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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS GUARDA DE MENOR - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 28/06/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33/12.4TBBRR.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 28-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I - A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao Código Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei do Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do divórcio – e que geraram grande polémica a nível Nacional - nomeadamente com o fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal da possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge.
II - Igualmente o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou conhecido por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações, podendo dizer-se que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação àquele que vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
III - Entre as alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais salienta-se o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal, com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.
IV - Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do clássico e imperante poder paternal. A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de igualdade, e abolindo as referências explícitas e directas a um poder paternal/maternal nitidamente identificador de um género predominante.
V - De acordo com o novo regime a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.
VI - A guarda será conjunta ou compartilhada (de acordo com a terminologia preferida de alguns Autores) consoante o modo ou a forma como são assumidas as responsabilidades e tomadas as decisões pelos progenitores da criança. Se são conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal circunstância, porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora com um, ora com outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de comum acordo, assim o decidirem.
VII - Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
VIII - Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em que possui a guarda do menor. Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o poder de decisão.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DA COMARCA DO BARREIRO

Instaurou a presente acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, em representação da menor identificada nos autos, de 2 anos de idade, contra seus pais:

- A… e B…

Pedindo que seja regulado o exercício das responsabilidades parentais.

Alegou tão só para o efeito que:

Os pais da menor viveram maritalmente, como se marido e mulher fossem, durante cerca de 6 anos, mas encontram-se separados há cerca de um mês, tendo a menor ficado a viver com a mãe, na morada desta.
E porque os Requeridos não estão de acordo sobre a forma de exercerem as responsabilidades parentais impõe-se efectuar a sua regulação, pedido que formula ao Tribunal.

2. Designada a data para a realização da conferência a que alude o art. 175º da OTM, com a consequente citação dos Requeridos, teve lugar a respectiva conferência de pais.

3. Nessa diligência, presidida pela Juíza “a quo”, os pais da menor lavraram o seguinte acordo:
a) A menor, C…, fica a residir junto do pai e da mãe, com quem passará uma semana alternadamente, uma vez que os pais vivem perto um do outro e a menor tem um grande relacionamento de proximidade com ambos, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores – art. 1906º, nº 1, do CC, com as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro;
b) Esse regime terá início de imediato, sendo que na semana de 20/02/2012 em diante pertence à mãe e a seguinte ao pai e assim sucessivamente;
c) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, uma vez que a menor reside com ambos;
d) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, uma vez que a menor reside com ambos.

4. Acordo que foi homologado por sentença pela MMª Juíza, conforme consta de fls. 10 e 11.

5. Inconformado o Ministério Público Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1. As responsabilidades parentais, cujo conteúdo é estabelecido pelo artigo 1878º do CC, compreende a segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração de bens do menor, sendo que o seu exercício compete aos pais.
2. Quando os pais vivem juntos, quer porque são casados um com o outro ou porque vivem em condições análogas às dos cônjuges, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais, de acordo com o disposto nos arts. 1901º nº 1 e 1911º nº 1 do Código Civil, devendo esse exercício ser levado a cabo de comum acordo, como refere o art. 1901º nº 2 do mesmo diploma legal.
3. Em caso de separação ou divórcio, estabelece o art. 1906º do CC (aplicável aos casos de regulação das responsabilidades parentais de menor filho de progenitores não unidos pelo casamento, por força do disposto no art. 1911º nº 2 do mesmo diploma) que o exercício daquelas responsabilidades continuam a ser exercidas por ambos os pais nos mesmos termos que vigoravam na constância do matrimónio ou da vida em comum.
4. Ainda segundo a mesma disposição legal, o Tribunal deverá fixar a residência do filho e os direitos de visita.
5. No que concerne à fixação da residência do menor, a lei atribui uma importância especial a tal escolha, sendo certo que o progenitor a quem o filho é confiado deve determinar as orientações educativas mais relevantes deste último e o outro progenitor não as deve contrariar, como determina o nº 3 do art. 1906º do CC.
6. Da formulação legal respeitante à regulação das responsabilidades parentais a lei mostra que actualmente, como antes, o legislador não quis permitir aquilo que é vulgarmente designado por “guarda alternada”, ou seja, o facto de a criança viver com cada um dos progenitores durante um período de tempo idêntico.
7. Atribuir duas residências ao menor, uma em cada um dos pais, tornaria a aplicação do disposto no nº 3 do art. 1906º do CC impraticável.
8. Ao redigir o novo texto do art. 19006º do CC, o legislador da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, não admitiu a possibilidade da referida “guarda alternada”, antes tendo em mente a tradicional “guarda única ou singular”.
9. A actual fórmula legal respeitante à regulação das responsabilidades parentais por parte dos pais que vivem separados ou estão divorciados não admite que à criança seja fixada mais que uma residência.
10. A não entender assim e ao homologar um acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais onde se prevê que a residência do menor seja atribuída a ambos os progenitores, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 1878º, 1901º, 1906º e 1911º, todos do CC.
11. Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida e substituída por outra que não proceda à homologação do acordo do exercício das responsabilidades parentais

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Tudo Visto,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II - Os Factos:

- Estão provados os seguintes factos:
1. Os Requeridos são pais da menor C…, melhor identificada nos autos.
2. Os Requeridos viveram um com o outro, como se casados fossem, durante cerca de seis anos.
3. Encontram-se separados há cerca de 3 meses, atenta a data da realização da conferência de pais.
4. Desde então a menor – actualmente com 3 anos de idade – passa um dia com cada um deles.
5. Ambos os pais da menor vivem perto um do outro e a menor tem um grande relacionamento de proximidade com ambos.


III – O Direito:

1. A questão fulcral nos presentes autos centra-se em saber se:
- Deve manter-se a regulação das responsabilidades parentais nos termos em que ambos os pais da menor acordaram entre si e foi homologada pelo Tribunal “a quo” ou se, ao invés, e conforme defende o Ministério Público Apelante, o acordo celebrado é ilegal.

Entende, para tanto, o MP, que o legislador ao redigir o novo texto do art. 1906º do CC, através da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, não admitiu a possibilidade da referida “guarda alternada”, com a criança a viver com cada um dos progenitores durante um período de tempo idêntico, antes teve em mente a tradicional “guarda única ou singular”.
Pelo que, atribuir duas residências à menor, uma em cada um dos pais, viola tal norma.

Entendimento que não pode por nós ser sufragado.
Vejamos porquê.

2. A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao Código Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei do Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do divórcio - que geraram grande polémica a nível Nacional -nomeadamente com o fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal da possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge, nos termos da nova redacção do art. 1773º do CC.
Sem entrarmos na polémica então suscitada e que rodeou toda a discussão e aprovação desta Lei, nem na análise dos novos institutos jurídicos criados e/ou alterados que abarcaram normas do próprio Código Penal - onde se inclui a tipificação como crime do incumprimento repetido e injustificado, por um dos progenitores, do regime estabelecido para a convivência do menor, no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, em caso de recusa, de atrasos ou dificuldades significativas na entrega ou acolhimento do menor, nos termos estipulados pela alínea c), do nº 1, do art. 249º do Código Penal -,
Não pode, contudo, deixar de se salientar, por ser nessa área que a presente questão jurídica se enquadra, que o exercício do poder paternal nos moldes em que se tornou conhecido por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações a ponto de se poder considerar, a par das supra referidas no domínio do regime jurídico do divórcio, que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação àquele que vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
Referimo-nos, pois, às alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais, com o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal e com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.

Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do clássico e imperante poder paternal.
A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de igualdade, e abolindo as referências explícitas e directas a um poder paternal/maternal nitidamente identificador de um género predominante.
E que se reconhece, em abono da verdade, que durante sucessivas décadas assumiu um peso preponderante em relação à mãe da criança, com a balança pendendo para esse lado, e discriminando-se, nesse exercício, a entrega e guarda do menor ao respectivo pai da criança, com a sua denegação a este. [1]

Essa alteração da expressão “poder paternal” por “responsabilidades parentais” resplandece em toda a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, sendo assinalada desde logo pelo seu art. 3.º, que substituiu tal expressão em todas as disposições da secção II do Capítulo II, do Título III, do Livro IV do Código Civil.
Ou seja: todas as normas incluídas no Direito da Família, desde a instituição e regulação das relações jurídicas familiares (art. 1576º e segts do CC), passando pelo estabelecimento da filiação (art. 1796º e segts do CC) e culminando no poder paternal (art. 1877º e segts do CC).
Com a alteração radical dos arts. 1091º a 1912º do CC, em que a referência ao exercício das responsabilidades parentais como pertencendo a ambos os pais constitui uma constante, conforme se extrai da leitura de tais normas.
Paradigmático e referencial no quadro legal traçado do exercício do poder paternal é sem dúvida o art. 1906º do CC, que será por nós analisado nos pontos subsequentes, e no qual se mostra vertida igualmente a ratio que presidiu à alteração do novo regime nesta matéria.

3. Das normas legais citadas pode assim concluir-se que, uma das alterações mais expressivas neste domínio radica na consagração legal da expressão exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens e o conteúdo que a mesma encerra.
Regime que é extensivo aos casais, progenitores da criança, que viveram em união de facto.
E a colocar a criança e os seus superiores interesses no centro do exercício dessas responsabilidades parentais, enquanto sujeito de direitos, e para quem os pais devem assumir as suas responsabilidades, com o respeito pleno pelos seus direitos de modo a assegurar-lhe um são e harmonioso desenvolvimento e crescimento.
Reconhecendo, como regra geral, a ambos os ex-cônjuges ou unidos de facto, a responsabilização pela criação, fruto dessa parentalidade. E já não apenas, como parece querer defender o Ministério Público, o exercício ou a atribuição da guarda e confiança da menor a um só ex-cônjuge ou a um só progenitor ex-companheiro de uma união geradora do ser que o legislador erigiu como carecedor de protecção, de aconchego e de tutela.

Quer isto dizer que, doravante, com a publicação e alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, não mais serão admissíveis ou defensáveis teorias e práticas que desconsiderem ou menosprezem a realidade jurídica subjacente e vertida nesse novo modelo, com a instituição da mudança de paradigma.
Para tanto, em nosso entender, deverão os Tribunais, na análise e aplicação da lei, ao proferir a decisão ao caso concreto, estar atentos, de modo a impedir que as alterações consagradas, pese embora a inexistência de tradição jurídica no nosso Direito, não sejam desvirtuadas por força de interpretações formalistas e descontextualizadas quer do teor e sentido da lei, quer da realidade social actual que o legislador, inovando, expressamente acolheu no ordenamento jurídico Português.

4. Reconhecendo-se, embora, que a Lei nº 61/2008 introduziu no âmbito do Direito da Família essas inovações, que não se extraia desta asserção o reconhecimento de que se tratou de uma concepção criativa por parte do legislador nacional.
Aliás, essa falta de originalidade é apontada pelo Prof. Jorge Duarte Pinheiro, num douto artigo da sua autoria dedicado ao tema, sugestivamente apelidado de “Ideologia e Ilusões no Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais”.
No qual se sublinha que a lei em análise se inspirou nos princípios do Direito da Família Europeu [2], “que foram sucessivamente publicados em 2004 e 2007, e que não vinculando os Estados Participantes, tinham em vista criar no legislador Europeu a adopção de um mesmo modelo”. Tendo a Lei nº 61/2008 acabado por acolher muitos desses princípios.
Tanto assim que o ilustre Professor, ironizando, refere explícita e mordazmente que: “os trabalhos preparatórios” desta lei “foram publicados em inglês…”.
Para concluir, no mesmo tom sarcástico, que:
“O comodismo europeísta do legislador português” traduziu-se no “desprezo de soluções intermédias entre a vida em comum clássica e a ruptura total e definitiva da vida em comum”… [3]

Soluções que a existir – acrescentamos nós – desde que não colidam com os princípios e normativos jurídicos que a Lei consagra, devem ser adoptadas pelos Tribunais na resolução dos casos concretos, após estudo e avaliação da envolvência pessoal, familiar, económica e social que cada situação de per si encerra, optando-se, sem receios, por esses desfechos imaginativos e alternativos.
Sem deixar, contudo, de ponderar os interesses superiores da criança e de atender a todas as circunstâncias relevantes, onde se inclui, naturalmente, o acordo dos pais.
Tal como tenho defendido em diversos Acórdão que relatei, nenhuma decisão a proferir no âmbito de processos desta natureza tendentes a regular o exercício das responsabilidades parentais pode abstrair-se do critério orientador e que constitui o verdadeiro farol que deve nortear o Julgador: o do superior interesse do menor. E aferi-lo em concreto, sopesando devidamente todos os factores que um conceito indeterminado desta natureza envolve, é o grande desafio que se coloca a qualquer Julgador.
Nessa ponderação não se pode alhear das circunstâncias que envolvem a própria vivência da criança, o meio em que está inserida e que tem sido o seu sustentáculo de crescimento e desenvolvimento, a forma como se relaciona, em concreto, com cada um dos respectivos progenitores, …tendo em vista proporcionar ao menor a tranquilidade indispensável ao desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade, … [4]

Assegurando-lhe as condições necessárias para a conservação dessa ligação afectiva e emocional com ambos os pais.

Tanto mais que todo o processo se desenrola sob a égide da jurisdição voluntária, em que, como é sabido, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

5. Importa assinalar que as alterações significativas ao regime jurídico das responsabilidades parentais não se ficaram por aqui.
Tendo o legislador consagrado, como factor regra para esse exercício, que as responsabilidades parentais relativas às questões da vida do filho devem ser exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio (ou na constância da união de facto vivenciada pelos pais da criança antes do término dessa relação).
Regra com assento na nova redacção introduzida ao art. 1906º do Código Civil, que passou a regular, a partir da Lei nº 61/2008, o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, e declaração de nulidade ou anulação do casamento no caso de divórcio ou separação.
E cuja redacção é do seguinte teor:
“1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. [5]
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 e 4 …
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 …
7 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.


6. Do que antecede podemos concluir que:

- Resulta quer do conteúdo da norma legal supra citada, quer da análise dos restantes preceitos legais inseridos na Lei em apreciação, como factores inovadores deste modelo, os seguintes princípios:

1º - O princípio geral, como regra, para os ex-cônjuges, do exercício conjunto das responsabilidades parentais relativamente ao menor, seu filho.

2º - O exercício em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio no que concerne às questões de particular importância para a vida do filho.

3º - Tais regras - de natureza imperativa - devem ser observadas, salvo se o Tribunal, em decisão fundamentada, entender que tal solução é contrária aos interesses do menor.

4º - O Tribunal deve determinar a residência do menor tendo em atenção todas as circunstâncias que se mostrem relevantes.

Para esse efeito impõe-se que pondere, com particular enfoque:
· o interesse do menor;
· o acordo dos pais relativamente ao menor;
· a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro;
· a possibilidade do menor manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores;
· os acordos que os progenitores estabeleçam e que favoreçam amplas oportunidades de contacto entre ambos e o menor, incluindo a partilha de responsabilidades entre eles.


Ou seja: a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.

Com esta última solução a estar indicada naturalmente para aquelas situações em que os pais da criança não cheguem a acordo ou para os casos em que o Tribunal assim o considere conveniente por melhor assegurar os interesses e a segurança da criança.
Devendo, em tal circunstância, fundamentar devidamente a sua decisão.

7. Posto isto, é tempo de incidir a nossa análise sobre as seguintes questões:

- Afinal em que consiste o exercício conjunto das responsabilidades parentais com a guarda conjunta de ambos os progenitores?
- Implicará este regime que as crianças residam alternadamente com ambos?
- E em caso afirmativo não estaremos antes perante uma guarda alternada, inadmissível à face da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro?

Explicitando.

8. Pode dizer-se que, à luz dos normativos legais em análise, o exercício conjunto das responsabilidades parentais exige que todas as questões relevantes da vida da criança sejam tomadas em conjunto pelos progenitores.
A razão de ser da implementação deste regime prende-se com a necessidade de responsabilizar e envolver ambos os pais na vida quotidiana e na educação da criança, de modo a estimular a convivência e o relacionamento mútuos com o menor, depois do divórcio, separação, afastamento ou fim da relação entre o casal que gerou a criança e após essa ruptura conjugal ou de vivência/convivência em situação análoga à dos cônjuges.
E por sua vez incrementa a participação de ambos os pais na vida da criança, com o acompanhamento do seu desenvolvimento e crescimento, permitindo a sedimentação e fortalecimento da autoridade conjunta dos pais.

Nessa envolvência conjunta saem reforçados os interesses da criança com a consequente salvaguarda e protecção dos seus direitos, nomeadamente o direito a conviver com o seu pai e a sua mãe, sem a exclusão de nenhum dos progenitores, impedindo-se, desta forma, que depois da ruptura entre ambos, um deles – aquele a quem não era tradicionalmente confiado o menor – se afaste da vida da criança e se torne um estranho, consequência que a mera fixação de um regime legal de visitas pelo Tribunal e de contribuição mensal para o sustento do filho por si só, como é sabido, não lograva alcançar.

Por conseguinte, as vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respectivos filhos, com a envolvência directa e conjunta de ambos os pais.
Fortalecendo assim a actividade e os laços afectivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental. [6]

A igual conclusão chegou o nosso STJ, podendo ler-se num dos seus Acórdãos que:
“A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu futuro, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os, não obstante a ruptura conjugal, preservando relações de proximidade, e consagrando um regime legal em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser ouvido e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, estando em causa “questões de particular importância para a vida do filho”, que, em regra, passam a ser exercidas em comum e ser objecto de informação recíproca – nº 1 do art. 1906º do Código Civil”. [7]


Aqui chegados importa responder à questão supra equacionada:
- Como é que se desenrola na prática essa responsabilidade e participação activa e conjunta, exercida por ambos os pais, quanto à residência da criança, uma vez que os progenitores deixaram de viver em comum?
- Como se efectiva essa guarda conjunta (de ambos) os progenitores?

É claro que a resposta a estas questões impõe que não se confundam, antes se clarifiquem, os respectivos conceitos de guarda conjunta e guarda alternada.


9. A guarda será conjunta ou compartilhada, de acordo com a terminologia preferida de alguns Autores, consoante o modo ou a forma como são assumidas as responsabilidades e tomadas as decisões (conjuntas) pelos progenitores da criança.
Se são conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal circunstância, porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora com um, ora com outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de comum acordo, assim o decidirem.
O facto de nesse caso a criança residir ora com um, ora com outro dos progenitores, não lhe retira a natureza de guarda conjunta, porquanto o que releva é a realidade que lhe subjaz: a da partilha e compartilhamento da responsabilidade parental por ambos os pais relativamente a todas as decisões que envolvem a vida do seu filho.


Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em que possui a guarda do menor.
Sem auscultar a opinião do outro.
Decisões que abarcam o desenrolar da vida da criança durante todo esse período, na sua rotina diária, quer no domínio escolar, quer nos restantes: quanto às companhias, saídas, diversão, etc.
Não há partilha nem comunhão ou identidade nas decisões entre os progenitores.
Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o poder de decisão. À sua maneira.



A este propósito, explicitando o sentido deste regime, pode ler-se o seguinte:
“A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano escolar, um mês, uma semana ou uma parte da semana… e, consequentemente, durante esse período de tempo, deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder parental”.

No termo desse período, os papéis invertem-se.

“Nesse contexto, enquanto um dos progenitores exerce a guarda no período que lhe foi reservado com todos os atributos que lhe são próprios (educação, sustento, etc.) ao outro se transfere o direito de visitas… E no final, independentemente de determinação judicial, a criança faz o caminho de volta”. [8]

Este tipo de guarda permite apenas “o revezamento de lares” ou “domicílios alternados”, situação em que o pai e a mãe do menor alternam a guarda dos filhos mas decidindo, no período em que com eles estiverem, como se fossem guardião único”. [9]

Não há, neste caso, decisões conjuntas dos pais do menor relativamente à vida quotidiana do filho.
Com os inconvenientes que são reconhecidos no que respeita “à consolidação dos hábitos, valores, e ideias na mente do menor”, com prejuízo para a formação da sua personalidade, face à alternância entre casas e pais, com padrões de vida diferentes.
Daí que Autores, como Maria Clara Sottomayor, defendam que “é inconveniente à boa formação da personalidade do filho ficar submetido à guarda de pais, separados, durante a semana, alternadamente… pois compromete o equilíbrio da criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma”. [10]

O mesmo porém já não acontece na guarda conjunta, porquanto esta, como se viu, nasceu centrada na perspectiva do interesse dos filhos. E exige a colaboração dos pais. Sendo nessa colaboração que reside o regime de exercício compartilhado ou da guarda conjunta em prol e benefício do menor.
Onde as decisões sobre a vida do menor são conjuntas.

Pelo que, no âmbito da guarda conjunta, e diferentemente da guarda alternada, existe somente a mudança de um ambiente físico determinado.
Mas mantêm-se os projectos e decisões em comum, com ambos os pais a partilharem e a envolverem-se no crescimento da criança, pese embora o final da relação conjugal ou de vida em comum.
Assegurando, por essa via, o saudável e equilibrado desenvolvimento da criança, ou do adolescente, sem estarem de costas voltadas, numa aproximação que reduz a conflitualidade nas relações e permite o diálogo sobre as orientações educativas mais relevantes a adoptar em relação ao menor e as questões de particular importância que envolvam a vida deste, nos termos aludidos nos nºs 1 e 3 do art. 1906º do CC.
Não deixando de ser conjunta pelo facto de qualquer um dos progenitores ser confrontado com a necessidade de agir sozinho, porquanto, neste caso, sempre deverá prestar informações ao outro nos precisos termos impostos pelo normativo legal citado.


10. Posto isto e reportando-nos ao caso concreto constatamos que no âmbito do presente processo foi obtido o acordo para o exercício da responsabilidades parentais entre ambos os progenitores da criança.
Acordo que se firmou no sentido do exercício conjunto dessas responsabilidades, nos termos que os autos documentam.
O que denota que não existe entre os progenitores da menor um ambiente de crispação que se projecte na relação com a filha. E permite igualmente inferir que ao privilegiarem uma solução de consenso desta natureza estão simultaneamente a salvaguardar os interesses da menor, sendo certo que, por sua vez, esta só beneficia em manter um contacto estreito e permanente com ambos os progenitores. E não apenas com um deles.

Acordo que obteve decisão favorável do Tribunal “a quo” e que não colide com o preceituado no art. 1906º do CC, na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008.

E assim sendo, não se compreende a razão pela qual o MP pretende ver alterado tal acordo. Nem quais os interesses que podem ter sido infringidos ou violados.

Acresce que a existência desse acordo, além de elucidativo sobre as intenções dos pais – pois revela preocupação em defender os interesses da criança –, está expressamente acolhido na lei.
Com efeito, prevê-se no nº 7 do art. 1906º do CC que:
“O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

Ora, resultando dos autos que:
- foi tomada a decisão em conjunto sobre o exercício das responsabilidades parentais por acordo de ambos os pais,
- existe uma proximidade residencial entre ambos os progenitores, que vivem perto um do outro,
- a menor tem um grande relacionamento de proximidade com ambos os pais,
Não se vislumbram obstáculos de natureza fáctica e jurídica que obstem a que o Tribunal homologue um acordo desta natureza, assegurados como estão os interesses da criança, com a existência dessa relação de proximidade entre os progenitores – e que se estende à relação de proximidade residencial – e em face do comum acordo dos pais.

Por conseguinte, bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu homologar o acordo.

11. Por outro lado, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária – art. 150º da OTM e art. 1410º do CPC - no qual o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita.
Antes se impõe a busca da solução mais justa e oportuna que, ponderando as circunstâncias concretas que rodeiam a vivência pessoal desta família, contemple a salvaguarda dos interesses da menor.
E é com base nessa ponderação que caberá ao Tribunal decidir sem estar arreigado a formalismos e práticas desfasadas do contexto e realidade social actuais, e desajustadas da factualidade que envolve o caso concreto.
Não sendo defensáveis a implementação de soluções que, no passado, eram aplicadas maioritariamente, porquanto nos tempos hodiernos o quadro legislativo e a realidade económico-social são bem diversas daquelas.

12. Salienta-se por fim que, as relações familiares são definidas e desenrolam-se por excelência no seio da própria família e não cabe ao Estado interferir a todo o custo nas relações privadas que os cidadãos adoptem e estabeleçam entre si, convictos de que são as melhores e as mais adequadas para os seus filhos, no quadro de vivência pessoal e social que possuem e querem manter.
Não deve, por isso, o Estado sobrepor-se à sua vontade. Muito menos quando não está em causa a violação de nenhuma norma jurídica ou a defesa da ordem pública.
É aos pais que compete, em primeira linha, escolher o querem para os seus filhos. Perspectivando o melhor que lhe podem dar, dentro das suas possibilidades e do seu saber, quer nas vertentes do foro pessoal, educacional, económico ou quanto às próprias necessidades afectivas e emocionais que visam satisfazer tendentes a alcançar a sua própria realização pessoal.

Sendo inclusivamente discutível e questionável se, no quadro traçado, de amplo consenso e acordo entre as partes, e entre estas e o Tribunal que homologou o acordo, até que ponto, nestas circunstâncias, será legítimo ao MP intervir em sede de recurso…
Razão pela qual se decide, sem mais considerações, julgar improcedente a presente Apelação.

IV – Em Conclusão:
1) A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao Código Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei do Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do divórcio – e que geraram grande polémica a nível Nacional - nomeadamente com o fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal da possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge.
2) Igualmente o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou conhecido por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações, podendo dizer-se que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação àquele que vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
3) Entre as alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais salienta-se o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal, com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.
4) Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do clássico e imperante poder paternal. A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de igualdade, e abolindo as referências explícitas e directas a um poder paternal/maternal nitidamente identificador de um género predominante.
5) Devem, por isso, os Tribunais, na análise e aplicação da lei, e ao proferir a decisão ao caso concreto, estar atentos, de modo a impedir que as alterações consagradas, pese embora a inexistência de tradição jurídica no nosso Direito, não sejam desvirtuadas por força de interpretações formalistas e descontextualizadas quer do teor e sentido da lei, quer da realidade social actual que o legislador, inovando, expressamente acolheu no ordenamento jurídico Português.
6) De acordo com o novo regime a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.
7) A guarda será conjunta ou compartilhada (de acordo com a terminologia preferida de alguns Autores) consoante o modo ou a forma como são assumidas as responsabilidades e tomadas as decisões pelos progenitores da criança. Se são conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal circunstância, porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora com um, ora com outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de comum acordo, assim o decidirem.
8) Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
9) Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em que possui a guarda do menor. Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o poder de decisão.

V - Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação.

- Sem Custas, por delas o MP estar isento.

Lisboa, 28 de Junho de 2012.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] Com inversão, é certo, dessa prática nestes últimos anos, conforme ressalta da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, com a entrega e guarda da criança ao pai.
[2] E que, de acordo com o Prof. Jorge Duarte Pinheiro, ilustre docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “teve como objectivo a harmonização dos Direitos da Família na Europa” de forma que foi “criada a Comissão de Direito da Família Europeu que elaborou os princípios em duas áreas: o divórcio e alimentos entre ex-cônjuges e as responsabilidades parentais” – cf. obra citada, fls. 12.
[3] Neste sentido cf. Prof. Jorge Duarte Pinheiro, in obra citada, pág. 13.
[4] Conclusão vertida no Acórdão que relatei recentemente, em 21 de Março de 2012, neste Tribunal da Relação e Secção, na Apelação nº 8544/09.2T2SNT-A.L1. Embora a questão aí versada se centrasse na análise de uma situação apelidada de “Síndrome de Alienação Parental”, ao abrigo do regime anterior vigente, nem por isso, nesta parte, deixa de manter actualidade.
[5] Os sublinhados são nossos.
[6] Conclusão que pode ser recolhida em Grisard Filho, no seu artigo sobre o “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” em que analisa a Lei Brasileira, que suscita questões de igual natureza conceptual - cf. Waldir Grisard Filho, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.
[7] Neste sentido cf. o Acórdão do STJ, datado de 28/Setembro/2010, relatado pelo Cons. Fonseca Ramos, in www.DGSI.pt.
[8] Sublinhado nosso. Neste sentido cf. Maria Alice Zaratin Lotufo, in “Direito de Família”, 2000, págs. 274 e segts, a quem pertence também a citação que consta do parágrafo anterior.
[9] Cf. Everaldo Cambler, in RT., São Paulo, 2002.
[10] Neste sentido cf. Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 4ª Edição, 2002. Sublinhado nosso.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/13acf4ed1395b8c480257a680032cd79?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 06/08/2012


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2111/11.8TJLSB-B.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06-08-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - Para os efeitos do art. 238/1d) do CIRE, “do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores”, nem mesmo que se prove que, durante esse período [correspondente ao atraso], renegociou créditos anteriores.
II – Não é requisito da exoneração do passivo restante, a existência de um rendimento disponível. Ou seja, mesmo aqueles que não tenham rendimentos ou não tenham rendimentos suficientes para o efeito, podem vir a beneficiar da exoneração do passivo.
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

A 17/10/2011 “A” apresentou-se à insolvência e ao mesmo tempo requereu a “exoneração do passivo restante”.
Por sentença de 14/11/2011, foi declarada verificada, desde Dezembro de 2008, a situação de a insolvência do requerente e em consequência decretada a sua insolvência e admitiu-se, para análise posterior, o pedido de exoneração.
Na assembleia de credores que teve lugar a 23/01/2012, a Srª administradora da insolvência opinou no sentido do deferimento do pedido de exoneração, mas o mesmo veio a ser indeferido com base nos seguintes fundamentos de direito [quanto aos factos serão transcritos mais à frente]:
“A exoneração do passivo restante tem como pressuposto (art. 235 CIRE) o de que as dividas do insolvente não hajam sido pagas integralmente, nos cinco anos posteriores ao do encerramen-to do processo, e exige o requisito de que o devedor tenha perspec-tiva de rendimentos disponíveis para satisfação de parte maior ou menor daquelas (art. 239/2 do CIRE). E com relevo para este mo-mento processual, estatui-se ainda que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido nas situações previstas no art. 238 do CIRE, enumerados de forma taxativa, e que na economia do diplo-ma correspondem a factos impeditivos da pretensão do requerente, isto é em que sobre ele não incide o ónus da demonstração da mesma factualidade na formulação contrária.
E especificando a situação que relevará considerando a maté-ria provada, respigue-se com interesse, que o devedor é pessoa sin-gular não titular de empresa, e nessa medida não está obrigado a apresentar-se à insolvência (art. 18/2 do CIRE), sendo que de harmonia com o disposto no art. 238/1d) do CIRE o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “o devedor não estando obrigado a se apresentar (à insolvência), se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.
Retomando os factos, os que foram trazidos aos autos depois da sentença de insolvência de 14/11/2011 não põem em crise, pelo contrário, o que já naquela dissemos sobre a “gota que faz trans-bordar o copo” da incapacidade do insolvente em solver as suas obrigações, com o vencimento em 2008 da dívida a Millenium BCP, empréstimo ..., liquidada então em 15.669,80€, quando os rendimentos daquele eram prospectivamente, como o serão hoje, da ordem do salário mínimo nacional. E neste quadro, as situações de mora repetidas desde pelo menos 2009, são mera confirmação a posteriori da situação de insolvência verificável pelo menos em Dezembro de 2008, e em que as designadas renego-ciações (sic) das dívidas já então vencidas, sem a demonstração de qual fosse a sua justificação económico-financeira, de antemão se advinhavam meros paliativos destinados a servir o interesse indivi-dual do(s) então mutuante(s) renegociador(es), ou o que este assim julgasse, implicando seguramente o comprometimento do acautelar da posição da generalidade dos credores do insolvente.
E se assim era para terceiros, por maioria de razão no que ao insolvente concerne, isto é, já em Dezembro de 2008 o mesmo bem sabia, ao renegociar dívidas, que não tinha possibilidade efectiva de as solver, ou, na expressão do legislador (parte final da referida alínea d) do art. 238/1 do CIRE), “não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.
Por outro lado, este comportamento de inércia do insolvente, não se apresentando à insolvência até Junho de 2009 (6 meses de-pois de Dezembro de 2008), só o fazendo em 17/10/2011 (data do requerimento inicial), isto é mais de mais de 2 anos depois do termo exigível, permitiu inviabilizar à generalidade dos credores que logo reagissem, designadamente que em finais de 2009 Barclay’s Bank não renegociasse a dívida em mora de 6200€ (cartão de crédito) que em Abril de 2011 já estava de novo em incumprimento agora por 9934,04€, que em 26/05/2010 o BES não contratasse empréstimo de 9.138€, que em meados de 2010 o BNP Paribas Personal Finance, SA, (Cetelem, SA) não renegociasse dois créditos ao consumo em mora que não obstaram ao incumprimento menos de 1 ano depois, em Abril de 2011, de parte de 27.871€.
Em suma, a não observância pelo insolvente do prazo de apresentação tempestiva à insolvência, ocorreu quando ele sabia que não havia perspectiva de melhoria, sendo aquela também causal de prejuízos para os credores. E no caso dos autos em que não existindo bens do insolvente se adivinha o encerramento ime-diato da liquidação, nos próximos 5 anos não existindo previsível rendimento disponível do insolvente, face ao total de dívidas superior a 150.000€, temos para nós a evidente incapacidade do mesmo em pagar a esmagadora maioria (ou mesmo a totalidade) dos seus débitos, não tendo sentido face à lei exonerá-lo do que seja o restante quando nenhum pagamento se vislumbra.
Em conclusão, face à inércia do insolvente no período pos-terior à verificação da situação de insolvência, e face à inexistência pela sua parte de pagamento de qualquer parcela das dívidas por que é responsável, estão reunidos os requisitos de natureza objec-tiva e subjectiva, que desde já o privam do benefício de exoneração do passivo que remanescesse nos 5 anos posteriores ao encerra-mento da liquidação (art. 239 CIRE), indeferindo-se liminarmente o pedido neste incidente formulado.”
O insolvente recorreu desta decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [que se transcrevem ipsis verbis porque, como se verá, está em causa a sua apreciação]:
“Devendo, pelo exposto, concluir-se:
A) Pela revogação do despacho inicial de indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante;
B) Pelo deferimento do pedido apresentado no requerimento de exoneração do passivo restante apesar do insolvente não ter à presente data rendimento disponível para colocar à disposição dum fiduciário para pagamento das dívidas por que é responsável, devendo fixar-se um limite a um eventual e futuro rendimento que venha a ser auferido pelo devedor a partir do qual o insolvente deverá colocar o rendimento acima desse limite à disposição dum fiduciário, em virtude de não ser exigível este requisito para o deferimento da exoneração; e,
C) Por não se ter verificado por parte do insolvente inércia, não tendo este causado pelo facto prejuízos para os credores, devido a ausência de prova de existência de prejuízo e em virtude de várias renegociações feitas por parte do devedor insolvente, com pagamento de juros com taxas mais elevadas.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Neste tribunal de recurso, foi proferido o despacho inicial:
“Nos recursos as conclusões são proposições que sintetizam os fundamentos pelos quais o recorrente pretende a alteração ou anulação da decisão (art. 685-A, CPC), proporcionando um quadro escorreito e preclaro delas, sem prolixidade nem floreados, e, enfim, facultando ao olhar mais atento uma panorâmica do merecimento da sua posição.
São, pois, relevantíssimas, delimitando afinal o objecto do próprio recurso, de tal sorte que a sua deficiência é susceptível de prejudicar o conhecimento do recurso (art. 685-A/3).
Como diz Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., 178 e ss., “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão.
(...) Se o recurso respeitar a matéria de direito, as conclusões devem indicar, de harmonia com o disposto no n.° 2 do art. 685-A: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
(...) Com a RPC2007, a falta de conclusões na alegação determina o indeferimento do requerimento de interposição do recurso [art. 685-C/2b), parte final]. Anteriormente, no ora revogado n.° 4 do art. 690, a falta de conclusões implicava um convite ao recorrente a apresentá-las, sob a cominação de, não oferendo, não se conhecer do recurso.
(...) Se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas não tenha procedido às especificações exigidas pela impugnação da matéria de direito, o relator do tribunal superior (e não o juiz do tribunal a quo) deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada [art. 685-A/3)”.
No caso, o recorrente conclui assim: [a decisão transcreve as conclusões do recorrente, já transcritas acima, pelo que agora se dão por reproduzidas, de modo a evitar repetições].
Ora, no caso, além de não ter indicado a) as normas jurídicas violadas, b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas; e c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada (o que teria porventura remédio por aperfeiçoamento) a forma como o recorrente termina é susceptível de ser vista como omitindo de todo as conclusões, já que remata com pedidos e não com proposições sintetizadoras da sua posição.
Assim, e ao abrigo do disposto nos art. 700/1/b e 704 do CPC notifique as partes para se pronunciarem, querendo, em 10 dias.”
Na sequência, o insolvente veio apresentar novas conclusões.
Foi então proferido despacho, onde, depois de se reproduzir partes do anterior, se acrescentou:
“Ora, sobre o facto de “a forma como o recorrente termina (ser) susceptível de ser vista como omitindo de todo as conclusões, já que remata com pedidos e não com proposições sintetizadoras da sua posição”, o recorrente nada diz.
E efectivamente, não é por se apelidar “conclusões” a certo trecho que este passa a revestir essa natureza; é preciso que se caracterize pela enunciação de ‘proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
E não era isso o que o requerente fazia.
No regime novo, como também se salientou, seguindo a lição de Amâncio Ferreira, op. cit. loc. cit, “com a RPC2007, a falta de conclusões na alegação determina o indeferimento do requerimento de interposição do recurso [art. 685-C/2b), parte final]. Anteriormente, no ora revogado n.° 4 do art. 690, a falta de conclusões implicava um convite ao recorrente a apresentá-las, sob a cominação de, não o fazendo, não se conhecer do recurso.
Poderão ainda as conclusões ser deficientes (se não abrangem toda a matéria, ou se são demasiado extensas, como se o recorrente pouco menos faz que copiar as alegações), obscuras (não se entendendo o seu conteúdo, por não se divisar ou por poder ter vários sentidos), complexa (desde logo sem clareza).
Nesse caso, como também diz Amâncio Ferreira, e se mencionou “(...) se as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas não tenha procedido às especificações exigidas pela impugnação da matéria de direito, o relator do tribunal superior (e não o juiz do tribunal a quo) deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las, sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada (art. 685-A/3)”.
Ou seja, há o vício da falta de conclusões (seja por serem omitidas, seja por se chamar conclusões a algo que manifestamente não o é) e o da deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de indicação das especificações necessárias à impugnação da matéria de direito.
O primeiro não é susceptível sequer de aperfeiçoamento, e implica o indeferimento do requerimento de interposição do recurso.
O segundo admite aperfeiçoamento, nos termos do n.° 3 do art. 685-A do CPC.
O caso presente prende-se, claramente, com a falta de conclusões, já que o recorrente, antes da notificação, não sintetiza as suas razões, mas aponta aquilo que em seu entender o tribunal deve extrair das suas alegações. O que é, no fundo, um pedido.
Isto obsta o conhecimento do recurso.
Diga-se em todo o caso que mesmo que fosse admissível a rectificação a verdade é que o recorrente continua a não indicar a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas, e c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada (art. 685-A/2 e 3). O que o recorrente agora faz é mencionar que não foram violados (por ele) os arts 238/1/d e 239 CIRE. Porém o que cumpriria indicar era as normas violadas pelo despacho recorrido.
Assim, e ao abrigo do disposto nos arts 700/1/b, 704 e 685-A/1, 2 e 3, todos do CPC, atenta a falta conclusões, circunstancia que obsta ao seu conhecimento, não admito recurso.
Custas pelo requerente.”
*
Face a este despacho, o insolvente apresenta reclamação nos termos do art. 417/8 do CPP [sic – a norma correcta era a do art. 700/3 do CPC], requerendo que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, submetendo-se o caso à conferência. E, após transcrever as alegações com as novas conclusões, diz:
“Nestes termos, apresentou o insolvente motivações e conclu-sões, devidamente rectificadas, nos termos do n° 3 do art. 685-A do CPC, conforme tudo o que transcreveu.
Além do mais, indicou o insolvente nas conclusões apresen-tadas as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do insolvente, as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e invocou a norma jurídica que, no entendimento do mesmo, deveria ser sido aplicada.
No caso presente dos autos, estava em questão a correcta interpretação e aplicação da alínea d) do n° 1 do art. 238 e do art. 239 do CIRE, bem como o recurso da sentença [sic] e, consequen-temente, o insolvente, ao apresentar no seguimento do primeiro indeferimento de conhecimento de recurso, veio apresentar, nos termos do nº 3 do art. 685-A do CPC, as suas motivações acompa-nhadas de conclusões rectificadas.
Vem, agora, reclamar para o colectivo, no sentido de obter a revogação do despacho que entendeu que o insolvente não apresentou conclusões, circunstância que obsta ao conhecimento do recurso apresentado, não tendo admitido o recurso apresentado, requerendo-se a revogação da decisão de não admissão do recurso em questão, em virtude do insolvente ter apresentado em tempo as suas motivações e conclusões, conforme transcrição.”
*
Questões que, antes de mais, importa resolver: se o recurso deve ser admitido.
I
Da admissão do recurso
A falta de conclusões
O despacho reclamado não admitiu o recurso, no essencial por entender que faltavam conclusões, já que o recorrente, no recurso, não sintetizava as suas razões, antes apontava aquilo que em seu entender o tribunal devia extrair das suas alegações. O que seria, no fundo, um pedido. Ou, noutra formulação, porque a forma como o recorrente terminava era susceptível de ser vista como omitindo de todo as conclusões, já que rematava com pedidos e não com proposições sintetizadoras da sua posição.
Assim, quanto a esta questão, importa saber se as conclusões apresentadas pelo recorrente, nas alegações iniciais, podem ou não ser consideradas verdadeiras conclusões tendo em conta o seu teor.
Conclusões são, como resulta do nº. 1 do art. 685-A do CPC, a indicação sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
Pelo que, se for possível ver nas conclusões do recorrente, a indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão, as mesmas devem ser consideradas como conclusões.
Ora, pegando naquelas conclusões, delas resulta o seguinte: o recorrente quer que o despacho de indeferimento do seu pedido de exoneração seja alterado no sentido de ser deferido, porque, diz, pode vir a adquirir rendimentos e porque não é requisito legal do deferimento o facto de o insolvente ter rendimentos; por outro lado, não existiu inércia da sua parte, nem foram causados prejuízos aos credores.
Pondo em confronto estes argumentos com os fundamentos do indeferimento do pedido de exoneração invocados no despacho recorrido, pode-se dizer que as razões invocadas pelo recorrente são compreensíveis e põem em causa efectivamente – bem ou mal, para já não interessa - os fundamentos daquele despacho, podendo conduzir à sua alteração.
Assim, apesar de a forma como o recorrente apresenta as suas conclusões, a verdade é que o conteúdo das mesmas é o de verdadeiras conclusões.
Por fim, ao contrário do que diz o despacho reclamado, não se vê que escrever: “Devendo, pelo exposto, concluir-se” seja equivalente a apontar aquilo que o tribunal deve entender, e muito menos que isto seja, no fundo, um pedido. A frase em questão pode ser antes lida no sentido de que o recorrente entende que, do que expôs, qualquer pessoa pode/deve concluir o que de seguida ele conclui.
De qualquer maneira, seria de um extremo formalismo, injustificado, que, devido a esta forma de concluir, se considerasse que não há conclusões.
II
A falta das indicações do nº. 2 do art. 685-A do CPC
Como existiam conclusões nas alegações iniciais, não importa considerar as novas conclusões apresentadas pelo recorrente. Até porque, não tendo sido proferido despacho de aperfeiçoamento, o recorrente não podia, por sua livre iniciativa, apresentar novas conclusões.
Mas o despacho reclamado também diz “que o recorrente continua a não indicar a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas, e c) invocando-se erro na determina-ção da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recor-rente, devia ter sido aplicada (art. 685-A/2 e 3)”.
Mas como o recorrente não foi convidado a aperfeiçoar as conclusões, ele não pode ser censurado por não as ter aperfeiçoado na parte que o despacho reclamado entende que as conclusões poderiam vir a ser aperfeiçoadas.
Resta saber, no entanto, se realmente faltam as indicações que o despacho reclamado diz que não foram feitas.
*
Quanto ao elemento referido na al. c) do art. 685-A/1: ele não tinha que constar pois que o recorrente não diz ter havido erro na determinação da norma aplicada.
Quanto à indicação da norma violada: ela de facto não consta das conclusões iniciais do recurso, mas já consta do corpo das alegações: são as normas dos arts. 238 e 239 do CIRE [note-se que só se está a aproveitar, do corpo das alegações, a indicação das normas violadas, com referência a questões colocadas nas conclusões; não se estão a aproveitar questões que apenas constem das alegações…]. E, por outro lado, que eram essas as normas que o recorrente entendia que tinham sido violadas, decorreria logo do confronto das conclusões com a fundamentação da decisão impugnada. Quer isto tudo dizer que era possível deduzir das próprias conclusões, devidamente contextualizadas com a decisão que o recurso impugnava, quais eram as normas que o recorrente entendia terem sido violadas.
Como lugar paralelo, invoque-se o art. 417/3 do Código de Proces-so Penal que, perante questão idêntica, diz: “se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art. 412, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.” Ou seja, só no caso se não ser possível deduzir quais as normas que o recorrente entende terem sido violadas, é que se deve notificar o mesmo para vir esclarecer a questão.
Quanto à indicação do sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas: ela decorre claramente das conclusões do recurso: as normas em causa deviam ter sido interpretadas como não exigindo que o insolvente tenha rendimentos no momento em que faz o pedido ou em que o mesmo é apreciado e como exigindo que a inércia do insolvente (ao não se apresentar logo à insolvência) cause prejuízos aos credores.
Assim sendo, entende-se que não havia razões para não admitir o recurso, porque as indicações que se dizem em falta afinal existem ou podem ser deduzidas. E, caso se entendesse o contrário, devia, nesta parte, ter havido um convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
Por fim, diga-se que, concorde-se ou não com isso, “estes preceitos [aqueles que impõem as indicações que agora estão em causa] têm um valor pouco mais do que indicativo, pois a falta de menção das normas violadas, ou do sentido com que as utilizadas deveriam ter sido aplicadas, não produz nenhuma consequência efectiva relevante. Com efeito, entende-se normalmente que o tribu-nal não precisa de ordenar às partes que venham aos autos suprir a falta de indica-ção das normas pertinentes nem o seu teor ou entendimento com que deviam ter sido aplicadas.
Isto porque o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à inda-gação, interpretação e aplicação das regras de direito (jura novit curia), e por isso tem o dever de conhecer a lei. […] na prática, é aquela presuntiva omnisciência jurídica do juiz que tem feito carreira, entendendo-se que a falta de indicação do direito violado não prejudica a delimitação do objecto do recurso […]” (O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, João Aveiro Pereira, http://www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf.
Pelo que há que apreciar o recurso, o que se passa a fazer.
III
Questões que importa resolver quanto ao objecto do recurso: se está preenchido o requisito “prejuízo” da previsão normativa [art. 238/1d) do CIRE] do indeferimento do pedido de exoneração; se também é requisito do deferimento de tal pedido o facto de o insolvente ter um rendimento dispo-nível, requisito que o despacho recorrido extrai da norma do art. 239/2 do CIRE.
É certo que o recorrente, no corpo das alegações, levanta outras questões:
Assim, por exemplo, apesar de não ter recorrido da decisão da matéria de facto, e de se não se referir sequer ao facto dado como provado no despacho recorrido, relativo à mora em relação ao crédito do BCP, desde 2008, ele diz que foi sempre efectuando pagamentos conforme demonstrado nos autos. Por outro lado, ainda no corpo das alegações, põe em causa a data da verificação da insolvência…
Mas aquilo que não é levado às conclusões não é objecto do recurso: arts.684/3 e 685-A/1, ambos do CPC…, mesmo que conste do corpo das alegações. E por isso não há que tomar em conta estas potenciais questões. Neste sentido, apenas por exemplo, os acs. do STJ do 17/05/2011 (3813/07.9TVLSB.L1.S1): “É constante, e unânime, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores de que não podem ser tomadas em conta pelo tribunal de recurso as questões não incluídas nas conclusões da alegação, ainda que versadas no respectivo corpo alegatório.”
Ainda no corpo das alegações, o recorrente refere-se a um lapso de escrita - 2001 em vez de 2011 - em relação ao crédito do Barclay referido em I1), mas este é por demais evidente e seria oficiosamente corrigido, mesmo sem esta referência do recorrente].
IV
Quanto ao objecto do recurso
Já acima foi transcrita a fundamentação de direito do despacho de indeferimento do pedido de exoneração do passivo, pelo que, agora sinteti-camente, diga-se que a argumentação do despacho é, no essencial, a seguinte:
Pelo menos desde Dezembro de 2008, depois do vencimento de um empréstimo de 15.669,80€, tornou-se evidente a incapacidade do insolvente em solver as suas obrigações, já que os seus rendimentos eram então, da ordem dos 470€ mensais. Ora, não se tendo apresentado à insolvência até Junho de 2009 (6 meses depois), só o fazendo em 17/10/2011, isto é, mais de mais de 2 anos depois, permitiu inviabilizar à generalidade dos credores que logo reagissem, designadamente que em finais de 2009 Barclay’s Bank não renegociasse a dívida em mora de 6200€ (cartão de crédito) que em Abril de 2011 já estava de novo em incumprimento agora por 9934,04€, que em 26/05/2010 o BES não contratasse empréstimo de 9138€, que em meados de 2010 o BNP Paribas Personal Finance, SA, (Cetelem, SA) não renegociasse dois créditos ao consumo em mora que não obstaram ao incumprimento menos de 1 ano depois, em Abril de 2011, de parte de 27.871€ (logo causou prejuízos aos credores preenchendo a previsão do art. 238 do CIRE).
Por outro lado, a exoneração do passivo restante exige o requisito de que o devedor tenha perspectiva de rendimentos disponíveis para satisfação de parte maior ou menor daquelas (art. 239/2 do CIRE). Não existindo previsível rendimento disponível do insolvente, é evidente a incapacidade do mesmo em pagar os seus débitos (superiores a 150.000€), pelo que não faz sentido exonerá-lo do que seja o restante quando nenhum pagamento se vislumbra.
Importa saber se isto é assim, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito.
*
Os factos dados como provados foram os seguintes:
A) Em 19/10/1954 nasceu o insolvente, actualmente com o estado civil de divorciado.
B) Em 04/04/2001 foi inscrito no registo o contrato de sociedade de “B” — Comércio de Artigos Novos e Usados, Lda, com o capital social de 5000€, em que o insolvente não era sócio e foi nomeado gerente por deliberação de 15/10/2001.
C) Em 09/07/2003, o insolvente acordou (como mutuário) com Banco Cetelem, SA, relação de mútuo “Crédito Pessoal”, contrato n° ..., no montante de capital de 6000€, pelo prazo de 36 meses (até Junho de 2006), à taxa de 18,90% ao ano, com reembolso em 36 prestações mensais, incluindo amortização de capital e juros remuneratórios, todas estas no mesmo valor de 217,14€.
D) Por referência ao ano de 2007, o insolvente declarou para efeitos de IRS, o rendimento global de 5642€.
E) Em 08/02/2007, acordou (como mutuário) com Banco Cetelem, SA, relação de mútuo “Crédito Pessoal”, contrato n° ..., no montante de capital de 35.000€, pelo prazo de 84 meses (até Janeiro de 2014), à taxa de 10,47 % ao ano, com reembolso em 84 prestações mensais, incluindo amortização de capital e juros remuneratórios, todas estas no mesmo valor de 621,32€.
F) Em data do ano de 2007, o insolvente acordou em relação de crédito (para financiamento de actividade empresarial) com Milienium BCP, contrato n° ..., ser garante fiador das obrigações de “B”, Lda”, valor de capital não inferior a 12.641,62€.
G) Em 30/10/2007 foi inscrito no registo o contrato de sociedade de “C”, SA, com o capital social de 50.000€, sendo o insolvente nomeado administrador único.
H) Por referência ao ano de 2008, o insolvente declarou para efeitos de IRS, o rendimento global de 5964€.
I) Por referência ao ano de 2009, o insolvente declarou para efeitos de IRS, o rendimento global de 5400€.
J) Em 17/03/2009, o insolvente acordou em relação de crédito com Banco BES, SA, contrato n° ... (CI — Crédito Individual para financiamento de actividade empresarial), ser garante avalista das obrigações de terceiro, valor de capital de 98.000€.
L) Em data anterior a 29/09/2009, o insolvente acordou relação de crédito com Citibank International, plc, contrato cartão de crédito n° ..., em que, em 29/09/2009, o insolvente declarava ao credor estar sobreendividado e apenas poder pagar mensalmente importância até 175€, para amortização de dívida já vencida em montante não determinado.
M) Em data anterior a 23/11/2009, o insolvente acordou relação de crédito com Citibank internacional, plc, contrato cartão de crédito nº. ..., em que em 23/11/2009 o saldo devedor total era de 9781,05€, sendo o vencido no montante de 5435,53€.
N) Em data anterior a 14/11/2009, o insolvente acordou relação de crédito com Barclaycard, contrato cartão n° ..., em que em 14/12/2009 o saldo devedor vencido era no montante de 5631.54€.
O) Em data anterior a 28/09/2009, o insolvente acordou relação de crédito (crédito automóvel) com Banco Credibom SA, contrato n° ..., e naquela data comunicou ao credor que em função da sua situação “nestes últimos meses” não estava em condições de cumprir as obrigações assumidas, pagamento de 1208,06€, solicitando a renegociação daquele.
P) Ao que Banco Credibom, SA respondeu por carta de 04/11/2009, acordando a alteração de contrato com aumento do prazo, fixando a última prestação para 13/05/2014.
Q) Em 14/12/2009 na relação de crédito com Banco Credibom, SA, contrato nº ..., o insolvente era devedor de valor vencido de 1253,06€.
R) Em 15/12/2009 na relação de crédito com Banco Credibom, SA, contrato n° ..., o capital por amortizar era no montante de 49.456,13€.
S) Em 15/12/2009 na relação de crédito com Banco Credibom, SA, contrato n° ..., este aceitou proposta do insolvente para alargamento do prazo de amortização por um período de 36 meses, até 13/05/2017.
T) Em data anterior a 12/01/2010, o insolvente acordou com Master D, aquele cliente n° ... deste, prestação de serviços, em que nessa data o saldo devedor vencido era no montante de 1.576€, e então o credor advertiu-o de que a não pagar este em breve, se venceriam imediatamente as prestações vincendas.
U) Em 31/01/2010, no âmbito da relação de crédito com Banco BES, SA, contrato n° ... (CI — Crédito Individual), estava vencida a obrigação de capital em montante não
determinado, e juros moratórios e despesas, para cuja falta de cumprimento e advertência de recurso a via judicial, o insolvente foi notificado pelo credor por carta da mesma data.
V) Por referência ao ano de 2010, o requerente declarou para efeitos de IRS, o rendimento global de 5700€.
X) Em 26/05/2010, o insolvente acordou relação de crédito em que é titular com Banco BES, SA, contrato n° ... - n° .../0000000000..., crédito individual reestruturado - valor de capital de 8871,12€.
Z) Em 02/08/2010, no âmbito do contrato nº ... - n° .../0000000000..., crédito individual reestruturado, não foi paga a prestação de reembolso do mesmo com o n° 2, no valor de 199,40€ [corrige-se, ao abrigo dos arts. 712/1a) o CPC, o lapso de escrita, tendo em vista o documento de fls. 160] com vencimento nessa data para cuja falta de cumprimento, com a advertência de a subsistir aquela se vencerão todas as prestações em dívida (de 8763,89€), o insolvente foi notificado pelo credor por carta de 05/08/2010.
A1) Em 25/10/2010, no âmbito da relação de crédito com Millenium BCP, contrato n° ..., estava vencida a obriga-ção de capital de 12.641,62€ e juros moratórios e despesas, para cujo não cumprimento o insolvente foi notificado pelo credor por carta da mesma data.
B1) Em 19/12/2010, no âmbito da relação de crédito n° ... com Banco BES, estava vencida uma prestação de reembolso no montante de 894,80€, para cujo não cumprimento o insolvente foi notificado pelo credor por carta da mesma data, que o advertia que caso não satisfizesse em 10 dias o valor em dívida, o contrato seria denunciado com exigência judicial da totalidade do valor mutuado ainda não reembolsado, juros e despesas.
C1) Em 18/01/2011, no âmbito do relação de crédito nº. ... com Banco BES, este no considerando da denúncia do mesmo, por carta da mesma data interpelou o insolvente a reembolsar a totalidade do capital em dívida, e o pagar os juros moratórios e despesas.
D1) Em data anterior a 14/04/2011, o insolvente acordou relação de crédito com Barclaycard, contrato cartão n° ..., em que o saldo devedor vencido em 14/04/2011 era no montante de 6733,66€.
E1) Em data anterior a 10/09/2011, o insolvente acordou em relação de crédito com Montepio, contrato nº ..., ser garante fiador das obrigações de terceiro, valor de capital não determinado, em que por carta daquela data, o credor o notificou da situação de mora, e concedendo um prazo de 15 dias para pagamento voluntário, sob pena de processo judicial.
F1) Em 28/09/2011 foi proferida sentença declarando insolvente a “C”, SA (por apresentação).
G1) Em 14/10/2011 “B”, Lda, apresentou-se à insolvência, em requerimento subscrito pelo gerente (o insolvente).
H1) Em 17/10/2011 foi proposta a acção de insolvência.
I1) Nesta data, o insolvente é devedor das obrigações já vencidas seguintes:
-- a Fazenda Nacional, de coimas e Custas, de 208,89€;
-- a Millenium BCP, empréstimo ..., contratado em meados de 2006, com importância em mora desde 2008 de 15.669€;
-- a BES, SA, avalista de empréstimo parte do financiamento n° FEC .../09, contratado em meados de 2005, com prestações em mora desde 2010 de 79.018€, e de prestações de 1173€ e de 815€ com mora desde Abril de 2011, e empréstimo contratado em 26/05/2010, com prestações em mora desde Abril de 2011 de 9138€, somando 90.937€;
-- a Banco BPI de utilização de cartão Makro, conta cartão n° ..., em mora desde 29/06/2011 de 446,57€;
-- a BNP Paribas Personal Finance (Cetelem, SA):
a) - netbanking - cartão de crédito contratado em meados de 2004, renegociado em Janeiro de 2011, em mora desde Abril de 2011, 451,10€;
b) financiamento de crédito ao consumo contratado em 09/07/2003 por 6000€, com prestação mensal de 217,14€ (contrato nº. ...), com prazo até Junho de 2006;
c) financiamento de crédito ao consumo contratado em 08/02/2007 por 35.000€, com prestação mensal de 621,32€ (contrato nº ...), com prazo até Janeiro de 2014;
d) ambos os indicados em b) e c) em mora e renegociados conjuntamente em meados (…) de 2010, e em incumprimento desde Abril de 2011 de parte de 27.671€;
todos somando 28.755€.
-- a Barclay’s Bank de dívida de cartão de crédito de 6200€ em mora em finais (...) de 2009, renegociado então, em mora desde Abril de 2011 de 9943,04€;
-- a Montepio Geral Caixa Económica de contrato de 2007 (...) de crédito ao consumo de terceiro, em que foi avalista, em mora desde Junho de 2011 de 1981,18€;
-- a Citibank de contrato de cartão de crédito nº. ..., contratado em meados (...) de 2008, em mora desde Abril de 2011 de 3057€;
-- a Banco Credibom, SA, de crédito ao consumo Key Club, contratado em meados (...) de 2007, em mora desde Julho de 2011 de 2578,47€;
-- a Master Distância de contrato de 2008 de prestação de serviços, com pagamento em prestações, em mora desde 20/07/2011 de 1733€:
Tudo somando 155.762,61€
J1) Nesta data as sociedades comerciais, “C”, Lda e “B”, Lda, em que o insolvente desempenhou funções de gerente já foram declaradas insolventes, e são as mesmas devedoras:
- à Fazenda Nacional de 11.377,60€;
- à Segurança Social de 67.647,01€;
- a Município de Lisboa, de 4201,99€;
aguardando os autos respectivos a declaração de reversão contra o insolvente.
LI) Nesta data o insolvente não é titular de quaisquer bens, está desempregado e não aufere subsídio da segurança Social, e o mesmo vive maritalmente com senhora que não tem rendimentos regulares, sendo as despesas base do agregado em alimentação habitação, vestuário, e diversos, de 1440€ por mês, ou 720€ por pessoa.
*
Pondo estes factos – na parte que dizem respeito aos créditos - por ordem cronológica e sistematizando-os num quadro, o resultado é este:
Nº. Credor Natureza do crédito Data do contrato Montantes em dívida Factos
1 Cetelem Crédito pessoal de 6000€ - a prestação mensal era de 217,14€ 09/07/2003 – 36 meses (até Junho de 2006) C)
2 Cetelem Cartão de crédito Meados de 2004 – renegociado em Janeiro de 2011 Em Abril de 2011 estavam em dívida 451,10€ I1)
3 BES Fiador de 3º Meados de 2005 Em 31/01/2010 foi notificado da falta de cumprimento de 79.018€ J) e U) e I1)
4 Millenium BCP Fiador da “B” Meados de 2006 Em mora desde 2008, no valor de 15.669€ F) e A1), I1)
5 Cetelem Crédito pessoal de 35.000€
A prestação mensal era de 621,32€ 08/02/2007 – 84 meses (até Janeiro de 2014)

Os créditos da Cetelem de 6000€ e 35.000€ foram renegociados conjuntamente em meados de 2010 Estão em incumprimento desde Abril de 2011 - 27.671€ E), I1)
6 Montepio Fiador / avalista de crédito ao consumo de terceiro 2007 Em mora desde Junho de 2011, no valor de 1981,18€ E1) e I1)
7 Credibom Crédito ao consumo Key Club 2007 Em mora desde Julho de 2011 no valor de 2578,47€ I1)
8 Master D prestação de serviços 2008 Em mora desde Janeiro de 2010; valor 1733€ T) e I1)
9 Citibank Cartão de crédito Meados de 2008 Em 14/12/2009 já estavam vencidos 5631,54€
Em 29/09/2009 declara só poder pagar 175€ mensais
Em Abril de 2011 estavam em dívida 3057€ L), N) e I1)
10 Credibom Crédito automóvel no montante de 49.456,13€ Em data anterior a 28/09/2009

Renegociado em finais de 2009 – a última prestação passou para 13/05/2017 Valor vencido de 1253,06€ O), P), Q), R), S)
11 Barclay / Citibank Cartão de crédito Em data anterior a 23/11/2009 Em 23/11/2009 já estavam vencidos 5435,35€
Em Abril de 2011 o saldo devedor vencido era de 9943,04€ M), D1) e I1)
12 BES Crédito individual reestruturado
8871,12€

Prestação mensal de 199,40€ 26/05/2010 Em 19/12/2010 estavam em dívida 894,80€
Em Abril de 2011 estavam em mora 9138€ X), Z), B1), C1), I1)
13 BPI Cartão makro Em 29/06/2011 estavam em mora 446,57€ I1)
14 Fazenda Nacional Coimas e custas 208,89€ I1)
*
Posto isto, repita-se, antes de mais, que o insolvente não recorreu da matéria de facto.
Por outro lado, dos autos não constam elementos de prova que imponham a alteração [para além daquela a que se procedeu acima…] ou o aditamento dos factos.
Por fim, a data da insolvência, avançada pelo despacho recorrido, é correcta: pelo menos desde tal data (Dez 2008) – em que o insolvente já estava a pagar prestações mensais superiores ao rendimento mensal que auferia (próximo do salário mínimo nacional mas apenas em 12 meses por ano) e estava em mora no pagamento de uma dívida de cerca de 16.000€ – o insolvente não podia cumprir as suas obrigações vencidas.
E o insolvente não discute nada disto [nas conclusões do recurso…].
V
Do prejuízo para os credores
Aquilo que o insolvente põe em causa [nas conclusões do recurso…] é a argumentação do despacho recorrido de que a sua conduta, ao só se ter apresentado à insolvência em 17/10/2011, isto é, mais de mais de 2 anos depois de tal situação, permitiu inviabilizar à generalidade dos credores que logo reagissem.
Ou seja, no entender do despacho recorrido, de 01/01/2009 a 17/10/2011 o insolvente teria actuado em prejuízo objectivo dos credores, o que seria demonstrado pelo seguinte: durante tal período houve renegociações de dívidas e mesmo a constituição de uma nova dívida (: “em 26/05/2010, o BES “contraiu” empréstimo de 9138€”).
*
Quanto a isto – prejuízo para os credores, decorrente da apresentação tardia - diga-se o seguinte:
A constituição de uma nova dívida, no período subsequente à situação de insolvência, seria um bom argumento no sentido de demonstrar a causação de prejuízo aos credores: se alguém cai numa situação de insolvência e em vez de se apresentar à insolvência vai contrair novos empréstimos, está a prejudicar o novo credor - visto que logo aquando da constituição da dívida o novo credor não terá possibilidade de obter o cumprimento da obrigação do insolvente – e os antigos credores - que vêem a possibilidade de receber o seu crédito proporcionalmente reduzida com a existência da nova dívida. E, por isso, a conduta deste insolvente poderia ser qualificada de censurável [seria uma situação parecida com a do ac. do TRC de 22/03/2011 (1651/10.0TBFIG-C.C1 – todos os acórdãos são citados através da base de dados do ITIJ) que, por isso, até entendeu verificada a previsão da al. e) do nº. 1 do art. 238 do CIRE].
Mas a verdade é que não foi constituída nova dívida. Isto é, o BES não contraiu (ou melhor: não concedeu) um empréstimo em 26/05/2010: o facto a que se refere o despacho recorrido fala num crédito reestruturado, o que implica que se trata de um crédito já existente, não se sabe desde quando.
*
Quanto à renegociação de dívidas, só por si, sem mais nada, não implica, prejuízo para os credores: nem para os que acordaram na renegociação – que nada indica que se tenha traduzido numa diminuição da dívida (podendo ter havido apenas um prolongamento do prazo de pagamento) -, nem para os que continuam titulares de créditos não renegociados e que por isso continuam a ser titulares dos mesmos direitos.
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Assim, considera-se que não está verificado o requisito do prejuízo previsto pelo art. 238/1d) do CIRE para o indeferimento.
VI
Da falta de rendimento disponível
Quanto ao argumento – do despacho recorrido – de que a exoneração do passivo restante exige o requisito de que o devedor tenha perspectiva de rendimentos disponíveis para satisfação de parte maior ou menor das dívidas:
Antes de mais diga-se que não tem suporte factual a afirmação depois feita no despacho recorrido de que o devedor não tem perspectiva de rendimentos disponíveis. Os factos dizem que ele não tem rendimento disponível e nada mais; não tem agora, quanto ao futuro nada se diz.
Assim, se o requisito fosse o da perspectiva de rendimentos dispo-níveis, não se poderia dizer que ele estivesse preenchido, ao contrário do que diz o despacho recorrido.
Mas o despacho recorrido terá antes querido pôr a questão que também é colocada pelo ac. do TRC de 13/09/2011 (579/11.1TBVIS-D.C1) e que é a seguinte:
“[…] a não se relevar a alusão à exoneração do passivo restante, referên-cia que tem ínsita a necessária satisfação de pelo menos algum passivo, permitin-do o funcionamento do instituto em análise mesmo em casos em que à partida se sabe que não se logrará qualquer satisfação do passivo, agravando-se mais ainda o passivo por força das despesas com o fiduciário (art. 240 do CIRE), afigura-se-nos que tal regime constituirá uma ofensa desproporcionada e injustificada dos direitos do credores, incurso em inconstitucionalidade material por conjugação dos artigos 18/2 e 62/1, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, entende-se que o deferimento inicial do requerimento para exoneração do passivo restante depende não apenas da não verificação dos fundamentos de indeferimento previstos no artigo 238º do CIRE, mas também, pelas razões já antes aduzidas, numa interpretação teleológica e em conformidade com a Constituição, da verificação da satisfação de um mínimo do passivo existente, mediante a liquidação do activo existente e pela cessão do rendimento disponível durante cinco anos.”
Posto isto:
Quer o despacho recorrido, quer o ac. do TRC não invocam nem doutrina nem jurisprudência no sentido do por eles defendido.
E se bem se reparar, do disposto no art. 239/2 do CIRE (invocado no despacho recorrido) não decorre tal requisito.
O que a lei diz é que, tendo o insolvente rendimento disponível, o mesmo considera-se cedido a um fiduciário. Não o havendo, o mesmo não pode ser cedido e a lei não diz que, nesse caso, a exoneração não pode ser deferida.
Aliás, se a interpretação da norma feita pelo despacho recorrido fosse a correcta, então o regime da exoneração do passivo restante não se aplicaria precisamente àqueles em relação aos quais mais se justificaria que fosse aplicado, ou seja, àqueles que nada têm ou têm muito pouco, e apli-car-se-ia apenas àqueles que tivessem rendimentos superiores ao razoavel-mente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Esta solução traduzir-se-ia, por isso, numa solução inconstitucio-nal, por violação do princípio da igualdade: situações mais graves, embora quanto ao resto idênticas a outras, teriam um nível de protecção inferior a estas outras situações menos graves: suponha-se um indivíduo solteiro que precisa, para viver, de 400€ mensais e que recebe um salário de 500€ mensais. Tem um rendimento disponível de 100€ e por isso poderia vir a beneficiar da exoneração. E agora suponha-se um outro indivíduo solteiro que também precisa, para viver, de 400€ mensais e que recebe um salário de 400€ ou que nada recebe, por estar desempregado: este indivíduo já não poderia vir a beneficiar da exoneração.
Para além disso, recusando-se a quem não tem rendimentos dispo-níveis a possibilidade de vir a beneficiar da exoneração do passivo restante, está-se ainda a desconsiderar que o artigo invocado, 239 do CIRE, pode ser lido, de forma perfeitamente natural e lógica, como também estatuindo para a hipótese de alguém que está desempregado ou que não tem rendimento disponível poder vir a mudar de situação, caso em que, passando a ter rendimento disponível, o mesmo se passa a considerar cedido ao fiduciário. Pelo que, também a ele lhe deverá ser dada a hipótese de vir a beneficiar da exoneração do passivo.
No mesmo sentido, vai o ac. do TRP de 18/06/2009 (3506/08.0TBSTS -A.P1) citado pelo insolvente: “A inexistência de rendimento disponível no mo-mento em que é proferido o “despacho inicial”, previsto no art. 239 do CIRE, não constitui fundamento, só por si, para se indeferir o pedido de exoneração do passi-vo restante.”, bem como os acórdãos do TRC de 23/02/2010 (1793/09.5TBFIG-E.C1) e de 08/05/2012 (890/11.1TBTMR-D.C1 – este com um voto de vencido).
*
Assim, os dois argumentos do despacho recorrido não podem ser aproveitados, pelo que o decisão não pode ser mantida com a fundamenta-ção que lhe foi dada.
Falta agora saber se, apesar disso, o pedido de exoneração do passi-vo restante deve ser indeferido, pelo que interessa saber se estão verificados os requisitos necessários a esse indeferimento.
*
A análise dos fundamentos do despacho recorrido, em confronto com os fundamentos do recurso, corresponde já à análise dos fundamentos legais do indeferimento do pedido de exoneração.
O despacho recorrido, para indeferir o pedido, invocou a verificação da hipótese da al. d) do nº. 1 do art. 238 do CIRE e, por outro lado, invocou o preenchimento de um requisito que diz resultar do art. 239/2 do CIRE.
Quanto a este, já foi dito que não se concorda que ele se possa extrair de tal norma ou do instituto em causa, ao contrário do que defende o despacho recorrido e o ac. do TRC já referido.
Fica, pois, a questão do preenchimento da previsão da al. d) do nº. 1 do art. 238 do CIRE, já que a previsão das outras alíneas do art. 238/1 do CIRE não está, claramente, preenchida.
VII
Dos requisitos do art. 238/1d) do CIRE
Antes de os analisar, esclareça-se que:
- os requisitos da al. d) do nº. 1 do art. 283 do CIRE são cumulati-vos. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do TRP de 11/01/2010 (347/08.8TB VCD-D.P1) e do TRP de 21/10/2010 (3916/10.2TBMAI-A.P1), que ainda cita, neste sentido, os acs do TRP de 09/12/2008 (0827376), de 15/07/2009 (6848/08.0 TBMTS.P1), de 25/03/2010 (4501/08.4TBPRD-G.P1) e de 8/4/2010 (1043/09.4 TBVNF-B.P1).
- o ónus da sua prova cabe, como o refere o despacho recorrido, aos credores ou administrador da insolvência. Ou seja, ou seja, os elementos da previsão da norma, como factos impeditivos do direito do requerente à exoneração do passivo, têm que ser provados (art. 342/2 do CC), por aque-les que se oponham à concessão do benefício.
Neste sentido, veja-se o ac. do TRC de 23/02/2010 (1793/09.5TBFIG-E.C):
“Em geral, as causas enumeradas na lei como fundamentos de indeferimento de uma pretensão são sempre causas impeditivas do respectivo pedido. Face à redacção da lei, que comina com indeferimento o pedido de exoneração do passivo, com fundamento na apresentação extemporânea à insolvência por parte do devedor, desde que resulte do atraso um prejuízo para os credores, afigura-se que esta factualidade constitui um facto impeditivo do direito, pois a lei só exige ao requerente devedor a formulação do pedido de exoneração. Como facto impeditivo do direito que é, a ausência de prova, sobre se há ou não o apontado prejuízo, não pode implicar o indeferimento do pedido.”
É também esta a posição do ac. do STJ de 21/10/2010 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1:
“[…] bem vistas as coisas, as diversas alíneas do nº 1 do artigo 238º do CIRE estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração. Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta medida, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº 2 do art. 342º do CC.
Um afloramento deste entendimento pode encontrar-se na alínea e) do referido art. 238º, quando aí se prevê o caso de para a indiciação da existência a culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência e no caso de não constarem já do processo, os elementos serem fornecidos pelos credores ou pelos administrador da falência.”
E ainda os acs. do STJ de 19/06/2012 (1239/11.9TBBRG-E.G1.S1), de 19/04/2012 (434/11.5TJCBR-D.C1.S1), de 24/01/2012 (152/10.1TBBRG-E. G1.S1) e de 06/07/2011 (7295/08.0TBBRG.G1.S1), a decisão sumária do TRC de 17/01/2012 (165/11.6TB ACN-G.C1), o ac. do TRC de 25/10/2011 (96/11.0T2AVR-D.C1) e o ac. do TRL de 01/02/2012 (5688/11.4TCLRS.L1-2). Contra, vejam-se os acs. da outra corrente, entre eles, por exemplo, o TRG de 11/01/2011 (379/10.6TBGMR-E.G1) e do TRE de 30/11/2011 (230/11.0-E).
- por fim, não está em causa o dever de apresentação à insolvência, previsto na 1ª parte da norma, pois que o insolvente não é titular de nenhuma empresa.
VIII
Posto isto,
O art. 238/1d) do CIRE dispõe, na parte que importa, que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor se tiver abstido da apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
Daqui têm sido extraídos três requisitos:
O primeiro requisito – que é o da abstenção da apresentação no prazo de 6 meses, que o despacho recorrido qualifica de inércia do insolvente - pode-se considerar preenchido, como já foi referido acima, visto que nos termos do disposto no artigo 3º/1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.” Ora, esta situação verifica-se pelo menos desde Dez2008 e o insolvente só se apresentou em Outubro de 2011.
O terceiro requisito - sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica – está verificado, como decorre do que é dito no despacho recorrido: pelo menos desde Dez de 2008 o insolvente não podia deixar de saber que estava impossibilitado de cumprir as suas obrigações: como rendimentos só tinha um valor mensal próximo do salário mínimo nacional e os valores que estava a suportar já iam para além dele, para além de que já estava em mora quanto a uma dívida de cerca de 16.000€.
Quanto ao segundo requisito - do facto de a requerente não se ter apresentado à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência (Dez 2008) decorrer prejuízo para os credores – já o mesmo foi discutido acima e foi considerado não preenchido.
Mas a propósito deste requisito existe outra questão: é que há quem entenda que o facto da apresentação tardia causa necessariamente prejuízos aos credores, nem que seja pelo juros (que são danos na forma de lucros cessantes) que entretanto vão aumentando. Ou pelo menos (numa outra versão desta corrente) que é de presumir que tal aconteça. Enquanto que outros entendem que não são esses prejuízos que estão em causa na norma, pois que, caso fossem, então eles verificar-se-iam sempre e não tinha sentido estar a pôr a hipótese da sua verificação (necessária…); defende pois que têm de ser prejuízos autónomos.
A resenha de variadíssimos desses acórdãos, representativos destas duas correntes, com todos os argumentos possíveis, até uma data recente, pode ser vista, por exemplo, nos acórdãos do TRC de 10/05/2011 (883/10.6T2AVR-E.C1) e de 13/09/2011 (579/11.1TBVIS-D.C1).
A posição correcta é a da segunda corrente, pois que a) a primeira não explica a razão de ser do elemento prejuízo constante da previsão da norma em causa, autónomo do atraso na apresentação; b) parte de uma presunção de um prejuízo (potencial…) decorrente do atraso (no fundo como se todos os devedores insolventes se inserissem num tipo de devedor que mal se sabe insolvente esconde ou dissipa os bens, actuando em prejuízo dos credores, cabendo-lhes a prova do contrário) e c) e inverte as regras do ónus da prova dos elementos cumulativos de tal previsão. No mesmo sentido, hoje, vejam-se ainda os acs. do STJ de 24/01/2012 (152/10.1TBBRG-E. G1.S1), de 19/04/2012 (434/11.5TJCBR-D.C1.S1) e de 19/06/2012 (1239/11.9TBBRG-E.G1.S1).
Pelo que, de novo se diz que o segundo requisito não se verifica.
E, assim sendo, não se pode dizer preenchido um dos requisitos do indeferimento liminar.
Tendo em consideração o exposto, pode-se agora dizer que falta a verificação de um dos requisitos da al. d) do nº. 1 do art. 238 do CIRE para que fosse possível o indeferimento liminar do pedido, pelo que a decisão recorrida não pode subsistir.
*
Sumário (da responsabilidade do relator):
(…)
*
Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação, revogando-se o despacho reclamado e, conhecendo do recurso, julga-se o mesmo proce-dente, revogando-se o despacho recorrido, pelo que o incidente deve pros-seguir com o despacho a que se refere o art. 239/1 do CIRE, se não houver outros obstáculos ao mesmo.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Agosto de 2012

Pedro Martins
Maria João Areias
Teresa Henriques

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/21e97661268a82d780257a6a0037dff1?OpenDocument

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA CIRCUNSTÂNCIAS REAIS DO PRESENTE - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 12/03/2012


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2182/10.4TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
CIRCUNSTÂNCIAS REAIS DO PRESENTE

Nº do Documento: RP201203122182/10.4TBVFR.P1
Data do Acordão: 12-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança.
II - Por isso, também não é um juízo de culpa sobre os progenitores, mas uma prognose sobre o melhor caminho futuro para os filhos menores, ponderada nas circunstâncias reais do presente.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo n.º 2182/10.4TBVFR.P1

Recorrente – B…
Recorrido – C…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – O processo na 1.ª instância
A ora recorrente, B…, veio requerer a regulação das responsabilidades parentais em relação às suas filhas D… e E… igualmente filhas do recorrido C…, alegando, para tanto, a separação dos pais, casados desde 1997.

Em 6.07.2010, teve lugar a conferência de pais e, tentada a conciliação, ambos, requerente e requerido, acordaram no seguinte regime provisório: 1 – As menores ficarão provisoriamente à guarda e cuidados do pai; 2 – A mãe, a título provisório também, poderá estar com a s menores quinzenalmente das 20.00 horas de sexta feira às 19.00 horas de domingo, sendo que a mãe passará desde já o próximo fim de semana com a mãe, ficando as conduções a cargo do pai; 3 – A mãe poderá, ainda, estar com as menores de 15 de agosto às 19.00 horas a 22 de agosto às 19.00 horas; 4 – A mãe contribuirá provisoriamente com a quantia mensal de cem euros, a título de alimentos devidos às menores (50 euros para cada), importância que entregará às menores até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária.

Os autos prosseguiram com alegações do requerido e da requerente e indicação e junção da prova tida por pertinente. Foram elaborados relatórios pela Segurança Social, aqui juntos a fls. 64 e ss. O requerido juntou um documento escolar e uma avaliação clínica (psicológica) sobre os quais a requerente se pronunciou, impugnando o primeiro e rejeitando o segundo. A audiência teve lugar e aí foram inquiridas sete testemunhas.

Concluso o processo, foi proferida decisão final, que regulou as responsabilidades parentais do seguinte modo:
"1 - A D… e a E… ficam entregues à guarda e cuidados de seu pai, C…, com quem ficarão a residir;
2 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente das menores incumbirá ao pai, incumbindo a ambos os progenitores as responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância;
3 - A mãe das menores, B…, poderá visitar as filhas sempre que o desejar e mediante comunicação ao pai, sem prejuízo dos horários das escolas, das atividades extracurriculares e do descanso das filhas;
4 - A mãe poderá ter consigo as filhas aos fins de semana, de quinze em quinze dias, no período compreendido entre as 20 horas de sexta-feira e às 19 horas de domingo, ficando as conduções a cargo do pai;
5 - As menores passarão as festividades de Natal, do Ano Novo e da Páscoa, alternadamente e em regime de rotatividade, com o pai e com a mãe, sendo a próxima véspera de Natal com o pai, o próximo dia de Natal com a mãe, a próxima véspera de Ano Novo com a mãe, o próximo dia de Ano de Novo com o pai e a próxima Páscoa com a mãe;
6 - As menores passarão com cada um dos progenitores metade das férias escolares de Carnaval, Páscoa e Natal, sendo que o primeiro período de cada uma das interrupções escolares será passado com a mãe;
7 - O período de férias de verão será passado em partes iguais com o pai e com a mãe, a ajustar entre ambos até ao dia 15 de maio de cada ano civil, data até à qual a mãe comunicará ao pai o período pretendido;
8 - O mês de agosto será sempre dividido em dois períodos iguais, estando sempre atribuído um período de quinze dias seguidos a cada um dos progenitores;
9 - Sem prejuízo dos horários escolares, as menores passarão o respetivo dia de aniversário com ambos os progenitores, partilhando cada uma das refeições principais (almoço e jantar) com cada um deles, almoçando a mãe no próximo ano com a D… e jantando com a E… e jantando o pai com a D… e almoçando a E…, alternando nos anos seguintes;
10 - As menores jantarão no dia de aniversário de cada um dos progenitores com o respetivo aniversariante;
11 - Os períodos referidos nos pontos 5. a 10. sobrepõem-se aos períodos mencionados nos pontos 3. e 4.;
12 - A mãe contribuirá, a título de alimentos devidos a cada uma dos menores, com a quantia mensal de €80,00 (oitenta euros), num total de € 160,00 (cento e sessenta euros), que entregará ao pai das menores, através de qualquer meio idóneo de pagamento, até ao dia 8 (oito) de cada mês. Tal quantia será actualizável anual e automaticamente por aplicação da taxa de inflação (excluindo habitação) anualmente publicada pelo I.N.E."

2 – Do recurso
Discordante, a requerente apela a esta Relação e, pretendendo a alteração do decidido nos termos que adianta (I – Residência e Exercício das Responsabilidades Parentais: As menores ficam a residir com a Mãe. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das filhas são exercidas em comum por ambos os progenitores. II – Pensão de Alimentos: O pai contribuirá para os alimentos das menores, com uma pensão mensal de 160,00 euros, que pagará por transferência bancária, pensão que será atualizada anualmente, em função da taxa de inflação publicada pelo INE. Deverá o progenitor pai suportar 50% das despesas escolares, ou atividades extra curriculares, bem como despesas médicas e medicamentosas. III – Regime de visitas: O Pai poderá livremente visitar as menores, sem prejuízo da atividade escolar e descanso das menores. Em cada ano civil, as menores passarão com o Pai um período de 15 dias de férias durante o verão, devendo o pai informar a mãe, qual o período pretendido. As menores passarão, alternadamente, com a mãe e com o pai a véspera de Natal, dia de Natal, véspera de Ano Novo, o dia de ano Novo. Os períodos de férias de Carnaval e de Páscoa, serão passados metade com a mãe e metade com o pai. No dia de aniversário do pai, as menores passarão o dia com ele, sem prejuízo das atividades escolares. No dia de aniversário das menores, estas passarão, sem pré que possível com ambos os progenitores, almoçando com um e jantando com outro), formula as seguintes Conclusões:
I – O presente recurso tem por fundamento a discordância da apelante face à sentença proferida em 20 de setembro de 2011.
II – Nas alegações da apelante foram alegados factos que não foram tidos em conta para a boa decisão da causa, nomeadamente 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 13º, 14º, 15º e 16º, e relativamente aos quais foi produzida prova, designadamente testemunhal.
III – Estes factos eram essenciais para a boa decisão da causa, sobre eles foi indicada e produzida prova e deviam ter sido objeto de pronúncia.
IV – Se estes factos tivessem sidos analisados, já que foram discutidos, o princípio da verdade material seria respeitado, bem como o princípio da utilidade dos atos processuais.
V – Foi omitida e deficientemente ponderada a razão de ciência das testemunhas admitidas a depor. É o caso do depoimento das testemunhas F…, tia materna das menores, madrinha da menor D… e também vizinha contígua da Mãe, e da testemunha, G…, vizinha muito próxima da Mãe.
VI – Estas duas testemunhas, em audiência de julgamento descreveram a boa e saudável relação da Mãe com as filhas menores, tendo sido feita prova, e a mesma não foi tida em consideração para a boa decisão da causa pelo Meritíssimo Juiz a quo.
VII – Na fundamentação de facto, não existe uma única alínea dada como provada relativamente ao relacionamento familiar da apelante com as menores, quando resultou provado por prova testemunhal que a apelante sempre manteve contacto com as menores.
VIII – Ficou provado pela prova testemunhal que a ora apelante é, e sempre foi, uma mãe zelosa e muito preocupada com as suas filhas, e tal foi omitido e deficientemente ponderado pelo tribunal a quo.
IX – Da prova produzida pelas testemunhas apresentadas pela ora apelante em sede de audiência de julgamento, ficou veemente provado que a apelante reúne todas as condições emocionais, económicas, habitacionais para que as menores D… e E… residam consigo.
X – Entende a apelante que foram violadas normas jurídicas fundamentais – artigo 4º alínea a), e) e g) da Lei 147/99 de 1 de setembro; Artigo 18º, n.º 1, n.º 2, Artigo 36º, n.º 5, Artigo 69º, n.º 1 e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, Artigos 1878, n.º 1, n.º 1885º, n.º 1918º do Código Civil; Artigo 3º, 9º, n.º 1, 2 e 3 da Convenção sobre os direitos da criança, assinada por Portugal a 26 de janeiro de 1990 e Artigo 7º da Declaração dos Direitos das Crianças adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959 – e que deviam ter sido aplicadas ao caso “Sub Judice”.
XI – O bem jurídico protegido na presente causa – o superior interesse dos menores – exige a aplicação das normas jurídicas atrás mencionadas.
XII – No caso em concreto, de duas meninas de tenra idade, é de ter em consideração o indispensável afeto da Mãe e a importância afetiva e presencial desta para as duas meninas.

O requerido respondeu. Defende o decidido e conclui que: I - As menores foram entregues aos cuidados do pai pela própria mãe, em fevereiro de 2010, tal como ficou provado na douta sentença proferida em 20 de setembro de 2011. II – Desde dessa data, tem sido o Pai quem leva as menores a casa da mãe, promovendo sempre o convívio entre esta e as menores, mesmo para além do estabelecido no regime provisório. III - Além disso, apesar da sentença proferida no passado dia 20 de setembro ter alargado o regime de visitas previstas no regime provisório, permitindo-lhe visitar as meninas sempre que o entendesse, a mãe nunca procurou este contacto, fora do âmbito das visitas quinzenais, cuja condução ficou ao encargo do Pai. IV – Importa atentar que as meninas estão a residir com o pai, praticamente há dois anos, habitando em casa dos avós paternos que sempre tiveram uma função preponderante no crescimento e educação das menores. V – A sentença em análise considerou provado (ponto 16) que: «os avós paternos sempre se mostraram disponíveis para a prestação de cuidados e atenções para com as menores desde o seu nascimento». VI - Resulta também provado que desde o nascimento das menores, foi sempre o pai o progenitor mais participativo no crescimento e na educação das mesmas. VII – Acrescenta ainda a douta decisão que o pai das menores, com o auxílio dos avós paternos, cuida das menores e dá-lhes todos os afetos, assumindo plenamente as funções parentais. VIII – Com efeito, não resultou provada nenhuma factualidade que impusesse uma alteração da guarda das menores, atribuída ao Pai desde a entrega das menores em fevereiro pela Mãe e confirmada em decisão provisória. IX - Aliás, ficou cabalmente comprovado que foi sempre o Pai quem acompanhou o crescimento e educação das menores, prestando-lhes todos os cuidados e afetos, garantindo o são e bom desenvolvimento psicossocial das menores, o que continuou a suceder depois da separação de facto do casal. X - Importa ainda referir que, não tendo sido requerida a gravação da prova, a matéria de facto considerada provada não poderá ser alterada, como decorre do art.º 712.º, n.º 1, al. a) do C.P.C. XI – Pelo exposto, é de concluir que a sentença recorrida não violou nenhuma norma legal nem nenhuma Convenção, mormente as referidas pela recorrente.

O Ministério Público também respondeu às alegações do recurso e disse que "a decisão que regulou o exercício das responsabilidades parentais destas duas menores é formal e materialmente correta, não enferma de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, pelo que, sempre atento o superior interesse destas menores, no caso, afigura-se-nos que o presente recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida, nos seus precisos termos."

O recurso foi recebido nos termos legais (apelação com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo) e, nesta relação, atenta a natureza do processo, dispensaram-se os Vistos.

Nada obsta, agora, ao conhecimento do mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Definido pelas conclusões da apelação da recorrente, o objeto do recurso identifica-se com a alteração do decidido em 1.ª instância, concretamente com a atribuição da guarda das menores à requerente e, consequentemente, com os efeitos dessa atribuição na demais regulação da responsabilidade parental.

2 - Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
Os factos considerados na decisão da primeira instância foram os seguintes[1]:
1 – D… e E… nasceram em 05 de maio de 2001 e 16 de junho de 2005, respetivamente, sendo filhas da requerente e do requerido;
2 - Os progenitores da D… e da E…, casados entre si, encontrando-se separados desde meados de fevereiro de 2009 e não pensam retomar a vida em comum;
3 - A mãe das menores continua a residir na casa que foi morada de família, em …, casa essa situada no pátio onde se encontra a casa dos avós maternos das menores e que, sendo de construção recente, possui 3 quartos, cozinha e casa-de-banho, beneficiando de todas as infraestruturas básicas de água e eletricidade;
4 - A mãe das menores labora na empresa “H…”, em …, auferindo a remuneração ilíquida de cerca de €475,00 mensais;
5 - A mãe das menores tem despesas fixas mensais no montante de cerca de €70,00, referentes ao consumo de gás e eletricidade;
6 - Aquando da separação, o pai saiu da casa de família;
7 - Nessa altura, a mãe entregou as menores aos cuidados do pai;
8 - Desde a separação, o pai, juntamente com as menores, foi viver para o 1.º andar de uma casa de dois pisos, sita em …, propriedade dos avós paternos das menores;
9 - No 1.º andar vivem, além das menores e do seu pai, os avós paternos daquelas;
10 - Tal espaço habitacional dispõe de 3 quartos, sala, cozinha e casa-de-banho e dispõe de boas condições de habitabilidade, partilhando as menores o mesmo quarto;
11 - A irmã do pai das menores habita o rés do chão da casa, com duas filhas, de 7 e 17 anos de idade;
12 - Essa tia vem assumindo um papel diligente relativamente às sobrinhas, assegurando diariamente as deslocações da D… para a escola;
13 - O pai das menores trabalha na “H…”, auferindo uma remuneração mensal ilíquida que ascende a cerca de €620,00;
14 - Os avós paternos vêm auxiliando o pai nas tarefas inerentes à educação e crescimento das menores;
15 - Já antes da separação dos progenitores, os avós paternos auxiliavam as menores, as quais eram levadas diariamente pelo pai para a casa daqueles, os quais assumiam, de uma forma empenhada e zelosa, os cuidados inerentes às netas e asseguravam as deslocações das mesmas para os respetivos estabelecimentos de ensino, as quais permaneciam em casa desses avós após o horário escolar;
16 - Os avós paternos sempre se mostraram disponíveis para a prestação de cuidados e atenções para com as menores desde o seu nascimento, enquanto os progenitores se encontravam a trabalhar, indo buscá-las aos respetivos estabelecimentos de ensino, ministrando-lhes as refeições e delas tomando conta enquanto os progenitores se encontravam a trabalhar, disponibilidade que se mantém presentemente;
17 - Foi sempre o pai das menores quem as acompanhou às consultas médicas, vacinas e exames complementares de diagnóstico;
18 - O pai acompanhou o desenvolvimento académico das menores, comparecendo nas reuniões convocadas pelos professores e participando nas atividades letivas em que participavam as filhas;
19 - Desde sempre coube ao pai a iniciativa de organizar as festas de aniversário e outras datas festivas e a profissão de fé da D…, que ocorreu em maio de 2010;
20 - O pai cumpriu o regime provisório estabelecido, levando e indo buscar as menores a casa da mãe;
21 - Para além do regime provisório fixado, têm ocorrido outros períodos de convívio entre mãe e filhas, proporcionados pelo pai;
22 - As menores frequentam atualmente o 1.º ano e o 5.º ano de escolaridade, em …;
23 - A D… tem sido uma aluna participativa, educada e com boa evolução nas diversas matérias;
24 - O pai das menores, com o auxílio dosa avós paternos, cuida das menores e dá-lhes todos os afetos, assumindo plenamente as funções parentais.[2]

2.2 – Aplicação do direito
Como se viu, a recorrente pretende que se altere o decidido na 1.ª instância, porquanto, contrariamente ao que ali foi estipulado, entende que a regulação das responsabilidades parentais deve ser decorrência da atribuição da guarda das menores à mãe, precisamente a requerente/recorrente.

Uma primeira observação prende-se com a matéria de facto e pretende afastar a ideia – que transparece das alegações da recorrente, mas também da resposta do recorrido – que o tribunal terá atendido a um eventual "abandono" das crianças pela mãe, mesmo que, na versão daquela, motivado na necessidade de não haver perturbação do sucesso escolar das menores.

A leitura dos factos, porém, dissipa essa ideia e, por isso, propositadamente, transcrevemos a matéria que o tribunal expressamente considerou como não provados (Nota 2). Acresce, por outro lado, que alguma divergência sobre a factualidade relevante é sustentada pela recorrente, mas com fundamento em depoimentos testemunhais que não foram gravados e que, nesta instância não podem ser sindicados – nem, em rigor tal é adequada e formalmente pedido.

Dito isto, os autos o que revelam é que o tribunal considerou o material probatório junto, sem cuidar de qualquer censura comportamental dos pais, antes encaminhando a fundamentação jurídica do decidido numa cuidada ponderação do interesse das menores.

E, neste ponto – que é o fulcral – não podemos ignorar a real situação de facto, tal como o fez a primeira instância. E ela revela, com real efeito ponderativo, o acompanhamento das menores pelo requerido, por si e com a família paterna alargada, ao longo dos anos e também neste período em que, por força do regime provisório estabelecido, as filhas ficaram diretamente à sua guarda.

O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança.

Por isso, mormente num caso como o presente, também não é um juízo de culpa sobre os progenitores, mas uma prognose sobre o melhor caminho futuro para os filhos menores, ponderada nas circunstâncias reais do presente.

Ora, se bem vemos, a atribuição agora da guarda das menores à mãe, criando um rutura imediata com a situação de vida das crianças, desde logo afastando-as da direta convivência familiar alargada, com avós paternos, mas igualmente com as primas e a tia, que vivem junto delas, não tem sustentação na matéria de facto, ou seja, não se justifica.

E não podem colher observações abstratas – mesmo que jurisprudenciais (na citação que a recorrente faz) – sobre a preferência da guarda maternal em menores de tenra idade: o que interessa é olhar ao caso concreto e, relevantemente, evitar alterações abruptas. Neste contexto, importa acentuar que as filhas se encontram à guarda do pai desde há 20 meses e, se não se devem defender meras situações de facto, atribuindo a uma realidade desconforme ao direito o efeito positivo da simples passagem do tempo, no caso presente nenhuma censura merece a determinação que, mesmo provisoriamente mas com o acordo de requerente e requerido, estipulou (há 20 meses, repetimos) a guarda das menores pelo pai.

Numa situação como a presente, o que é fundamental é que a ligação à mãe não se desmorone, antes que seja reforçada. E, salvo o devido respeito, a sentença não o esqueceu, como bem se vê do seu ponto n.º 3, que – e muito bem – permite à mãe um acompanhamento constante das suas filhas.

Em suma, tal como se reflete na sentença sob censura, os dados de facto não justificam qualquer rutura da guarda das menores e, por outro lado, fica incentivada a aproximação e maior acompanhamento das menores pela requerente.

Por tudo, concordamos integralmente com o decidido na sentença e julgamos improcedente esta apelação.

3 - Sumário:
O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança.

4 – Decisão:
Pelo que ficou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a presente apelação e, confirmando integralmente a sentença da 1.ª instância, manter inalterada a regulação das responsabilidades parentais relativas às menores D… e E…, filhas da recorrente e do recorrido.

Custas pela recorrente.

Porto, 12.03.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
______________
[1] E com a seguinte fundamentação: "- F…, tia da mãe das menores, a qual descreveu a situação socioeconómica e profissional dos progenitores, a separação dos mesmos, referindo também que as visitas vêm decorrendo bem, descrevendo ainda o auxílio que os avós paternos desde sempre prestaram às menores;
- G…, vizinha da mãe das menores, a qual confirmou as declarações prestadas pela anterior testemunha; - I…, presidente da Junta de freguesia de …, a qual nada de concreto soube dizer, sendo certo que já há muito tempo não vê a família materna, nem a família paterna, das menores;
- J…, vizinho da mãe das menores, o qual confirmou as condições habitacionais que aquela é suscetível de proporcionar às menores; - K…, avó paterna das menores, a qual, de forma objetiva, segura, coerente e pormenorizada, descreveu toda a situação sócio-económica e habitacional dos progenitores, todo o percurso de vida das menores e auxílio por si (bem como pelo seu marido) prestado quanto aos cuidados com elas, mais descrevendo o modo como o pai vem desempenhando as responsabilidades parentais, além do cumprimento do regime provisório de visitas; - L…, irmã do progenitor, a qual, de igual modo, corroborou integralmente as declarações prestadas pela avó paterna; - M…, professor da D… nos 3.º e 4.º anos, o qual descreveu o seu desempenho na escola".
[2] Com algum relevo para o objeto do recurso, igualmente se considera na sentença a seguinte matéria de facto, que expressamente se deu como "não provada": "- as menores ficaram a residir com o pai, na altura da separação, porque a mãe não quis perturbar o sucesso escolar daquelas; - as menores só ficaram, nessa altura, a residir com o pai porque frequentavam as escolas da área de residência dos avós paternos e do pai; - a E… chora por tanto desejar a presença da mãe, o que lhe é negado pelo pai; - a avó materna também contribuiu desde o nascimento das menores para o sustento e bem estar das mesmas".

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/07603956912b2d38802579d5003115e8?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidades,parentais

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