mesmo crime e sua distinção de crime diverso, de forma a garantir o princípio do ne bis in idem, a proibição da dupla valoração e “o mandato de esgotante apreciação de toda a matéria tipicamente ilícita submetida à cognição de um tribunal num certo processo penal” (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2007, p. 978).

Referimo-nos ao seu critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global, que a partir de 2007 passou a integrar nas Lições, num capítulo (41º) dedicado à unidade e pluralidade de crimes (loc. cit., pp. 977-1041).

Aí esclarece Figueiredo Dias que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal efectivamente aplicável ao caso. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “acção”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.” (loc. cit., pp. 988-989)

E acrescenta que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude (…) . Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto” (loc. cit., pp. 990-991).

No caso sub judice, importará saber não só se os factos em apreciação pelo tribunal espanhol são parte dos que integram o crime da condenação; mas também determinar se tais factos se ligam ainda e em que medida aos restantes factos da condenação.

Pelo que importará sempre proceder à avaliação do comportamento global, não só na recomendação de Figueiredo Dias, mas também na visão do Tribunal de Justiça.

E a complexidade aumenta, no caso presente, atento o tipo de crime e a correspectiva tradução fenomenológica.

O crime de tráfico é um crime exaurido, excutido ou de empreendimento, consumando-se logo no primeiro acto de execução, ou seja, “com a realização inicial do iter criminis” (assim Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Pinto de Albuquerque, José Branco, II, p. 487).

Os subsequentes actos de tráfico serão execução ou continuação de um mesmo crime já iniciado logo no início da actividade.

Assim, “é característica dos crimes exauridos a aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza, uma vez que essa previsão diz respeito a um conceito genérico e abstracto (…). Diversos actos que constituiriam infracções independentes e potencialmente autónomas são, assim, tratados como um único crime, uma única realidade criminal que absorve esses actos. A prática destes crimes decorre normalmente durante lapsos de tempo prolongados e só raramente configura um acto esporádico” (Vaz Patto, loc. cit., ainda com indicação extensa de jurisprudência sobre o crime excutido).

Daqui decorre que os factos objecto do processo espanhol não podem ser simultaneamente objecto do processo português. Mas também implica que tais factos não possam sair isoladamente ou apenas de per si da decisão recorrida.

Na ausência de detenção dos arguidos e consequente instauração de procedimento criminal em Espanha, eles teriam integrado, em conjunto com todos os restantes ora em apreciação, um crime único (de tráfico de estupefacientes). Assim, não podem ser razões meramente processuais ou de procedimento a ditar o número de infracções. O critério terá de ser outro, sempre e só de índole material e substantiva.

Só que os factos ocorridos em Espanha integram um crime, em conjunto com parte dos factos provados constantes do acórdão – são estas todos os ocorridos até à detenção dos arguidos pelas autoridades espanholas.

Assim, os factos que o Ministério Público narrou na acusação, no momento em que por sua iniciativa e responsabilidade construiu o objecto do processo, e tratou como subsumíveis a um tipo de crime são, em parte, coincidentes com os factos apreciados em Espanha.

Estes factos – apreciados no processo de Huelva – são, por sua vez, os mesmos factos-com-conteúdo-normativo (e já não como mera narração naturalística de episódio de vida) que o Ministério Público descreveu mais amplamente ou pormenorizadamente na acusação e que foram, depois, considerados provados no acórdão nos pontos 1. a 15..

Mas o ponto 16. inicia a descrição de factos que integram a prática de novo crime: “16- No cumprimento daquela obrigação os arguidos JL e AJ continuaram a deslocar-se a Espanha, aproveitando tais circunstâncias e ocasiões para adquirirem haxixe que, posteriormente, vendiam nesta cidade aos consumidores nos moldes já indicados; 17 - Assim, no 01/06/2010, os arguidos JL e AJ deslocaram-se a Espanha (…)”

Como se disse, o crime exaurido implica que todos os actos múltiplos se unifiquem num único crime. Só que é imperioso considerar que a intervenção, a dado momento, das autoridades policiais espanholas e a detenção dos arguidos põe termo à execução do primeiro crime de tráfico.

A evidência de uma nova, autónoma e diversa resolução criminosa, por parte dos dois arguidos, posterior à sua detenção - quando decidem efectuar novo transporte de estupefacientes e praticar todos os actos que posteriores - revela estarmos em presença de um novo (segundo) crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º do D.L. 15/93.

A pluralidade da intenção criminosa, critério decisivo para Eduardo Correia (“Unidade e Pluralidade de Infracções”, in a Teoria do Concurso em Direito Criminal,), também aceite ao que aqui interessa por Figueiredo Dias (loc. cit.), afasta a unidade do sentido social da ilicitude e impõe a consideração deste segundo núcleo de factos como crime autónomo.

Assim, há que cindir os factos provados em dois grupos, separando os factos cometidos pelos dois recorrentes até à detenção em Espanha dos factos cometidos posteriormente.

Apenas o segundo grupo relevará para a decisão de direito, como se verá oportunamente.

É certo que haverá factos – penalmente ilícitos – que não serão a se objecto de punição.

Referimo-nos àqueles, imputados a estes dois arguidos, que ocorreram em data anterior à detenção em Espanha. Eles não podem ser separados dos factos em apreciação no processo de Huelva porque conjuntamente com eles integram um mesmo crime, mas não fazem parte do objecto daquele processo; também não podem, em consequência, integrar-se nos factos provados no acórdão, que integram crime autónomo.

A problemática da unidade ou pluralidade de crime não se resolve no puro campo da abstracção ou do exercício sobre normas. Liga-se a uma concreta situação de vida e à razoabilidade da resposta final a que tal exercício nos possa conduzir. E também aqui se mantém actual a lição de Eduardo Correia a propósito dos poderes de cognição do julgador e do âmbito do caso julgado e da consunção de futuras acusações: “ele estender-se-á a todas as actividades que possam ser polarizadas num todo pela concreta violação acusada, tenham ou não sido apreciadas na sentença e quer esta seja condenatória ou absolutória” (loc. cit.).

Pelo exposto, de acordo com o art. 29º, nº5 da CRP, interpretado conforme o direito europeu -no sentido que o Tribunal de Justiça reconhece à expressão de direito comunitário “mesmos factos” – conclui-se que os factos descritos de 1. a 14. de “factos provados” integram o crime contra a saúde pública objecto do processo nº 216/2010 pendente no Juzgado de lo penal nº2 de Huelva, e não podem ser apreciados nos autos contra os recorrentes, nada relevando quanto e eles, assim se salvaguardando o ne bis in idem.

Da impugnação da matéria de facto:

Impõe o art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas. Essa especificação faz-se por referência ao consignado na acta devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (nº4).

O incumprimento destas formalidades, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, obsta ao conhecimento do recurso da matéria de facto, o que não ocorre no caso.

Antes de apreciar as concretas razões explanadas em cada um dos três recursos, cumpre recordar a motivação do acórdão, da qual se terá necessariamente de partir, já que o recurso da matéria de facto pressupõe, não a reapreciação total do complexo das provas, mas a reapreciação da razoabilidade da decisão do tribunal de julgamento quanto aos pontos de facto que o recorrente indica como incorrectamente julgados.

Precisa-se também que da apreciação da questão prévia decorrerá a (re)delimitação do objecto dos recursos de JL e AJ, não cumprindo já conhecer da impugnação dos factos provados descritos de 1. a 14.

Assim, a motivação da matéria de facto apresenta-se como segue:

“O Tribunal deu como assentes os factos descritos nos nºs. 1 a 35 atendendo aos seguintes elementos de prova:

- Depoimento do arguido JL, na parte em que admitiu ser seu todo o produto estupefaciente apreendido na sua casa, bem como a arma encontrada, relativamente à qual não tinha licença de uso e porte.

- Depoimento do arguido AJ, que admitiu ter ido a Espanha comprar haxixe, que transportou no veículo conduzido pelo arguido CF e no qual também seguia o arguido JL. Admitiu ainda que pretendida distribuir o haxixe apreendido pelas autoridades policiais, no referido carro e, com isso ganhar dinheiro.

Apenas não convenceram as declarações deste arguido na parte em que afirmou que os arguidos J e CF desconheciam que transportavam haxixe, porquanto, face ao teor das intercepções telefónicas que infra se indicarão (entre as quais, a 663 do apenso III), resulta das mesmas que o arguido J era seu “sócio” no negócio e resulta do depoimento dos guardas que apreenderam o haxixe que, o cheiro que este produto exalava no carro era de tal forma intenso que ninguém que seguisse no mesmo podia ignorar que havia tal substância no veículo.

- Depoimento do arguido F que admitiu que os produtos estupefacientes, bem como a balança de precisão que lhe foram apreendidos, lhe pertenciam.

Apenas não convenceram as declarações deste arguido, na parte em que referiu que o haxixe era, por ele, destinado somente a consumo próprio, face, à quantidade em causa, ao facto de a balança de precisão ser usada, de acordo com as regras de experiência comum para dividir doses de estupefaciente, para posterior entrega a terceiros e a testemunha PM ter admitido ter consumido haxixe fornecido pelo arguido F.

- Declarações coerentes e credíveis das seguintes testemunhas:

- PM, na parte em que admitiu ter consumido haxixe fornecido pelo arguido FC;

- RP, na parte em que admitiu ter fumado haxixe na companhia dos arguidos AJ, JL e FC;

- DC, na parte em que admitiu ter “trocado” haxixe com o arguido JL;

- ML, na parte em que admitiu ter fumado “charros” de haxixe feitos pelo arguido JL.

- MR, Agente da PSP, que interceptou em Mértola o veículo conduzido pelo arguido CF e no qual seguiam os arguidos A e JL. Referiu que o A vinha ao lado do condutor e o JL, lá atrás. Estavam 29 graus, o cheiro a haxixe era intenso e saía de dentro do carro. Quando o arguido JL saiu do carro, o banco traseiro deslocou-se e viu logo as placas de haxixe. Uma delas devido ao calor, estava colada ao chassis da viatura.

- FF, Chefe da PSP, que abordou a viatura onde seguiam os arguidos A, J e CF. Confirmou que, quando abriram a viatura, sentiu logo um forte odor a haxixe e que quando o JL saiu, o banco traseiro deslocou-se e viu logo o haxixe. Uma placa de haxixe estava colada, com o calor. O JL ía sentado em cima do haxixe.

Na busca que realizou à casa do C, encontrou no quarto de vestir, em cima do guarda-fatos, uma língua de haxixe.

- FP, Agente Principal da PSP, referiu que fez a busca à casa do C e encontrou haxixe em cima do guarda-fato.

- NR, Agente Principal da PSP que viu o arguido F na casa do arguido JL. Na busca à casa do A apreendeu o computador.

- AS, Agente Principal da PSP que apreendeu haxixe, cocaína, munições, uma arma e dinheiro (460 €) na busca efectuada à casa do arguido JL.

Considerou-se ainda o teor da seguinte Prova:

Pericial:
- A resultante do exame de fls. 1229;

- Relatórios periciais efectuados aos telemóveis apreendidos, junto aos autos por apenso e em suporte magnético;

- Relatório pericial relativo ao computador portátil apreendido, junto aos autos por apenso;

Documental:

- Toda a constante dos autos, nomeadamente de fls.3 a 25, 28 a 35, 59 a 78,95 a 103, 105 a 114, 127 a 149, 169 a 180, 192 a 202,230 a 236,248,249,274 a 287,303 a 319,334 a 352,388 a 400,416 a 427,446 a 484,502 a 507,509 a 527,549 a 577,594 a 604,615 a 654, 666 a 680,707 a 712,728 a 761,776 a 802,836 a 851;

- Todo o expediente junto a fls. 852 a 933 (elaborado na sequência de realização de buscas e detenção dos arguidos);

- E, ainda, fls. 1102 a 1113,1138 a 1147 e relatório final de fls. 1363 a 1368;

- Apensos: contendo, transcrições de intercepções, cópias/certidões de decisões judiciais;

- O teor das gravações das intercepções e vigilâncias com recolha de imagens, fixadas nos CD, que fazem parte integrante destes autos.

Em especial, quanto aos pontos 1 a 15 da matéria de facto assente, formou o Tribunal, a sua convicção, recorrendo à análise das intersecções telefónicas levadas a efeito nos nºs. de telefone identificados no ponto 7 dos factos assentes, usados pelo arguido JL e nº de telefone identificado no ponto 9, usado por AJ.

Nos apensos I a VII é possível ler conversas telefónicas entre o arguido JL e um desconhecido (“mestre curandeiro”) a quem o arguido pergunta se pode ir a Espanha, adquirir algo, por diversas vezes durante o período referido.

Nas conversas de 25-11-2009 o arguido pergunta ao “mestre” se pode ir e, posteriormente informa-o, que já regressou. O mesmo género de conversa ocorre em 28-1-2009, 30-11-2009 e 7-12-2009.

No dia 28-11-2009 o JL informa o “mestre” que já chegou, mas que apareceu a polícia. Em 9-12-2009, o “mestre” pede dinheiro a JL, tendo este referido que já depositou algum dinheiro.

Em 10-12-2009, um desconhecido pede um “pronto a vestir” ao arguido JL. No dia seguinte, o arguido barros diz ao “mestre” que o “remédio” acabou e pede ajuda espiritual para sair novamente e adquirir mais.

Em 18-12-2009, JL faz referência a um “sócio”.

Em 22-12-2009, um desconhecido informa JL que o vai esperar no café.

Em 26-12-2009, JL recebe um sms de uma “brazuca” que lhe diz que segunda de manhã lhe dá o resto do dinheiro.

Em 29-12-2009, “Kikas” manda um sms a JL dizendo que lhe falta “fazer uma beca”.

Em 9-3-2010 (apenso II) diz o JL que a polícia o algemou, mas não lhe apanhou nada.

A 10-04-2010, o JL diz ao “mestre” que os apanharam com a “coisa”, em Espanha e que, se fosse cá, já estaria na cadeia.

Diz que foi com um sócio e que tinham quase “3 kg. De sistemas” na respectiva posse. Agora tem que lá ir (Espanha) de 15 em 15 dias.

Em 22-05-2010 disse o JL ao “mestre” que já tinha “movimento” depois de ter estado à espera de um negócio.

Em 19-03-2010 um desconhecido pede a JL a “cena” para pesar (balança).

Em 21-03-2010, ZF ligou a JL perguntando-lhe se ele tinha “isso” com ele. Como a resposta é negativa, diz que se “desenrasca” com o Xandinho (arguido AJ).

Em 5-4-2010, JL perguntou ao “mestre” se pode ir ao outro lado no dia seguinte porque precisa de se orientar. No dia seguinte, o “mestre” diz-lhe que pode ir.

Em 6-4-2010, o JL diz ao “mestre” que exigiu dinheiro a “uma cadela” a que deu “sistema” e aquela não lhe pagou (apenso III).

Em 24-04-2010, E contacto JL que lhe diz para ir ter com um dos rapazes, dizendo que vai da parte dele.

Em 28-4-2010, JL diz ao “mestre” que lá (em Espanha) havia muitos bófias e que não está descansado.

Tem medo de ser apanhado.

Em 14-05-2010 JL diz ao “mestre” que não pode ser apanhado com nada.

Em 18-05-2010, JL diz que tem daquele negócio que ele fuma (haxixe).
No dia 4—5-2010, o arguido AJ diz que foi apanhado em Espanha com umas “cenas”.

Considerando o conteúdo das referidas intersecções telefónicas, os relatos de vigilância existentes nos autos e já identificados, cujo teor foi corroborado pelos depoimentos dos agentes policiais respectivos, face às regras de experiência comum, conclui-se que, no período referido, os arguidos JL, A e F vendiam haxixe que adquiriam a terceiros. À droga em questão vendedores e consumidores davam os mais variados nomes, como é hábito neste meio (“cenas”, “pronto-a-vestir”, “sistemas”).

Quando o JL não tinha, remetia os seus “clientes” para os outros dois “rapazes”. JL ia com frequência a Espanha adquirir haxixe. Antes de ir, perguntava ao seu conselheiro espiritual se o podia fazer. Com o dinheiro da revenda da droga, pagava os “serviços” do “mestre”, até porque, no período em questão, não exerceu actividade laboral regular. O arguido A foi, pelo menos, duas vezes, com o JL a Espanha comprar haxixe. Numa foram ambos detidos em Espanha, noutra, detidos em Portugal, sempre na posse de droga.

Os factos mencionados no nº 15 (detenção em Espanha) foram admitidos pelos arguidos JL e A e mostram-se relatados nas intersecções referidas.

Os antecedentes criminais dos arguidos identificados em 36 a 38, resultam do teor dos respectivos certificados de registo criminal de fls. 1958, 1961, 1978, 1982-1888 e 1992-1988.

As condições sócio-económicas dos arguidos supra referidos resultam do teor dos relatórios sociais respectivos”.

Da impugnação da matéria de facto de JL:

Considera o recorrente que inexiste prova de que os 1.655,23 gramas de haxixe aprendidos em 01/06/2010, no veículo ---GE, em que se deslocava, lhe pertencessem; e de que se dedicasse à venda de estupefacientes durante o período compreendido entre 08/04/2010 e 01/06/2010 (único agora em apreciação).

A estes pontos de facto associa as concretas provas – declarações do co-arguido AJ, que teria assumido a posse em exclusivo do haxixe, e depoimentos das testemunhas consumidoras de estupefaciente, não confirmativos de aquisições de droga ao arguido.

O resultado das provas é de uma evidência tal no sentido das conclusões a que o tribunal chegou, tal como é clara a ausência de razão do arguido, que nos limitaremos, muito sinteticamente a referir:

A prova é apreciada na sua globalidade e da descontextualização de alguns segmentos de prova nada deve extrair-se. E se é certo que o co-arguido confessou a propriedade exclusiva dos 1.655,23 gramas de haxixe, o acórdão revela por que razão esta versão não convenceu – “porquanto, face ao teor das intercepções telefónicas que infra se indicarão (entre as quais, a 663 do apenso III), resulta que o arguido J era seu “sócio” no negócio e resulta do depoimento dos guardas que apreenderam o haxixe que, o cheiro que este produto exalava no carro era de tal forma intenso que ninguém que seguisse no mesmo podia ignorar que havia tal substância no veículo”.

Na verdade, a prova por escutas telefónicas como que narra o desenrolar do acontecimento em primeira voz, ou seja, contado pelos arguidos. É o próprio recorrente que se refere ao AJ como seu “sócio” e do desenrolar das conversações percebe-se que o vocábulo é utilizado em sentido “comercial” e não noutro, como “amigo”. Refere o recorrente “que os apanharam com a “coisa”, em Espanha e que, se fosse cá, já estaria na cadeia; que foi com um sócio e que tinham quase “3 kg. de sistemas; que tem que lá ir (a Espanha) de 15 em 15 dias; em 22-05-2010, diz que já tinha “movimento” depois de ter estado à espera de um negócio”.

E como bem destaca o Ministério Público na sua resposta, o próprio arguido JL quando questionado pela Srª. Juíza Presidente sobre o destino do haxixe e da cocaína encontrados em sua casa no dia 01.06.2010 confirmou que “o haxixe e a cocaína era para si e para algum amigo que o visitasse”; a cocaína encontrada no interior da residência do arguido, por ocasião da busca ali efectuada no dia, 01.06.2010 estava dividida em doses individuais; e depoimentos houve, como os das testemunhas S e DC, confirmativos de aquisições de haxixe a este arguido. Também a testemunha MR (o.p.c.), relatou factos observados em vigilâncias – «entravam indivíduos em casa do JL onde permaneciam dois ou três minutos e voltavam a sair» – comportamento associável ao de compradores de estupefacientes.

De tudo isto, e do texto da decisão, constata-se que existe total conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e diz ter ouvido; que nenhuma das provas é proibida ou foi produzida fora das normas procedimentais que regem os meios de prova em apreciação; que o tribunal justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e valoração dos conteúdos probatórios, atribuindo-lhes consequências racionalmente justificadas, apelando às regras da lógica e da experiência comum.

As provas não impõem decisão diversa da recorrida e não se detectam erros de julgamento.

Da impugnação da matéria de facto de AJ:

O recorrente reconhece nas suas conclusões que praticou os factos descritos nos pontos 17. a 21 dos factos provados do acórdão recorrido.

Ora, atenta a redefinição (supra operada) da matéria de facto aprecianda, praticamente não subsistem pontos de facto impugnados.

Afirma, no entanto, o recorrente que agiu como mero transportador contratado do estupefaciente, o que traduz mais uma sua interpretação dos factos provados do que uma verdadeira impugnação destes.

Interpretação que, no entanto, não colhe. Também aqui é assertiva a resposta do Ministério Público quando respiga da prova o seguinte: o co-arguido JL, referindo-se ao arguido AJ, disse «Ele às vezes podia dar-me um bocado de haxixe»; no dia 17.05.2010, cerca das 22.00 horas, o arguido A recebeu no seu telemóvel com o nº 92xxxx uma chamada telefónica, efectuada pela sua mãe, em que esta diz «há uma Cristiana que diz que tá junta contigo e anda a vender coisa para ti» ao que ele responde «Opa já te disse para não teres essas merdas de conversa comigo ao telemóvel»; no dia 25 de Maio de 2010, cerca das 21.29 horas, o arguido A recebeu no mesmo telemóvel uma chamada efectuada por um desconhecido do seguinte teor «…Fala-me lá se tens aí cenas bacanas! O PJ ligou-me a ver se tinhas mamite» ao que o arguido retorquiu «Assim pelo telefone é zero»; o próprio arguido confessou em julgamento que foi por três ou quatro vezes a Ayamonte, buscar haxixe.

Também aqui há que reconhecer a ausência de fundamento na impugnação e constatar a conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e diz ter ouvido; que o tribunal justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e valoração dos conteúdos probatórios, atribuindo-lhes consequências racionalmente justificadas, apelando às regras da lógica e da experiência comum.
De igual modo as provas não conduzem a decisão diversa da recorrida e não se detectam erros de julgamento.

Da impugnação da matéria de facto de CF:

Este recorrente admite ter sido o condutor do veículo ----GE, que em 01.06.2010 efectuou o transporte de 1.655,23 gramas de haxixe de Espanha para Portugal. Mas considera não ter sido feita prova de que conhecia as intenções dos co-arguidos e sabia do transporte do haxixe.

Também aqui a explicitação da decisão é clara e impõe-se: “o cheiro que este produto exalava no carro era de tal forma intenso que ninguém que seguisse no mesmo podia ignorar que havia tal substância no veículo.” Isto foi referido por testemunha (o.p.c.) que procedeu à intercepção dos arguidos e à apreensão do estupefaciente, tendo descrito a forma como este se apresentava acondicionado – espalhado sob o banco de trás – e o efeito do calor activante do odor. As placas de haxixe estavam simplesmente espalhadas sob o banco traseiro não se encontrando acondicionadas em embalagem que retivesse o odor que delas emanava.

Por último de referir que se estranha a observação do recorrente, de que só um profissional detectaria tratar-se de haxixe. Nas condições descritas, e segundo as regras da experiência comum, é lícito concluir precisamente o contrário, tal como se procede no acórdão. E há que atentar ainda no seguinte facto provado, relativamente à pessoa do arguido: “Desde adolescente que se assume como consumidor ocasional de estupefacientes”.

Inexiste qualquer erro de julgamento.

E tendo o arguido restringido o seu recurso à impugnação da matéria de facto, nada mais há a apreciar, improcedendo na totalidade.

Das consequências da decisão da questão prévia sobre a medida da pena dos recorrentes JL e AJ:

Como se disse, os arguidos recorreram da pena apenas como mera decorrência da procedência da impugnação da matéria de facto.

No entanto, da questão prévia aqui conhecida, e da consequente depuração do dos factos descritos de 1. a 14. de “factos provados” (apenas quanto aos dois recorrentes) por integram o crime contra a saúde pública objecto do processo nº 216/2010 do Juzgado de lo penal nº2 de Huelva, cumpre retirar os efeito desta decisão.

Eles repercutem-se na medida da pena.

Antes, porém, há que reafirmar a integração dos factos sobrantes no mesmo tipo de crime da condenação do art. 21º do D.L. 15/93.

Voltando a Vaz Patto, em anotação ao art. 25º, e fazendo referência ao Ac.STJ de 08.11.2007, “não estamos perante um tipo de crime autónomo, nem um tipo de crime construído a partir de um tipo base aditado de um elemento complementar, descritivo ou meramente normativo, que exprima por si só um menor conteúdo de ilícito, mas antes perante uma forma de atenuação especial (próxima da que decorre do art. 72º do CP), de uma regra especial de medida judicial da pena, que envolve a modificação do tipo em sede de pena, ou simplesmente de uma regra de aplicação de pena. (…) A jurisprudência vem salientando que é relevante a imagem global dos factos em questão na perspectiva do seu grau de ilicitude. As circunstâncias referidas no artigo – “meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias” – indicadas de forma não taxativa – “nomeadamente” – revelam, juntamente com outras circunstâncias, na apreciação dessa imagem global. (…) ” (loc. cit. p. 509).

A comprovada actuação dos arguidos, de nenhum deles, não se apresenta como sendo de pequena pulverização ou disseminação de estupefacientes. Mesmo considerando tratar-se essencialmente (até exclusivamente, no caso do AJ) de haxixe, estupefaciente de menor grau de erosão da saúde pública, o modo de actuação, as quantidades transportadas, as apreendidas e as colocadas em circulação no período compreendido entre 08/04/2010 e 01/06/2010, revelam um ilícito global insusceptível de enquadramento normativo no crime de tráfico de menor gravidade.

Socorrendo-nos de novo das palavras de Vaz Patto, já a propósito da punição do crime do art. 21º do D.L. 15/93, “a jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico de estupefacientes, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição severa. Essas exigências desaconselham, de um modo geral, a suspensão de execução da pena de prisão. Acentuam este aspecto, entre muitos outros, os Ac. STJ de 13.04.2005, 24.10.2007, 15.11.2007, 13.12.2007, 8.04.2008, 18.12.200825.02.2009, todos em www.dgsi.pt” (loc.cit., p. 494)

O crime da condenação é punido com a pena de quatro a doze anos de prisão.

O grau da ilicitude do facto apresenta-se agora como mediano e o dolo permanece directo, intenso e persistente. Revelam-se acentuadas as exigências de prevenção especial, em ambos os casos.

O arguido JL foi condenado em 5-3-02, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão; em 13-12-07, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 500 € de multa; em 30-04-08, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 1 050 € de multa e em 17-09-08, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 450 € de multa.

O arguido AJ foi condenado em 17-01-03, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 18 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos; em 18-05-04, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos; em 27-10-04, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 540 € de multa; em 16-05-07, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 240 € de multa; em 01-02-08, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 750 € de multa; em 24-04-08, pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena 800 € de multa; em 12-11-08, pela prática de um crime de ameaça de um crime de dano, na pena de um ano de prisão, suspensa pelo mesmo período; em 13-02-08, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena 600 € de multa.

Mantém-se superior o grau de culpa do arguido JL, relativamente ao do arguido AJ, sendo de manter a distinção já operada no acórdão.

Tudo ponderado, decide-se reduzir a pena correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º do D.L. nº 15/93, ao arguido JL, para cinco anos e três meses de prisão e, reformulando o cúmulo jurídico efectuado no acórdão, fixar agora a pena única em 6 (seis) anos de prisão.

Reduz-se a pena ao arguido AJ para quatro anos e seis meses de prisão. Achada esta nova pena e atenta a sua medida, impõe-se ponderar da aplicabilidade de pena de substituição, de acordo com o critério geral de escolha da pena dos arts 70º e 50º, nº1 do CP, devendo preferir-se a pena não privativa de liberdade, desde que verificados os pressupostos formais e substanciais de aplicação da pena de substituição.

Impõe-se determinar se a pena de prisão suspensa na execução garantirá as finalidades da punição, assumindo neste momento do processo aplicativo a prevenção especial um papel dominante, mas não exclusivo. Referimos já as condenações sofridas pelo arguido. Especialmente as duas condenações anteriores em pena de prisão suspensa na execução frustram o juízo de possível ressocialização em liberdade então formulado. Compromete igualmente um novo juízo semelhante. Também aqui remetemos para a posição do STJ, já referida supra, considerando que as exigências de prevenção desaconselham, de um modo geral, a suspensão de execução da pena de prisão. Considera-se, por tudo, ser de manter a efectividade da pena de prisão.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido CF, confirmando quanto a ele a decisão recorrida;

Julgar parcialmente procedentes os recursos dos arguidos JL e AJ, embora por outros fundamentos, e, em conformidade:

- Declarar quanto a eles como não escritos e sem nenhum efeito os factos descritos nos pontos 1. a 14. do acórdão;

- Reduzir ao arguido JL para cinco anos e três meses de prisão a pena correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º do D.L. nº 15/93 e fixar a pena única em 6 (seis) anos de prisão;

- Reduzir ao arguido AJ para quatro anos e seis meses de prisão a pena correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º do D.L. nº 15/93;

- Confirmar, no mais, a decisão recorrida.

Custas devidas apenas pelo recorrente CF, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.


Évora, 26.06.2012

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Latas)

http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fec09f4ea0196ff180257a3000397c52?OpenDocument

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