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domingo, 31 de março de 2013

DEVER DE COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO FISCAL DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO DECLARAÇÕES PRESTADAS NO PROCEDIMENTO INSPECTIVO APROVEITAMENTO NO PROCESSO PENAL - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 27/02/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15048/09.1IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: DEVER DE COLABORAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO FISCAL
DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO
DECLARAÇÕES PRESTADAS NO PROCEDIMENTO INSPECTIVO
APROVEITAMENTO NO PROCESSO PENAL

Nº do Documento: RP2013022715048/09.1IDPRT.P1
Data do Acordão: 27-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I – O exercício do dever de colaboração do contribuinte com a administração fiscal e o direito à não auto-incriminação não é, as mais das vezes, um problema contemporâneo mas apenas sequencial.
II – Quando em confronto, não se está perante uma questão de prevalência de qualquer delas, mas de compatibilidade de soluções legais, em regra para momentos temporais e processuais diversos.
III - Se na pendência do procedimento inspectivo se indiciar a prática de crime tributário, verificando-se os pressupostos do artigo 58° C. P. Penal, ex vi, artigo 3° alínea a), 2ª parte, do RGIT, o sujeito passivo tributário tem de ser constituído arguido, cessando o seu dever de colaboração.
IV – A partir de então só colaborará se, livre e esclarecidamente, assim o entender, passando a beneficiar do catálogo de garantias constitucionais do artigo 32° da CRP assegurando-se-lhe o exercício de direitos e deveres legais constantes dos artigos 57° a 67° C P Penal, nomeadamente do direito de não responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar.
V – A falta de explicitação deste direito tem como consequência que as declarações, prestadas posteriormente, não podem ser utilizadas como prova, ocorrendo proibição de valoração, artigo 58°/2 e 5 C P Penal.
VI - As declarações de que fala a lei não abrangem a prova documental.
VII - Operada a transição do processo inspectivo tributário para o processo penal, a “Declaração” do sujeito passivo naquele processo enquanto depoimento nada vale; enquanto “documento”, se aportada ao processo inspectivo de modo legal, vale como prova documental no processo penal, não se vislumbrando obstáculo à sua aquisição processual.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo comum singular 15048/09.1IDPRT do 1º Juízo Criminal de Vila do Conde

Relator - Ernesto Nascimento
Adjuntos – António Gama, Presidente da secção e Artur Oliveira

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento foi proferida sentença, que decretou a condenação dos arguidos

B… e C…, como co-autores de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6º, 30º e 105º/1 do RGIT na pena, cada um deles, de 250 dias de multa a taxa diária de € 7,00, o que perfaz o montante global de € 1.750,00 e,

D…, Lda., como autora de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 7º e 105º/1 do RGIT na pena de 350 dias de multa a taxa diária de € 8,00, num total de € 2.800,00, sendo solidária a responsabilidade daqueles por este pagamento, nos termos do artigo 8º/7 do RGIT.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido B… – pugnando pela sua absolvição e, mais requerendo a realização de audiência para debate de todos os pontos da motivação - apresentando as conclusões que se passam a transcrever:

1. o recorrente entende que a prova obtida e nula e não pode ser valorada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 58º/5 C P Penal, por ter sido obtida em violação do conjugadamente disposto no artigo 58º/2 e 5, 59º/1, 248º C P Penal e 40º do RCPIT, porque não obstante resultar já fundada suspeita da pratica do crime de abuso de confiança fiscal, o arguido recorrente (e os restantes arguidos) somente foram constituídos arguidos como tal e conheceram os direitos legalmente previstos no artigo 61º C P Penal em momento posterior ao da recolha, junto da sociedade arguida e fornecimento voluntário por esta de elementos que consideraram como essenciais para a prova do recebimento do IVA liquidado;
2. o recorrente considera que foram incorrectamente julgados os factos, que ao invés deveriam ter sido declarados como não provados:
“no exercício da referida actividade a sociedade arguida facturou e liquidou IVA e procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA, quantias, porem, que não entregou nos serviços de Administração do IVA nos seguintes períodos, sem que tenha procedido a regularização dos mesmos após a notificação a que alude o artigo 105º/4 alínea a) do RGIT, nos termos e montantes infra apurados e discriminados:
Os arguidos não entregaram as quantias referidas supra dentro dos devidos prazos nos Cofres da Fazenda Nacional, nem nos 90 dias subsequentes aos aludidos prazos, integrando-as no património da sociedade arguida, não obstante saberem que aquelas não lhes pertenciam e que as não podiam utilizar em proveito da sociedade, senão para as entregar aos competentes serviços do Estado”;
3. o recorrente considera que foram incorrectamente julgados os factos julgados como não provados e que ao invés deveriam ter sido julgados como provados:
“a) os técnicos da inspecção tributaria pediram informação a sociedade arguida todos os elementos que os mesmos considerassem como fundamentais para a prova do recebimento do IVA liquidado;
b) a recolha da informação necessária, segundo os técnicos da inspecção tributaria, para a prova do recebimento do IVA precedeu, em todas as suas fases, a constituição dos arguidos nessa qualidade e a informação dos mesmos dos direitos que legalmente lhes esta assegurado;
c) os técnicos tributários não confirmaram o recebimento efectivo dos valores registados contabilisticamente como pagos;
d) os técnicos tributários não confirmaram o recebimento efectivo do IVA liquidado nas facturas na data de envio de cada uma das declarações periódicas de IVA, nem, do mesmo modo, nos 90 dias posteriores ou ate ao termo do prazo fixado pela notificação da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT;
e) que a data de entrega das declarações periódicas de IVA dos períodos em questão nos autos fixada na lei foi respeitada pela sociedade arguida”;
4. o recorrente considera que foram incorrectamete julgados os factos que se não julgou e que deveriam ter sido julgados como não provados:
“a) o recebimento do IVA liquidado em todas as facturas emitidas pela sociedade arguida e o recebimento de todas as facturas ate ao dia 10 do segundo mês seguinte aquele a que o período de imposto diz respeito”;
5. entre outras, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, pelas razoes que ficaram desenvolvidas no texto desta motivação:
- declarações da testemunha E…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar no dia 3OUT2011, que foram gravadas entre as 14:43 e terminou as 14:46 horas, com particular realce para o segmento acima transcrito, registado na gravação as rotações 01:58 a 02:29;
- declarações da testemunha F…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar no dia 3OUT2011, que foram gravadas entre as 14:50 e terminou as 15:07 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registado na gravação as rotações 00:48 a 01:22, 04:31 a 05:48, 06:21 a 10:29;
- declarações da testemunha G…, prestadas na sessão do julgamento que teve lugar no dia 3OUT2011, que foram gravadas entre as 15:08 e as 15:17 horas, com particular realce para os segmentos acima transcritos, registados na gravação as rotações 01:49 a 01:51, 05:39 a 06:23, 06:37 a 08:41;
- documentos juntos a fls. 76 a 96 dos autos;
6. da analise destes meios probatórios, que ficou feita no texto e para onde se remete, resulta que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por incorrecta fixação, avaliação e valoração da prova e ofensa irreparavel das regras da experiência comum, afastando-se e violando os critérios da livre apreciação, tal como estão prescritos no artigo 127º C P Penal;
7. o recorrente considera que existe erro na aplicação do direito pois o tribunal a quo erradamente,
aplicou o n.º 1 do artigo 105º do RGIT a situações de não entrega do IVA quando elemento objectivo do tipo de crime previsto no n.º 1 do artigo 105º do RGIT somente abange as situações de retenção de imposto e o IVA não e um imposto que funcione por dedução/retenção;
interpretou o disposto no n.º 2 do artigo 105º do RGIT, a considerar-se por mera cautela de patrocínio, no sentido que o recebimento a data do termo do prazo legal de entrega da declaração periódica de IVA não era relevante para efeitos de preenchimento do tipo legal de crime, quando o seu recebimento da data do termo de prazo legal e entrega da declaração periódica de IVA e elemento objectivo do tipo legal de crime previsto no n.º 2 do artigo 105º do RGIT;
8. nos termos do disposto na alínea b) do artigo 431º C P Penal, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar provados e não provados, respectivamente, os factos referenciados nos antecedentes n.ºs 2 a 4;
9. ainda que a matéria de facto impugnada se mantenha inalterada, tem de ser alterada a decisão em sede de subsunção jurídica por não se verificar o preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal do crime, p. e p. pelo artigo 105º/1 ou 2 do RGIT, que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, nem de qualquer outro crime, resultando que o recorrente tem de ser absolvido do crime p. e p. pelo artigo 105º/1 do RGIT, que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado.

I. 3. Na resposta que apresentou, o Magistrado do MP. defendeu o não provimento do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o representante do MP, da mesma forma, subscrevendo aquela resposta, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Seguiram-se os vistos legais.

Teve lugar a audiência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.
No caso presente, de harmonia com o que o arguido designou de conclusões, podemos, enunciar que para apreciação, foram suscitadas as seguintes questões:

saber se a prova obtida é nula e não pode ser valorada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 58º/5 C P Penal, por ter sido obtida em violação do conjugadamente disposto no artigo 58º/2 e 5, 59º/1, 248º C P Penal e 40º do RCPIT;
saber se será caso de modificação do julgamento da matéria de facto – não provada, ou por erro de julgamento, ou com base no vício do erro da fixação da matéria de facto e,
erro na aplicação do Direito.

Donde resulta, que, por um lado,
apesar de ter sido abordada no corpo da motivação, não foi levada ao capítulo reservado às conclusões - tendo-se que entender que foi deixada cair - e, por isso não pode ser abrangida pelo âmbito de cognição deste Tribunal, a questão da nulidade da sentença, por alegada falta de indicação da prova que serviu para formar a convicção do tribunal e,
por outro, apesar de constar das conclusões – que comummente se traduzem no resumo das razões do pedido – o que não constar do corpo da motivação, não se podendo considerar como o resumo de coisa alguma, da mesma forma, se não pode ter como incluído no âmbito de cognição do tribunal de recurso - o que acontece no caso concreto, com os alegados erros de julgamento, para além dos reportados aos pontos 5. e 7. dos factos provados.

III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

Factos provados
“1. A sociedade arguida é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 1990, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila do Conde, sob a matrícula ………, com o objecto social de importação e comercialização de máquinas industriais, acessórios e produtos de apoio às indústrias de lavandaria, têxtil, confecção, calçado e alimentar, e no transporte e manutenção dos equipamentos comercializados.
2. A sociedade arguida encontra-se enquadrada no regime mensal de IVA.
3. A gerência de tal sociedade está atribuída, desde a sua constituição, de forma conjunta aos arguidos B… e C…, sendo necessário para obrigar a sociedade arguida a assinatura de ambos os gerentes, ou de um gerente e um procurador com poderes para o acto.
4. Eram os arguidos B… e C… quem, pelo menos desde 2004, gerindo a empresa, sendo aqueles quem pratica os actos de comércio e gestão, obrigando a sociedade por si representada, assinando cheques, efectuando pagamentos, contratando e despedindo trabalhadores, auferindo os proventos decorrentes de tal actividade e decidindo sobre a afectação dos recursos ao pagamento das obrigações.
5. No exercício da referida actividade a sociedade arguida facturou e liquidou IVA e procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA, quantias porém que não entregou nos Serviços de Administração do Imposto Sobre o Valor Acrescentado nos seguintes períodos, sem que tenha precedido à regularização dos mesmos após a notificação a que alude o artigo 105°/4 a) do RGIT, nos termos e montantes infra apurados e discriminados:
Período de imposto IVA apurado a pagar IVA ainda em dívida
2008-4 € 12.173,65 € 7.499
2008-11 € 21.505,91 € 21.505,91
2008-12 € 25.423,04 € 25.423,04
2009-1 € 9.032,93 € 7.499
2009-3 € 8.535,85 € 7413
2009-6 € 11.799,18 € 11.799,18
2009-9 € 24.450,76 € 27.450,76
6. Tais quantias, num total de € 115.775,16 deveriam ter sido entregues nos Serviços da Administração Fiscal até ao 10° dia do 2º mês seguinte ao mês a que dizem respeito as operações.
7. Os arguidos não entregaram as quantias referidas supra dentro dos devidos prazos nos Cofres da Fazenda Nacional, nem nos 90 dias subsquentes aos aludidos prazos, integrando-as no património da sociedade arguida, não obstante saberem que aquelas lhes não pertenciam e que não as podiam utilizar em proveito da sociedade, senão para as entregar aos competentes serviços do Estado.
8. Essas omissões de entrega dos montantes do IVA ocorreram porque em data concretamente não determinada, mas situada antes de Abril de 2008, os arguidos B… e C… optaram por responder a dificuldades de tesouraria sentidas pela sociedade arguida com a afectação de quantias recebidas por via de cobrança de imposto sobre o valor acrescentado, utilizando essas quantias para o pagamento de salários, fornecedores e demais despesas relativas ao giro comercial da empresa, optando por afectar tais quantias a estes pagamentos para permitir manter a sociedade a laborar, apesar de saberem que estavam obrigados a entregá-Ias aos cofres da Fazenda Pública e que tal actuação implicava consequências penais, opção essa que foram renovando devido à manutenção das dificuldades económicas da empresa e ao fácil acesso que tinham às quantias relativas ao IVA que iam recebendo dos clientes.
9. Os arguidos actuaram ainda aproveitando a oportunidade favorável à prática dos factos descritos, dado que, após a prática dos primeiros factos, não foram alvo de qualquer fiscalização ou penalização e verificaram persistir a possibilidade de repetirem as suas condutas.
10. Os arguidos, em data prévia à notificação referida em 4° procederam a pagamentos parciais com referência aos períodos Abril de 2008, Janeiro de 2009 e Março de 2009, nos montantes, respectivamente, de € 4.744,31; € 2.150,30 e € 1.122,85, pelo que ficaram em dívida relativamente ao mês de Abril de 2008 € 7.499,00; relativamente ao mês de Janeiro € 7.499,00 e relativamente ao mês de Março de 2009 € 7.413,00.
11. Os arguidos B… e C… agiram, em comunhão de esforços e intentos, em nome e no interesse da sociedade arguida, de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as condutas acima descritas eram proibidas e punidas por lei, com intenção de obter, como obtiveram, para a sociedade por si representada, vantagens patrimoniais, em detrimento do Estado Português, apropriando-se daquelas importâncias, apesar de saberem que não lhes pertenciam, e que as deviam entregar ao Serviço de Cobrança do IVA - Fazenda Nacional, o que não fizeram.
12. Mais sabiam que se encontravam obrigados a proceder à entrega dos montantes de imposto cobrado e retido e, mesmo assim, não se coibiram de os reter em detrimento da Fazenda Nacional.
13. Os arguidos foram notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105°/4, alínea b), do RGIT, a 10 de Março de 2010 e a 31 de Agosto de 2010, mantendo-se no entanto os montantes relativos às contribuições retidas, relacionadas com falta de pagamento de IVA, em dívida, nos termos e valores sobreditos, com excepção dos valores referidos em 10.
14. Os arguidos efectuaram acordos de pagamento de outras dívidas fiscais relativas a períodos fiscais anteriores aos aqui em causa, a partir de 2005, tendo efectuado pagamentos parciais de algumas dessas quantias.
15. Para o efeito, os arguidos recorreram ao crédito bancário tendo celebrado mútuos garantidos por hipoteca das suas habitações próprias e desponilizaram valores que tinham em PPRs.
16. A maior parte desses valores pagos foi, no entanto, consumida no pagamento de juros e coimas, abatendo o remanescente ao capital em dívida.
17. Os funcionários da sociedade arguida sempre receberam os ordenados.
18. A sociedade está encerrada desde Dezembro de 2010.
19. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
20. O arguido B… está desempregado, não auferindo qualquer tipo de rendimentos. É divorciado, mas partilha ainda a casa de morada de família com a mulher, estando em incumprimento relativamente ao contrato de mútuo. Tem 2 filhos a frequentar o Ensino superior e vivem com a ajuda da família Tem o 5º ano da Escola Industrial.
21. O arguido C… está desempregado, vive com a mulher na casa de morada de família, estando em incumprimento relativamente ao contrato de mútuo. Tem uma filha com 15 anos. Tem o 7° ano da Escola lndustrial”.

Factos não provados

“Os arguidos B… e C… tenham integrado as quantias de IVA recebido e não entregue no seu património pessoal”.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

“O tribunal formou a sua convicção analisando a prova de forma global e critica. Relativamente à constituição da sociedade D…, ao seu objecto social, à data da constituição, à nomeação dos gerentes da mesma e à forma de a obrigar valorou-se a Certidão de Matricula de fls. 28 a 30.
Quanto à forma de tributação em sede de IVA, à entrega das declarações e às não entregas dos valores devidos a título de IVA, bem como à forma como os montantes em dívida foram apurados valoraram-se os depoimentos da testemunha F…, inspector tributário o qual afirmou ter estado nas instalações da empresa e ter contactado com a funcionária H… a quem deixou a notificação de fls. 230 e 232 para identificação dos sócios gerentes e para solicitação da entrega dos elementos contabilísticos que comprovassem o recebimento do IVA liquidado relativo aos períodos de Abril, Novembro e Dezembro de 2008, em causa nos autos, tendo aquela ficha sido devolvida já preenchida com os nomes dos sócios-gerentes. Depois contactou com o TOC e os elementos foram-lhe entregues para anáfise.
Verificou os extractos da conta-corrente dos clientes onde consta as datas de pagamento das facturas e verificou quais os montantes que tinham sido efectivamente recebidos e, não entregues, só tendo considerado esses valores.
Confirma a existência de um pagamento parcelar relativamente ao mês de Abril de 2008 mas já em sede de execução fiscal.
A testemunha G…, técnica superior no Serviço de Finanças do Porto, afirma que efectuou a inspecção à sociedade arguida relativamente aos períodos de Janeiro, Março, Junho e Setembro de 2009, em causa nos autos.
Afirma que recebeu uma ordem de serviço para efectuar uma inspecção relativa àqueles períodos concretos e solicitou à sociedade arguida o envio dos elementos contabilísticos para comprovar o recebimento do IVA naqueles valores, a sociedade enviou os elementos, incluindo conta-corrente e recibos.
Aliás, uma das respostas da sociedade arguida consta da carta de fls. 41, onde refere que envia: “a relação de facturas, recibos de quitação das verbas recebidas relativas a essas facturas, declaração periódica do IVA, bem como elementos de suporte para o seu preenchimento.
A testemunha afirma que relativamente ao recebimento valorou os elementos enviados pela sociedade, tais como os recibos existentes e juntos de fls. 332 a 422 e ainda a análise da conta-corrente e elementos juntos a fls. 44 ss.
Quanto aos pagamentos parciais relativos a estes períodos também foram confirmados pela testemunha.
Ambas as testemunhas afirmaram que tiveram colaboração por parte da sociedade que facultou o que lhes era pedido.
As testemunhas depuseram de forma isenta, objectiva e segura denotando absoluto conhecimentos sobre os factos.
Relativamente à gerência de facto da sociedade os arguidos não quiseram prestar declarações, tendo vindo todavia, no seguimento do depoimento da testemunha I…, juntar os elementos documentais de fls. 448 a 579.
Ouvida a testemunha J… que nos períodos em causa nos autos era formalmente a Técnico Oficial de Contas da sociedade afirmou que o era apenas formalmente já que era a sua mãe quem, na prática exercia tais funções, limitando-se a testemunha a assinar a documentação porque a sua esteve impedida de o fazer devido a um problema de equivalência de habilitações.
A testemunha I… afirma que desde Junho de 2008 prestava serviços de TOC à sociedade arguida, embora formalmente só assine como TOC a partir de Dezembro de 2010, sendo a sua filha quem assinava anteriormente a documentação.
A testemunha afirma que eram os arguidos C… e B… quem geria a empresa desde que ela prestou serviços para a sociedade. Era com eles que contactava, indo à empresa todas as semanas, às vezes mais do que uma vez por semana.
Eram eles quem tomava as decisões.
Afirma que fez várias reuniões com os arguidos dando-lhes conta da situação fiscal da mesma.
Esclarece que os arguidos ainda pagaram alguns períodos de IVA em falta e fizeram empréstimos com hipoteca das suas casas para efectuar pagamentos parciais. Disponibilizaram ainda dinheiro de PPRs que tinham, só que o valor dos juros e das coimas consumiam tudo e a testemunha aconselhou-os a encerrar a empresa, pois, não havia viabilidade, o que veio a acontecer em Dezembro de 2010.
Ainda fizeram um pedido de pagamento prestacional gIobal ao Serviço de Finanças mas nunca obtiveram resposta.
Afirma que todos os elementos que foram fornecidos aos inspectores eram dados que constavam da contabilidade da empresa.
A testemunha depôs de forma isenta, objectiva e absolutamente segura, chegando a dizer que foi até contra a realização de empréstimo com hipoteca das casas próprias dos arguidos porque sabia que aquiIo não ia resolver nada, atendendo aos valores que estavam em divida.
Não sabe quais as causas que originaram o não pagamento do IVA no período anterior à sua entrada para a empresa.
Ora, os arguidos não quiseram prestar declarações e não produziram qualquer prova sobre o porquê de a situação fiscal ter chegado onde chegou.
Apenas se sabe, por ter sido esclarecido pela testemunha I… que o volume de negócios da empresa, no período em que lá prestava serviços, não chegava para se poder pagar os impostos e as demais despesas, pois, a sociedade tinha que importar as máquinas que comercializava de Itália e tinha que adiantar o dinheiro para as pagar senão não lhas forneciam.
Mais afirmou que os arguidos estavam esperançados em conseguir ultrapassar aquela fase e, por isso, investiam dinheiro próprio na empresa que ia directamente para pagamento de impostos.
Ora, destas afirmações resulta que os arguidos optaram por canalizar as quantias de IVA recebido e não entregue para pode pagar os salários e as despesas mais prementes com fornecedores e outras que se mostrassem essenciais para manter a empresa a laborar, pois, estavam esperançados na recuperação da empresa e, assim sendo, poderiam vir a pagar aquelas quantias.
Aliás, o depoimento da testemunha I… quanto à gestão da empresa foi confirmado pela testemunha H…, funcionária da sociedade arguida de 2004 a 2010, exercendo as funções de administrativa. A testemunha não tem dúvidas em afirmar que eram os arguidos B… e C… quem geriam na prática a sociedade. Eram eles quem contratava funcionários, assinavam cheques para efectuar pagamentos, davam ordens aos funcionários, não existindo mais ninguém na empresa que desse ordens.
A testemunha depôs de forma isenta, objectiva e segura, afirmando que os salários sempre foram pagos.
Aliás, a atitude dos arguidos ao diligenciarem pelo pagamento dos impostos só se entende vinda de gerentes da empresa.
Relativamente à situação económica dos arguidos valeram as declarações dos mesmos que se afiguraram credíveis.
Valoraram-se os documentos que constituem os anexos e os documentos de fls. 448 a 579.
Valorou-se ainda o CRC dos arguidos”.

III. 3. Apreciemos.

III. 3. 1. A nulidade da prova.

III. 3. 1. 1. As razões do arguido.

Entende o recorrente que a prova obtida é nula e não pode ser valorada pelo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 58º/5 C P Penal, por ter sido obtida em violação do conjugadamente disposto no artigo 58º/2 e 5, 59º/1, 248º C P Penal e 40º do RCPIT, porque não obstante resultar já fundada suspeita da prática do crime de abuso de confiança fiscal, o arguido recorrente (e os restantes arguidos) somente foram constituídos arguidos como tal e conheceram os direitos legalmente previstos no artigo 61º C P Penal em momento posterior ao da recolha, junto da sociedade arguida e fornecimento voluntário por esta de elementos que consideraram como essenciais para a prova do recebimento do IVA liquidado.

Neste segmento defende o recorrente que no âmbito do processo penal, com dignidade constitucional, o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo obrigado a contribuir para a sua própria culpabilidade e que como garantia da efectivação deste direito à sua não auto-incriminação, o legislador previu que resultando fundada suspeita de crime deve, desde logo, a inquirição ser suspensa de imediato, se a pessoa que está a ser ouvida não tiver a qualidade de arguido, pois que caso contrário as declarações não podem ser utilizadas como prova, contrariamente em sede de inspecção tributária, desde logo o artigo 9º do RCPIT impõe ao sujeito passivo o dever de cooperação com a administração tributária, resultando do artigo 10º do mesmo diploma que o incumprimento, ilegítimo, desse dever, pode ser fundamento da aplicação dos métodos indirectos de tributação - obrigação de colaboração esta, que compreende a enterga de documentos, bem com a prestação de declarações.
Daqui pretende o arguido que se ao abrigo do disposto no artigo 40º/2 do RGIT aos órgãos da administração tributária cabem no decurso do inquérito, os poderes e as funções que o C P Penal atribui aos OPC impõe-se então que a instauração de inquérito seja de imediato comunicada ao MP e quando a administração tributária, com competência delegada, se dirige à entidade sobre a qual existem fundadas suspeitas de que haja praticado um crime, de a constituir como arguido, nos termos do artigo 248º C P Penal, sob pena de qualquer prova que venha a obter dessa entidade antes desse momento não possa vir a ser utilizada contra ela, nos termos do n.º 5 do artigo 58º C P Penal.
Ora, continua o arguido, se no caso,
nenhum dos pedidos de informação, satisfeitos, foi precedido da constituição da sociedade e dos seus gerentes como arguidos,
só a resposta aos pedidos serviu de base à conclusão e, mesmo confissão de que o IVA facturado tinha sido recebido;
só depois da resposta é que os arguidos foram constituídos como tal,
quando o deveriam ter sido imediatamente, com a comunicação do inerente direito ao silêncio,
então a prova assim obtida é ilegal – seja, as declarações - documentos entregues pela sociedade e confissão de recebimento do valor das facturas, e não podia ser valorada, como foi.

III. 3. 1. 2. Atentemos.

Sobre este tema – que se pode traduzir no dever de colaboração do obrigado tributário com a autoridade tributária versus o direito ao silêncio, presunção da inocência e direito à não auto-incriminação - debuçou-se recentemente o Sr. Presidente desta secção criminal que em intervenção oral [1] proferida no Curso de Especialização Temas de Direito Fiscal Penal, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, em 15, 22 e 29 de Junho e 6 de Julho de 2012, consultável in site daquela instituição, teceu as considerações - com os habituais brilhantismo e sagacidade, tais, que importa aqui realçar, salientar - que, porque a elas aderimos, sem qualquer reserva, passamos com a devida vénia a citar e transcrever.

Conforme resulta do preâmbulo do Decreto Lei 413/98, de 31DEZ, que estabeleceu o Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária - pretendendo-se um sistema que garanta proporcionalidade, segurança dos sujeitos passivos e obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões - a inspecção tributária e os particulares estão sujeitos a um conjunto de regras
Nos artigos 5º a 9º afirmam-se e consagram-se os princípios da verdade material, da proporcionalidade, do contraditório e da cooperação.
O dever de colaboração ou de cooperação fiscal por parte dos contribuintes está ainda, desde logo, expresso na Lei Geral Tributária, artigo 59°/1, “os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração mútua”, estando, a inspecção tributária e os sujeitos passivos da obrigação tributária, adstritos a um dever mútuo de cooperação, adequado e proporcional aos objectivos a prosseguir, artigo 63º/4 da LGT. Uma das obrigações acessórias do sujeito passivo é a apresentação de declarações, exibição de documentos, contabilidade ou escrita e a prestação de informações, artigo 31º da LGT.
A falta de cooperação, quando ilegítima, constitui fundamento de aplicação de métodos indirectos de tributação, artigo 10º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária e 87º da Lei Geral Tributária, faz incorrer o infractor em responsabilidade disciplinar, contra-ordenacional ou criminal, artigos 59º/4 da Lei Geral Tributária, 48º/2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 113º do RGIT.
Também, segundo o artigo 48°/2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decrecto Lei 433/99, de 26OUT, “o contribuinte cooperará de boa fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso”.

Por seu lado, como é sabido, no processo penal comum o arguido goza do direito ao silêncio, da presunção de inocência e do direito à não auto-incriminação.
O princípio nemo tenetur se ipsum accusare - “ninguém tem que acusar-se a si mesmo”, “ninguém deve ser obrigado a contribuir para a sua própria incriminação”, tem como corolários o direito ao silêncio e o direito de não facultar meios de prova e reporta-se à dignidade da pessoa humana, à liberdade de acção e à presunção de inocência e está consagrado nos artigos 20º/4 da CRP- que reconhece o direito a um processo equitativoe – e 32º - que afirma as garantias da defesa no processo penal.
De resto, o direito do arguido ao silêncio para não se auto-incriminar também está consagrado, genericamente, no artigo 61º/1 alínea d) C P Penal – que estipula que, o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, a não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles presta – surgindo ainda afloramentos deste direito, nos artigos 141º/4 alínea a), 343º/1, 356º/1 alínea b) e 357º/1 do mesmo diploma.
Se o arguido é obrigado a responder às perguntas sobre a sua identidade – artigos 141º/3, interrogatório judicial de arguido detido e 143º/2, interrogatório não judicial de arguido detido, já quanto aos factos imputados, tem direito ao silêncio, tem direito a prestar declarações, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo – artigo 343º/1 C P Penal.

Coloca-se assim, a questão de saber se se verifica, ou não, uma tensão ou mesmo incompatibilidade entre o dever de colaboração com a autoridade tributária e o direito à não incriminação ou se se verifica, ou não, uma eventual dicotomia entre o dever de cooperação e o Direito á não Auto-Incriminação.
Na fase da intervenção da inspecção tributária vigoram vários direitos, mas não o direito ao silêncio.
Se a prova recolhida na fase inspectiva “transita” para o inquérito, importa questionar a relevância probatória do adquirido, qual o valor, em inquérito e julgamento, dessa prova.
A regra em matéria de prova é a admissibilidade das provas que não forem proibidas por lei, artigo 125º C P Penal. Se o adquirido na fase administrativa não constituir método proibido de prova, artigo 126º C P Penal e obedecer na sua recolha às regras aplicáveis nada obsta, em princípio, a que possa ser valorado em inquérito, instrução e julgamento.
O “constrangimento” legal do sujeito passivo a colaborar na fase inspectiva, não constitui ameaça com medida legalmente inadmissível, artigo 126º/2 alínea d) C P Penal, pois esse constrangimento e a sanção da falta de colaboração estão legalmente previstos. Nem é em abstracto desproporcionado.
Tal não invalida o dever de a administração verificar se o contribuinte deve ser constituído arguido e o direito do contribuinte, mesmo na fase administrativa, de se não auto-incriminar quando se verifiquem os pressupostos de ser constituído arguido, exigindo a sua constituição como tal.
Os documentos só não podem ser utilizados se a situação cair na previsão do artigo 126º C P Penal. Os documentos validamente obtidos pela Administração Fiscal junto dos contribuintes, ao abrigo de um dever geral de colaboração ou na sequência de deveres de informação que a estes são impostos, não constituem prova proibida, pelo que poderão ser considerados no processo criminal em que sejam arguidas as pessoas que entregaram esses documentos.
A delimitação do âmbito normativo do que é declaração é importante. Se no art.º 55º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária se distingue, como no processo penal comum, entre documentos e declarações, o âmbito normativo de declaração em direito tributário limita-se, em regra, a documentos, não a depoimentos.
Estas “declarações”, não são, em regra, declarações no sentido técnico jurídico-penal comum de depoimento, mas, predominantemente, informações relevantes em suporte documental oficial, aprovado e regulado legislativamente, tendo em vista possibilitar o apuramento da obrigação de imposto.
Os elementos indiciadores de crime – excluindo-se as declarações/depoimento do sujeito passivo – recolhidos na fase da inspecção tributária, recolhidos em conformidade com as regras legais daquela fase administrativa, podem posteriormente constituir elementos de prova no processo criminal.
Na fase inspectiva administrativa o catálogo dos direitos do sujeito passivo tributário, quer os reconhecidos na Constituição, artigo 32º, quer no artigo 89º do Código de Processo Administrativo, quer os consagrados na LGT, CPPT e nas leis específicas de cada imposto, em regra, não conflituam com o dever de cooperação. A antinomia pode ganhar relevância no confronto entre o dever de cooperação na fase inspectiva, artigo 9º, 32º/1 do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária, 59º e 75º da Lei Geral Tributária e, o direito à não incriminação.
De resto, a própria CRP consagra, a par das garantias processuais penais, garantias e deveres em matéria de impostos, artigos 103º e 104º. Temos em vista o dever constitucional de pagar impostos, dever que coenvolve um facere: a cooperação do contribuinte apresentando as suas declarações. Nesta perspectiva, quer o dever de cooperação, quer o direito à não auto incriminação acabam por ter assento constitucional. Por isso parece-me redutora a solução que, perante um direito – ao silêncio, presunção de inocência e direito à não auto incriminação – e um dever de pagar impostos, arrume a questão dando prevalência irrestrita ao direito em detrimento do dever. O TEDH o TC e os outros tribunais nacionais têm dito o que é óbvio: o nemo tenutur não é absoluto. Depois ao dever de colaboração está ligado o direito de participação na formação das decisões respeitantes ao contribuinte e que o afectem, artigo 60º da Lei Geral Tributária.
A Constituição não define uma hierarquia de valores. Em caso de conflito não há que sacrificar uns aos outros; o que há, necessariamente, é encontrar uma concordância prática entre os diversos interesses que possam conflituar: em cada caso concreto, procurar encontrar a forma de sacrificar o menos possível cada um dos bens jurídicos que estejam em conflito.
A imposição do dever de colaboração visa a salvaguarda de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Essa restrição é necessária para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional que consagra o direito ao silêncio. Do dever de colaboração depende a cobrança de impostos. É com essa receita que o Estado “promove o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais, tarefas fundamentais do Estado”, al. d) do artigo 9º da CRP. É com a receita dos impostos que o Estado, al. b) do artigo 81º, “promove a justiça social, assegura a igualdade de oportunidades e opera as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento”.
A administração tributária exerce as suas atribuições tendo em vista a realização do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, imparcialidade, celeridade e no respeito pelas garantias dos contribuintes, artigo 55º da Lei Geral Tributária.
O dever de colaboração tem uma dupla face, enquanto dever de colaboração e como direito já de “defesa”, de “resposta”, co-determinante/conformador da decisão da administração. A primeira finalidade do sistema fiscal é a satisfação das necessidades financeiras do estado e outras entidades públicas, artigo 103º/1 da CRP. Deste pondo de vista, interessa a eficiência e eficácia do sistema, sendo sua peça chave, o dever de colaboração. De outro modo, como se intui, seria virtualmente impossível o trabalho de comprovação da veracidade das declarações dos contribuintes e deixaria desprovido de qualquer garantia e eficácia o dever tributário que a Constituição consagra.
Já Marcello Caetano se referia a uma insubstituível colaboração do contribuinte com o fisco, através das declarações a apresentar aos serviços.
Entre um direito constitucional e um dever materialmente constitucional não se segue a prevalência do direito e o sacrifício do dever, tanto mais quando o legislador já resolveu legislativamente a sua concordância prática: na fase inspectiva vigoram os princípios da cooperação, da verdade material, da proporcionalidade e do contraditório; na fase processual penal ganha plenitude o estatuto do arguido, o direito ao silencio e à não auto-inculpação.
O exercício do dever de colaboração e do direito à não auto incriminação não é, as mais das vezes, um problema contemporâneo mas, nos casos em que ocorre, apenas sequencial. Não temos uma questão de prevalência mas de compatibilidade de soluções legais, em regra para momentos temporais e processuais diversos.
Porém se na pendência do procedimento inspectivo se indiciar crime tributário, verificando-se os pressupostos do artigo 58º C P Penal, ex vi, artigo 3º alínea a), 2ª parte, do RGIT, o sujeito passivo tributário deve ser, tem de ser constituído arguido, cessando o seu dever de colaboração; só colaborará se, livre e esclarecidamente, assim o entender, passando a beneficiar do catálogo de garantias constitucionais artigo 32º da CRP assegurando-se-lhe o exercício de direitos e deveres legais constantes dos artigos 57º a 67º C P Penal, nomeadamente do direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar. Como é sabido a falta de explicitação deste direito tem como consequência, que as declarações prestadas posteriormente, não podem ser utilizadas como prova, ocorrendo proibição de valoração, artigo 58º/2 e 5 C P Penal.
As declarações de que fala a lei, não abrangem a prova documental.
Em conclusão, operada a transição do processo inspectivo para o processo penal podemos assentar que no que espeita a “Declarações” do sujeito passivo, há que distinguir o que é declaração: enquanto depoimento nada vale; enquanto “documento” se aportado ao processo inspectivo de modo legal, vale como prova documental no processo penal, não se vislumbrando obstáculo à sua aquisição processual. O mesmo se passa quanto a documentos ou outra prova junta pela pela autoridade tributária: desde que não seja proibida é válida.

Há casos, no entanto, em que é legítima a falta de cooperação ou mesmo “oposição” por parte do sujeito passivo aos actos de inspecção para apuramento da situação tributária, cfr. artigo 89º do Código de Processo Administrativo, “solicitação de provas aos interessados”, que dispõe que:
1 - O órgão que dirigir a instrução pode determinar aos interessados a prestação de informações, a apresentação de documentos ou coisas, a sujeição a inspecções e a colaboração noutros meios de prova.
2 - É legítima a recusa às determinações previstas no número anterior, quando a obediência às mesmas:
a) Envolver a violação de segredo profissional;
b) Implicar o esclarecimento de factos cuja revelação esteja proibida ou dispensada por lei;
c) Importar a revelação de factos puníveis, praticados pelo próprio interessado, pelo seu cônjuge ou por seu ascendente ou descendente, irmão ou afim nos mesmos graus;
d) For susceptível de causar dano moral ou material ao próprio interessado ou a alguma das pessoas referidas na alínea anterior.
Nos casos em que a actividade é desenvolvida na habitação.
a) Falta de credenciação dos funcionários incumbidos da execução dos actos de inspecção, artigo 47º do RCPIT;
b) Acesso sem mandado à “habitação” do contribuinte, artigo 63º/5 alínea a) da Lei Geral Tributária, ou do TOC;
c) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, à excepção do segredo bancário, realizada nos termos dos artigos 63º-A, B e C da LGT;
d) Acesso a factos da vida íntima dos cidadãos, artigo 63º/5 alínea c) da Lei Geral Tributária;
e) Violação dos direitos de personalidade e outros, liberdades e garantias dos cidadãos, previstos da Constituição e na lei, artigo 126º C P Penal;
f) Verificação dos pressupostos da constituição de arguido, artigos 58º e 59º C P Penal, sem que o arguido seja constituído como tal e continue a autoridade tributária a exigir a sua colaboração - neste caso a proibição apenas abrange as declarações do arguido; quanto a documentos aplica-se o artigo 126º C P Penal.

Sobre esta temática foi chamado a pronunciar-se, já o TRG, que por 2 ocasiões, Acórdãos de 29.1.2007 e de 12.3.2012, decidiu que,
podem ser usados em processo penal os documentos validamente obtidos pela autoridade tributária na fase administrativa inspectiva ao abrigo do dever de cooperação;
tal utilização não viola os direitos consagrados do arguido, ao silêncio e à não “auto-inculpação”;
podem ser usados em processo penal documentos obtidos em inspecção tributária ao abrigo do dever de cooperação, pois que não foram conseguidos com “ameaça com medida legalmente inadmissível”, “com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto” ou “promessa de vantagem legalmente inadmissível”; ou ainda, mediante “intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”, concluindo-se que no caso não ocorria qualquer incompatibilidade entre o dever de colaboração por um lado e o direito ao silêncio e presunção de inocência por outro.
Mais decidiu que são válidos os depoimentos dos agentes que procederam a essa inspecção.
Mais disse o TRG: os documentos e elementos recolhidos pela Administração Fiscal junto dos contribuintes, ao abrigo de um dever geral de colaboração ou na sequência de deveres de informação que a estes são impostos, não constituem prova proibida. E sendo validamente recolhidas no âmbito da fase administrativa, tais provas deverão ser tomadas em consideração no processo criminal em que sejam arguidas as pessoas que entregaram esses elementos.

Assim, há que concluir que, nada impede que possam ser utilizados em processo penal, os documentos validamente obtidos na fase administrativa inspectiva ao abrigo do dever de cooperação – pois que não viola os direitos consagrados do arguido, ao silêncio e à não “auto-inculpação.

III. 3. 2. Erros de julgamento versus vício do erro na sua fixação.

III. 3. 2. 1. As razões do arguido.

O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os factos, tidos como provados,
1. “no exercício da referida actividade a sociedade arguida facturou e liquidou IVA e procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA, quantias, porem, que não entregou nos serviços de Administração do IVA nos seguintes períodos, sem que tenha procedido a regularização dos mesmos após a notificação a que alude o artigo 105º/4 alínea a) do RGIT, nos termos e montantes discriminados:
Os arguidos não entregaram as quantias referidas supra dentro dos devidos prazos nos Cofres da Fazenda Nacional, nem nos 90 dias subsequentes aos aludidos prazos, integrando-as no património da sociedade arguida, não obstante saberem que aquelas não lhs pertenciam e que as não podiam utilizar em proveito da sociedade, senão para as entregar aos competentes serviços do Estado”;
que ao invés deveriam ter sido declarados como não provados.

A favor da sua tese, invoca o arguido, entre outras, como concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, as seguintes:

- declarações das testemunhas E…, F…, G… e documentos juntos a fls. 76 a 96 dos autos.

III. 3. 2. 2. Estamos perante matéria reportada à questão do recebimento do IVA, constante do ponto 5. do elenco dos factos provados, bem como quanto à sua não entrega, constante do ponto 7, do mesmo elenco dos factos provados, cumpre dizer - questão relacionada com a abordada anteriormente, de resto – que,
conforme resulta da motivação da sentença, o tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção sobre esta matéria nos depoimentos da testemunhas, Inspectores Tributários, F… e G…, aquele que esteve nas instalações da sociedade arguida, para solicitar a entrega de elementos contabilísticos, que veio a receber, depois de ter contactado com o TOC, tendo, procedido, então, à análise dos extractos da conta-corrente dos cliente, onde constam as datas de pagamento das facturas, tendo verificado que os montantes tinham sido efectivamente recebidos e, não entregues – “só tendo considerado esses valores, de resto” - e esta que efectuou a inspecção à sociedade arguida relativamente ao ano de 2009, tendo da mesma forma pedido o envio dos elementos contabilísticos que recebeu, incluindo os conta-correntes e os recibos.
Ora foi com base nos elementos que a arguida fez chegar – ao abrigo do apontado dever de colaboração ou cooperação fiscais - aos serviços da inspecção tributária, que foi possível determinar os valores do IVA em causa e que foram tomados como bons pelo Fisco, não podendo, aqui e agora, o arguido, gerente daquela - apesar de não ter prestado declarações, em audiência - vir colocá-los em causa.
Com efeito, as verbas ali mencionadas foram inscritas pela sociedade arguida, de acordo com as regras da contabilidade pública, sendo certo que nos termos do artigo 75° da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto Lei 398/98, de 17DEZ “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na presente lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

Donde não existe nem erro na fixação da matéria de facto – muito menos notório. Vício este, que de resto, apenas pode resultar do texto da decisão, ainda que conjugado com as regras da experiência comum, não podendo recorrer-se para o afirmar - como faz o arguido - a elementos a ela estranhos, como são os depoimentos de testemunhas.

III. 3. 2. 3. O recorrente estrutura a sua pretensão – de revogação da decisão recorrida e da sua consequente absolvição - no facto de, na sua óptica, não ter sido produzida prova válida - passando, depois a invocar excertos da pessoal, acabando, no entanto, por concluir que fundamenta a procedência do recurso, na verificação dos vícios da decisão.
Grande e, já agora, indesculpável, confusão, se evidencia nos termos e fundamentos do recurso.
Assim, se na cogitação do recorrente, está - seguramente pelos termos e forma como, em substância, se exprimiu – a pretensão de impugnar a matéria de facto, isto porque no corpo da motivação, dá integral cumprimento aos requisitos do artigo 412º/3 e 4 C P Penal, especificando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e analisando, desde logo, excertos de vários depoimentos das testemunhas (o que está vedado para a apreciação dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, como é sabido), que transcreve, na parte que lhe interessará – o certo é que nas conclusões vem a enquadrar o fundamento do recurso no apontado vício da sentença.

Como é sabido, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão, da 1ª instância, relativa à matéria de facto pode ser modificada - artigo 431º alínea b) C P Penal - quando a prova tiver sido impugnada de acordo com o disposto no artigo 412º/3 do mesmo diploma.
Estamos, então, perante 2 vias que podem conduzir à modificação/alteração do julgamento da matéria de facto.
O erro de julgamento não se confunde com o vício da decisão. O erro de julgamento da matéria de facto tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127º C P Penal, e existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso.
Já os vícios do n.º 2 do artigo 410º C P Penal são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.

Labora, então, o recorrente em manifesto e incompreensível equívoco – enquadrando em termos processuais na existência de um vício da decisão, aquilo que em substância trata como erros de julgamento.

Se no caso do artigo 412º C P Penal - impugnação da matéria de facto – estamos perante erros de julgamento, no caso dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal estamos perante vícios da decisão.
Qualquer das situações referidas no artigo 410º/2 C P Penal, traduzem-se, sobretudo em deficiências na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, maxime na sua perspectiva interna, não sendo por isso o domínio adequado para discutir os diversos sentidos a conferir à prova.
Qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do referido artigo 410º C P Penal, é inerente ao silogismo da decisão e apenas dela pode ser apurado, nos termos do artigo 410º/2 C P Penal - não sendo possível o recurso a outros elementos que não o texto da decisão, para sua afirmação - ainda que conjugado com as regras da experiência, sendo a consequência lógica e imediata, da sua existência, salvo o caso de ser possível conhecer da causa, o reenvio do processo, artigo 426º C P Penal.
Na sequência lógica destes pressupostos, a sua emergência, como resulta expressamente referido no artigo 410º/2 C P Penal terá que ser detectada do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
Em sede de apreciação dos vícios do artigo 410º C P Penal, não está em causa a possibilidade de se discutir a bondade do que se considerou provado ou não provado, a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto.
Qualquer dos vícios do artigo 410º/2 C P Penal, pressupõe uma outra evidência e a argumentação do recorrente gira, então, em volta de uma melhor avaliação, ponderação e, quiçá, interpretação dos depoimentos das apontadas testemunhas, donde o recorrente estrutura a existência daquele apontado vício, não numa análise da decisão na sua componente interna, de racionalidade, de lógica e de coerência das diversas asserções dadas como provadas, mas antes, numa perspectiva de expressar o seu inconformismo com o resultado do julgamento da matéria de facto, que lhe foi desfavorável - ainda por cima, baseado na argumentação, que carece de fundamento de prova ilegal.
Os vícios do artigo 410º/2 C P Penal não podem ser confundidos com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada em sede de matéria de facto, nem pode emergir da mera divergência entre a convicção pessoal da recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127º C P Penal - aqui poderá haver erro de julgamento, sindicável, nos termos definidos no artigo 412º C P Penal.

A valoração da prova em sentido diverso - fora o caso de erro notório - ao pugnado pelo recorrente, merece tratamento em sede erro de julgamento, nos termos do artigo 412º C P Penal, através do controlo do erro na apreciação das provas (sobre a sua admissibilidade e valoração dos meios de prova) e a consequência imediata da sua procedência, é a modificação da matéria de facto, artigo 431º C P Penal.
Cremos ser evidente que a forma como o recorrente pretende obter a modificação do julgado, está longe de ser modelar, pois que trata questões atinentes à impugnação da matéria de facto, não em sede de erro de julgamento, seja no âmbito do artigo 412º C P Penal, mas antes, no âmbito do artigo 410º C P Penal, que se reporta, de resto, a vícios da decisão, do conhecimento oficioso.
Cremos que erradamente.
Andou, por isso mal, ao dar a veste processual que deu, a esta sua, pretensão, desde logo, com base na própria, valoração e apreciação sobre a prova produzida, de forma diversa, oposta, daquela que foi feita pela entidade competente, o tribunal.
Todas as invocações feitas no sentido da existência do vício do erro na fixação dos factos – que só pode ser entendido como alusão ao vício do erro notório, do artigo 410º/2 C P Penal - feitas pelo recorrente laboram em manifesto erro e confusão de conceitos, dado que a sua existência vem estruturada tão só, como corolário da discordância que patenteia com a forma como foi feita a valoração da prova na decisão recorrida – que tem por proibida, em grande parte.
Assim, perante este manifesto erro de enfoque feito pela recorrente, ao qualificar como vícios do artigo 410º/2 C P Penal, que a existirem constituiriam vícios da decisão, pretensão esta, estruturada no facto de o tribunal a quo não ter valorado, na sua perspectiva, correctamente a prova produzida, de natureza pessoal, o que, a ocorrer, constituiria erro de julgamento, temos que concluir, então, que perante os termos do recurso, está este Tribunal obrigado, a conhecer, quer, da existência do apontado vício da decisão – sendo que de resto, como é sabido, o conhecimento dos vícios do n.º 2 do artigo 410º C P Penal, são do conhecimento oficioso – quer da impugnação da matéria de facto, por alegados erros de julgamento.

Começando por ali, devemos desde já referir que, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie, qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º C P Penal.
Não existem, dede logo, pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum.

III. 3. 2. 4. Nem existe erro de julgamento, na fixação de tais factos.
Antes de avançarmos na consideração mais aprofundada desta temática, justifica-se fazer um breve parêntesis aos poderes conferidos às Relações em termos de modificação da matéria de facto apurada em 1.ª instância.
É que não se trata, como à primeira vista poderia resultar de uma leitura mais imediata dos correspondentes preceitos processuais, de poderes que traduzam um conhecimento ilimitado dessa mesma factualidade.
Para isso concorre, essencialmente, a concepção adoptada no nosso ordenamento adjectivo que concebe os recursos como “remédio jurídico” para os vícios de julgamento, ou se se quiser, o seu entendimento como juízos de censura crítica e não como “novos julgamentos”, bem como ainda, as decorrências do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C. P Penal e bem assim o natural privilegiamento que compreensivelmente se há-de conferir à decisão que foi proferida numa relação de maior imediação e proximidade com a sua própria produção.
Por via de regra, o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma fundada na sua própria interpretação da prova, mas antes verificar se a factualidade definida na decisão em apreciação se mostra adequadamente ancorada na análise crítica efectuada das provas.
Da mesma maneira, a alteração solicitada em recurso de um qualquer facto só é de proceder, quando de forma clara e convincente o juízo alternativo apresentado sobre a sua definição como provado ou não provado, evidencie o seu melhor fundamento em relação ao apresentado pela instância.
A questão, suscitada pelo recorrente, nesta sede, tem, desde logo, subjacente o controlo sobre a admissibilidade e valoração dos meios de prova de que depende em última análise, a fixação dos factos materiais da causa.

A circunstância de o tribunal, perante duas versões distintas – o que no caso, nem sequer acontece, pois que o arguido não prestou declarações - dar crédito a uma em detrimento da outra, tem a ver com o exercício do princípio da livre apreciação da prova, artigo 127º C P Penal, segundo o qual o julgador deve proceder à avaliação e ponderação dos meios de prova sem vinculação a um quadro pré-definido de valoração das provas, sujeito apenas às regras da experiência comum e ao dever de dar explicação concisa das razões da relevância atribuída à cada prova e do percurso racional que levou à decisão tomada.

Se assim é, se o Tribunal da Relação não procede a um segundo julgamento de facto, pois que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, não pressupõe a reanálise pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzida, mas tão-só o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido mencionados no recurso e das provas, indicadas pelo recorrente, que imponham (e não apenas, sugiram ou permitam) decisão diversa, estamos perante uma reapreciação restrita aos concretos pontos de facto que o mesmo entende incorrectamente julgados e às razões dessa discordância.
Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível).

De resto, a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, pode vir a transformar o julgamento na 2ª instância, num jogo de palavras vazio do pulsar da vida, da percepção dos sentidos e sentimentos.
Na verdade, não podemos esquecer que, ao apreciar a matéria de facto, o Tribunal da 2ª instância está condicionado pelo facto de não ter com os participantes do processo, aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o Tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada, deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação. [2]

A este propósito convém, então, referir que, nos termos do artigo 127º C P Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A maior parte das vezes, os recursos, quanto a esta concreta questão, de impugnação da credibilidade dos elementos de prova, demonstram um evidente equívoco - o da pretensão de equivalência entre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e o exercício, juridicamente ilegítimo, por irrelevante, do que corresponde ao princípio da livre apreciação da prova, exercício este que, para ser legítimo, logo juridicamente relevante, por imposição do artigo 127º C P Penal, somente ao tribunal, entidade competente, notoriamente, incumbe.
Não pode é, a convicção da recorrente sobrepor-se à do julgador.
Se, como é certo,
a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum;
desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, se deve acolher a opção do julgador da 1ª instância,
então, não merece acolhimento, na generalidade, a crítica que é dirigida ao decidido.
A apontada prova documental e o que sobre ela disseram as testemunhas inspectores tributários – mesmo perante o silêncio dos arguidos gerentes da sociedade – exigiam que se tivesse afirmado esta factualidade – aqui sim, sob pena de erro manifesto na sua apreciação.

III. 3. 3. Erros na aplicação do Direito.

Nem erro na aplicação do Direito, existe, já agora.
Neste segmento, considera o recorrente que existe erro na aplicação do direito pois que, erradamente,
foi aplicado o n.º 1 do artigo 105º do RGIT a situações de não entrega do IVA quando o elemento objectivo do tipo de crime ali previsto, somente abange as situações de retenção de imposto e o IVA não é um imposto que funcione por dedução/retenção;
se interpretou o disposto no n.º 2 do artigo 105º do RGIT, no sentido que o recebimento a data do termo do prazo legal de entrega da declaração periódica de IVA não era relevante para efeitos de preenchimento do tipo legal de crime, quando o seu recebimento da data do termo de prazo legal de entrega da declaração periódica de IVA é elemento objectivo do tipo legal de crime previsto no n.º 2 do artigo 105º do RGIT;
ainda que a matéria de facto impugnada se mantenha inalterada, tem de ser alterada a decisão em sede de subsunção jurídica por não se verificar o preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal do crime, p. e p. pelo artigo 105º/1 ou 2 do RGIT, que lhe foi imputado e pelo qual foi condenado, nem de qualquer outro crime, resultando que o recorrente tem de ser absolvido.

Com efeito, os valores reportados ao IVA foram efectivamente, deduzidos, recebidos e não entregues, total ou parcialmente, nos prazos legais.
Questão que de resto vem sendo debatido, anualmente, aquando da preparação do OGE e que se relaciona com o “IVA de caixa”, mas que não mereceu ainda consagração legal, no que à situação dos autos se refere.
Donde mesmo que não tivessem sido recebidos os valores insertos nas facturas, o certo é que a arguida sempre estaria obrigada a entregar o valor do IVA deduzido, à administração fiscal, aquando da entrega da declaração periódica.
Assim nenhum relevo assume a data de pagamento das facturas, reportadas, quer às datas de entrega das declarações periódicas do IVA, para o cumprimento voluntário da obrigação tributária, quer às datas das condições objectivas de punibilidade insertas no n.º 4 do artigo 105º do RGIT.
Da mesma forma e por esta ordem de razões não se verifica, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que o arguido invoca em simultâneo.
Dos factos provados resulta de forma inequívoca e ostensiva, mesmo, que o circunstancialismo apurado é susceptível de integrar o tipo legal de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º/1 do RGIT, que tem como factualidade típica, o facto de não entrega de prestação tributária deduzida e que o agente estava obrigado a entregar, em determinados prazos.
Existem no caso, quer a dedução, quer a não entrega total, nuns casos e parcial em outros.
Não só o Direito foi correctamente aplicado, como, da mesma forma se não verifica o invocado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que o arguido volta a invocar, a par do erro de Direito.

Donde, está o recurso, em todos os seus segmentos, votado ao insucesso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido B….

Taxa de justiça pelo arguido recorrente que se fixa no equivalente a 6 Uc,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2013.fevereiro.27
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira
______________
[1] Sob o título de “Investigação na criminalidade tributária e a prova. Especificidades na recolha da prova e a sua valoração em julgamento. Dever de colaboração do obrigado tributário versus direito ao silêncio do arguido”.
[2] Cfr. Figueiredo Dias, in Princípios Gerais do Processo Penal, 160.
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/45212f1350ffb94f80257b33003a42c2?OpenDocument

ACTOS PRATICADOS ELECTRONICAMENTE NOTIFICAÇÕES ELECTÓNICAS TRIBUNAIS DE RECURSO CITIUS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 04/03/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
257/09.0TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: ACTOS PRATICADOS ELECTRONICAMENTE
NOTIFICAÇÕES ELECTÓNICAS
TRIBUNAIS DE RECURSO
CITIUS

Nº do Documento: RP20130304257/09.0TVPRT.P1
Data do Acordão: 04-03-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: 150, 254º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
PORTª 114/2008 DE 6 DE FEVEREIRO

Sumário: I- Determina o artigo 150º, 1, do CPC (redação do DL303/2007, de 24-8, que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138º-A (Portaria é a n.º 114/2008, de 6-2).
II- O artigo 254º, 5, do CPC determina que a notificação por via eletrónica se presume feita na data da expedição e a expedição presume-se feita no 3º dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil – ver artigo 21º-A, 5, da referida Portaria.
III- São duas presunções que é necessário combinar, sendo certo que só o notificado pode elidir essas presunções em duas situações: alegando que não recebeu a notificação ou que esta ocorreu em data posterior à presumida.
IV- Como se sabe, não é aplicável a Portaria n.º 114/2008 aos tribunais superiores, pela simples razão da peculiaridade da forma como é levado a cabo o trabalho dos seus Magistrados, que em grande parte trabalha em casa o que não tornou viável que a sua intervenção nos autos oferecesse garantias de segurança e praticabilidade ao sistema CITIUS.
V - Assim, tem de ser interpretada em termos hábeis essa exclusão, não tendo lógica a existência de uma contagem de prazos na Relação diferente da do Tribunal de 1ª Instância.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
Proc. 275/09
TRP – 5ª Secção
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

Fls. 663 e segs. –
A Ré B…. (Europe), Ltd., veio reclamar da notificação para pagamento de multa, no montante de € 178,50, sob pena de se não considerar válido o ato de apresentação das suas Contra-Alegações no recurso para o S.T.J.
Ouvido o M.P., este emitiu parecer em que se pronunciou pela falta de razão daquela Ré por, essencialmente, no Preâmbulo da Portaria n.º 1538/2008, de 30-12, ser ressalvada a não aplicação aos Tribunais da Relação e STJ.
Resta apreciar.

II – FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Há que ter como assentes, por se encontrarem documentados nos autos:
1) As Alegações de Recurso da A. para o STJ deram entrada neste tribunal a 17-10-2012, tendo sido enviadas via fax (ver fls. 550 e segs.), sendo-lhes aposto carimbo com data de 18 (ver fls. 550).
2) De fls. 564 consta que essas Alegações foram eletronicamente notificadas aos demais mandatários, entre os quais o da referida Ré, tendo a mensagem eletrónica de notificação a data de 17-10-2012 (ver fls. 564 e 582).
3) A Ré B….. enviou as suas Contra-Alegações, por correio eletrónico, a 20-11-2012 (ver fls. 596).
4) E, com data de registo de 20-11-2012, enviou-as pelos Correios.
5) A Secretaria deste Tribunal, entendendo que teriam entrado fora de prazo e sem pagamento voluntário de multa, notificou o respetivo Mandatário para, no prazo de 10 dias, efetuar a multa prevista no artigo 145º, 5, do CPC, acrescida da penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de se não considerar válido o ato de apresentação das Contra-Alegações.
6) Aquela Ré não pagou qualquer um desses montantes e apresentou a reclamação acima citada.

DE DIREITO

Estes os Factos a que teremos de aplicar o Direito.
Determina o artigo 150º, 1, do CPC (redação do DL303/2007, de 24-8, que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138º-A.
Essa Portaria é a n.º 114/2008, de 6-2.
O artigo 254º, 5, do CPC determina que a notificação por via eletrónica se presume feita na data da expedição.
E a expedição presume-se feita no 3º dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil – ver artigo 21º-A, 5, da referida Portaria.
Temos aqui duas presunções que é necessário combinar, sendo certo que só o notificado pode elidir essas presunções em duas situações: alegando que não recebeu a notificação ou que esta ocorreu em data posterior à presumida.
Nenhuma destas situações foi alegada pela Ré em referência, pelo que têm de funcionar as mencionadas presunções em toda a sua plenitude.
Porém, terá razão de ser a invocada exclusão em relação ao STJ e Tribunais da Relação?
Como se sabe, não é aplicável a Portaria n.º 114/2008 aos tribunais superiores, pela simples razão da peculiaridade da forma como é levado a cabo o trabalho dos seus Magistrados. Na verdade, grande parte dos mesmos Magistrados trabalha em casa o que não tornou viável que a sua intervenção nos autos oferecesse garantias de segurança e praticabilidade ao sistema CITIUS.
Assim, tem de ser interpretada em termos hábeis essa exclusão, que não justifica a sua não aplicação a situações como a presente. E não teria lógica a existência de uma contagem de prazos na Relação diferente da do Tribunal de 1ª Instância.
Entendemos, pois, que tem razão a Ré B….. e que deram entrada tempestivamente as suas Contra-Alegações, não devendo qualquer multa e/ou penalização.

III – DECISÃO

Acordamos, face ao acima exposto, em julgar tempestivamente apresentadas as Contra-Alegações de Ré B….., sem aplicação de qualquer sanção ou sujeição ao pagamento de multa.

Porto, 2013-03-04
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
Ana Paula Vasques de Carvalho
Manuel Domingos Alves Fernandes
________________
Face ao acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO:
1 - Determina o artigo 150º, 1, do CPC (redação do DL303/2007, de 24-8, que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138º-A (Portaria é a n.º 114/2008, de 6-2).
2 - O artigo 254º, 5, do CPC determina que a notificação por via eletrónica se presume feita na data da expedição e a expedição presume-se feita no 3º dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil – ver artigo 21º-A, 5, da referida Portaria.
3 - São duas presunções que é necessário combinar, sendo certo que só o notificado pode elidir essas presunções em duas situações: alegando que não recebeu a notificação ou que esta ocorreu em data posterior à presumida.
4 - Como se sabe, não é aplicável a Portaria n.º 114/2008 aos tribunais superiores, pela simples razão da peculiaridade da forma como é levado a cabo o trabalho dos seus Magistrados, que em grande parte trabalha em casa o que não tornou viável que a sua intervenção nos autos oferecesse garantias de segurança e praticabilidade ao sistema CITIUS.
5 - Assim, tem de ser interpretada em termos hábeis essa exclusão, não tendo lógica a existência de uma contagem de prazos na Relação diferente da do Tribunal de 1ª Instância.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/a78199bc2ebef01280257b3600521be9?OpenDocument

segunda-feira, 11 de março de 2013

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA A JULGAMENTO PODER JURISDICIONAL INEXISTÊNCIA JURÍDICA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto -13/02/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2193/10.0TAMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: JUSTIFICAÇÃO DE FALTA A JULGAMENTO
PODER JURISDICIONAL
INEXISTÊNCIA JURÍDICA

Nº do Documento: RP201302132193/10.0TAMTS.P1
Data do Acordão: 13-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: Uma vez esgotado o poder jurisdicional, considera-se juridicamente inexistente o despacho do juiz que anula decisão anterior de condenação da testemunha em multa por falta injustificada de comparecimento à audiência de julgamento.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso 2193/10.0TAMTS.P1
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Nos autos de processo comum singular supra indicado, do 4º Juízo Criminal de Matosinhos, em que é arguido B…, filho de C… e de …, nascido em 03-05-1986, na freguesia …, concelho do Porto, residente na Rua …, n.º …, .º Dto., …, em 12 de Abril de 2012 foi levada a cabo a audiência de discussão e julgamento.

Devidamente notificado, faltou a ela a testemunha D….
O MP, por não prescindir da testemunha de acusação faltosa, promoveu que a mesma seja condenada em 2 UCs de multa nos termos do Art.º 116º, n.º 1 do C.P.P.
O Sr. Juiz lavrou o seguinte despacho:
“Para além da inquirição da testemunha faltosa D…, a qual se condena em 2 UCs nos termos do Art.º 116º, n.º 1 do C.P.P., mostra-se importante tentar ouvir o arguido B…. Para este efeito notifique-se o arguido pelo OPC competente para comparecer na data a designar, tentando-se ainda por contacto telefónico para o n° constante a fls. 166.
Para continuação da presente audiência de discussão e julgamento, designa-se o dia 19 de Abril de 2012, às 09:30 horas, a mesma data já designada por despacho de fls. 187, com excepção da hora, a qual foi alterada das 14:00 horas para as 09:30 horas”.

Em 19 de Abril de 2012 compareceu a aludida testemunha.
Consta da acta que esta “pediu a palavra, a qual lhe foi concedida, tendo no seu uso solicitado que lhe fosse considerada justificada a falta à anterior audiência de julgamento, dia 12 de Abril de 2012, conforme requerimento que juntou aos autos, visto que devido a muitos afazeres, se esqueceu por completo da data de julgamento”.

Dada a palavra ao Digno Procurador-Adjunto, por este “foi promovido que não se afigura que o requerimento tendente à justificação de falta observa os trâmites procedimentais e os requisitos para tal exigidos no Art° 117° do Código do Processo Penal pelo que se promove o seu indeferimento”.

O Sr. Juiz lavrou, então, o seguinte despacho:
“A testemunha D… alegou que se esqueceu da data de julgamento anterior, dia 12 de Abril de 2012, tendo nomeadamente em conta que foi notificado muito tempo antes para comparência. Face ao alegado no requerimento junto aos autos e ora reiterada no depoimento, que pareceu efectivamente sincera, tanto mais que a testemunha compareceu hoje voluntariamente, entende o Tribunal como desproporcionada manter a condenação em 2 UCs, superior a 200,00 € (duzentos euros), considerando também que o adiamento da audiência sempre seria concretizado mesmo que a testemunha D… tivesse comparecido, nomeadamente para ouvir o arguido, o que implica considerar que a falta anterior não causou prejuízo ao desenrolar do processo”.

Não conformado, o Digno Magistrado do MP interpôs o presente recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões:
1. A testemunha D… foi regularmente notificada para comparecer em audiência de julgamento agendada para dia 12.04.2012, mas, não obstante, não o fez, nem comunicou de qualquer forma a sua ausência;
2. O Ministério Público, nessa mesma audiência de julgamento, promoveu que tal falta fosse desde logo considerada injustificada e aplicada a sanção a que alude o artigo 116º do CPP, tendo o Mm.° Juiz condenado a testemunha faltosa no pagamento de duas UCs nos termos desse mesmo preceito legal;
3. Posteriormente a testemunha faltosa veio requerer que lhe fosse relevada a falta de 12.04.12, pretensão que renovou na data designada para continuação da audiência de julgamento, alegando, também aí e tão só, que se “esqueceu por completo da data do julgamento”;
4. Não obstante ter sido pelo MP aduzido que haviam sido inobservados os requisitos e trâmites procedimentais de que a lei faz depender a válida justificação de faltas, defendendo pois a manutenção do anteriormente já decidido a tal propósito, o M.º Juiz, evidenciando não considerar ter esgotado o seu poder jurisdicional com a decisão por si anteriormente proferida, prolatou o despacho de fls. 212, ora recorrido, onde, em súmula, classifica de «efectivamente sincera» a alegação de esquecimento do faltoso e premeia tal qualidade com a retirada de efeito ao seu anterior despacho de 12.04.12, adiantando que (ao que entendemos, face a tamanha sinceridade) seria desproporcionado manter tal condenação;
5. Todavia, quando confrontado o despacho ora recorrido com a factualidade acima elencada, afigura-se-nos clara a sua não conformidade com a letra e a intencionalidade normativa do art.º 117º do Código de Processo Penal, não devendo a mera alegação apresentada pelo faltoso ter sido aceite com válida para a justificar o seu comportamento relapso.
Senão, vejamos:
6. Decorre da Lei que uma falta só poderá ser justificada se tiver ocorrido facto não imputável ao faltoso e que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado;
7. Ora, a mera alegação de esquecimento não traduz motivo que possa ser reconhecido pelo Tribunal como impeditivo de não comparência no Tribunal e, simultaneamente, justificativo dessa conduta relapsa;
8. Perfilhar o entendimento plasmado no despacho recorrido, isto é, considerar bastante para justificar uma falta uma singela alegação de mero esquecimento, por mais sincera que pudesse ser reputada, seria abrir o caminho para a verificação de uma generalizada desresponsabilização e, logo, para a obstrução do bom funcionamento dos serviços de justiça;
9. E mais se diga que não relevará para a apreciação da regularidade da justificação de falta a circunstância de o acto processual em causa ter tido continuação em data posterior, não devendo pois a mesma servir para desvalorizar a ausência de motivo atendível para a não comparência (nem a omissão de indicações obrigatórias ou a inobservância dos trâmites procedimentais);
10. E cremos que nem mesmo o M.º Juiz a quo defenderá haver nestes casos uma desnecessidade de justificação de faltas, pois se assim fosse não seria então adequado e coerente que determinasse - como determinou no próprio dia em que a ausência se verificou - que à testemunha faltosa fosse de imediato aplicada a sanção prevista no artigo 116º do CPP;
11. O regime de justificação de faltas plasmado no artigo 117º do CPP é aplicável a todos os actos processuais para os quais tenha havido regular notificação dos intervenientes e não se nos afigura aceitável que a partir do mesmo se “crie” um regime light, condescendente e morno, aplicável em certas circunstâncias com a de o acto em causa continuar em data posterior: mais fácil até seria aceitar que se assuma que o mesmo de todo não se aplica nessa eventualidade - com o que todavia não se concorda.

Não foi apresentada resposta.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no qual afirma que “Embora nos pareça que também por esse lado deveria ser reconhecida razão ao Magistrado recorrente a verdade é que o despacho em recurso deve ser declarado inexistente por falta de legitimidade do M.º Juiz para dar sem efeito anterior decisão”.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

A única questão do presente recurso é a de saber se o M.º Juiz a quo, proferida decisão que condenou uma testemunha em multa pela falta a julgamento, pode revogar o seu despacho e dar sem efeito a aludida condenação.

A resposta é obviamente negativa.
Na verdade, prescreve o n.º 1 do art.º 666º do CPC, aplicável aos autos ex vi do art.º 4º do CPP: “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
Acrescenta o n.º 3: “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos”.
Devidamente interpretado o preceito legal, significa que, proferido o despacho de condenação em multa, o Juiz não pode, a seu bel-prazer, revogá-lo.
Só em sede de recurso pode ser revogado ou alterado.
Proferido o despacho, nos termos conjugados da alínea b) do n.º 1 e o n.º 3 do art.º 380º do CPP, ao Juiz apenas é lícito corrigir “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”.
E nada mais.
Ora, o Sr. Juiz, pura e simplesmente revogou o seu anterior despacho quando já estava esgotado o seu poder jurisdicional.
Afirma o Supremo Tribunal de Justiça[1] que, “Fora dos casos em que, nos termos legais, é permitido ao Juiz rectificar a decisão (…), o seu poder jurisdicional esgotou-se por imperativo legal, pelo que a nova decisão que padeça de tal vício é juridicamente inexistente, não vale como decisão jurisdicional”.
E acrescenta: “Tal falta de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença ou despacho, determinante da invalidade do acto, não constitui uma nulidade stricto sensu mas inexistência jurídica da citada decisão, que é outra forma de invalidade para além da nulidade”.
Porque assim é, considera-se juridicamente inexistente o despacho que anulou o despacho que condenou a testemunha em multa, como bem defende o Ex.mo PGA.

Ainda que assim não fosse – e é -, sempre o despacho recorrido seria ilegal.
Vejamos.
Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 116º do CPP, “Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre 2 UC e 10 UC”.
Dispõe o n.º 2 do art.º 117º do mesmo Diploma Legal: “A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento”.
O Tribunal Constitucional, em Plenário[2], considerando conforme à CRP o art.º 116º do CPP, explanou a este propósito, fazendo interpretação teleológica das normas em causa:
“A soma cujo pagamento é imposto ao abrigo do n.º 1 do artigo 116.º do CPP para a falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente notificada ou convocada para acto do processo penal sanciona um comportamento que, em extremo rigor, poderia integrar crime de desobediência, mas ao qual a lei tradicionalmente confere tratamento privilegiado, sancionando-o expeditamente com uma multa processual, aplicável mediante um incidente simplificado (Cfr., a propósito de mecanismo sancionatório semelhante que já constava do artigo 91.º do Código de Processo Penal de 1929, o Parecer n.º 98/78, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 284, págs. 30 e segs.).
O fim imediato desta sanção é reprimir o incumprimento do dever de colaboração para que o agente é solicitado no âmbito de um concreto processo. (…)
Mas a sanção cumpre também um fim de prevenção geral, intimidando os potenciais infractores e contribuindo para instilar na comunidade a consciência da efectividade desse dever, minorando a perniciosa repercussão da generalização de uma atitude de desrespeito pelas convocatórias dos tribunais na tarefa fundamental do Estado de administrar justiça. Esta preocupação em atacar o que era identificado como um dos pontos críticos da morosidade da justiça penal tornou-se evidente com as novas regras de justificação das faltas em processo penal, introduzidas no artigo 117.º do CPP pela Lei n.º 55/98, de 25 de Agosto. Avulta neste regime a imposição de que a falta seja comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, ou no dia e hora designados para a prática do acto, se imprevisível, e não em momento posterior à falta, como era tradicional. (…)
A colaboração dos cidadãos na administração justiça, que se desdobra nos deveres de testemunhar, de intervir como perito, de participar no tribunal do júri e intervenções ocasionais semelhantes (com ressalva dos casos de recusa legítima), corresponde a um dever fundamental dos cidadãos para com o Estado, de conteúdo cívico-político. Afigura-se lícito extrair essa fundamentalidade da expressa autorização constitucional para impor o cumprimento coercivo de tal dever (rectius, da imposição coactiva de um dever prodrómico desse dever de colaboração, que é o dever de comparência perante as autoridades judiciárias quando a pessoa é regularmente convocada – alínea f) do n.º 3 do artigo 27.º da CRP), o que pressupõe o seu implícito reconhecimento constitucional. De todo modo, mesmo quem assim não entenda não negará carácter de dever legal fundamental ao dever de colaborar na administração da justiça (Parece ser esta a opinião de Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., pág. 534 e de José Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pág. 94). (…)
Mas não se concebe que possa prescindir-se da imposição de comparência perante as autoridades judiciárias por parte de quem deva prestar depoimento, porque esse é um meio de prova sem o qual a instrução e o julgamento das causas é, geralmente, impossível. E não pode deixar de estabelecer-se o adequado e expedito sancionamento dos faltosos, pois de outro modo a imposição do dever não teria eficácia. (…)
Todavia, a norma que manda impor ao faltoso o pagamento de uma «soma» não se destina, ou não se destina apenas, a reprimir a falta em função do resultado concreto, mas a sancionar a desobediência à ordem de comparência, enquanto conduta potencialmente lesiva da boa administração da justiça, que transcende esse resultado ou o perigo concreto.
Pretende-se, por um lado, mediante a imposição do dever de comunicação antecipada da causa impeditiva de comparência previsível, habilitar o tribunal (ou a autoridade judiciária) com informação atempada que lhe permita reorganizar o serviço e reduzir, até onde for possível, as consequências negativas da falta, seja para o serviço em geral, seja para os restantes intervenientes processuais. E visa-se, concomitantemente, criar na comunidade em geral a convicção na efectividade da norma que estabelece o dever de testemunhar e, para tanto, de comparecer no local e na data determinados pela autoridade que dirige o processo” (realces nossos).
Assim é, com efeito. Por isso, a falta teria de ser justificada até à data em que teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
Admite-se, com a Relação de Guimarães[3], que, “No caso de ter havido um justo impedimento para o arguido cumprir no momento processual adequado a obrigação de comunicação, possa justificar a falta em conformidade com o regime do justo impedimento”.
Para tanto, e como se refere neste aresto, “cabia ao mesmo arguido invocá-lo expressamente e apresentar os respectivos elementos de prova mediante requerimento apresentado no prazo de três dias após o termo do prazo ou cessação do impedimento (art.º 107.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal e art.º 146.º do Código de Processo Civil)”.
O que não sucedeu in casu, já que a testemunha jamais alegou sequer justo impedimento.
Consequentemente, não podia o Sr. Juiz considerar justificada a falta ao julgamento.
Por um lado, porque o requerido foi intempestivo.
Por outro, porque o esquecimento não pode justificar faltas a julgamento sob pena de desorganização de todo o serviço judicial, o que há que evitar e impedir.

DECISÃO:
Termos em que, na procedência do recurso, embora com fundamentos diversos dos alegados pelo MP em 1ª Instância, se declara juridicamente inexistente o despacho do Sr. Juiz a quo, no qual considerou justificada a falta da testemunha D….
Sem tributação.

Porto, 13-02-2013
Francisco Marcolino de Jesus
Élia Costa de Mendonça São Pedro
________________
[1] Ac do STJ de 6/5/2010, processo 4670/2000.S1, in www.dgsi.pt
[2] Ac. 237/2008
[3] Ac da RG de 5/11/2012, processo 478/11.0GAFLG, in www.dgsi.pt

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/104e8db8b7d5a24080257b21003caf36?OpenDocument

quinta-feira, 7 de março de 2013

Juiz apreende arma de fogo a advogado no Tribunal de Tomar - 04/03/2013 - CUM GRANO SALIS - http://granosalis.blogspot.pt/


Juiz apreende arma de fogo a advogado no Tribunal de Tomar

PÚBLICO e LUSA
Público - 04/03/2013 - 21:02

Questionado se tinha uma arma consigo, o advogado admitiu que sim. Não trazia era a licença de uso e porte de arma, que tem dez dias para apresentar.
O juiz presidente do Tribunal Colectivo e de Júri que condenou esta segunda-feira em Tomar um homem por homicídio apreendeu uma arma de fogo ao advogado de defesa na sala de audiência, antes da leitura do acórdão.
O advogado António Velez foi interpelado pelo juiz, que lhe perguntou se tinha consigo uma arma de fogo, tendo-lhe sido solicitada a sua entrega, bem como a exibição da respectiva licença de uso e porte de arma, que o causídico disse não ter de momento em sua posse. O juiz determinou a apreensão da arma e concedeu dez dias para que o advogado apresentasse a licença em causa, lembrando que o tribunal já possui entidades responsáveis pela segurança.

Tanto quanto o PÚBLICO conseguiu apurar, o advogado já declarara, ao intervir em defesa do seu cliente numa sessão anterior do julgamento, que era proprietário de uma arma de fogo.

“Às pessoas que assistem à audiência, incluindo os seus advogados, cabe não transportar objectos perturbadores ou perigosos”, lembrou o juiz, sublinhando que “os advogados já têm grandes encargos no decurso das audiências, pelo que não lhes cabe a segurança de um tribunal”.
António Velez foi advertido antes da leitura do acórdão que condenou o seu cliente a uma pena de 20 anos de prisão por homicídio qualificado e profanação de cadáver, bem como ao pagamento de uma indemnização de 110 mil euros aos pais da vítima. A pena resulta do cúmulo jurídico das condenações por crime qualificado (19 anos) e profanação de cadáver (18 meses), de um amigo de infância do arguido, cujo corpo continua por localizar.
Durante a leitura do acórdão, o juiz salientou a frieza do acusado e a “defesa insubsistente e grotesca” realizada ao longo das sessões de julgamento do caso, que remonta a 24 de Abril de 2012.
O condenado chegou a confessar o crime à Polícia Judiciária e à juíza de instrução criminal, para mais tarde o negar durante as sessões do julgamento, alegando que a confissão resultara de agressões por parte dos inspectores da PJ, o que durante o julgamento não foi dado como provado.
POSTO POR L.C. À(S) 5.3.13

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quarta-feira, 6 de março de 2013

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça



Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3327/10.0TBSTS-D.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
FUNDAMENTOS
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO IMPEDITIVO
ÓNUS DA PROVA
CONTAGEM DOS JUROS

Data do Acordão: 14-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / PROVAS.
DIREITO DE INSOLVÊNCIA - PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO - LIQUIDAÇÃO - EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, 2005, 168.
- Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 25, 138/140.
- Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª edição, 1970, 236 e ss..
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Reimpressão, Quid Juris, 2009, 72, 784.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 130.
- Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 5ª edição, 2009, Almedina, 241.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, I, 2011, 76 e 77; Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 356 e 357.
- Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo 1º, 1946, 196.
- Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 42 e 46.
Legislação Nacional:
CIRE: - ARTIGOS 2.º, 5.º, 14.º, N.º1, 18.º, N.ºS1 E 2, 27.º, Nº 1, A) E B), 48.º, N.º1, AL. B), 162.º, 236.º, N.ºS1 E 3, 237.º, 238.º, N.ºS 1 E 2, 243.º, 244.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, N.º2, 342.º, N.º2.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGO 13.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, Nº 2, 661.º, 664.º, 684.º, Nº 3, 685.º-A, 726.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6-7-2011, Pº Nº 7295/08.OTBBRG.G1.S1; STJ, DE 21-10-2010, Pº Nº 3850/09.9TBVLG.-D.P1.S1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 24-1-2012, Pº Nº 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, WWW.DGSI.PT .

Sumário :
I - Não ocorrendo qualquer uma das circunstâncias aludidas na al. d), do n.º 1, do art. 238.º, do CIRE, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido de exoneração do passivo restante ser, liminarmente, admitido.
II - O despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração.

III - Os fundamentos que constam das várias alíneas do art. 238.º, n.º 1, do CIRE, com excepção do disposto na al. a), não assumem uma feição, estritamente, processual, mas antes têm natureza substantiva, referindo-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão do benefício da exoneração do passivo restante, o que não significa a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto tem que ser produzida prova desses factos, e a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui apenas requisito de admissibilidade da exoneração.

IV - E, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, são susceptíveis de obstar a que o mesmo se tenha constituído, validamente, competindo, por isso, aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração.

V - Cabe ainda aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o art. 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE, que se não presume, não decorrendo, sem mais, da apresentação tardia pelo insolvente do pedido de exoneração do passivo restante, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora.


Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:



AA, em 23 de Julho de 2010, requereu a declaração da sua de insolvência e, bem assim como, a exoneração do passivo restante, alegando preencher todos os requisitos, legalmente, exigidos, e obrigando-se a observar as condições decorrentes dos artigos 237º e seguintes, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Por decisão de 28 de Maio de 2010, foi declarada a insolvência do ora requerente.

O administrador da insolvência emitiu parecer, no sentido do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

O Tribunal de 1ª instância indeferiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento no disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, porquanto o ora requerente não se apresentou à insolvência, nos seis meses subsequentes ao conhecimento da sua situação, com prejuízo para os seus credores.

Desta decisão, o ora requerente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, determinando o prosseguimento do incidente para apreciação dos pressupostos da concessão efectiva da requerida exoneração do passivo restante, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.

Do acórdão da Relação do Porto, o credor “Banco BB, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (i), revogando-se o mesmo e, bem assim como, determinando-se que não seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante (ii), formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª – O presente recurso foi interposto do douto acórdão proferido pelos M°s Juízes Desembargadores, a fls. do processo, que deferiu o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo recorrido por considerar que não existe motivo para indeferimento liminar do mesmo.

2ª - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.

3ª - O recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

4ª - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de que ora se recorre, julgou o recurso de apelação procedente, revogando a decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial de Santo Tirso.

5ª - Pelo que, não fosse a última parte da redacção do artigo 14° do CIRE, o recorrente estaria impossibilitado de sindicar o acórdão recorrido.

6ª - No entanto, previu o legislador, que se for demonstrado que "o Acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não haja sido proferido Acórdão de uniformização de Jurisprudência" é admitido recurso de revista excepcional (cfr. art. 14° e 17º do CIRE e 721°-A, n°1, al. c) do CPC).

7ª - A contradição de julgados manifesta-se, no caso concreto, entre o acórdão recorrido e quatro outros Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto de, respectivamente, 03 de Fevereiro de 2012, 3a Secção, processo n.°3326/10.1 TBSTS-D.P1; ii) 18 de Janeiro de 2012, 2a Secção, processo n.°3323/10.7 TBSTS-E.P1; iii) 23 de Maio de 2012, 2a Secção, processo n.° 3325/10.3 TBSTS-F.P1 e iv) 10 de Outubro de 2012, 2a Secção, processo n.° 3324/10.5 TBSTS-1.P1.

8ª - Os citados Acórdãos estão em contradição com o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto sobre a questão de saber se estão preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

9ª - Mais, os Doutos Acórdãos foram proferidos no âmbito dos processos de insolvência dos irmãos do aqui recorrido/insolvente que i) são responsáveis pelas mesmas dívidas junto do B BB, SA e dos demais credores e ii) revelam a semelhante e dolosa forma de actuação do "clã CC".

10ª - No cumprimento da formalidade exigida no artigo 721°- A, n.°1, al. c) do C.P.C., junta-se cópia dos acórdãos referidos.

11ª - A nulidade prevista na 1a parte da al. d) do n.°1 do artigo 668° do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n° 2 do art. 660° do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação...".

12ª - Acontece que, o Acórdão recorrido apenas apreciou a questão de saber se estão ou não verificadas as situações enunciadas no artigo 238° n.°1 al. d) do CIRE, não se pronunciando sobre os factos carreados para os autos e que integram a previsão da alínea e).

13ª - Ou seja, existe omissão de pronúncia do Juiz Desembargador, uma vez que, o Acórdão Recorrido por si redigido deixou de se manifestar sobre uma questão temática central que lhe foi colocada, como é o caso de constarem do processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.

14ª - O Juiz relator do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto deveria ter emitido um parecer sobre a existência de negócios dolosos celebrados pelo Recorrido, que contribuíram sobremaneira para a sua situação de insolvência e, consequentemente, obstam à concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

15ª - Pelo que, suprimindo tal juízo, verificou-se, assim, uma nítida omissão do dever de pronúncia.

16ª - A consequência é a nulidade do Acórdão, nos termos do art. 668 n.°1 al. d) e art. 716° n.°1 ambos do CPC.

17ª - Nulidade que desde já se invoca.

18ª - O Recorrido nunca poderá ver o seu pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente deferido por violação do disposto nas alíneas d) e e) do n.°1 do artigo 238.°, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE).

19ª - O montante dos créditos reclamados ascende a Eur. 28.781.171,08 (vinte e oito milhões setecentos e oitenta e um mil cento e setenta e um euros e oito cêntimos).

20ª - O referido valor resulta, na sua maioria, de diversas operações financeiras avalizadas pessoalmente pelo Recorrido enquanto sócio e/ou gerente das sociedades "DD, LDA.", "EE, LDA.,", "FF. S.A.,", "GG, LDA.", "HH, SA." e "II, SA.".

21ª - Aliás, quatro das referidas sociedades foram declaradas Recorridos nos seguintes processos judiciais: DD, LDA - Recorrido nos autos n.° 2252/10.9TBSTS do 2o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso; EE, LDA. - Recorrido nos autos n.° 1160/10.8TJVNF do 4°Juízo Cível do Tribunal de Judicial de Vila Nova de Famalicão; GG, LDA - Recorrido nos autos n.º 772/10.4 do 2°Juízo Cível do Tribunal Judicial de Alcobaça; II, SA. - Recorrido nos autos n.° 3913/10.8TJVNF do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.

22ª - De facto, nos termos dos n°s2 (a contrario) e 3 do artigo 18° do CIRE, sendo o devedor titular de uma empresa, mantém-se, quanto a este, o dever de apresentação à insolvência, no prazo de 60 dias após o conhecimento da situação de insolvência.

23ª - Com efeito, o devedor, enquanto sócio gerente das referidas empresas, estava obrigado a apresentar-se à insolvência, no prazo de 60 dias, face à citada disposição legal.

24ª - Enquanto sócio, gerente, avalista e, de um modo geral, garante das obrigações financeiras das citadas empresas, o devedor tinha plena consciência de que, também ele, se encontrava em situação de insolvência, pois bem sabia que o seu património sempre seria solidariamente responsabilizado por todas as operações financeiras que o próprio avalizou e que, no que ao aqui Requerente dizem respeito, ascendem a Eur.18.449.993,82 (dezoito milhões quatrocentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) cujo vencimento data de Dezembro de 2009.

25ª - Uma vez que, os montantes reclamados se encontram vencidos e que o Recorrido responde por esses valores pessoal e solidariamente, este não poderia ignorar que se encontrava em indubitável situação de insolvência, até porque os seus principais rendimentos provinham da actividade exercida nas mencionadas sociedades.

26ª - Ao assumir pessoal e solidariamente as referidas operações, o devedor deveria, de acordo com a ponderação de um homem médio, ter tomado conhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos.

27ª - O Recorrido, face ao colossal passivo de que era (e é) devedor, não podia, pois, ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhe permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.

28ª - Ao falar em perspectiva séria o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do Recorrido, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.

29ª - Atente-se que, ao avalizar diversas operações de crédito, o Recorrido assumiu-se como devedor principal e solidário das responsabilidades das sociedades que administrava, não gozando, por isso, de qualquer benefício de excussão prévia do património das mesmas.

30ª - Nem tão pouco procede a ideia de que a condição financeira do Devedor, enquanto pessoa singular, nada tinha que ver com a das pessoas colectivas que geria, pois a sua situação económica estava ligada umbilicalmente à das citadas empresas, que enquanto gerente tinha a obrigação de conhecer.

31ª - Pelo que, conhecendo a sua situação de garante e as dificuldades sentidas pelas empresas que administrava não podia deixar de supor que lhe caberia honrar os compromissos assumidos.

32ª - É, pois, inequívoco que, por um lado, se vislumbra uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações por parte do Recorrido que o mesmo não podia ignorar, por outro, não existe qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

33ª - Por outro lado, é inquestionável que esta omissão causou prejuízo aos seus credores, que viram os seus créditos aumentar - designadamente através da contínua contagem de juros moratórios das obrigações vencidas e incumpridas - e cuja recuperação se vai tornado cada vez mais difícil.

34ª - De facto, a não apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores.

35ª - O Recorrido não se apresentando à insolvência, no prazo legal estabelecido, violou os requisitos impostos por Lei para que possa beneficiar da exoneração do passivo restante.

36ª - Nos termos do Aviso n°3/95 do Banco de Portugal, é obrigatória a constituição de provisões para o crédito vencido, sendo criadas, para o efeito, classes de risco que, consoante a amplitude do mesmo, implicam um maior ou menor provisionamento.

37ª - As classes de risco são estruturadas em função do período decorrido após o respectivo vencimento, obrigando ao provisionamento de uma maior percentagem do crédito vencido, quanto maior for o tempo decorrido após o vencimento.

38ª - Em resultado do regime de provisionamento previsto no Aviso 3/95, quanto mais tempo decorrer entre a interrupção dos pagamentos por parte de um mutuário e a regularização da dívida (por pagamento ou execução das garantias), maior será o volume de provisões que a Instituição de Crédito (IC) será obrigada a reconhecer nas suas demonstrações financeiras. Ou seja, qualquer atraso provocado pelo devedor no processo de regularização da dívida irá aumentar a antiguidade da mesma e, em consequência, incrementar as provisões/prejuízos da IC (para além dos juros sobre a dívida).

39ª - A não apresentação à insolvência no momento em que o Recorrido teve conhecimento da impossibilidade de fazer face aos compromissos financeiros assumidos consubstanciou-se num inequívoco prejuízo para os credores, com o aumento da percentagem relativamente ao crédito vencido que teve de provisionar.

40ª - Para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante, e no que se reporta ao "ónus probandi", a decisão singular do Tribunal da Relação do Porto de 6/09/2010, proc. 560/09.0TJPRT-A.P1, proferida pelo Juiz Relator Rui António Correia Moura, refere o seguinte: "É ao devedor-requerente que cabe alegar e provar o conjunto de declarações, circunstâncias e factos constitutivos do direito alegado - artigo 342.°, n.° 1 do C. Civil. (...) Os credores não ficam obrigados a provar a versão dos factos trazida eventualmente à oposição.

41ª - É ao devedor-requerente que compete alegar a inexistência de prejuízo causado aos credores pelo atraso na sua apresentação à insolvência, (...). Não é aos credores que cabe alegar e provar que de facto tiveram prejuízo com a eventual apresentação tardia do devedor à insolvência.

42ª - Também não poderia ser deferido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Recorridos por flagrante violação do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 238.° do CIRE.

43ª - Nos termos da alínea e), do n° 1, do artigo 238.° do CIRE, o pedido de exoneração do passivo restante é liminarmente indeferido se: "constarem já do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º ".

44ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 6 de Abril de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o Recorrente/Recorrido AA vendeu a KK, pelo preço declarado de Eur.70.041,63, a fracção designada pela letra "B", correspondente a uma habitação, no prédio urbano sito no Lugar ..., da freguesia de ..., concelho da ..., descrito na C. R. Predial da ... sob o n° …, e inscrita na matriz sob o artigo ….

45ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 25 de Junho de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o referido KK, vendeu pelo preço declarado de Eur. 70.041,63, a referida fracção "B", à sociedade "LL, S.A.", com sede na Rua do ..., n° …, Lugar de ..., na ..., cujo actual Administrador Único é MM, o qual é sobrinho de NN, "ex-mulher" do Recorrido OO, pois é filho da irmã dela.

46ª - A sede desta sociedade é na residência de OO, irmão do aqui Recorrente e que, também, foi declarado Insolvente.

47ª - Tal como se alcança do parecer emitido pela Sra. Administradora de Insolvência junto aos autos, não obstante as referidas vendas, o Recorrido jamais deixou de habitar e de usufruir da referida fracção, actualmente, com um contrato de arrendamento, onde se incluem os bens móveis que sempre foram seus!

48ª - Assim sendo, é óbvio que estamos perante uma actuação dolosa, em claro prejuízo dos credores, para além de reveladora de má fé e consubstanciar actos resolúveis em benefício da Massa Recorrida, nos termos do CIRE, é patente que agravou a situação de insolvência, e que se enquadra no disposto no artigo 186° do CIRE.

49ª - Por escritura celebrada no dia 4 de Maio de 2010, no Cartório Notarial do Licenciado PP, na ..., o Recorrido AA, bem como os Insolventes/Irmãos OO, QQ, RR e SS cederam, pelo preço de Eur.5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças liquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais TT e UU.

50ª - Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos na freguesia de ..., inscritos na matriz sob os artigos …. e …, respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo …, da referida freguesia.

51ª - Consequentemente, torna-se evidente e de fácil demonstração que a actuação do devedor consubstanciou um agravamento da sua situação de insolvência, com manifesto prejuízo para todos os credores.

52ª - Os bens alienados representam a totalidade do acervo patrimonial do devedor, traduzindo-se num esvaziamento integral do seu património.

53ª - Porque os elementos factuais supra referidos indiciam a existência de culpa do devedor no agravamento da situação de insolvência, deve - também por este motivo - ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante (neste sentido vide parecer da Sr.a Administradora de Insolvência).

54ª - A disposição de bens em proveito próprio ou de terceiros materializa uma conduta do devedor pautada pela má-fé e, nos termos das alíneas a) e d) do n.°2 do artigo 186°, por remissão da alínea e) do n°1 do artigo 238°, ambos do CIRE, culposa, que obsta ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

55ª - Todos os referidos negócios que, repete-se, foram devidamente provados, enquadram-se na alínea d) do n.°2 do artigo 186° do CIRE, uma vez que foram actos de disposição de bens em proveito de terceiros, neste caso especialmente relacionados com o Recorrido.

56ª - Assim, manda o n.° 4 do supracitado artigo que se apliquem também à actuação das pessoas singulares Recorridos os n°s 2 e 3.

57ª - Em síntese, o Recorrido não cumpriu o i) dever legal de se apresentar à Insolvência, no prazo legalmente consignado, ii) com prejuízo para os seus credores, iii) sabendo não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua condição económica e iv) não se coibiu da prática de actos que indiciam com toda a probabilidade a existência de culpa no agravamento da sua situação de insolvência, pelo que deve ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.

58ª - Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante do Insolvente, ora Recorrido.

59ª - Desta forma, o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que indefira liminarmente a concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao Insolvente.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. O devedor apresentou-se à insolvência, em 23 de Julho de 2010, tendo, desde logo, requerido a exoneração do passivo restante.

2. O crédito reclamado pelo “Banco BB, SA”, ascende a €28.449.993,82.

3. O citado crédito decorre de avais prestados pelo insolvente, a favor das sociedades “DD, Lda.”, “EE, Lda.”, “HH, SA”, “FF, SA”, e “GG Lda.”, das quais o insolvente era sócio-gerente.

4. O passivo do insolvente ascende a €28.781,171,08.

5. O incumprimento ao “B BB, SA”, data de Dezembro de 2009.

6. Por escritura de compra e venda, outorgada em 6 de Abril de 2010, o insolvente vendeu a KK, pelo preço declarado de €70.041,63, a fracção designada pela letra B, correspondente a uma habitação, no prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº …, e inscrito na matriz, sob o artigo ….

7. Por escritura de compra e venda, outorgada em 25 de Junho de 2010, KK vendeu, pelo preço declarado de €70.041,63, a dita fracção, à sociedade “LL, S.A.”, com sede na Rua ..., nº …, Lugar de ..., ..., cujo actual e único administrador, MM, é sobrinho de NN, ex-mulher de VV, irmão do insolvente.

8. Por escritura celebrada, no dia 4 de Maio de 2010, o insolvente AA, bem como os seus irmãos, também eles, insolventes, OO, QQ, RR e SS, cederam, pelo preço de €5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças abertas por óbito de seus pais.

9. Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos, na freguesia de ..., inscritos na matriz, sob os artigos ... e ..., respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz, sob o artigo ..., da referida freguesia.

10. O insolvente alienou ainda os veículos, de matrícula -CL-, marca Mercedes, e …-XC, marca Citroen.

11. Do certificado do registo criminal do insolvente nada consta.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

Com efeito, quando o recurso de revista apenas for recebido, em virtude da excepção consagrada pelo artigo 14º, nº 1, do CIRE, como acontece, no caso em apreço, o seu objecto restringe-se à apreciação da matéria que justificou a sua admissão, sendo, por conseguinte, vedado o conhecimento de questões estranhas a esse «thema decidendum», não obstante no corpo alegatório e nas respectivas conclusões da revista, as mesmas virem a ser levantadas.

Assim sendo, a única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que a respectiva matéria a decidir é a estabelecida pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber a quem incumbe o ónus da prova, no âmbito do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

DO ÓNUS DA PROVA EM MATÉRIA DE INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO DE EXONERAÇÃ DO PASSIVO RESTANTE

I. 1. O acórdão recorrido admitiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, determinando o prosseguimento do respectivo incidente para apreciação dos pressupostos da sua concessão efectiva, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.

Preceitua o artigo 236º, nº 1, do CIRE, que “o pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio”, prosseguindo o respectivo nº 3, ao afirmar que o devedor, pessoa singular, tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos”, para que o pedido não seja indeferido, liminarmente.

Por seu turno, estatui o artigo 238º, do CIRE, no seu nº 1, que “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência”.

Com excepção do disposto na alínea a), os restantes fundamentos que constam das demais alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão da exoneração.

Estas alíneas definem, embora pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende a exoneração, podendo reconduzir-se a comportamentos do devedor que contribuíram ou, de algum modo, agravaram a situação de insolvência [b), d) e e)], a situações ligadas ao passado do insolvente que, no critério do legislador, justificam a não atribuição do benefício da exoneração do passivo restante [c) e f)] ou a condutas adoptadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência [g)][2].

Mas, se é compreensível que nestes casos não seja concedido ao devedor o benefício da exoneração do passivo restante, já não se entenderia a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto é manifesto que terá de ser produzida prova desses factos, conforme resulta do estipulado pelo artigo 238º, nº 2, do CIRE[3], sendo certo que a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui requisito de admissibilidade da exoneração.

O Juiz averigua, então, se existe algum facto impeditivo da procedência do pedido da exoneração do passivo restante, designadamente, se o devedor contribuiu para que a declaração de insolvência tivesse ocorrido em momento posterior aquele em que deveria ter sucedido.

E, mesmo fundando a sua decisão na verificação de qualquer uma dessas causas de indeferimento, o Juiz deve sustentar-se em factos demonstrados.

A verificação do estipulado pela alínea d), isto é, se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”, afasta a concessão do benefício da exoneração, determinando o indeferimento liminar do pedido, ou seja, quando o devedor-requerente omita ou abstenha de se apresentar à insolvência, nos seis meses seguintes à verificação desta situação, que desse atraso resulte prejuízo para os credores e que o requerente soubesse, ou não pudesse ignorar, sem culpa grave, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Mas, não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido ser, liminarmente, admitido.

I. 2. Dispõe o artigo 18º, nº 1, do CIRE, na redacção anterior à estabelecida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, aplicável, que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la”, com excepção, segundo o estabelecido no seu nº 2, das “…pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência”.

Os actuais sujeitos passivos da declaração de insolvência, atento o disposto pelo artigo 2º, do CIRE, são as pessoas singulares, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos, sendo certo que a empresa só é por tal abrangida se tiver personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, pois que, caso contrário, é o seu titular que será declarado insolvente[4].

Por seu turno, o artigo 5º, do CIRE, estatui que, “para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer actividade económica”.

Prevalece, assim, a concepção de empresa como organização, próxima do sentido subjectivo do termo, ou seja, a empresa é o próprio empresário ou o comerciante, mas com algo de objectivo, como decorre do preceituado pelos artigos 18º, nº 2 e 162º, do CIRE[5].

Por outro lado, nos termos do preceituado pelo artigo 13º, do Código Comercial, a lei só reconhece duas espécies de comerciantes, ou seja, os comerciantes em nome individual e as sociedades comerciais[6], não sendo, assim, os sócios comerciantes, uma vez que a sociedade representa uma individualidade jurídica, distinta e autónoma, da sociedade, sendo os actos de comércio praticados pelos sócios, enquanto sócios, actos da pessoa jurídica sociedade e não daqueles, em nome próprio[7].

Deste modo, podendo ser titulares de empresas comerciais as sociedades e os comerciantes individuais, e sendo certo que, na linguagem jurídica, os comerciantes têm vindo, gradualmente, a ser equiparados a empresários e as suas organizações produtivas, uniformemente, designadas como empresas[8], resta concluir que o requerente da insolvênci, “na qualidade de ????representantes e sócios/accionistas de várias sociedades comerciais”, como ficou demonstrado, não são «titulares de uma empresa», nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 18º, nº 2, do CIRE.

I. 3. Não sendo o requerido «titular de uma empresa», como já se disse, a omissão de apresentação à insolvência, durante seis meses, com prejuízo para os credores, desde que conhecido ou que não pudesse ser ignorado, sem culpa grave, pelo devedor, determina, igualmente, a exclusão da faculdade deste requerer a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), parte final, do CIRE.

Por outro lado, a existência do elemento «prejuízo» para os credores, não decorre, automaticamente, como resulta, de forma manifesta, do teor literal da citada alínea d), até porque se trata de pressupostos independentes[9], da tardia apresentação do pedido de insolvência, sendo certo, outrossim, que a verificação de prejuízos insignificantes, não sensíveis, não é fundamento suficiente para a recusa liminar do pedido.

O prejuízo, a que se refere o artigo 238º, nº1, d) do CIRE, deve ser irreversível e grave, como acontece com aquele que resulta da contracção de dívidas, estando já o devedor em estado de insolvência, da ocultação do seu património ou de actos de dissipação dolosa, constituindo um patente agravamento da situação dos credores, de modo a onerá-los pela atitude culposa do devedor insolvente, evidenciando que este não merece o benefício da segunda oportunidade («fresh start»), pressuposta pela nova concepção ideológica do CIRE.

Contudo, tal não significa que o insolvente deva, sem mais, arcar com as consequências da lei, ficando privado do benefício da exoneração, pela simples consideração do facto objectivo, em si mesmo, atendendo à supramencionada finalidade do instituto, onde prevalece um juízo de equidade e de proporcionalidade que a lei justa deve contemplar[10].

Ao invés, o atraso na apresentação à insolvência, para além do prazo legal subsequente à sua verificação, constitui o devedor em mora, com a obrigação de pagamento de juros, sendo certo que, para que se possa considerar haver prejuízo para os credores, urge que o mesmo seja, concretamente, apurado, em cada caso, com afastamento terminante de qualquer tipo de presunção de prejuízo, que carece sempre de demonstração efectiva.

Porém, ao contrário do que acontecia com o regime estabelecido no artigo 151º, nº 2, 1ª parte, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estatuía a cessação da contagem dos juros, “na data da sentença da declaração de falência”, os juros passaram agora a ser considerados créditos subordinados, nos termos do preceituado pelo artigo 48º, nº 1, b), do CIRE, o que significa que, actualmente, os créditos continuam a vencer juros, após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta nunca ocasionaria, a este respeito, qualquer prejuízo para os credores, que, consequentemente, continuam a ter direito aos juros, com a inerente irrelevância do retardamento da apresentação à insolvência no avolumar da divida.

I. 4. A aplicação da norma que contém este apontado fundamento do indeferimento liminar, a que alude a alínea d), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, impõe a existência de um nexo de causalidade entre a não apresentação atempada à insolvência e o prejuízo daí adveniente para os credores, por um lado, e o conhecimento ou desconhecimento, com culpa grave, por parte do devedor, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, por outro[11].

Está aqui em causa, apenas, a questão de saber se a não apresentação do devedor à insolvência se pode justificar por ele estar, razoavelmente, convicto de que a sua situação económica pode melhorar, em termos de se não tornar necessária a declaração de insolvência.

O que, verdadeiramente, releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência do obrigado em continuar a cumprir a generalidade dos seus compromissos[12].

E o despacho que, nos termos do preceituado pelo artigo 238º, nº 1, admita, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração, atento o disposto pelos artigos 243º e 244º, todos do CIRE.

Claro está que o Juiz goza sempre da faculdade de indeferir, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, quando o mesmo seja, manifestamente, improcedente ou quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer, oficiosamente, ou de conceder ao requerente, sob pena de indeferimento, prazo para corrigir os vícios sanáveis do pedido, designadamente quando este careça de requisitos legais ou não venha acompanhado dos documentos que hajam de instrui-lo, nos casos em que tal falta não seja, devidamente, justificada, face ao disposto no artigo 27º, nº 1, a) e b), do CIRE, aplicável, analogicamente, por procederem, na hipótese em apreço, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, de acordo com o preceituado pelo artigo 10º, nº 2, do Código Civil.

I. 5. Diz o acórdão recorrido, neste particular, que não é ao devedor que compete fazer a prova dos requisitos mencionados no nº 1, do artigo 238º, do CIRE, mas antes aos credores e ao administrador da insolvência efectuar a sua demonstração.

Com efeito, as diversas alíneas do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, com excepção do disposto na alínea a), como já se disse, ao estabelecerem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar, não assumem uma feição, estritamente, processual, uma vez que contendem com a ponderação de requisitos substantivos, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, razão pela qual compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração, atento o preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil.

Tratando-se de factos que, de acordo com a norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes, se destinam a inviabilizar o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor-insolvente, são susceptíveis de obstar a que o direito deste se tenha constituído, validamente[13], cabendo, assim, aos credores ou ao administrador da insolvência demonstrar a sua existência, sendo certo, a este propósito, que “o devedor pessoa singular tem o direito potestativo a que o pedido seja admitido e submetido à assembleia de apreciação do relatório, momento em que os credores e administrador da insolvência se podem pronunciar sobre o requerimento, em conformidade com o preceituado pelo artigo 236º, nºs 1 e 4, do CIRE”[14].

Aliás, a hipótese legal de indeferimento liminar, consagrada pela alínea e), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, ou seja, “constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º”, significa já um afloramento deste entendimento[15].

Por tudo quanto já se disse, a apresentação tardia pelo insolvente-requerente do pedido de exoneração do passivo restante não constitui presunção de prejuízo para os credores, nos termos do disposto pelo artigo 238º, nº1, d), do CIRE, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora, competindo antes aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova de um efectivo prejuízo, que, seguramente, se não presume.

Como assim, compete aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus de prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, que se não presume.

Na verdade, nada se provou quanto à existência de prejuízo para os credores, não tendo sido invocado qualquer comportamento indiciador de que o atraso do devedor na apresentação à insolvência tenha acabado por prejudicar os credores, bem como nada revela que aquele sabia inexistirem perspectivas de melhoria da sua situação económica e que, com culpa grave, ainda assim, se haja abstido de concretizar essa apresentação.

Outras questões suscitadas nesta revista exorbitam do tema da decisão que constitui o seu objecto, atendendo ao fundamento exceptivo por que foi recebida, como já foi referido, sendo, em sede de apelação, que deveriam ter sido, terminantemente, esgotadas.

CONCLUSÕES:

I - Não ocorrendo qualquer uma das circunstâncias aludidas na alínea d), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido de exoneração do passivo restante ser, liminarmente, admitido.

II - O despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração.

III – Os fundamentos que constam das várias alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, com excepção do disposto na alínea a), não assumem uma feição, estritamente, processual, mas antes têm natureza substantiva, referindo-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão do benefício da exoneração do passivo restante, o que não significa a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto tem que ser produzida prova desses factos, e a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui apenas requisito de admissibilidade da exoneração.

IV – E, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, são susceptíveis de obstar a que o mesmo se tenha constituído, validamente, competindo, por isso, aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração.

V – Cabe ainda aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, que se não presume, não decorrendo, sem mais, da apresentação tardia pelo insolvente do pedido de exoneração do passivo restante, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora.


DECISÃO[16]:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do credor “Banco BB, SA”, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

*

Custas da revista, a cargo do credor “Banco BB, SA”.

*

Notifique.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013


Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_______________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Reimpressão, Quid Juris, 2009, 784.
[3] Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 5ª edição, 2009, Almedina, 241.
[4] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 25.
[5] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, I, 2011, 76 e 77; Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 356 e 357.
[6] Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª edição, 1970, 236 e ss.
[7] Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo 1º, 1946, 196.
[8] Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 42 e 46.
[9] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 138 e 139.
[10] STJ, de 24-1-2012, Pº nº 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, www.dgsi.pt
[11] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 140.
[12] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Quid Juris, reimpressão, 2009, 72.
[13] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 130.
[14] Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, 2005, 168.
[15] STJ, de 6-7-2011, Pº nº 7295/08.OTBBRG.G1.S1; STJ, de 21-10-2010, Pº nº 3850/09.9TBVLG.-D.P1.S1, www.dgsi.pt
[16] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/af3ea32d43e934d980257b19003fab33?OpenDocument

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