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terça-feira, 30 de abril de 2013

REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS ACTO AVULSO NOTA DE DESPESAS PROTECÇÃO JURÍDICA ISENÇÃO DE CUSTAS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 17.04.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
730/11.1JAPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
ACTO AVULSO
NOTA DE DESPESAS
PROTECÇÃO JURÍDICA
ISENÇÃO DE CUSTAS

Nº do Documento: RP20130417730/11.1JAPRT-A.P1
Data do Acordão: 17-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .

Sumário: I - Integra o conceito de “acto avulso” para efeitos do RCP, entre outros, a emissão pelo tribunal de certidões, traslados, cópias certificadas, extractos ou mesmo fotocópia simples (art. 9º, nºs 3 a 5 do RCP), correspondendo o respectivo custo (gastos para satisfação do acto pretendido) a uma taxa de justiça (como decorre do nº 4 do mesmo artigo 9º do RCP).
II - Por regra (art. 9º, nº 6, do RCP) o custo dos actos avulsos é apurado e pago imediatamente, caso o interessado esteja presente; ou é pago no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito, se o interessado não estiver presente.
III - Em processo penal, os gastos, por exemplo, com fotocópias do processo tiradas pelo defensor oficioso do arguido para estudo do processo em que o representa e preparação da sua defesa, deverão ser discriminadas na nota de despesas que vier a apresentar, seguindo o regime previsto nos artigos 8º, nºs 2 e 3 e 8º-D da Portaria nº 10/2008, de 3.1 e respectivas alterações (introduzidas pelas Portarias nº 210/2008, de 29.2, nº 654/2010, de 11.8 e nº 319/2011, de 30.12).
IV - O art. 9º (Isenções) do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais estabelece uma específica isenção de custos (v.g. impostos, emolumentos e taxas) relacionada com a obtenção dos elementos necessários para o requerente instruir o pedido de protecção jurídica em qualquer das modalidades previstas na lei. Por isso, a isenção estabelecida nessa norma não se estende à obtenção v.g. de documentos, certidões, cópias certificadas e fotocópias que sejam necessários para instruir o processo penal no qual a defensora oficiosa representa o arguido.
V - Os encargos decorrentes da concessão de protecção jurídica, em qualquer das suas modalidades (incluindo o pagamento dos honorários e das despesas que sejam reembolsáveis dos profissionais forenses que participam no sistema de acesso ao direito) são levados a regra de custas a final, como resulta do art. 36º, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, do art. 8º da mencionada Portaria nº 10/2008 e dos arts. 16º, nº 1, al. a), ii) e 30º do RCP.
VI - Estando em causa o exercício do direito de defesa, assegurado constitucionalmente (art. 32º da CRP), importa garantir uma tutela jurisdicional efectiva ao arguido (art. 20º da CRP), pelo que beneficiando ele de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, está dispensado de pagar previamente a taxa de justiça aludida no art. 9º, nºs 3 a 5, do RCP (não sendo aplicável o disposto no seu nº 6 quando o requerente beneficia do apoio judiciário na modalidade acima referida e esteja em causa o exercício de um direito fundamental), pelas concretas e individualizadas fotocópias simples que vier a pedir em requerimento dirigido à 1ª instância, entrando o respectivo valor total (que funciona como encargo) em regra de custas a final.
VII - Não há nulidade, nem motivo para anular quaisquer termos do processo quando o defensor oficioso sempre ter ao seu dispor a possibilidade de pedir o exame gratuito do processo fora do tribunal e tirar as fotocópias que entender para assegurar a defesa do arguido.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
(proc. n º 730/11.1japrt-A.P1)
*
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
*
I- RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal colectivo) nº 730/11.1JAPRT, que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, após o arguido B..... ter apresentado requerimento (que deu entrada em 17.12.2012), onde juntou documentos comprovativos do deferimento do apoio judiciário e solicitou “cópias de todo o processado dos autos, com dispensa de pagamento dos correspondentes emolumentos em virtude da existência do benefício de apoio judiciário” (fls. 3 a 7 destes autos de recurso em separado, correspondente a fls. 679 a 683 do processo), foi proferido o seguinte despacho datado de 8.1.2013 (fls. 8 destes autos de recurso em separado):
Fls. 679 e ss.: Apoio judiciário: Visto.
O benefício do apoio judiciário não abrange a isenção de pagamento das cópias pretendidas, pelo que as mesmas apenas deverão ser efectuadas se o arguido pretender efectuar o seu pagamento (cfr. artigo 9º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e 9º da Lei nº 34/2004, de 29/07).
Notifique.
(…)
*
Notificado dessa decisão, o arguido interpôs recurso (fls. 9 a 12 destes autos de recurso em separado) formulando as seguintes conclusões:
- O despacho do Mmº Juiz é nulo porquanto os fundamentos que apresenta estão em contradição com a decisão.
- O apoio judiciário é uma espécie da protecção jurídica.
- Na protecção jurídica o beneficiário goza de isenção de “taxas”.
- Ao arguido foi concedida protecção jurídica pela via do apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.
- O custo das cópias do processo é uma taxa.
- A modalidade de apoio judiciário concedido ao arguido não excepciona este “custo”.
- Ao citar como fundamento os arts. 9º da Lei nº 34/2004 e nº 5 do art. 9º do Regulamento das Custas Processuais e decidindo pelo deferimento condicionado ao pagamento entrou o Mmº Juiz em contradição na medida em que deu ao art. 9º nº 5 do Regulamento das Custas Processuais uma interpretação que o mesmo não comporta.
- Interpretação, essa que, aliás, se mostra inconstitucional face ao disposto nos arts. 13º e 20º da Constituição da República!
- E que viola ainda os arts. 1º, 8º e 9º da Lei 34/2004 (Acesso ao Direito e aos Tribunais).
- As normas citadas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido do requerido pelo arguido.
Termina pedindo (para o caso do despacho impugnado não ser reparado) que seja revogado o despacho sob recurso e substituído por outro que conceda ao arguido o por si solicitado para um cabal e substancial exercício da defesa, anulando-se e determinando-se a repetição dos termos posteriores do processo.
*
Respondeu o Ministério Público (fls. 13 a 15 destes autos de recurso em separado), concluindo pela improcedência do recurso.
*
Admitido o recurso, o Sr. Juiz consignou o seguinte (fls. 16 destes autos de recurso em separado):
Cumprindo-se o disposto no art. 414º, nº 4, do Código de Processo Penal, consigna-se que se mantém o despacho nos seus preciso termos.
Mais se atente que os encargos e despesas decorrentes da concessão de apoio judiciário são pagas aos Ilustres Advogados nos termos consignados nos artigos 8º e 8º D da Portaria nº 10/2008, de 03/01, pelo que nada obsta à obtenção das cópias pretendidas, seja através do Tribunal, seja por via da confiança do processo com vista a obter as cópias efectivamente necessárias e pertinentes à defesa, nada afectando a igualdade de defesa de direitos.”
*
Nesta Relação, o Sr. PGA limitou-se a apor visto (fls. 24).
*
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art. 412º, nº 1, do CPP).
Assim, a questão de direito que se coloca é a de saber se o arguido, a quem foi concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de compensação de defensor oficioso, está ou não dispensado de pagar previamente o custo de “cópias de todo o processado dos autos” solicitadas ao tribunal.
Vejamos então.
Por decisão de 4.12.2012 foi concedida ao arguido/recorrente protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de compensação de defensor oficioso.
No requerimento que deu entrada em 17.12.2012 veio o arguido, através da sua defensora oficiosa, “solicitar cópias de todo o processado dos autos, com dispensa de pagamento dos correspondentes emolumentos em virtude da existência do benefício de apoio judiciário.”
Pelo que resulta da certidão que constitui estes autos de recurso em separado, nessa altura o respectivo processo comum estava com julgamento designado.
Do requerimento feito não se percebe a finalidade da solicitação ao tribunal de “cópias” de todo o processado - sendo certo que também se desconhece se já anteriormente fora formulado pedido idêntico - para além de não se saber desde quando a Ilustre Advogada que o subscreveu passou a ser defensora oficiosa do arguido.
É que eventualmente poderão até (antes da apresentação do requerimento que deu origem à decisão sob recurso) já ter sido entregues “cópias” de pelo menos parte do processado (cf. art. 89º, nº 1, do CPP) e haver elementos no sistema informático, não se justificando sequer a solicitada cópia total, tanto mais que a mesma é feita no pressuposto da sua entrega sem custos, esquecendo que estes sempre ficarão a cargo de alguém, em último recurso do Estado e, portanto, de todos os contribuintes.
Por certo que a Ilustre Defensora Oficiosa formulou tal pedido genérico, sem ter previamente consultado o processo para escolher e indicar as peças que lhe interessavam, caso se destinassem a preparar a defesa do arguido, o que não foi dito no requerimento em questão.
Pelo que se deduz do referido requerimento apresentado, a ilustre Defensora Oficiosa do arguido entenderá que, por este beneficiar de apoio judiciário nas modalidades referidas, terá direito a que o tribunal lhe entregue cópias de todo o processado sem qualquer custo.
No entanto, ainda que possam vir a ser entregues pelo tribunal fotocópias do processo, sem pagamento prévio do respectivo custo, sempre se impunha racionalidade e contenção no pedido feito, o que exigia prévia análise e estudo do processo (v.g. pedindo, para o efeito, se necessário, à autoridade judiciária competente, nos termos do art. 89º, nº 4, do CPP, o exame gratuito dos autos fora da secretaria), para depois estar em condições de concretizar, no requerimento a apresentar, quais as concretas páginas ou peças de que necessitava (obviamente se a finalidade fosse assegurar a defesa do arguido que representava).
É que, como é do conhecimento comum de quem lida com processos, estes muitas vezes contêm páginas correspondentes a expediente repetido ou que não tem qualquer interesse para a defesa do arguido, caso fosse essa a finalidade das “cópias” pedidas (para já não falar nas situações em que os elementos pretendidos constam do sistema informático).
Dispõe o artigo 9º (Fixação das taxas relativas a actos avulsos) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), na redacção da Lei nº 7/2012, de 13.2 (ver art. 8º do preâmbulo quanto à aplicação no tempo, sendo certo que a mesma lei, nos termos do seu artigo 9º, entrou em vigor 45 dias após a data da sua publicação)[1]:
1 - Salvo quando sejam praticadas por agente de execução que não seja oficial de justiça, por cada efectiva citação ou notificação mediante contacto pessoal, afixação de editais ou outra diligência avulsa, para além das despesas de transporte legalmente estabelecidas, é devida metade de uma UC.
2 - As citações, notificações ou afixações de editais, quando praticadas no mesmo local, contam como uma só.
3 - As taxas devidas pela emissão de certidões, traslados, cópias certificadas ou extractos são fixadas do seguinte modo:
a) Até 50 páginas, o valor a pagar pelo conjunto é de um quinto de 1 UC;
b) Quando exceda 50 páginas, ao valor referido na alínea anterior é acrescido um décimo de 1 UC por cada conjunto ou fracção de 25 páginas.
4 - As certidões, traslados, cópias ou extractos que sejam entregues por via electrónica dão origem ao pagamento de taxa de justiça no valor de um décimo de uma UC.
5 - Por cada fotocópia simples o valor a pagar, por página, é de 1/500 de 1 UC.
6 - O custo dos actos avulsos é apurado e pago imediatamente ou no prazo de 10 dias após notificação para o efeito, se o interessado não estiver presente.
7 - Para os casos que não estão previstos no presente Regulamento, não é devido o pagamento de qualquer taxa.
Por seu turno, estabelece o artigo 16º (Tipo de encargos) do mesmo RCP:
1 - As custas compreendem os seguintes tipos de encargos:
a) Os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.:
i) De todas as despesas por este pagas adiantadamente;
ii) Dos custos com a concessão de apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários;
iii) (Revogada.)
iv) (Revogada.)
b) Os reembolsos por despesas adiantadas pela Direcção-Geral dos Impostos;
c) As diligências efectuadas pelas forças de segurança, oficiosamente ou a requerimento das partes, nos termos a definir por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e da justiça;
d) Os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal;
e) As compensações devidas a testemunhas;
f) Os pagamentos devidos a quaisquer entidades pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando a parte responsável beneficie de apoio judiciário;
g) As despesas resultantes da utilização de depósitos públicos;
h) As retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo;
i) As despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afectas ao processo em causa.
2 - Os valores cobrados ao abrigo do número anterior revertem imediatamente a favor das entidades que a eles têm direito.
Segundo o artigo 19º (Adiantamento de encargos) do mesmo RCP:
1 - Quando a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sem prejuízo de reembolso.
2 - As despesas motivadas pela prestação de instrumentos técnicos de apoio aos tribunais, por parte da Direcção-Geral de Reinserção Social, quando não possam ser logo pagas pelo requerente, são adiantadas pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., mesmo quando haja arquivamento do processo.
Da articulação dessas três normas resulta desde logo o seguinte com interesse para a decisão do recurso em apreço:
a)- integra o conceito de “acto avulso” para efeitos do RCP, entre outros, a emissão pelo tribunal de certidões, traslados, cópias certificadas, extractos ou mesmo fotocópia simples[2] (art. 9º, nºs 3 a 5 do RCP);
b)- o “acto avulso” previsto nos nºs 1 a 6 do art. 9º e previstos em geral no RCP tem o seu custo (o que se compreende uma vez que implicam gastos[3]);
c)- Esse custo assume a natureza de “taxa” (sendo errada conclusão oposta defendida pelo recorrente, quando argumenta apenas com o teor do disposto no citado artigo 9º do RCP, particularmente seu nº 7);
d)- Só para os casos que não estão previstos no Regulamento das Custas Processuais é que não é devido o pagamento de qualquer taxa (art. 9º, nº 7, do RCP); esses casos não se confundem (como o faz o recorrente) com a solicitação ao tribunal de “cópias” do processo (situação esta que se enquadra, consoante se trate de “cópias certificadas” ou de “fotocópia simples”, nas previsões do mesmo art. 9º, nº 3, nº 4 e nº 5 do RCP);
e)- o custo da emissão pelo tribunal de acto avulso nos casos previstos no art. 9º, nºs 3 a 5 do RCP consiste no pagamento de uma taxa que varia em função do tipo ou natureza desse acto pretendido e consoante o número de páginas (veja-se, por exemplo, a diferença no custo quando é emitida “cópia certificada” ou quando é emitida “fotocópia simples” – cf. nº 3 e nº 5 do art. 9º do RCP – o que significa que quem apresenta o requerimento tem de saber o que pretende em concreto);
f)- Essa taxa, que traduz o custo do acto avulso a praticar pelo tribunal, nos casos previstos no art. 9º, nºs 3 a 5 do RCP é classificada (como decorre do nº 4 do art. 9º RCP) como taxa de justiça;
g)- Por regra (art. 9º, nº 6, do RCP) o custo dos actos avulsos é apurado e pago imediatamente, caso o interessado esteja presente ou é pago no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito, se o interessado não estiver presente, sendo exemplo deste último caso, o requerimento escrito (como sucedeu neste processo);
h)- As custas compreendem, entre outros tipos de encargos (previstos na lei), por exemplo: os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP, de todas as despesas por este pagas adiantadamente e dos custos com a concessão de apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários (art. 16º, nº 1, al. a), do RCP); os pagamentos devidos (a quaisquer entidades, incluindo tribunais) pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando o sujeito processual beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo (art. 16º, nº 1, al. f) do RCP); os pagamentos devidos ou pagos (a quaisquer entidades, incluindo tribunais) pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal (art. 16º, nº 1, al. d), do RCP);
i)- No caso do sujeito processual beneficiar de apoio judiciário, os encargos (v.g. com certidões exigidas pela lei processual) são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP, sem prejuízo de reembolso (art. 19º, nº 1, do RCP).
Do exposto resulta que, quando o sujeito processual beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, no caso de passagem de certidões exigidas pela lei processual (o que não é o caso destes autos) o Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP adianta o seu pagamento, sem prejuízo do reembolso (ver também art. 20º, nº 2, do RCP[4]).
De notar que não é aplicável em processo penal o regime de custas de parte, a menos que tenha havido conhecimento de pedido civel naquele enxertado (ver arts. 25º e 26º do RCP, dos quais resulta que, em determinado prazo e condições, o vencedor pode apresentar nota discriminativa e justificativa de particulares despesas, gastos, encargos e pagamento que suportou, desde que de acordo com o conceito de “custas de parte” definido no citado artigo 25º, tendo igualmente em atenção as regras especiais contidas nos arts. 446º a 455º do CPC).
Em processo penal, os gastos, por exemplo, com fotocópias do processo tiradas particularmente pelo defensor oficioso do arguido para estudo do processo em que o representa e para preparar a sua defesa, deverão ser discriminadas na nota de despesas que vier a apresentar, a homologar pela Ordem de Advogados, seguindo nesse aspecto o regime previsto nos artigos 8º, nºs 2 e 3 e 8º-D da Portaria nº 10/2008, de 3.1, com as alterações que entretanto sofreu (introduzidas pelas Portarias nº 210/2008, de 29.2, nº 654/2010, de 11.8 e nº 319/2011, de 30.12).
O pretendido pelo recorrente, quando solicitou “cópias de todo o processado dos autos”, não se confunde com a situação prevista no art. 9º[5] do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (invocado na decisão impugnada e na motivação de recurso), tanto mais que apesar do arguido não ter indicado a finalidade das “cópias” pretendidas, o certo é que já lhe havia sido concedido o pedido de apoio judiciário.
O art. 9º (Isenções) do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais estabelece uma específica isenção de custos (v.g. impostos, emolumentos e taxas) relacionada com a obtenção dos elementos necessários para o requerente instruir o pedido de protecção jurídica em qualquer das modalidades previstas na lei.
Como diz Salvador da Costa[6], a expressão “protecção jurídica” é nessa norma (art. 9º referido) utilizada no sentido normal, apenas se referindo as ditas “isenções” à tramitação do mecanismo específico que é o pedido de protecção jurídica (seja na vertente de consulta jurídica, seja na vertente de apoio judiciário, em qualquer das suas modalidades).
Por isso, a isenção estabelecida nesse art. 9º do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais não se estende (como sugere o recorrente) à obtenção v.g. de documentos, certidões, cópias certificadas, fotocópias que sejam necessários para instruir a causa, neste caso, para instruir o processo penal no qual a defensora oficiosa representa o arguido.
Portanto, foi erradamente convocado o art. 9º do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, uma vez que não é aplicável neste caso.
Daí que, não assista razão ao recorrente quando retira dessa norma que não faz sentido que «as “Fotocópias certificadas” sejam gratuitas e as “Fotocópias simples” tenham de ser pagas» e, depois, acrescente conclusivamente que “até o argumento de maioria de razão justifica o direito do arguido à isenção e dispensa de custos”.
De resto, os respectivos encargos decorrentes da concessão de protecção jurídica, em qualquer das suas modalidades, apesar da referida isenção, são levados a regra de custas a final, como resulta do art. 36º, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, do art. 8º da mencionada Portaria nº 10/2008 e dos arts. 16º, nº 1, al. a), ii) e 30º do RCP.
O que igualmente significa que as despesas (que como tal sejam consideradas por lei e, portanto, que sejam reembolsáveis) dos profissionais forenses que participam no sistema de acesso ao direito e, respectivo reembolso, são consideradas como encargos e levadas a regra de custas a final.
O sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei nº 34/2004, de 29.7, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28.8) - que é da responsabilidade do Estado (sendo a concretização do estabelecido v.g. nos artigos 13º, nº 2 e 20º da CRP[7]), - “destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.” (ver seu art. 1º, nº 1).
A protecção jurídica, nas modalidades previstas na lei, é concedida ao requerente que esteja em condições de dela beneficiar, independentemente da posição processual que ocupe na causa proposta ou a propor.
Obviamente que dessa forma o Estado assegura que ninguém é privado de exercer os seus direitos (nomeadamente o direito de defesa que é assegurado constitucionalmente) em razão da sua situação económica.
O adiantamento para gastos a suportar pelo Defensor Oficioso, segue o regime específico previsto na acima referida Portaria nº 10/2008, apenas estando prevista a possibilidade de ser antecipadamente assegurado (pelo Ministério da Justiça, através do IGFIJ, I. P.) o pagamento de custos inerente à deslocação nos casos específicos previstos nos seus artigos 8º-A (deslocações efectuadas nas Regiões Autónomas) a 8º-C (comprovativo da realização de despesas nas Regiões Autónomas), o que não é a situação do caso em análise.
O reembolso das despesas realizadas dentro de Portugal continental segue o regime previsto no art. 8º-D da dita Portaria nº 10/2008.
Ou seja, os respectivos gastos e custos, por exemplo, decorrentes de fotocópias do processo tiradas pelo defensor oficioso, são suportados (e, portanto, também adiantados) por ele próprio e, só posteriormente, verificados os respectivos pressupostos, é que são reembolsados (sem prejuízo do estabelecido no art. 25º e ss. da Portaria nº 10/2008, sobre compensação, ou seja, sobre remuneração ou honorários dos profissionais forenses e respectivos adiantamentos, tendo igualmente em atenção o disposto na Portaria nº 1386/2004, de 10.11).
Desse regime resulta, no que aqui interessa, que os profissionais forenses que participam no sistema de acesso ao direito (cuja candidatura é voluntária, isto é, depende de acto a praticar pelo respectivo candidato e, como tal deve ser encarado) têm de ter um mínimo de capacidade económica para adiantarem e suportarem os gastos e custos que forem necessários e indispensáveis ao eficaz exercício do patrocínio e da defesa oficiosos de que foram incumbidos, sendo certo que há despesas que não são reembolsáveis (como sucede, por exemplo, com determinadas deslocações, visto o disposto no art. 8º, nº 4 e nº 5 da Portaria nº 10/2008).
Portanto, o defensor oficioso de um arguido em processo penal, enquanto profissional forense que participa no sistema de acesso ao direito, sabe ou ao menos tem obrigação de saber que, ao assumir essa tarefa passa a ter determinadas responsabilidades, inclusive terá de suportar despesas para o bom desempenho e exercício das funções para que foi nomeado, as quais desde que reúnam os requisitos legais, darão lugar a posterior reembolso.
Por isso, é irrelevante para a decisão da questão colocada o argumento usado na motivação de recurso de que só quando o profissional forense assume uma defesa contratual é que “pode exigir do seu representado os meios necessários à execução do mandato, mediante provisão para despesas” e, em casos em que a defesa é oficiosa, não pode “provisionar-se para as despesas de expediente nem junto do representado, nem perante o Estado”.
É evidente que o defensor oficioso tem de assegurar a qualidade dos serviços prestados aos beneficiários da protecção jurídica no âmbito do sistema de acesso ao direito (sendo esse um dos requisitos de admissão do profissional forense, como estabelece o art. 34º, nº 1, al. a), da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) e, inclusivamente, se não observarem as regras do exercício da defesa oficiosa (devendo o Juiz e o Ministério Público informar a Ordem dos Advogados da ocorrência de inobservância – art. 14º, nº 2, da Portaria nº 10/2008), podem ser excluídos do sistema de acesso ao direito (como dispõe o art. 34º, nº 1, al. g), da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais).
Para assegurar a qualidade dos serviços prestados, o defensor oficioso tem de conhecer bem o processo respectivo, sendo a partir do seu estudo, que ficará habilitado a saber se o acompanhamento até à fase do julgamento (como alega o recorrente) se basta “com a consulta dos autos e registo de actos por apontamento” ou se necessita, por exemplo, de fotocópias.
É o próprio recorrente que alega (em sede de motivação de recurso, embora o devesse ter feito no requerimento que apresentou na 1ª instância que deu causa ao despacho impugnado) que a preparação e acompanhamento em julgamento já não é possível ser feita do mesmo modo que o fez anteriormente (como já referido através da “consulta dos autos e registo de actos por apontamento”), invocando para tanto que se trata de “um processo volumoso, instruído na Polícia Judiciária, de alguma complexidade relativa à aquisição da prova, e gravoso nas consequências jurídicas.”
Acrescenta, igualmente, que “O sistema informático não dispõe de toda a informação processual, inviabilizando uma preparação para o julgamento criteriosa e cuidada”[8], procurando em sede de motivação de recurso (quando o devia ter feito na 1ª instância) convencer que o “suporte em papel de todo o processo é um meio necessário e indispensável ao cabal exercício de um direito material à defesa.”
No entanto, ainda que o processo em causa assuma alguma complexidade e, portanto, se justifique, ao menos na fase do julgamento, suporte em papel, fica por entender (até porque igualmente não consta do requerimento que deu origem ao despacho sob recurso) a razão pela qual a Ilustre Defensora não fez a devida selecção e indicação das “cópias” que pretendia, tanto mais que (como resulta do adiantado em sede de motivação de recurso) no sistema informático sempre dispõe de alguma informação processual.
Ou seja, impunha-se ao defensor oficioso, como já acima foi dito, indicar no requerimento a apresentar na 1ª instância, as peças concretas ou páginas de que pretendia suporte em papel e a sua finalidade (apenas em sede de recurso - que não é o lugar próprio - é que veio informar que a sua solicitação se destinava a preparar a defesa em fase de julgamento).
Para além disso, se a finalidade é preparar a defesa em fase de julgamento, não se percebe porque pretende “cópias” que apenas se podem entender como “cópias certificadas” face ao estabelecido no art. 9º, nº 3, do RCP e não se contenta com fotocópias simples.
É que para exercer de forma efectiva a defesa do arguido, sem a apresentação de qualquer justificação válida, não se entende a razão pela qual pretende “cópias”, que só podem ser entendidas como cópias certificadas.
Ou seja, também no requerimento apresentado na 1ª instância a Defensora Oficiosa do arguido deveria ter esclarecido porque é que as fotocópias simples não lhe permitiam exercer com elevada qualidade a defesa do arguido.
O argumento de que o custo fixado no art. 9º, nº 5, do RCP para fotocópias simples é exorbitante em relação ao custo de mercado (sendo certo que as pretendidas “cópias”, porque necessariamente se tinha de entender que eram “cópias certificadas” são muito mais caras, como se percebe pelo teor do art. 9º, nº 3, do RCP) não colhe.
É que se as fotocópias simples retiradas pelo tribunal são, como alega o recorrente “exorbitantes”, então esse valor elevado deveria funcionar como um incentivo para a Ilustre Defensora Oficiosa tirar as fotocópias no exterior e, depois, pedir o reembolso na altura em que apresentasse a nota de despesas.
Por outro lado, também não será de desprezar que o suporte em papel entregue pelo tribunal, entrando em regra de custas, irá agravar a situação daquele que a final for responsável pelo seu pagamento, não podendo ser descartada a hipótese da respectiva liquidação (caso venha a ser condenado) ficar a cargo do arguido, apesar de beneficiar do apoio judiciário, o qual, verificados os respectivos pressupostos pode vir a ser cancelado.
O que tudo evidencia que o requerimento que deu origem ao despacho sob recurso necessita de ser concretizado nos termos que já se foram indicando, impondo-se racionalidade e objectividade na solicitação das respectivas “cópias” ou fotocópias simples (o que também deve ser esclarecido) do processo (não pode o defensor oficioso pedir genericamente cópias de todo o processado, como o fez porque haverá páginas do processo que não são necessárias a uma defesa de elevada qualidade e outras que estarão incluídas no sistema informático).
Vem isto também a propósito de se entender (como já foi dito) que, os valores indicados nos nºs 3 e 5 do art. 9º do RCP têm a natureza de taxa de justiça (corresponde ao impulso processual do interessado na prática pelo tribunal daqueles actos avulsos), como, de resto, se depreende do seu nº 4.
Caso o pedido de emissão pelo tribunal de fotocópias do processo se destinar a assegurar o direito de defesa do arguido que beneficia de apoio judiciário nas modalidades referidas (apesar do Defensor Oficioso poder retirar fotocópias no exterior, situação essa em que o respectivo gasto poderia ser reclamado em nota de despesas, com vista ao reembolso, entrando em regra de custas) o custo respectivo será considerada como encargo (tal como sucedia se a Defensora Oficiosa tivesse tirado as fotocópias no exterior) e levado a regra de custas a final.
Isso significa que, caso esteja em causa o exercício do direito de defesa (o que não foi dito no requerimento que deu origem ao despacho sob recurso), assegurado constitucionalmente (art. 32º da CRP), importa garantir uma tutela jurisdicional efectiva ao arguido (art. 20º da CRP), pelo que beneficiando ele de apoio judiciário, particularmente, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo, está dispensado de pagar previamente a taxa de justiça aludida no art. 9º, nºs 3 a 5, do RCP (não sendo aplicável o disposto no seu nº 6 quando o requerente beneficia do apoio judiciário na modalidade acima referida e esteja em causa o exercício de um direito fundamental), pelas concretas (devidamente identificadas, excluindo portanto o que é desnecessário ou inútil e o que se encontre no sistema informático) fotocópias (supõe-se que simples) que vier a pedir em requerimento dirigido à 1ª instância, entrando o respectivo valor total (que funciona como encargo) em regra de custas a final.
Em conclusão: procede parcialmente o recurso, embora por fundamento diverso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias, apresentar requerimento onde indique quais as concretas peças e páginas do processo cuja fotocópia pretende e a finalidade das mesmas (se é para exercer e assegurar o direito fundamental de defesa do arguido), sob pena de, não o fazendo (e, portanto, não suprindo as faltas acima apontadas ou não se verificando o respectivo condicionalismo), não poder beneficiar da dispensa do pagamento prévio do respectivo custo nos moldes acima indicados.
Por último, refira-se que não há nulidade, nem motivo para anular quaisquer termos do processo, como abstracta e genericamente pede o recorrente (é que, apesar do requerimento por si apresentado pecar por não ter sido devidamente elaborado, sempre tinha ao seu dispor a possibilidade de pedir o exame gratuito do processo fora do tribunal e tirar as fotocópias que entendesse para assegurar a defesa do arguido, solicitando depois o reembolso na nota de despesas que vier a apresentar, obedecendo ao formalismo legal).
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B....., embora por fundamento diverso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias, apresentar requerimento onde indique quais as concretas peças e páginas do processo cuja fotocópia pretende e a finalidade das mesmas (se é para exercer e assegurar o direito fundamental de defesa do arguido), sob pena de, não o fazendo (e, portanto, não suprindo as faltas acima apontadas ou não se verificando o respectivo condicionalismo), não poder beneficiar da dispensa do pagamento prévio do respectivo custo nos moldes acima indicados.
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Sem custas.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 17/04/2013
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias (relatora)
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento (Adjunto)
_________________
[1]A redacção anterior do dito artigo 9º (Fixação das taxas relativas a actos avulsos) do RCP era a seguinte:
1 - Salvo quando sejam praticadas por agente de execução que não seja oficial de justiça, por cada efectiva citação ou notificação mediante contacto pessoal, afixação de editais ou outra diligência avulsa, para além das despesas de transporte legalmente estabelecidas, é devida metade de uma UC.
2 - As citações, notificações ou afixações de editais, quando praticadas no mesmo local, contam como uma só.
3 - As taxas devidas pela emissão de certidões, traslados, cópias ou extractos são fixadas do seguinte modo:
a) Até 25 páginas, o valor a pagar pelo conjunto é de um oitavo de 1 UC;
b) De 26 até 50 páginas, o valor a pagar pelo conjunto é de um quinto de 1 UC;
b) Acima de 50 páginas, ao valor referido na alínea anterior é acrescido um quinto de 1 UC por cada conjunto de 50 páginas ou um décimo de 1 UC se não se ultrapassarem as 25 páginas.
4 - As certidões, traslados, cópias ou extractos que sejam entregues por via electrónica dão origem ao pagamento de taxa de justiça no valor de um décimo de uma UC.
5 - O custo dos actos avulsos é apurado e pago imediatamente ou no prazo de 10 dias após notificação para o efeito, se o interessado não estiver presente.
6 - Não é aplicável às taxas de justiça previstas no presente artigo o disposto no art. 22º.
7 - Para os casos que não estão previstos no presente Regulamento, não é devido o pagamento de qualquer taxa.
[2] Na terminologia usada pelo RCP, na sua última versão (já em vigor à data em que foi apresentado o requerimento sobre o qual recaiu a decisão sob recurso) importa distinguir o conceito de “cópia”, que é sempre certificada (por isso a norma refere “cópia certificada”) do de “fotocópia simples”.
[3] Por exemplo, no caso de emissão de fotocópias, importa contabilizar o tempo despendido pelo funcionário que desempenhar essa tarefa, papel usado, tinta/toner, consumo de energia do equipamento utilizado, desgaste da máquina.
[4] Artigo 20º (Encargos) do RCP
1 - Os encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento.
2 - Quando a parte requerente ou interessada beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, as despesas para com terceiros são adiantadas pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.
3 - (Revogado.)
4 - Os titulares de créditos derivados de actuações processuais podem reclamá-los da parte que deva satisfazê-los sem esperar que o processo termine, independentemente da posterior decisão de custas.
5 - (Revogado.)
[5] Artigo 9.º (Isenções) do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais:
Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos pedidos para fins de protecção jurídica.
[6] Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 5ª ed. actualizada e ampliada, Almedina, 2005, pp. 68 e 69.
[7] Artigo 13.º (Princípio da igualdade) da CRP
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) da CRP
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
[8] Também alega que “Não dispõem as salas de audiência dos tribunais de suportes e terminais informáticos ao dispor da defesa para que esta possa proceder ao acompanhamento da produção de prova”, argumentação esta que, contudo, é irrelevante para o caso em análise.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/264db4927d1cf2e580257b5c0053ce81?OpenDocument

quinta-feira, 25 de abril de 2013

FALSIDADE DE TESTEMUNHO PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS LEITURA PERMITIDA DE AUTO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 03.04.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
140/08.8TAOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: FALSIDADE DE TESTEMUNHO
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
LEITURA PERMITIDA DE AUTO

Nº do Documento: RP20130403140/08.8TAOAZ.P1
Data do Acordão: 03-04-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .

Sumário: I - As declarações prestadas pelas testemunhas no inquérito não podem ser valoradas em julgamento fora do quadro em que a sua leitura é permitida.
II - Mas nada impede que, enquanto prova documental, as mesmas declarações sejam valoradas no âmbito de outro processo em que se imputa aos declarantes a prática de um crime de Falsidade de testemunho, do artigo 360.º do Cód. Penal.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
Recurso Penal nº 140/08.8TAOAZ.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento os arguidos B...... e C......, devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condenar cada um deles, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º nºs 1 e 3 do C. Penal, em pena de 200 dias de multa à taxa diária de 7 €.
Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os arguidos, pugnando pela sua revogação e substituição por decisão que os absolva, para o que apresentaram as seguintes conclusões:

I. O Sr. Inspector da PJ ao minuto 1,26 do depoimento que prestou em audiência de julgamento, diz que não se lembra do que lhe foi transmitido pelos ora arguidos, quando os ouviu no inquérito que deu origem ao processo 199/06.2GCSJM .
II. Mais, diz ainda o mesmo Sr. Inspector, que não se lembra se tais declarações foram prestadas a si ou a outra colega.
III. Das declarações do Sr. Inspector, pode-se verificar sem margem de duvidas que nada foi provado através das suas declarações, não podendo o seu depoimento fazer parte, como veio, da motivação na presenta sentença condenatória de que se recorre
IV. O Tribunal “a quo” deu como provados factos de forma absolutamente conclusiva.
V. Designadamente no seu artigo 15º e 16º, onde apenas se formulam opiniões e juízos conclusivos.
VI. Sem qualquer sustentação probatória que as confirme, não passando de uma mera opinião.
VII. As declarações do arguidos no processo 199/06.2GCSJM, não são uma prova admissível nos presentes autos na medida em que, não tendo sido permitida a sua leitura no processo em que foram extraídas, não poderão agora ser utilizadas nos presentes autos de molde a obter a condenação dos ora recorrentes.
VIII. Estaremos neste caso perante uma situação de prova proibida, como prevê o artigo 355º do CPP, não podendo essa prova ser utilizada nos presentes autos,
IX. Ainda para mais quando essas mesmas declarações não foram prestadas a um juiz de direito.
X. O tribunal “a quo” ao decidir por despacho, finda a produção de prova, a junção da certidão do acórdão do processo nº 199/06.2GCSJM deveria ter notificado os arguidos dessa mesma prova, facultando aos mesmos essa certidão.
XI. De modo a que a nova prova junta ao processo pudesse ser devidamente analisada.
XII. Não o fazendo, como se veio a verificar, o Tribunal “a quo”, acabou por limitar os direitos de defesa dos arguidos.
XIII. Violando o artigo 35º, nº2 da Constituição da República Portuguesa.
XIV. Desse modo, também o acórdão do processo nº 199/06.2GCSJM, não poderá ser utilizado, como prova nos presentes autos.
XV. Mesmo que estas provas documentais pudessem ser utilizadas nos presentes autos, o que desde já não se concede, nunca haveria prova documental suficiente que sustentasse a tese de que os arguidos, deliberadamente faltaram á verdade quando inquiridos como testemunhas no processo 199/06.2GCSJM.
XVI. As declarações prestadas no âmbito do inquérito do processo 199/06.2GCSJM, a serem validadas como prova no presente processo o que desde já não se concede, apenas provariam, que foram efetivamente prestadas pelos arguidos.
XVII. E por si só, não fazem prova de que os ora recorrentes quiseram de forma deliberada e conscientemente, no dia do julgamento do processo nº199/06.2GCSJM faltar á verdade, ou omitir o que quer que fosse em sede de audiência de julgamento.
XVIII. Também a acta da audiência de julgamento do processo 199/06.2GCSJM, aquando desse mesmo depoimento não prova o que quer que seja, a não ser que os arguidos declararam não se lembrar de factos ocorridos.
XIX. Ora tal facto a menos que haja culpa, não consubstancia por si só um crime.
XX. Nos presentes autos não se vislumbra que tenha sido feito prova de que os ora recorrentes tenham faltado deliberadamente á verdade.
XXI. Na audiência de julgamento também não foi produzida ou examinada qualquer prova que possa levar à condenação dos ora recorrentes.
XXII. O Tribunal a quo apenas conclui, a culpabilidade dos ora recorrentes, de forma arbitrária e sem qualquer sustentação fáctica.
XXIII. Assim do exposto apenas se poderá concluir que estamos perante a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
XXIV. Isto é, a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão tomada.
XXV. Portanto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento apenas poderia resultar a absolvição dos ora recorrentes.
XXVI. Pois a culpa dos arguidos, a sua conduta deliberada e consciente, não foi provada nos presentes autos
XXVII. Mas mesmo que o Tribunal não obtivesse prova da inocência dos ora recorrentes nos presentes autos.
XXVIII. Pela falta de prova da sua culpabilidade, gozariam estes pelo menos do princípio “in dubio pro reo”
XXIX. Nesses termos, esta decisão constitui sem duvida, uma flagrante violação do princípio “in dúbio pro reo”.
XXX. É ainda, mais uma clara violação do artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que consigna de forma inequívoca o princípio da presunção de inocência.
XXXI. Existe ainda uma clara contradição insanável, entre a fundamentação da sentença e a decisão que daí resulta.
XXXII. Visto que na decisão final o tribunal “a quo” julga parcialmente a acusação do MP, ao passo que na fundamentação em nada se sustenta essa mesma decisão

Na resposta, o MºPº defendeu a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida, concluindo como segue:

1. Não se está perante o uso de nenhum meio de prova proibido. O que está em causa é a utilização noutro processo de declarações prestadas num inquérito a fim de aferir a falsidade de testemunho.
2. Não resulta do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que tenha ocorrido alguma das situações descritas no art.° 410.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
3. Nenhuma das razões invocadas pelos recorrentes para fundamentar o seu inconformismo é procedente, não havendo, por outro lado fundamentos oficiosos para invalidar a sentença recorrida, no todo ou em algum dos seus segmentos.
4. Designadamente, o Tribunal a quo não violou qualquer preceito legal, seja no tocante à fixação da matéria de facto ou à sua motivação.
5. A matéria de facto produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é suficientemente elucidativa da prática dos factos pelos quais o arguidos vinham acusados, assim como os factos dados por provados na sentença em apreço são bastantes e conduzem à conclusão de que C...... e B...... praticaram o crime por que foram condenados.
6. Foi correctamente julgada a matéria de facto e nenhuma das provas produzidas impõe decisão diversa daquela que foi sufragada pela sentença recorrida. Com efeito, a factualidade dada como provada encontra-se devidamente fundamentada e assentou na livre convicção do julgador relativamente aos meios de prova produzidos.
7. Devem, pois improceder todos os fundamentos invocados pelos recorrentes, sendo confirmada a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
8. Por último, as razões e os elementos probatórios apontados na douta sentença recorrida impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse sem margem para dúvidas, como concluiu, estarem provados tais factos, não tendo havido violação do princípio in dubio pro reo.

O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual - considerando que a sequência de actos processuais contraria o desconhecimento da prova, consistente no acórdão proferido no proc. nº 199/06.2GCSJM, que os recorrentes invocam e que, além disso, a decisão recorrida evidencia que de tal acórdão não foi retirado qualquer contributo para prova dos factos pelos quais foram condenados, nem teve influência nas penas que lhes foram aplicadas; que o teor do depoimento da testemunha D…., agente da P.J., é irrelevante para a decisão da matéria de facto pois o que os recorrentes disseram, na qualidade de testemunhas, consta dos autos lavrados e aquele depoimento apenas podia servir para confirmar a fidedignidade dos autos que até não foi posta em causa; e que, não obstante não tenha sido invocado, deve ser conhecido o erro de subsunção jurídica que em seu entender decorre da classificação do comportamento praticado pelos recorrentes como falsidade de depoimento quando o mesmo constitui recusa a depor, punível com a mesma pena mas não com a agravação do nº 2 do art. 360º do C. Penal uma vez que a remissão do nº 3 deste preceito é apenas para o seu nº 1 – se pronunciou no sentido de dever ser alterada a qualificação jurídica e reduzida a medida da pena, seguindo os critérios utilizados pela 1ª instância e que não foram questionados, para 100 dias de multa à taxa diária fixada, devendo o recurso improceder em tudo o mais.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:

1.° No dia 1 de Maio de 2006, em Milheiro de Poiares, perante o Sr. Inspector da PJ D…., ambos os arguidos prestaram depoimento no âmbito de investigação criminal que se encontrava a levar a cabo no processo 199/06.2GCSJM, tendo ambos referido, em síntese, que viviam na mesma casa, no n° 302 da Rua …., em Milheiro de Poiares, sendo que, na madrugada desse dia 1/5/2006, pelas 4 horas da madrugada foram surpreendidos por um barulho forte na via pública, tendo então vindo à varanda da sua residência, tendo avistado sete indivíduos encapuzados, um deles com uma marreta a bater na parede onde se encontrava uma caixa multibanco.
2.° Ligaram ao 112 a comunicar o assalto, tendo sido informados que já tinham recebido igual comunicação.
3.° Mais referiram em síntese que, quando os indivíduos se aperceberam que os depoentes estavam a observar o que se passava, lhes apontaram uma caçadeira a ambos, obrigando-os a refugiar-se.
4.° Volvidos 10 minutos, e dentro de casa, aperceberam-se de tiros, um mais fraco e outro mais forte, do lado dos encapuzados.
5.° Seguidamente ouviram um mais forte, cujo som proveio do lado oposto.
6.° Referiu ainda o B….. que reparou então num guarda da G.N.R., munido de uma G3 a caminhar na direcção dos assaltantes, ouvindo novo tiro por parte dos assaltantes, ao mesmo tempo que estes gritavam: “é polícia”, sendo que o quarto assaltante efectuou novos disparos.
7.° Descreveu os indivíduos como do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 20 e os 35 anos de idade, todos encapuzados.
8.° No que concerne à arguida C…., mais declarou ainda que ouviu novos disparos dos assaltantes no sentido dos anteriores, tendo visto o guarda da G.N.R. a disparar na direcção destes. Com medo, saiu da janela.
9.° Mais nada viu, descrevendo os indivíduos como do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 20 e os 35 anos de idade, todos encapuzados, com roupa escura.
10.° No dia 17 de Dezembro de 2007, prestaram ambos declarações na qualidade de testemunhas, em sede de audiência de discussão e julgamento que teve lugar no Tribunal de Oliveira de Azeméis.
11.° Depois de devidamente ajuramentados e advertidos de que incorreriam em responsabilidade criminal, nomeadamente, na prática de um crime de falsidade de testemunho, punido com pena de prisão até 5 anos, caso não respondessem com verdade, ambos os arguidos foram sempre referindo que não se lembravam de nada do que haviam assistido e relatado anteriormente, pois já havia passado muito tempo.
12.° Seguidamente, pelo Exm° Senhor Juiz Presidente do Colectivo foi perguntado se se sentiam à vontade para testemunhar, pois podia ordenar aos arguidos que se retirassem, para que não ouvissem o respectivo depoimento.
13.° O arguido B….. chegou mesmo a referir que se sentia perfeitamente à vontade, só não se lembrava era de nada.
14.° Igual postura teve a arguida, sendo que ambos, desde o início até ao fim dos respectivos depoimentos apenas iam referindo que já tinha passado muito tempo e não se lembravam de nada.
15.° Mesmo a concretas perguntas de qualquer uma da factualidade que haviam relatado antes, e de que se recordavam perfeitamente, até pelo eco social, jornalístico e televisivo que tal acontecimento teve em todo o país, iam sempre faltando à verdade, reafirmando que já não se lembravam.
16.° O circunstancialismo invocado pelos arguidos em audiência, como testemunhas, não correspondia à realidade dos factos, pois os mesmos recordavam-se perfeitamente do que haviam assistido e do que haviam relatado aos investigadores da PJ.
17.° Ao terem os arguidos desmentido depois em audiência de julgamento a versão que haviam antes dado, e a que haviam presenciado, sabendo que se encontravam adstritos a dizer a verdade, quiseram propositadamente ocultar a genuinidade e autenticidade dos factos necessários à boa decisão do Tribunal.
18.° Os arguidos agiram sempre de forma livre e consciente, não ignorando que tal conduta lhes estava vedada e era punível criminalmente.
19.° Os arguidos nunca antes foram condenados por qualquer ilícito penal.

Consignou-se não se terem provado quaisquer outros factos que excedam ou estejam em contradição com os que foram considerados como provados.
A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:

O Tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos, designadamente:
- na certidão de fls. l a 17, nomeadamente o auto de declarações dos agora arguidos e então testemunhas e respectivo teor, acta da audiência de julgamento aquando do depoimento dos aqui arguidos.
-Nos CD da audiência de julgamento;
- Na certidão do Acórdão de fls. 205 e s.
- no c.r.c. relativa aos antecedentes criminais dos arguidos.
*
Os arguidos em audiência de julgamento remeteram-se ao silêncio, no uso de um direito que lhes assiste.
Foi ouvida a testemunha D…., agente da PJ, que confirmou as declarações dos arguidos.
Assim, e pese embora o silêncio dos arguidos, pela prova documental junto aos autos foi possível dar como provados os factos da forma como o foram, sendo certo que tendo os arguidos em l de Maio de 2006 prestado declarações da forma como o fizeram e tendo em conta os crimes em causa a sua repercussão e gravidade dos factos não poderiam estes arguidos passado pouco mais de um ano, em 17 de Dezembro de 2007, terem esquecido tudo o que viveram, como insistentemente referiram na audiência de julgamento.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões que foram colocadas:
- erro de julgamento e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- valoração de prova proibida;
- violação do princípio do contraditório;
- violação do princípio in dubio pro reo;
- contradição insanável entre a fundamentação da sentença e a decisão.

Vamos proceder à apreciação destas questões seguindo a ordem que a sua precedência lógica ou conveniências de raciocínio determinam e, a final, a questão que o Exmº PGA suscitou a respeito da qualificação jurídica dos factos e, reflexamente, do quantum das penas.

3.1. Os recorrentes apontam a existência de uma contradição, que consideram insanável, entre a fundamentação da sentença recorrida e a respectiva decisão, na medida em que nesta consta que a acusação foi julgada parcialmente improcedente.

Conferido o texto da aludida peça processual, constatamos que, efectivamente, no segmento do dispositivo e imediatamente antes das duas alíneas nas quais vêm indicadas e discriminadas as condenações de cada um dos arguidos, se escreveu “Face ao exposto, julgo parcialmente improcedente a acusação e, em consequência:”, quando em parte alguma se vislumbra a mínima referência ao que quer que pudesse ter merecido um juízo de parcial improcedência. Ao invés, a decisão de condenar ambos os arguidos, ora recorrentes, pela prática do crime – o único - que o MºPº lhes havia imputado na acusação que contra eles deduziu, abarca a totalidade do objecto do processo. Por isso mesmo, tudo aponta clara e inequivocamente no sentido de que houve um mero lapso de escrita, clamoroso e passível de correcção ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 380º do C.P.P. uma vez que não importa qualquer modificação do que foi efectivamente decidido ( a condenação de ambos os recorrentes ).
Nenhuma contradição insanável, pois, ao contrário do defendido pelos recorrentes; tão só um lapso evidente cuja correcção desde já, e visto o disposto no nº 2 do preceito acima citado, se determina.

3.2.Os recorrentes sustentam que as declarações por eles prestadas no proc. nº 199/06.2GCSJM constituem prova proibida porque, não sendo permitida a sua leitura no processo em que foram extraídas, também não podem ser utilizadas nos presentes autos para fundamentar a sua condenação.

Sem razão. Nem naquele processo, no qual foram ouvidos em inquérito, na qualidade de testemunhas, as declarações que então prestaram constituíam prova proibida. Norma alguma proíbe a inquirição de testemunhas durante o inquérito e, não tendo sido obtidas por nenhum dos métodos proibidos elencados no art. 126º do C.P.P. os depoimentos que prestem, constituem obviamente prova admissível ( cfr. art. 125º do mesmo diploma ). O que a lei não permite é, tão só, a sua valoração em julgamento fora do quadro em que a sua leitura é permitida, como resulta claramente da ressalva contida no nº 2 do art. 355º do C.P.P.
Mas as normas dos arts. 355º ss deste diploma aplicam-se a declarações que incidam sobre o objecto do processo que está a ser julgado. Daí que as ditas declarações, porque a sua leitura no âmbito do julgamento realizado no processo no qual foram prestadas, apesar de requerida, não foi consentida pelos ali arguidos, não pudesse ali ser valorada para formar a convicção do tribunal e servir de suporte probatório à decisão que ali foi proferida. Como não foi.
O caso muda de figura nestes autos pois essas declarações não versam sobre o objecto deste processo – a falsidade do depoimento que os recorrentes prestaram, naqueloutro processo, em audiência de julgamento, tal como lhes foi imputado na acusação. Tais declarações não constituem, nestes autos, prova por declarações, mas sim prova documental a cuja valoração nada obsta, sendo certo que, neste como em muitos outros casos em que se indicia a prática de crime da mesma natureza, a falsidade de um depoimento só se evidencia pela comparação entre dois ou mais depoimentos que a mesma testemunha haja prestado a respeito da mesma factualidade. Sendo, obviamente, irrelevante, para este efeito, que tais declarações não tenham sido prestadas perante um juiz pois, ainda que constituíssem as mesmas o depoimento falso – e, no caso, a falsidade foi apontada não a essas declarações, mas àquelas que os recorrentes posteriormente prestaram em sede de julgamento – não deixariam de cair na previsão do art. 360º do C. Penal, que não exige que elas sejam prestadas perante magistrado, podendo sê-lo “perante tribunal ou funcionário competente para [as] receber como meio de prova”. E, no caso, foram-no perante um inspector da P.J., como dos autos em que foram vertidas consta, sem que em momento algum isso tenha sido objecto de qualquer contestação ou dúvida.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.

3.3. Os recorrentes consideram que foi violado o princípio do contraditório ( aludem ao art. 35º nº 2 da C.R.P., mas resulta claro que pretenderam referir-se ao art. 32º nº 2 do mesmo diploma ) e, desse modo , limitados os seus direitos de defesa, por não ter sido ordenada a sua notificação da junção aos autos da certidão do acórdão proferido no proc. nº 199/06.2GCSJM, razão pela qual entendem que este não pode ser utilizado como prova nestes autos.

Compulsados os autos, verificamos que, na audiência de julgamento, após a produção de prova, foi proferido despacho em que, referindo-se ter-se constatado que não constava da certidão junta aos autos o acórdão proferido no processo 199/06.2GCSJM, se determinou que o mesmo foi solicitado ao juízo onde o mesmo tinha corrido termos e se interrompeu a audiência, designando-se data para a sua continuação. O que foi notificado a todos os presentes, nestes se incluindo os recorrentes e os respectivos defensores ( cfr. acta a fls. 200-202 ).
Feita tal solicitação, foi junta aos autos, em 19/4/11, a certidão daquela decisão, tendo o julgamento prosseguido na data aprazada, 4/5/11, com a produção de alegações.
Ora, sendo certo que não foi feita notificação expressa da junção do dito acórdão aos recorrentes, não é menos certo que eles estavam cientes de que o mesmo ia ser junto até porque a audiência só foi interrompida antes das alegações precisamente para permitir essa junção, e a referida certidão ficou a constar dos autos dias antes da continuação do julgamento, estando disponível para consulta por qualquer sujeito processual.
Ainda assim, e mesmo admitindo que devesse ter sido dado conhecimento aos recorrentes da referida junção, resulta evidente que, no caso, em nada os seus direitos de defesa resultaram prejudicados. E isto porque, pese embora o acórdão em questão tenha sido indicado, na motivação da decisão de facto, como um dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal recorrido, na verdade nada de relevante para o desfecho destes autos dele se colhe, como aliás já o fez notar o Exmº PGA no seu parecer. De facto, a única alusão que lhes é feita nesse acórdão resume-se a referir que ambos residiam, na altura, junto ao Centro Social ( local onde ocorreu o assalto do dia 1/5/06, que, no depoimento por eles prestado durante o inquérito, os recorrentes haviam afirmado ter presenciado ), “mas declaram não se recordarem de nada, o que lhes valeu a instauração de procedimento criminal a pedido do Ministério Público” ( cfr. fls. 246 e vº ). Ou seja, o dito acórdão não contém qualquer apreciação em relação aos depoimentos prestados pelos recorrentes, limitando-se a mencionar o que eles disseram e o facto de o MºPº ter providenciado para que fosse instaurado inquérito, subentendendo-se que com a finalidade de averiguar da eventual prática de crime de falsidade de testemunho. É, pois, perfeitamente inócuo em relação à responsabilidade criminal dos recorrentes e, logo por isso, a notificação da sua junção seguramente nenhum reflexo teria na condução da sua estratégia de defesa. Retirá-lo do elenco das provas que serviram para formar a convicção do tribunal recorrido não aquenta nem arrefenta; não é o seu teor que tem virtualidade de apoiar seja uma condenação, seja uma absolvição, nem a desconsideração do mesmo a de transmudar uma condenação numa absolvição.
Donde que também este fundamento do recurso falhe o alvo.

3.4. Os recorrentes também se insurgem contra a decisão da matéria de facto, sustentando que o tribunal recorrido deu como provados factos de forma conclusiva e sem qualquer sustentação probatória. Para além das objecções que opuseram à valoração de alguns meios de prova e de que já cuidámos nos pontos anteriores, insurgem-se contra a inclusão das declarações prestadas pelo Inspector da P.J. na motivação da decisão de facto uma vez que nada foi provado através delas pois o mesmo disse não se lembrar do que lhe foi transmitido pelos ora recorrentes, nem mesmo se lembrando se essas declarações foram prestadas a si ou a outra colega. Por outro lado, e mesmo que as provas documentais pudessem ser utilizadas nestes autos, em seu entender delas não se pode concluir que os recorrentes faltaram deliberadamente à verdade ou quiseram omitir o que quer que fosse quando foram inquiridos em sede de julgamento, havendo insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Começando por este último ponto, é evidente que a matéria de facto é suficiente para a decisão e não se vislumbra, de todo, que o tribunal recorrido tenha deixado de investigar fosse o que fosse de relevante para a decisão.
Mas tudo parece apontar no sentido de que os recorrentes não quiseram aludir ao vício prevenido na al. a) do nº 2 do art. 410º do C. P.P. – que não nomeiam e que teria de resultar de forma evidente do texto ( e do texto apenas, sem recurso a outros elementos ) da decisão recorrida -, e sim a uma insuficiência de prova para alicerçar a convicção que foi formada pelo tribunal recorrido.
E também neste aspecto se mostram carecidos de razão pois a prova que foi produzida é perfeitamente suficiente para que se possa concluir que, ao serem inquiridos durante o julgamento, se afastaram da verdade, melhor dizendo, não quiseram contá-la tal como a conheciam.
É verdade que o depoimento da testemunha D......, inspector da P.J., é muito curto e vago, tendo-se limitado a afirmar que verificou que eram testemunhas que depuseram num processo no qual trabalhou, mas já não se lembrava das declarações que prestaram, sequer se foi quem as ouviu. Não foi ( possivelmente por não se ter feito um esforço suplementar no sentido de ultrapassar as limitações decorrentes da inquirição da testemunha através de videoconferência ), e podia e devia ter sido, confrontado com os “autos de inquirição de testemunha”, cujas fotocópias constam de fls. 1-3 e 5-6, para lhe reavivar a memória e dizer se confirmava ter sido ele o funcionário da P.J. que executou a diligência e ali vem identificado com o seu nome. No entanto, essa confirmação só teria algum préstimo na eventualidade de ter sido levantada ou se levantar alguma dúvida acerca da fidedignidade daqueles autos, o que no caso não sucedeu. Como bem aponta o Exmº PGA, “Independentemente de o agente em causa se recordar ou não do que em concreto disseram os recorrentes em inquérito, as então testemunhas e agora arguidos, o certo é que o que disseram consta dos autos lavrados e o depoimento do agente em acusa nada podia adiantar relativamente ao conteúdo de tais depoimentos a não ser limitar-se a confirmar a fidedignidade dos autos que, aliás, não foi posta em causa.” Confirmação desnecessária já que, em momento algum os recorrentes – que, agora como arguidos, no julgamento se remeteram ao silêncio – puseram em causa que os referidos autos correspondam às inquirições de ambos, como testemunhas, levadas a cabo pela P.J. no âmbito do inquérito no processo nº 199/06.2GCSJM, nem tão pouco que as declarações que neles foram vertidas correspondam ao relato que então fizeram.
Temos, assim, que, da prova que foi produzida aquela que é verdadeiramente relevante e essencial é a prova documental, em concreto aqueles autos de fls. 1-3 e 5-6 e a acta da audiência a fls. 8-17, complementada pela transcrição dos depoimentos que os recorrentes prestaram no decurso da mesma, a fls. 18-56.
O simples confronto entre o teor dos depoimentos prestados em sede de inquérito e o dos que foram prestados em sede de audiência e a sua leitura à luz das regras da experiência comum permite perfeitamente - quase diríamos, impõe - formar a convicção no sentido de que, aquando da prestação do segundo, os recorrentes faltaram à verdade. De facto, no primeiro depoimento, prestado em 1/5/06, escassos horas após a ocorrência, os recorrentes contaram pormenorizadamente o que presenciaram a partir da varanda da casa onde ambos, vivendo em união de facto, residiam. Nada mais, nada menos, que um assalto a uma caixa multibanco, perpetrado por vários indivíduos encapuzados, e no decurso do qual os assaltantes até lhes apontaram uma espingarda caçadeira quando se aperceberam que eles se encontravam a observá-los! Como resumidamente vem descrito nos pontos 1. a 9. dos factos provados. Já no segundo, prestado em julgamento, em 17/12/07, os recorrentes – ambos! – a todas as perguntas que lhes foram dirigidas, escudaram-se sistematicamente em falhas de memória que alegadamente não lhes permitiram lembrar de nada – nadinha mesmo - do que haviam presenciado naquela ocasião. Sem ter sido indicada nem se vislumbrar nenhuma causa que pudesse explicar de forma cabal uma amnésia tão completa e afectando logo os dois recorrentes, não se concebe, à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, que ambos tenham apagado totalmente da memória um acontecimento tão singular e marcante. O tempo vai esbatendo algumas recordações, é certo, mas, salvo condições excepcionais, não é o espaço de cerca de ano e meio que produz uma varredura total da memória e em particular de episódios que fogem significativamente à rotina do dia-a-dia.
Nesse contexto, outra explicação plausível para a conduta dos recorrentes não se enxerga se não a de que usaram as falhas de memória como subterfúgio para não contarem com verdade os factos que haviam presenciado, mentindo ao afirmarem que deles não se lembravam. No que concerne ao elemento subjectivo, é sabido que o dolo, como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insusceptível de apreensão directa, e por isso, na ausência de confissão ( ou de confissão congruente ), tem de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência. No caso, uma vez que os recorrentes não se dispuseram sequer a dar a sua versão dos factos, não foi produzida qualquer prova directa demonstrativa da intenção que presidiu às suas condutas. Daí que a prova do dolo sempre se teria de retirar dos factos materiais, exteriores, que foram apurados e que o revelem[3]. E, no caso, a factualidade provada, lida à luz das regras da experiência comum, permite, por si só, inequivocamente, concluir que os recorrentes agiram com dolo, sendo certo que se trata de pessoas no uso das suas faculdades mentais, como nada permite duvidar que o sejam.
Resulta das considerações que acabámos de expender que, ao contrário do que os recorrentes defendem, a prova produzida confere adequado suporte probatório à convicção formada, dentro da latitude consentida pelo princípio da livre apreciação da prova, pelo tribunal recorrido.
Inexiste, pois, fundamento para que procedamos à alteração da decisão da matéria de facto.

3.5. Por último, os recorrentes ainda vieram invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que devia em seu entender ter sido aplicado por não ter sido feita prova da sua culpabilidade.

Ora, a aplicação deste princípio está reservada àqueles casos em que, produzida a prova, subsistam dúvidas razoáveis e intransponíveis a respeito dos factos objecto do processo, devendo então essas dúvidas ser resolvidas a favor do arguido. No caso, nem a decisão recorrida deixa transparecer que hajam subsistido quaisquer dúvidas daquela natureza, nem se vislumbra que algumas devessem ter subsistido e só assim não sucedeu porque não tivessem sido reconhecidas.
Razão pela qual, e sem necessidade de mais alongadas considerações, se conclui que não houve qualquer violação do aludido princípio.
***
Aqui chegados, resta-nos apreciar a correcção da subsunção jurídica dos factos, questão levantada pelo Exmº PGA no seu parecer.
Da factualidade dada como assente resulta que os recorrentes, no depoimento que prestaram em julgamento, faltaram à verdade quando afirmaram que já de nada se lembravam. No entanto, analisando os seus depoimentos em confronto com o objecto do processo e a factualidade sobre a qual se deviam pronunciar, temos de concluir que não fizeram qualquer relato divergente da realidade histórica por eles conhecida e presenciada. Na verdade, ao escudarem-se com a falta de memória, o efeito pretendido e conseguido era, de facto, eximirem-se a depor sobre factos que conheciam e dos quais, contrariamente ao que declararam, se lembravam.
Nessa medida, concordamos inteiramente com o Exmº PGA quando classifica a conduta dos recorrentes como uma recusa a depor, integrando-a na previsão não do nº 1, mas sim do nº 2 do art. 360º do C. Penal.
E, embora a pena cominada seja a mesma tanto para o nº como para o nº 2, neste segundo caso já não é aplicável a agravação prevista no nº 3, que remet apenas para o nº 1 do preceito, neste ponto concordando igualmente com o Exmº PGA. Decorrentemente, a moldura abstracta aplicável ao crime praticado pelos recorrente - feita que foi, e bem, a opção por pena de multa, - é a de pena de multa de 60 a 360 dias ( cfr. art. 47º nº 1 do C. Penal ).
Esta alteração na qualificação jurídica, que redunda numa moldura penal menos severa, não carece do prévio cumprimento do disposto no art. 358º do C.P.P., porque a recusa a depor é uma das modalidades de acção/omissão do tipo legal de crime p. e p. pelo art. 360º do C. Penal, constituindo um minus em relação à prestação de depoimento falso. De todo o modo, no caso os recorrentes até já foram alertados, com o parecer do Exmº PGA, para a possibilidade de vir a ocorrer essa alteração e nada vieram dizer.
Cumpre, finalmente, proceder à reponderação da pena concreta em face da nova moldura abstracta encontrada. Aproveitando para o efeito as considerações que foram expendidas na decisão recorrida a propósito da medida da pena, e sopesando as circunstâncias relevantes a considerar e que ali foram enunciadas, consideramos justo e adequado o quantum proposto pelo Exmº PGA. A pena aplicada a cada recorrente fixar-se-á, pois, em 100 dias de multa à taxa diária de 7 €.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgam improcedente o recurso, mas alteram a decisão recorrida na parte relativa à qualificação jurídica dos factos e às penas aplicadas, passando a ir cada um dos recorrentes condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º nº 2 do C. Penal, na pena de 100 ( cem ) dias de multa à taxa diária de 7 ( sete ) €.
Vai cada um dos recorrentes condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 3 de Abril de 2013
Maria Leonor de C. Vasconcelos Esteves
José Alberto Vaz Carreto
___________________
[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Vejam-se, com interesse para esta questão, estas considerações extraídas do Ac. RE 27/3/12, proc. nº 273/05.2 TABJA.E1:
“Estamos num dos campos mais difíceis da prova. Mostra a experiência que os actos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica, raramente se provam directamente. Na ausência de confissão (…) a prova do dolo não deixa, por isso, de se (poder) fazer, mas implicará um juízo de inferência ou de ilação dos indícios, que são aqui os factos exteriores.
Ao julgador exige-se, então, que decida a questão de facto de forma a concluir, ou não, se o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente. E essa conclusão assentará, não num juízo de certeza absoluta – esse dificilmente se obterá fora da confissão e mesmo esta pode não ser verdadeira – mas num juízo que vença ou ultrapasse a dúvida razoável.
A apreciação (livre) da prova exigirá, positivamente, objectividade, racionalidade, percepção adequada das regras da experiência, da lógica, da razão, dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso, sempre na formulação de um juízo prudente; negativamente, implicará apreciação da prova sem adesão deturpada, precipitada ou antecipada a versões factuais apresentadas no processo, sem subordinação a pré-juízos adquiridos no processo ou fora dele, sem obediência a (inexistentes) critérios legais pré-fixados.
O juiz tem que alcançar através das provas uma boa percepção do desenrolar do acontecimento – do “pedaço de vida” trazido a julgamento – de forma a chegar à verdade do facto total, externo e interno.”
Igualmente, o que se diz no Ac. 16/11/05, proc. nº 3380/05, num recurso em que também estava em causa a prática de um crime de falsidade de testemunho:
“Não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um acto interior, revestindo natureza subjectiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/45d5cf13e2470fbb80257b48004d1094?OpenDocument

quinta-feira, 18 de abril de 2013

BURLA PREJUÍZO PATRIMONIAL REFORMA DE LETRA - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 08-02-2012


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
522/01.6TACBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: BURLA
PREJUÍZO PATRIMONIAL
REFORMA DE LETRA

Data do Acordão: 08-02-2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 217º E 256º CP

Sumário: 1.- O bem jurídico protegido no crime de burla é o património.
2.- A verificação do crime de burla desenha-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:

– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;

– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;

– determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial

3.- Esse prejuízo patrimonial relevante corresponde a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica efetivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão.

4.- Na operação de reforma de letras, em princípio, não há prejuízo para os pseudo aceitantes porque estes ficam vinculados por quantia inferior (nunca superior) à inicial da letra originária.

5.- Não tendo havido nessa reforma entrega de dinheiro pela instituição de crédito sacada, não há prejuízo patrimonial.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou procedente a pronúncia deduzida contra o arguido:
A..., com residência … e actualmente recluso no Estabelecimento Prisional da Guarda.
Sendo decidido:
a)-Condenar o arguido pela prática de dois (2) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217 nº 1 e 218 nº 1 do Código Penal nas penas de oito (8) meses de prisão por cada um.
b)-Condenar o arguido pela prática de quatro (4) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217 nº 1 e 218 nº 2 alínea a) do Código Penal, respectivamente, nas penas de três (3) anos e dois (2) meses de prisão, dois (2) anos e quatro (4) meses de prisão, dois (2) anos e seis (6) meses de prisão e de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.
c)-Condenar o arguido pela prática de seis (6) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256 nº 1 alínea c) e nº 3 do Código Penal, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, respectivamente, nas penas de um (1) ano de prisão, um (1) ano de prisão, dois (2) anos de prisão, um (1) ano e dois (2) meses de prisão, um (1) ano e três (3) meses de prisão e um (1) ano e três (3) meses de prisão.
d)-Efectuado o cumulo jurídico das referidas penas, condenar o arguido numa pena única de seis (6) anos de prisão.
***
Inconformado, da sentença, interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, (as conclusões servem para o recorrente resumir as razões do pedido – art. 412 nº 1 do CPP, sendo que o aqui recorrente em vez de concluir quase se limita a repetir a motivação do recurso, pelo que se fará resumo das mesmas) as quais delimitam o seu objecto:
A)-Erro notório na apreciação da prova, pontos 5,8,10,11,15,18,21,24,25,26,27, dos provados e b) dos não provados.
1-No Acórdão recorrido, foi dado como não provado no Ponto b).
2-Salienta-se a perplexa, não reacção do ofendido perante os bancos e as entidades policiais aquando das sucessivas interpelações para o pagamento das letras e sobre as quais o ofendido sempre teve conhecimento.
3-Não mencionando o Acórdão, nem as testemunhas, ou ofendido, que o ofendido tenha feito qualquer participação as entidades judiciais ou tenha pedido esclarecimentos as entidades bancárias, quando devidamente advertido da existência destas mesmas letras por estas instituições.
4-Também não se provou que o ofendido tenha realizado qualquer chamada telefónica ao arguido, dando-lhe conta da sua insatisfação por este ter apresentado letras junto das instituições bancárias em que a assinatura do ofendido aparecia, indevidamente no local reservado ao aceitante.
B)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida
1- Da prova produzida fica-se a saber pelo depoimento do ofendido que este não tinha, nem tem, qualquer relação de amizade com o arguido.
2- Conheceram-se através de um amigo comum, e o contacto entre ofendido e arguido reportou-se, tão só, a um negócio que nem se veio a concretizar.
3- Não havendo qualquer outro tipo de relação pessoal ou negocial, entre ambos.
4- A partir de determinada data, o ofendido começou a ser confrontado com avisos de pagamento de letras em que seu nome constava como aceitante, sendo que o arguido era o sacador das mesmas.
5- Letras estas, que em determinada altura, final do ano de 1998, chegaram a atingir os 50.000.000$00, (cinquenta milhões de escudos).
6- Que mesmo após o conhecimento da existência de letras onde constava o seu nome no lugar de aceitante veio, em data posterior, o ofendido a ser notificado do vencimento de todas as letras em apreço nestes autos, através de sucessivas interpelações das entidades bancárias.
7- Que nunca se dirigiu as entidades bancárias e, ou, aos agentes judiciais para negar da autenticidade da sua assinatura.
8- Dos factos dados como provados nenhuma referencia se faz aos fictícios contactos telefónicos entre o arguido e o ofendido.
9- Motivo desde logo contraditório com o facto de o Tribunal "A quo” ter dado como não provado que o ofendido C... confrontado com as notificações referidas em 23) nada tivesse feito.
10- Na verdade o ofendido nada fez para fazer perecer a conduta "ilícita" do arguido.
C)- Ademais o tribunal" a guo" não fundamenta gue:
1- não tendo sido provado que o arguido tenha aposto pessoalmente os nomes manuscritos de B…, inscritos nas letras supra referidas designadamente nos locais destinados à assinatura do aceitante ou que tivesse pedido alguém para o fazer, (Cfr ponto b) dos factos provados, condene o arguido com base em que este tinha conhecimento da falsidade das assinaturas.
2- Ora verificado os "factos provados" os "factos não provados" e a fundamentação do douto acórdão, não se vislumbra de que forma, e em que medida, o arguido sabia da falsificação das assinaturas do ofendido à data da apresentação das letras.
D)- Erro notório da valoração da prova no depoimento do ofendido.
1- Conforme já supra citado o tribunal "a quo" violando os princípios da livre apreciação da prova deu como provado que nas letras em apreço nestes autos que a assinatura constante dos aceites tenha sido aposta sem o conhecimento ou o consentimento de B… ou da sociedade W...- Lda.
2- E, mesmo após o ofendido ter referido que teve conhecimento da existência de todas as letras antes do seu vencimento ou reforma, pois que era devidamente notificado pelas diversas agencias bancárias do seu vencimento.
3- E inerentemente do valor nelas inscritos, que segundo o mesmo ofendido chegaram a ser no valor de Esc. 50.000.000$00.
4- Certo é que, o ofendido não mantinha qualquer relação de amizade com o arguido e que - ainda segundo o ofendido - bastou-se por um simples telefonema ao arguido para que passasse, desde logo a acreditar piamente na palavra deste de que iria cumprir com as diversas e sucessivas letras "forjadas" em quantias que já nos longínquos anos de 1997 e 1998, se reportavam elevadíssimas quantias.
5- Na verdade, tendo sempre em consideração a experiencia do mais comum do mortais, não é sustentável, e com isso poder condenar o arguido a 6 anos de prisão, ter a plena convicção de que o ofendido não sabia, não permitiu, nem fez, antecipadamente, a aposição da sua assinatura nas referidas letras.
6- Tanto insustentável é esta "certeza", do tribunal "a quo" que em 06 Julho de 2011, no processo que correu termos na Vara de Competência Mista de Coimbra no Proc. n° 6656/00.7TDPRT o ofendido enquanto testemunha e depondo sobre os mesmos factos dos aqui em apreço, manteve a mesma peculiar versão.
7- No entanto, o Meritíssimo Juiz, suportando-se na sua sábia experiencia jurídica e nas regras de experiencia comum foi peremptório em afirmar da estranheza do "conto dos factos" trazido pelo ofendido.
8- E, assim neste caso, o Tribunal resolveu absolver o arguido, por Acórdão de 14 de Julho de 2011, sendo que uma das letras constante na acusação neste processo em que o arguido foi absolvido - Proc. Nº 6656/00.7TDPRT da Vara Mista de Coimbra, reportava-se a uma letra que tinha sido apreciada nos presentes autos e que o tribunal "a quo", com uma insustentável regra de experiencia, vem a condenar o aqui recorrente.
9- Os factos que serviram de fundamento à condenação resultam de um notório erro na valoração da prova que se traduziu numa sentença injusta violando ostensivamente o plasmado no art° 410, nº2 al c), e, por previdência, o art. 449, nº1, al c) ambos do C.P.Penal.
10- Requer a renovação da prova aos pontos 5, 8, 10, 11, 15, 18, 21, 24, 25, 26, 27 e b).
E)- Do crime de burla e falsificação
1- Observado o Acórdão constata-se que dos 6 documentos aqui em apreço, 5 referem-se a reforma de Letras e não a Letras Originárias.
2- Ora, no quadro da reforma, mesmo ocorrendo a falsificação, é indubitável que a Instituição bancária já recebeu parte do valor em débito e continua titular do direito sobre a Letra originária;
3- Mesmo que o aceite inicial fosse logo falso, é certo que a reforma não colocou o banco em situação pior do que aquela que já tinha e que o prejuízo ocorreu no momento da falsificação da letra originária e não da nova letra para reforma;
4- Por todo o exposto, com a entrega das letras descritas na acusação ao banco, em instância de reforma, o arguido não provocou qualquer prejuízo para os bancos e não os burlou,
5-O crime de burla pressupõe, desde logo, a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo ou de causar um prejuízo e, no caso em apreço, tal intuito nunca se observou, justamente por a situação de reforma ser em absoluto insusceptível de obter um tal resultado.
6- À luz da mais singela experiência comum, tendo em consideração que os aceitantes são avisados pelos bancos para pagamento das letra em vencimento, não é minimamente verosímil que o arguido viesse a utilizar documentos que sabia serem falsificados para proceder, imagine-se, a pagamentos de valores de 2.000.000$00, 1.000.000$00, 1.000.000$00, 1.000.000$00, 1.500.000$00 e referente às reformas das 5 letras constantes do Douto Acórdão - daí não se poder dar como provado que o arguido ao apresentar esses títulos, para reforma, junto das instituições bancárias tivesse conhecimento que as assinaturas aposta no lugar do aceite fossem falsificadas, se é que o são.
7- Por outro lado, tratando-se de situação de reforma de títulos já descontados, mesmo a ter existido falsificação, resulta da natureza da operação que ela não é compatível com o intuito de prejudicar e/ou obter enriquecimento, justamente porque, como já se sublinhou, nas reformas o arguido pagou e o banco recebeu e, intuitos que não conduzissem a estes resultados não seriam susceptíveis de serem atingidos.
F)- Da não verificação do tipo legal de crime de falsificação de documento
1- Mutatis Mutandis do que se observou para o crime de Burla: Este crime tal como o de burla, é um crime intencional, não bastando o acto material de falsificação, é necessário que o agente actue com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter para si ou para outrem beneficio ilegítimo.
2- Ora, como vimos, essas intenções não podem existir pois são materialmente incompatíveis com os actos de reforma a que se destinavam as 5 letras acima melhor identificadas.
3- Para além de que o tribunal "a quo", perante as próprias declarações do ofendido que atestam do seu prévio conhecimento das letras antes do seu vencimento, nunca esclareceu qual o modis operandi, que os intervenientes adoptaram para se concluir que foi contra a vontade do arguido (ofendido dizemos nós) e com o seu total desconhecimento que a sua pretensa assinatura foi aposta nos aceites.
G)- Da letra referida no Ponto 10 do Douto acórdão
1- Como já se referiu de todas as 6 letras constante dos autos esta letra era a única que não se reportava a uma reforma mas sim a uma letra originária.
2- Conforme o acima aduzido o próprio ofendido refere e o tribunal "a quo" consolidou, que sempre teve conhecimento antecipado do vencimento das letras, pese o facto da sua quantidade, o altíssimo valor nelas inscrito e ao facto altamente relevante da sua emissão ter ocorrido ao longo de vários meses.
3- O que atesta que os pretensos crime só se realizaram com o prévio consentimento do ofendido pois bastava uma simples denuncia para suster a concretização dos mesmo.
H)- Do crime continuado art°32 C.Penal.
1- Ora dos factos dados como provados pelo tribunal "a quo" resulta, desde logo, a verificação realização plúrima do mesmo tipo de crime
2- Existe, também, homogeneidade da forma de execução bem como da lesão do mesmo bem jurídico, e, segundo ainda matéria de facto dada como provada, que as diversas resoluções foram levadas a efeito dentro de uma linha psicológica continuada.
3- Além do mais, e acompanhando os factos provados e a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal "a quo" é flagrante a persistência de uma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do arguido
4- O tribunal"a quo" refere na sua motivação que o ofendido teve conhecimento de que o seu nome constava no aceite de varias letras em que o arguido era o sacador das mesmas
5- Que após ter telefonado ao arguido, este lhe referiu que não haveria problemas pois iria resolver tudo, tendo então as referidas letras sido pagas.
6- Que posteriormente o ofendido voltou a ser notificado da existências de novas letras e que tal como havia feito já anteriormente bastou-se, tão só, por um peculiar telefonema ao quase desconhecido arguido, para que este resolvesse, novamente essa questão.
7- Ora é peremptório, e sempre na esteira da motivação do tribunal "a quo", que o ofendido se bastava pela simples palavra do arguido que procederia ao pagamento das letras para que o ofendido nada mais objectasse, independentemente do número de letras ou do valor nelas inseridos.
8- Que, como referiu o ofendido chegaram a ser na quantia de Esc 50.000.000$00
9- Ou seja, não é despiciendo referir que havia como que um consentimento tácito, (pois não se provou outras diligências por parte do ofendido para além das suas mencionadas chamadas telefónicas), no uso do nome do ofendido desde que o arguido procedesse à regularização dessas mesmas letras, ou seja procedesse ao seu pagamento, que, acrescente-se, nem era necessário o pagamento na sua totalidade pois que das 6 letras aqui em apreço 5 já eram letras de reforma. (Cfr Fls 12 de Douto Acórdão
10- E se considerarmos a fundamentação do tribunal "a quo" como boa, então sempre havia como que uma "aceitação tacita" do ofendido na utilização da sua assinatura.
11- Atente-se mesmo, que foi dado como não provado (Cfr ponto b) que tenha sido o arguido ou que este tivesse pedido alguém para apor a assinatura do ofendido nas letras em apreço.
12- Ora pelo exposto e dado a matéria de facto carreada no douto acórdão, bem se entende que, sabendo o arguido que o ofendido em nada se opunha na utilização abusiva do seu nome nos aceites das letras tenha visto nisso um facto permissivo para apresentar as letras com o nome do ofendido enquanto aceitante.
13- Diminuindo, assim, consideravelmente a culpa do arguido na apresentação das letras com o nome do ofendido na qualidade de aceitante
Motivo pelo qual, e sempre suportado na motivação do tribunal "a quo" os factos praticados pelo arguido devem consubstanciar um crime continuado com a respectiva consequência legal conforme prevê o art. 79 do Código Penal
I)- Da medida da pena
1-Em conformidade com acima exposto e sempre suportado na motivação do aqui recorrido acórdão a pena deve ser especialmente atenuada, e suspensa na sua execução, em conformidade com os artigos 70 e 71 ambos do Codigo Penal, uma vez que os factos que já ocorreram nos longínquos anos de 1997 e 199, nunca foram censuradas pelo ofendido que:
- pese o facto der saber da existência de varias letras e onde constava o seu nome no aceite,
- tais letras foram sido apresentadas por diversas vezes, e ao longo de vários meses
- o ofendido sempre teve conhecimento antecipado do seu vencimento ou reforma, no entanto bastou-se pelo simples facto de o arguido ir comunicando que pagaria essas mesmas letras aquando do seu vencimento ou reforma.
Deverá ser concedido provimento ao recurso, e em consequência ser revogada a aliás douta decisão recorrida, e o arguido ser:
- Absolvido da pratica de 2 crimes de burla qualificada p.p pelos artigos 217 nº l e 218 nº 1 do C. Penal
- Absolvido da prática de 4 crimes de burla qualificada p.p pelos artigos 217 e 218 nº 2 al. a) do C. Penal
- Absolvido da prática de 6 crimes de falsificação de documentos p.p. pelo artigo 256 nº1 al. c e nº 3 do Código Penal
Caso o Tribunal "ad quem" não entenda, pela absolvição do recorrente nos crimes acima melhor identificados, peticiona-se que sejam qualificados todos estes crimes como um crime continuado ao qual deva ser aplicada uma pena que fique suspensa na sua execução.
O recorrente junta Parecer Jurídico subscrito pelo Professor Doutor Filipe Cassiano, no qual se conclui:
1-quanto às letras que se apurou terem sido usadas para reforma de outras, a natureza da operação de reforma e o modo como opera tornam, em abstracto, o meio inidóneo para provocar prejuízo no banco, pois este não entrega quaisquer quantias nessa fase - pelo contrário, na reforma é o cliente do banco quem paga parcialmente o montante inicialmente recebido;
2- nem se diga que a reforma pode acarretar prejuízo para o banco, por diferir o pagamento para mais tarde e (no caso) por receber uma letra com o aceite falsificado; na verdade, dada a natureza da operação de reforma e os princípios que regem o direito e o processo penal, teria que ser provado em concreto, naquela operação, que o banco ficou em situação efectivamente pior - prova que não foi feita;
3- não é por não ter relação subjacente, que a letra é "falsa" no seu todo, ou que são postas em crise as obrigações nela assumidas - com ou sem relação subjacente, quem quer que se vincule numa letra assume uma obrigação cambiária a que terá que dar cumprimento, pelo que, no caso, o título em si não é falso, contém obrigações válidas (pelo menos a do sacador), e apenas o sacado, comprovando-se que não aceitou (por aquela não ser a sua assinatura), pode recusar legitimamente o pagamento;
4- a reforma acontece quando título já foi descontado tempos antes e nessa ocasião antecipada a quantia nele inscrita e endossada a letra a favor do banco, ocorrendo nas vésperas do vencimento, mediante a substituição de letra inicial por outra nova, com os mesmos intervenientes e com novo prazo de vencimento e com a entrega de parte da quantia em dívida, que normalmente corresponde a uma percentagem desse montante, definida em função do prazo pretendido;
5- nesta fase, o cliente/descontário nada recebe do banco; pelo contrário, se, como se deu como provado no douto Acórdão, o aceitante não existe, por a sua assinatura ser falsificada, é o cliente (no caso, o arguido) quem tem que disponibilizar a quantia necessária a amortizar a dívida e a reformar - na reforma, aquele que obteve o desconto nada recebe - pelo contrário, paga parte do que recebera antes;
6- por outro lado, na reforma não só não pode haver a intenção de receber dinheiro dos bancos, porque a reforma implica justamente um pagamento ao banco, como não pode haver o resultado prático de receber quantias - tal é incompatível com a operação.
7 - assim, ao contrário do que se afirma na decisão, um exame mais aprofundado e atento das circunstâncias revela que, quanto a essas letras de reforma, mesmo a ter havido falsificação e uso de documento falsificado, não se prova que houve com, as falsificações e entrega aos bancos, enriquecimento para o arguido e prejuízo para os bancos;
8- mais: no plano do preenchimento do tipo "burla", não houve por parte do arguido, ao apresentar as letras em causa a reforma (isto é, através da sua conduta), qualquer intenção de obter um enriquecimento próprio ou alheio, justamente porque o meio (a reforma) é inadequado, em abstracto, a obter o fim de enriquecimento, e não se provou em concreto que ele tivesse visado obter uma vantagem;
9-Por outro lado, os bancos não praticaram, não foram determinados a praticar, ou, ao menos, não se provou que o tenham sido, nesta fase e quanto a essas letras, pelo menos, actos lesivos do seu património, sendo que em abstracto o meio não era sequer adequado a intentar prejudicá-los - eles receberam títulos e dinheiro, nada pagaram.
10- aliás, não sendo a letra nova o documento exigido para operar a reforma, esta não se deu e o banco mantém o direito sobre o título com base no qual havia feito o desconto, do qual pode inclusivamente obter a reforma judicial, se não o tiver na sua posse.
12-Tudo quanto se disse sobre o crime de burla vale, mutatis mutandis, para o crime de falsificação: não bastando o acto material de falsificação ou de uso, sendo necessário que o agente actue com intenção de causar prejuízo a outrem e (ou) de obter para si ou para outrem benefício ilegítimo, essas intenções são inconsistentes com as operações de reforma, em que o arguido pagou e não podia ter qualquer intenção de enriquecimento para si ou para quem quer que fosse nem podia intentar prejudicar o banco - este, a estar prejudicado, estava-o pela operação inicial e a reforma era-lhe objectivamente favorável, na medida em que por ela recebia parte do crédito que avançara e, em face de tal resultado objectivo, que é necessário na reforma, não é possível imputar a alguém a vontade de prejudicar o banco com tal operação;
13- quanto à letra emitida para desconto, e não para reforma, não valendo embora directamente as considerações que precedem, a factualidade apurada revela dados que poderão ser valorados para efeitos da ponderação do intencionalidade necessária ao preenchimento dos tipos legais de crime: de facto, quer a relação normal e patente à época que se estabelecia entre descontos e reformas, no plano de um procedimento de actuação padrão do arguido, quer a própria atitude e convicção do ofendido, confiando em que o arguido ia reformando as letras e assumindo, com a sua chocante passividade, uma tolerância, são dados que parecem indiciar que não havia outra intenção que não fosse ir obtendo financiamentos que seriam pagos por via das reformas.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Os factos dados como provados no acórdão recorrido são suficientes para que se possa imputar ao arguido os crimes pelos quais foi condenado, tendo o tribunal a quo apreciado e julgado correctamente as provas produzidas na audiência de julgamento em conjugação com as restantes provas documentais constantes dos autos, inexistindo nulidades processuais decorrentes quer da omissão, quer da valoração da prova;
2- O acórdão recorrido não cometeu, pois, qualquer erro de qualificação ou de interpretação da lei, não se mostrando infringidas quaisquer normas, pelo que, deve ser mantido na íntegra.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Responde o recorrente mantendo os fundamentos e conclusões do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
***
Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e motivação da mesma:
Fundamentação
Factos provados
Discutida a causa - abstraindo dos que têm cariz meramente conclusivo ou reportando-se a conceitos de direito - resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:
1) O arguido e sua mulher, desde Setembro de 1997, eram os únicos sócios de Z... -, Lda., cuja gerência esteve atribuída a ambos e que a partir de Abril de 1999, passou a pertencer apenas ao primeiro.
2) A referida sociedade teve sede na Rua … e foi declarada falida por decisão transitada em julgado em 25/09/2000.
3) Em data concretamente não determinada, B…, na qualidade de gerente da sociedade W... - Lda., com sede na ..., aceitou uma letra de câmbio em que figurava como sacador o arguido, letra essa que se destinou a sinalizar a compra de um imóvel em Coimbra.
4) Após o que, em 02/11/1998, na ..., foi preenchida uma letra de câmbio, no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), com data de vencimento em 02/01/1999, ali figurando como sacador o arguido, tendo este colocado a sua assinatura no local destinado à assinatura do sacador.
5) Nesta letra, no local destinado à assinatura do aceitante, sem o conhecimento ou o consentimento de B...ou da sociedade W...-, Lda., foi colocado um carimbo como sendo desta última, com a menção "a gerência" e sobre o mesmo foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B..., como se fosse a assinatura deste último, na qualidade de gerente daquela.
6) Tal letra de câmbio foi entregue pelo arguido no BES - Banco Espírito Santo para reforma de uma outra letra aceite no valor de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) e não foi paga na data do seu vencimento.
7) Em 06/11/1998, foi preenchida uma outra letra de câmbio, no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), com data de vencimento de 06/01/1999, ali figurando como sacador o arguido, tendo o mesmo ali colocado a sua assinatura, no local destinado à assinatura do sacador.
8) Nesta letra, no local destinado à assinatura do aceitante, foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B…, como se fosse a assinatura deste último, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
9) Posteriormente, o arguido apresentou tal letra de câmbio no BES - Banco Espírito Santo para reforma de uma outra letra aceite no valor de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), não tendo aquela sido paga na data do seu vencimento.
10) Após o que foi emitida uma outra letra, com data de 09/11/1998, sem o conhecimento ou o consentimento de B…, da qual constava a importância de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), como data de vencimento 02/03/1999 e em que figurava como sacadora Z... - Lda.
11) Nesta letra, sobre o carimbo da referida sociedade Z..., Lda. colocado no local destinado à assinatura do sacador, o arguido apôs a sua rubrica e no local destinado à assinatura do aceitante, foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B…, como se fosse a assinatura deste último, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
12) O arguido apresentou então a referida letra a desconto numa agência de Coimbra do BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A.
13) Dado que tal letra não foi paga na data do seu vencimento, foi lavrado protesto em 07/07/1999, no Primeiro Cartório Notarial de Coimbra.
14) Em 14/12/1998, foi preenchida ainda uma outra letra de câmbio, no valor de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), com data de vencimento de 14/02/1999, onde figura como sacador a referida sociedade Z..., Lda.
15) Nesta letra, o arguido apôs a sua assinatura no local destinado à assinatura do sacador e no local destinado à assinatura do aceitante foi colocado um carimbo como sendo da sociedade W... - Lda., com a menção "a gerência" e sobre o mesmo foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B..., como se fosse a assinatura deste último, na qualidade de gerente daquela, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
16) O arguido entregou esta letra de câmbio ao BES - Banco Espírito Santo para reforma de uma outra letra aceite no valor de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), não tendo aquela sido paga na data do seu vencimento.
17) Por sua vez, em 29/0111999, foi preenchida uma outra letra de câmbio, no valor de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos), com data de vencimento em 29/03/1999, na qual figurava como sacadora Z... - Lda.
18) Nesta letra, sobre o carimbo da referida sociedade Z..., Lda. aposto no local destinado à assinatura do sacado r, o arguido apôs a sua rubrica e no local destinado à assinatura do aceitante foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B...como se fosse a assinatura deste último, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
19) Após O que, o arguido entregou tal letra no Banco Nacional Ultramarino - balcão de Viseu, que a recebeu, para reforma de uma outra letra aceite no valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), não tendo aquela letra sido paga na data do seu vencimento.
20) Em 07/03/1999, foi emitida uma outra letra de câmbio no valor de 4.500.000$00 (quatro milhões e quinhentos mil escudos), com data de vencimento em 10/06/1999, na qual figurava como sacadora Z... - Lda.
21) Nesta letra, sobre o carimbo da referida sociedade Z..., Lda. colocado no local destinado à assinatura do sacado r, o arguido apôs a sua rubrica e no local destinado à assinatura do aceitante foi colocado um carimbo como sendo da sociedade W... - Lda., com a menção "a gerência" e sobre o mesmo foi aposto, por pessoa concretamente não identificada, que não o próprio, o nome manuscrito de B..., como se fosse a assinatura deste último, na qualidade de gerente daquela, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade.
22) O arguido entregou então a referida letra no Banco Pinto e Sotto Mayor, para reforma de uma outra letra aceite no montante de 5.500.000$00 (cinco milhões e quinhentos mil escudos), não tendo aquela sido paga na data do seu vencimento. ~
23) Quer a W..., Lda., quer B..., foram notificados pelas instituições bancárias para pagar as quantias tituladas nas referidas letras de câmbio em que, respectivamente, constavam como aceitantes, atento o seu não pagamento nas respectivas datas de vencimento, as quais, no total, perfazem a quantia de 25.500.000$00 (vinte e cinco milhões e quinhentos mil escudos).

24) Os nomes manuscritos B... ou B...constantes das letras supra referidas, inscritos nos locais destinados à assinatura do ceitante, não foram apostos pelo punho do próprio, mas antes por outra pessoa cuja identidade em concreto não se logrou apurar, sem o conhecimento e contra a vontade daquele.
25) O arguido ao entregar as supra identificadas letras de câmbio às instituições bancárias acima identificadas, nos termos supra descritos, tinha conhecimento do referido em 24), bem como que as mesmas não tinham subjacente qualquer relação comercial.
26) Tendo o arguido agido com o intuito de fazer crer aos funcionários das mencionadas instituições bancárias que aquelas letras tinham sido assinadas por B...(nuns casos em seu nome e nas outras situações, como gerente da aludida sociedade W..., Lda.) e que a aposição daquelas assinaturas correspondia à vontade de realizar o aceite das correspondentes letras de câmbio.
27) Procurando e conseguindo, desse modo, obter junto das aludidas instituições bancárias, no caso da letra com data de 09/11/1998, a entrega da quantia ali titulada, no valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) e relativamente às restantes letras, a reforma de outras letras que haviam sido anteriormente descontadas nas referidas instituições bancárias, sem que, na data dos respectivos vencimentos, tais letras tivessem sido pagas.
28) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal.
29) O arguido na sua actividade empresarial utilizava com regularidade letras de câmbio, sendo habitual descontá-las em instituições bancárias.
30) No âmbito do processo de falência do arguido, os ali credores hipotecários Caixa Geral de Depósitos, Banif - Banco Internacional do Funchal e Millenium BCP, receberam, respectivamente, as quantias de € 62.925,00, € 196.775,77 e este último de € 415.163,43 e € 61.875,00, para pagamento parcial dos créditos ali reclamados.
*
31) O agregado familiar do arguido, natural da zona de … , encontrava-se emigrado aquando do seu nascimento, sendo o arguido o mais novo de 2 irmãos.
32) Os progenitores regressaram a … , quando o arguido tinha cerca de 7 anos de idade, tendo este aqui iniciado a escolaridade, tendo posteriormente estudado em … , onde completou o ensino secundário.
33) O arguido frequentou em … o curso de … que não terminou e posteriormente iniciou-se no mercado de trabalho, em actividades ligadas ao mundo empresarial como sócio do pai.
34) O arguido casou-se com D..., de quem tem uma filha em comum tendo o divórcio do casal ocorrido em … .
35) O arguido emigrou, onde permaneceu 10 anos e meio.
36) Durante o período de tempo em que esteve emigrado, os pais do arguido faleceram, e face a algum afastamento que já se vinha verificando, o arguido deixou de manter contactos também com o seu único irmão.
37) Actualmente, os contactos com a filha são inexistentes, tendo o arguido como principal suporte familiar um primo que o visita regularmente na prisão, além de dispor do apoio de outros familiares residentes em … , entre os quais uma prima.
38) Na comunidade, o arguido tem uma imagem bastante positiva, tendo estado sempre bem integrado na comunidade, além de participar activamente em várias actividades de cariz cultural, quer na junta de freguesia, quer em instituições de solidariedade social.
39) O arguido não mantém qualquer ocupação no E. P. da Guarda, dedicando-se à leitura e desporto e desde que se encontra ali recluso tem tido uma conduta adequada às normas institucionais, designadamente revelando ao longo da reclusão uma postura correcta, ao nível do cumprimento de regras e na relação interpessoal.
*
40) O arguido foi condenado, por sentença proferida em 23/02/2002, transitada em julgado, pela prática, em 01/11/1999, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153° nºs 1 e 2 do Código Penal, numa pena de 140 dias de multa.
41) O arguido foi condenado, por acórdão proferido em 21/12/2006, transitado em julgado, pela prática, em 1999, de 28 crimes de burla qualificada e de 43 crimes de falsificação de documento, na pena única de nove anos de prisão.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Discutida a causa e com relevância para a boa decisão (abstraindo dos factos conclusivos e/ou reportando-se a conceitos de direito) não se provou que:
a) A sociedade Z... - Lda. tivesse participado na operação comercial mencionada em 3) ou que tal negócio tivesse determinado o aceite de uma outra letra de câmbio, a titulo pessoal, pelo B....
b) Tenha sido o arguido a apor pessoalmente os nomes manuscritos de B... ou B...inscritos nas letras supra referidas, designadamente nos locais destinados à assinatura do aceitante ou que tivesse pedido a alguém para o fazer.
c) Se encontre pendente no Tribunal da Comarca de Coimbra uma execução contra B...para pagamento da letra com o valor de 10.000.000$00, sacada pela Z... em 09/11/1998.
d) A sociedade W..., Lda. e B..., em virtude do comportamento do arguido, ficaram impedidos de obter fmanciamento e efectuarem operações bancárias.
e) O arguido seja pessoa de grande dinamismo.
f) O arguido não se tenha aproveitado das suas amizades e relações em benefício próprio e se quando residia em Portugal, o arguido no exercício da sua actividade, empresarial estabeleceu ligações com variadíssimas pessoas ligadas ao meio empresarial e financeiro.
g) Tenha sido o ofendido B... ou outras pessoas a contactar o arguido com o objectivo deste último interceder junto dos seus conhecidos com vista à obtenção de empréstimos para as suas empresas ou para os próprios com vista ao desenvolvimento de actividades empresariais, sabendo da facilidade com que se movia nos meios financeiros, as boas relações que mantinha e a saúde financeira da sua empresa.
h) O arguido tivesse anuído e que tivesse sido nesse contexto que as letras de câmbio supra identificadas foram emitidas e aceites pelo B..., em nome próprio ou como legal representante da sociedade W..., Lda.
i) As quantias obtidas tenham sido entregues ao B..., para que o mesmo realizasse diversos negócios e na data do seu vencimento pagasse tais letras ao arguido, a fim deste último as liquidar às instituições bancárias, ou sugerisse a sua reforma, pagando-as parcialmente.
j) No contexto referido em g) e i), o B... tivesse deixado de pagar ou tivesse começado a pagar com atraso, o que determinou a falência da empresa do arguido, provocando-lhe danos patrimoniais e psicológicos e deixando-o sem meios de subsistência, o que motivou a sua saída do País.
k) O ofendido C..., entre Novembro de 1998 e Março de 1999, tenha tido acréscimos patrimoniais.
l) O ofendido C... confrontado com as notificações referidas em 23) nada tivesse feito.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O tribunal alicerçou a sua convicção fazendo uma análise e apreciação crítica das declarações do arguido e das declarações das testemunhas inquiridas, cotejando uma e outras com os diversos documentos juntos aos autos.
Com efeito o arguido, reconheceu, desde logo, ter sido sócio gerente da Z... no período em causa, juntamente com a sua mulher, o que, juntamente com a análise das certidões juntas a fls. 207 e 527, determinou que se dessem como provados os factos referidos em 1) e 2).
E reconheceu ainda a autoria das assinaturas apostas nas letras, no local destinado ao saque, cuja cópia se encontra a fls. 32, 35, 37, 42 a 44.
Sustentou, todavia, não ter forjado qualquer assinatura constante das letras em causa (ou ter conhecimento de que tal tivesse sucedido), explicando que, efectivamente, foi emitida uma primeira letra mas que ao contrário do que é sustentado na acusação, tal letra não teve subjacente qualquer operação comercial, tendo sido uma mera letra de favor.
O arguido explicou ter a ideia de ter conhecido o ofendido B... através da pessoa que lhe vendeu a Z... e que foi-se estabelecendo entre ambos uma relação de alguma confiança.
Sendo que a referida letra foi aceite pelo C... para o ajudar a financiar a compra de um imóvel.
O arguido explicou ainda que, a partir daí, dado que tinha facilidade no desconto de letras, o ofendido começou a aceitar letras que lhe entregava, de forma a financiar a compra de imóveis "oportunidades" .
Sendo que, aquando da venda desses mesmos imóveis recebia uma parte nos lucros proporcional ao financiamento feito com as letras.
E foi peremptório em afirmar que o ofendido B... não tinha obrigação de pagar as letras na data do vencimento, dado que lhe estava "a fazer um favor".
O arguido explicou ainda que, no caso de letras para reforma, as mesmas eram integralmente preenchidas, com excepção do lugar destinado ao aceite, depois eram remetidas pelo correio para que fossem assinadas pelo aceitante e aquando da sua devolução, devidamente assinadas, eram entregues ao banco.
Na essência, o arguido reconheceu que as letras em causa foram efectivamente sacadas por si (tendo reconhecido a autoria das assinaturas ali apostas no lugar destinado ao sacado r) mas não que os aceites tivessem sido forjados.
Tendo ainda sustentado que, nas letras iniciais, nunca ninguém aludiu à falsidade dos aceites, tendo sido apenas na altura em que foi para o … (1999) que, aproveitando a sua ausência, começaram a surgir os problemas, dado que várias pessoas procuraram aproveitar-se desse facto.
Tal determinou - no confronto com os documentos de fls. 32, 35, 37, 42 a 44 (cópias das letras), documento de fls. 11 (documento relativo ao protesto lavrado no Primeiro Cartório Notarial de Coimbra, referente à letra descontada numa agência de Coimbra do BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A.) e documentos de fls. 12 a 16, 18 a 21, 36, 739 a 743, 752, 813 (emitidos pelas respectivas instituições bancárias onde se faz referência ao não pagamento das letras) - que se desse como provada a factualidade objectiva que contende com os elementos inscritos nas letras, respectivos desconto e entregas para reforma nas instituições bancárias por iniciativa do arguido e não pagamento das letras.
No que concerne à circunstância das assinaturas para aceite constantes das letras não terem sido feitas pelo punho do ofendido B..., o tribunal louvou a sua convicção igualmente nas declarações prestadas pelo arguido no confronto com as declarações das restantes testemunhas inquiridas, a saber.
O ofendido B...referiu ter conhecido o arguido através de um seu amigo (a testemunha F..., que foi sócio gerente da Z...) e que o mesmo lhe propôs a aquisição de um apartamento em Coimbra.
E que nesse contexto, aceitou uma letra de câmbio na qualidade de gerente da W... (da qual era sócio gerente), para sinalizar o negócio (sem que tenha feito qualquer referência a uma outra letra de câmbio para além dessa), sendo certo que esse mesmo negócio acabou por não se concretizar, tendo a letra sido paga na data do respectivo vencimento sem que tivesse existido qualquer problema.
Tendo precisado que, caso o negócio tivesse sido feito, teria recebido a parte do lucro proporcional ao seu investimento (sendo nesta parte, coincidente com o arguido, pese embora, restringindo-se a este único negócio).
O ofendido B... contou ainda que, passados alguns meses, começou a receber avisos de letras a liquidar (nos quais havia referência às letras em causa, valores e respectivos intervenientes), tendo então telefonado ao arguido, que lhe referiu que não haveria problema e que iria resolver tudo, tendo então as referidas letras sido pagas.
Tal testemunha acrescentou ainda que, posteriormente, recebeu outros avisos de pagamento de letras de vários bancos, num valor total de cerca de 50.000 contos.
E que tendo confrontado o arguido para tal facto, pelo mesmo foi dito que iria resolver o problema e para que não fizesse nada, caso contrário não conseguiria pagar.
Na sequência do que o arguido foi amortizando parte da divida, não tendo a testemunha reagido com medo que o arguido não viesse a pagar a divida.
Mais acrescentou que, posteriormente, perdeu o contacto com o arguido, altura em que resolveu denunciar a situação.
O ofendido, confrontado com as cópias das letras constantes dos autos foi peremptório em afirmar que as assinaturas nelas apostas, no lugar destinado ao aceite, não são da sua autoria, numa reacção espontânea, sem hesitações ou sem denotar qualquer nervosismo, o que não deixou quaisquer duvidas ao tribunal quanto à veracidade de tal afirmação.
Sem prejuízo de tal facto ter sido igualmente corroborado pelas declarações de outras testemunhas e pela análise de documentos juntos aos autos.
Desde logo, resulta da conjugação dos documentos de fls. 533 a 536 e de fls. 549 a 554 - designadamente cópia de decisão proferida no processo de oposição à execução instaurada pelo Banco Pinto & Sotto Mayor para cobrança de uma letra contra a W... e exame pericial realizado no âmbito de tal execução a uma letra no valor de 4.500.000$00 (tudo indicando tratar-se da letra referida em 20) - que a assinatura referente ao aceite não foi efectivamente aposta pelo ofendido C....
Por outro lado, a testemunha F… (que afirmou ser amigo do ofendido há mais de 25 anos) declarou conhecer o arguido, dado ter sido demandando em diversas acções cíveis por causa de letras sacadas pela sociedade daquele e confirmou tê-lo apresentado ao ofendido B..., para que fizessem negócios relacionados com a compra e venda de imóveis, pese embora desconhecendo que concretos negócios foram realizados.
Tal testemunha confirmou ter constituído a Z..., sociedade que depois vendeu ao arguido (o que de igual forma resulta patente na análise da certidão de fls. 207).
Declarou ainda ter sido confrontado com 4 processos executivos referentes a letras sacadas pelo arguido (algumas referentes a reformas de outras letras), onde figurava como aceitante, sem que, no entanto, as assinaturas ali apostas fossem as suas ou tivessem tido origem em qualquer transacção comercial.
Nesta parte, a convicção do tribunal louvou-se ainda no depoimento da testemunha G... - testemunha que depôs com grande tranquilidade e coerência, não revelando qualquer animosidade para com o arguido ou atitude deliberada no sentido de beneficiar o ofendido - que referiu ter sido técnico oficial de contas do ofendido C... e da W... no período em causa.
Declarou ter sido confrontado com a devolução de diversas letras por falta de pagamento, letras essas que não se encontravam na contabilidade e não tinham qualquer correspondência contabilística, dado não se reportarem a quaisquer operações comerciais realizadas pela W....
Explicou ainda que então confrontou o ofendido com tal facto, tendo-lhe sido dito por este que tais letras eram falsificadas.
E que assistiu a uma conversa telefónica em que o ofendido confrontou alguém com a falsidade das assinaturas.
Tal testemunha afirmou ainda que aconselhou o ofendido a denunciar a situação mas que o mesmo não o fez desde logo porque algumas das letras, no inicio, foram sendo pagas, mas as últimas não.
A testemunha G..., confrontado com as cópias das letras, afirmou de forma peremptória que a assinatura constante das letras cuja cópia se encontra a fls. 35 e 42 é bem diferente da que conhecia ao ofendido e explicou, com tranquilidade e de forma espontânea, que quanto às demais não se recorda mas que, à data, no confronto com documentos assinados pelo ofendido, constatou que todas as assinaturas eram distintas.
Por sua vez, a testemunha H... - que se identificou como funcionário do … , denotando isenção, rigor e não manifestando qualquer intenção de beneficiar ou prejudicar, quer o arguido, quer o ofendido - foi peremptório em afirmar que o arguido procedeu ao desconto de letras no seu balcão e que a dada altura, em 1999, começou a ter reclamações de vários aceitantes de letras (não sabendo precisar quantos mas certamente pelo menos dois ou três), dizendo que não haviam assinado tais letras.
Do cotejo de tais declarações resultou a firme convicção de que as assinaturas apostas nas letras supra identificadas (no lugar destinado ao aceite) não o foram pelo punho do ofendido B... e que o arguido, sabendo disso, agiu com o intuito de fazer crer aos funcionários das mencionadas instituições bancárias que aquelas letras tinham sido assinadas por aquele, procurando e conseguindo, desse modo, obter junto das aludidas instituições bancárias, no caso da letra com data de 09/11/1998, a entrega da quantia ali titulada, no valor de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), e relativamente às restantes letras, a reforma de outras letras que haviam sido descontadas nas referidas instituições bancárias.
Isto tendo-se conferido total credibilidade ao depoimento do próprio ofendido B..., ponderando que o mesmo - pese embora declarando estar de mal com o arguido por causa dos factos em apreço - prestou o seu depoimento de forma calma e serena, não denotando qualquer nervosismo ou hesitação, com coerência, sem contradições e em termos que se afiguraram credíveis.
Tendo a sua versão dos factos sido corroborada, em palie, pelo próprio arguido, nos termos em que descreveu as circunstâncias em que a primeira letra lhe foi entregue, designadamente confirmando que tal entrega esteve relacionada com compra de um imóvel.
Por outro lado, a versão apresentada pelo arguido em sede de audiência de julgamento revelou-se substancialmente distinta da que foi alegada na contestação, em especial, na parte em que aqui o mesmo alegou ter sacado diversas letras de câmbio em nome da sua empresa, que foram aceites pelo ofendido, em nome próprio ou como legal representante da W..., para que as quantias assim obtidas fossem entregues ao ofendido, a titulo de empréstimo, para este realizar diversos negócios.
Tendo configurado, afinal, a relação estabelecida entre ambos como verdadeiros "saques de favor" e não como "aceites de favor", como posteriormente sustentou em sede de audiência de julgamento.
Tendo-se ainda conferido total credibilidade às declarações do ofendido, porque corroboradas parcialmente pelas declarações da testemunha G... e pelo teor do referido documento de fls. 549 a 554.
E na medida em que outra testemunha inquirida (F...), acabou por relatar episódio idêntico, tendo igualmente sido confrontado com letras sacadas pelo arguido que não haviam sido por si aceites.
Versões essas igualmente parcialmente corroboradas pelas declarações da testemunha H..., ao aludir a outras reclamações similares, denotando a prática de outros actos idênticos por parte do arguido, relativamente a outras pessoas que não apenas ao ofendido B....
Sem esquecer que o próprio arguido, nas suas declarações, de forma espontânea, deixou claro que não teria sido apenas o ofendido a invocar a falsidade de aceites de letras, aludindo à circunstância de diversas pessoas se terem tentado aproveitar da sua ausência no ... para alegarem tais desconformidades.
O que determinou igualmente que o tribunal desse como não provados os factos constantes de g) a j), sendo certo que o próprio arguido, em sede de audiência de julgamento, também contrariou tais factos, ao apresentar a referida versão dos "aceites de favor" em detrimento da versão anteriormente apresentada dos "saques de favor", tendo por base empréstimos ao ofendido.
Sem prejuízo do que se expôs, o tribunal deu como não provado que tivesse sido o próprio arguido a assinar tais aceites ou a pedir a outra pessoa que o fizesse, dado que, nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
Isto porque o arguido negou que o tivesse feito, não foi feita qualquer perícia no sentido de o confirmar e dado que nenhuma das testemunhas inquiridas assistiu ao momento em que as letras foram assinadas.
Sem prejuízo de se ter provado que o arguido sabia que tais assinaturas não haviam sido feitas pelo punho do ofendido B..., quer pela descrita reacção quando confrontado pelo ofendido, tendo assumido o pagamento das mesmas (o que efectivamente fez relativamente a outras letras segundo o ofendido) quer porque foi o arguido quem apresentou tais letras de câmbio a desconto, não podendo deixar de saber que as mesmas não tinham qualquer negócio subjacente que justificasse o seu aceite (não se tendo revelado credível a sua versão dos factos, atentas as discrepâncias supra referidas).
O arguido deixou transparecer alguma perplexidade pelo facto de não ter sido invocada a falsificação na letra inicial (no que concerne às letras entregues para reforma), designadamente podendo o ofendido denunciar tal prática, dado que os bancos enviam avisos aos aceitantes das letras a pagamento, com antecedência, e fazem, depois contactos personalizados.
Todavia, o próprio ofendido referiu que, tendo sido efectivamente confrontado com avisos anteriores de pagamentos de letras, contactou o arguido e que este lhe disse então que resolveria o assunto, tendo o arguido pago efectivamente tais outras letras.
O ofendido explicou ainda que mais tarde recebeu novos avisos de pagamento e que nessa altura falou novamente com o arguido, que se comprometeu a resolver o problema e lhe pediu para não fazer nada, caso contrário não conseguiria pagar.
Tendo precisado que chegou a estar em divida um valor de cerca de cinquenta mil contos que foi sendo parcialmente liquidado pelo arguido.
A versão dos factos apresentada pelo ofendido não se revela incoerente mas antes verosímil face a todo o exposto, sendo aceitável que o mesmo, perante a iminência de poder vir a responder pelo pagamento das letras em montante tão elevado, tivesse optado por conceder ao arguido uma oportunidade para liquidar a divida (como aliás já havia feito anteriormente), confiando que este o faria e com receio de que não o fazendo, tal divida não fosse liquidada.
Sendo igualmente verosímil que, confrontado com a ausência do arguido para o ... e com a não resolução do problema, tivesse só então decidido denunciar a situação.
Sendo certo que não se mostra excluído (mas pelo contrário fortemente indiciado) que, precisamente, algumas das letras reformadas correspondessem precisamente a aceites anteriores (igualmente não assinados pelo ofendido) que o arguido se comprometeu a pagar nas descritas circunstâncias.
Tudo para justificar não se revelar inverosímil ou incoerente a atitude do ofendido prévia à apresentação da queixa, não resultando da sua anterior inércia qualquer acordo quanto ao aceite das letras aqui em causa.
A prova do descrito em 23) louvou-se na análise das notificações constantes de fls. 11, 12, 14, 16, 18 e 20.
Deu-se como provado que o arguido na sua actividade empresarial utilizava com regularidade letras de câmbio, sendo habitual descontá-las em instituições bancárias, com base nas declarações das testemunhas ….. (funcionários bancários, respectivamente, à data dos factos, do BES, BIC e Banif) que grosso modo, confirmaram que o arguido era ali cliente e que descontava, com frequência, letras no exercício da sua actividade empresarial.
Não se provou que a sociedade Z... - Lda. tivesse participado na operação comercial mencionada em 3) ou que tal negócio tivesse determinado o aceite de uma outra letra de câmbio, a titulo pessoal, pelo B..., dado que o ofendido apenas referiu o aceite de uma letra pela W... (que assinou na qualidade de gerente da mesma) e que na referida letra figurava como sacador o próprio arguido e não a Z....
Não tendo a referida factualidade sido confirmada por qualquer outro meio de prova.
Também não se deu como provado que a sociedade W..., Lda. e B..., em virtude do comportamento do arguido, ficaram impedidos de obter financiamento e efectuarem operações bancárias, que o arguido seja pessoa de grande dinamismo, que o mesmo não se tenha aproveitado das suas amizades e relações em benefício próprio e se quando residia em Portugal, o arguido no exercício da sua actividade, empresarial estabeleceu ligações com variadíssimas pessoas ligadas ao meio empresarial e financeiro, bem como que o ofendido C..., entre Novembro de 1998 e Março de 1999, tenha tido acréscimos patrimoniais, dado que as declarações das testemunhas inquiridas (nos termos supra relatados) infirmaram em parte tais factos e noutra parte não relataram nada no sentido de os confirmar.
Não se provou que se encontre pendente no Tribunal da Comarca de Coimbra uma execução contra B...para pagamento da letra com o valor de 10.000.000$00, sacada pela Z... em 09/11/1998, dado que nenhuma prova (testemunhal ou documental) foi feita nesse sentido, resultando pelo contrário do que se provou que na referida letra constava como aceitante não o ofendido C... mas sim a W... e do documento de fls. 533 que foi instaurada uma execução mas contra esta última e não contra aquele.
Não se provou que o ofendido C... confrontado com as notificações referidas em 23) nada tivesse feito, considerando as declarações, quer do ofendido, quer da testemunha G... (no sentido de ter confrontado o arguido e de algumas das letras terem sido pagas) e ponderando que o mesmo acabou por apresentar queixa.
***
Conhecendo:
No recurso questiona o arguido:
-Erro notório na apreciação da prova, relativamente aos pontos 5,8,10,11,15,18,21,24,25,26,27, dos provados e b) dos não provados.
-Erro notório da valoração da prova no depoimento do ofendido.
-Não preenchimento dos elementos dos crimes de burla e falsificação.
-Do crime continuado art. 32 C. Penal.
-Da medida da pena.
***
Vem o arguido condenado pela prática em autoria material e concurso real de crimes de uso de documento falso com crimes de burla.
O Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal, vol. I, 1971, pág. 15, e fazendo a distinção entre direito criminal e direito civil escreveu, “se, por um lado, tanto o direito civil como o direito criminal supõem um ilícito (um «torto», como bem diziam as Ordenações) e, por outro lado, qualquer destes complexos normativos prescreve sanções para a violação dos seus preceitos -em que termos deve estabelecer-se a distinção entre um e outro?”. Por vezes a fronteira é ténue.
Helena Moniz in “O Crime de Falsificação de Documentos”, pág. 90, dá-nos conta da dificuldade que por vezes existe em saber quando é que a falsidade em documento particular deve ser penalizada. Será uma qualificação jurídica e não quantificação que vai permitir distinguir a falsidade juridicamente relevante da mentira irrelevante, pelo que terá “que ser analisado de acordo com o caso concreto que se nos depara”.
*
Matéria de facto:
Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
Mas terá de ser uma dúvida razoável e justificada e não apenas derivada do facto de existirem depoimentos antagónicos.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (declarações, depoimentos, pareceres e documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374 nº 2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.
Mas in casu há o depoimento do ofendido, corroborado em pontos circunstanciais com as declarações do arguido e depoimentos de algumas testemunhas.
O depoimento do ofendido é claro e revelador de como os factos ocorreram, como se constata da audição da gravação.
O depoimento do ofendido apresenta-se como coerente, isento apontando que relata a verdade dos factos, tal como se passaram. E, tem lógica a explicação do ofendido de que quando teve conhecimento da existência das várias letras (nas quais ele não tinha assinado no lugar do aceite), não tomou logo uma posição mais radical (denúncia), porque contactou o arguido e este se comprometeu a solucionar o problema (pagar), o que foi fazendo.
A testemunha F… refere que também se viu confrontado com processos executivos (executado) referentes a letras sacadas pelo arguido e nas quais a testemunha figurava como aceitante sem que as assinaturas apostas tivessem por si sido efectuadas.
A testemunha G... que foi contabilista do ofendido e referiu e que foi confrontado com letras devolvidas e que não constavam da contabilidade do ofendido ou da empresa, tendo-lhe o ofendido dito que eram falsas e a testemunha também referiu ter assistido a conversa telefónica do ofendido em que este confrontava, quem estava ao telefone, com a falsidade das assinaturas.
A testemunha H..., funcionário do Banif referiu que a dada altura de 1999, apareciam ao balcão do banco várias pessoas que figuravam em letras de câmbio como aceitantes e diziam que não tinham assinado essas letras.
Assim que não é apenas o depoimento do ofendido, mas há outros depoimentos circunstanciais que conjugados entre si e funcionando as regras da experiência permitem concluir pela ocorrência dos factos, no sentido de a letra e assinatura nas letras em causa e no lugar do aceite, não ter sido efectuada pelo ofendido.
Sendo que esta questão não é muito contrariada pelo arguido no recurso, insurgindo-se mais contundentemente contra o facto de se dar como provado que o arguido tinha conhecimento de aquelas assinaturas não terem sido feitas pelo punho do ofendido.
Alega que, “em momento algum o tribunal suporta de que forma o arguido sabia que as assinaturas constantes do aceite eram falsificadas”.
As letras eram apresentadas para desconto, ou para reforma das vencidas, pelo arguido e, já totalmente preenchidas e assinadas.
O arguido como beneficiário, não podia ignorar como e quando foram preenchidas e assinadas e, não convence a sua alegação de que as letras eram preenchidas e enviadas pelo correio para que fossem assinadas no lugar do aceite e quando da sua devolução, devidamente assinadas eram entregues nos bancos.
As regras da experiência a essa conclusão conduzem, e a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CP.
Não é verosímil que andassem a circular pelo correio letras integralmente preenchidas e assinadas e com o valor de milhares de contos.
Também refere o arguido nas suas declarações em julgamento que o ofendido lhe estaria a “fazer um favor”, inexistindo qualquer relação comercial subjacente à emissão das letras e que, por isso, o ofendido não tinha qualquer obrigação de pagar as letras. Sendo que em sede de contestação sustentou o contrário, de que as quantias resultantes do desconto das letras eram entregues ao ofendido e que este se comprometia a pagá-las na data do vencimento. Contestou que devido ao não pagamento por parte do ofendido resultou a falência da empresa do arguido e a necessidade de este ter de sair do País.
Não convence, estar o arguido a “fazer um favor” ao ofendido, a assinatura deste ser falsa e, o arguido de nada saber.
E, por a versão não ser nada credível, o arguido transformou (mudou a versão da contestação para o julgamento) o “saque de favor” em “aceite de favor”.
Sendo o arguido o beneficiário das letras não podia ignorar de quem ou quem tinha aposto as assinaturas nas mesmas, nomeadamente no lugar do aceite. Sendo certo que essas assinaturas não foram pelo punho do ofendido, necessariamente disso tinha o arguido conhecimento.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções e não segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
E, feito o julgamento possível através da audição da prova gravada chegamos à mesma conclusão que na primeira Instância. As declarações do ofendido revelam-se desinteressadas, espontâneas e convincentes e corroboradas com depoimentos de testemunhas.
Deste modo se mantêm provados os factos constantes dos pontos 5, 8, 10, 11, 15, 18, 21, 24, 25, 26, e 27, que se reportam a que não foi o ofendido que assinou as letras no lugar do aceite e que de tal facto tinha o arguido conhecimento.
Relativamente ao ponto b) dos factos não provados não se entende bem o alcance pretendido pelo recorrente com a impugnação. Nesse ponto, o facto relevante é que não se provou que o nome do ofendido aposto nas letras e no lugar do aceite tenha sido feito pelo arguido.
É que mesmo que se provasse que tinha sido pelo punho do ofendido (como entende o arguido), este facto não provado estaria correcto.
Ou pretendia o recorrente que se desse como provado este facto?
Assim que temos como correcto o julgamento da matéria de facto.
E, não é necessário o flagrante delito para que o juiz possa dar como provado certo facto.
Como salienta o acórdão do STJ de 29-02-1996, anotado e comentado na "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", Ano 6º, fascículo 4º, pág. 555 e seguintes, "a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz".
Nada impedirá que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação (conforme Mittermaier "Tratado de Prueba em Processo Penal pág. 389) - (in Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).
O arguido pretendia obter um resultado, conseguir o desconto da letra ou a reforma de outras, independentemente do meio, ou mesmo que fosse necessária a falsificação para o conseguir.
Assim que também se mantém a matéria de facto.
Vício do erro notório na apreciação da prova:
Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, podem ser de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.
In casu é expressamente alegado na motivação do recurso o vício do erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec.(sublinhado nosso).
Assim que entendamos não se verificar o vício do erro, pois que o recorrente não o concretiza no texto da decisão (nem se vislumbra que exista) antes entende que a prova foi mal apreciada, situação já analisada.
E, inexistindo vícios dos elencados no art. 410 nº 2 do CPP, não há lugar a renovação da prova, como refere (a contrário) o art. 430 nº 1 do CPP.
Qualificação jurídica dos factos:
Elementos do tipo de crime de burla:
Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 04-10-2007, proc. 07P2599, que, à luz do disposto no nº 1 do art. 217 do C. Penal:
“– O crime de burla desenha-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:
– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;
– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;
– determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial”.
Em causa está o “prejuízo patrimonial” sofrido pelo burlado, ou terceiro.
Que nas letras de reforma não há prejuízo patrimonial, é o entendimento do Professor Doutor Filipe Cassiano expresso nomeadamente no parecer junto aos autos e cujas conclusões se transcreveram supra.
Assim também o entendemos relativamente à burla, que não quanto à falsificação, pois que enquanto o art. 217 do CP se refere a “prejuízo patrimonial”, o art. 256 do mesmo CP apenas se refere a “prejuízo”, sendo igualmente distintos os bens jurídicos protegidos num e noutro tipo de crime.
Seguimos o entendimento expresso no Ac. do STJ de 29-01-2002, proferido no proc. 03P1528.
“1- O bem jurídico protegido no crime de burla é o património, constituindo a burla um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.
2- O prejuízo patrimonial, enquanto elemento do tipo objectivo de burla e requisito da consumação do crime, consiste numa diminuição da posição económica do lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano”.
Aí se sustenta: “O efectivo prejuízo patrimonial (do sujeito passivo ou de terceiro) deve, por seu lado, ser delimitado pela referência ao bem jurídico protegido no crime de burla. Há, por isso, que determinar qual o conteúdo de património relevante para este efeito, dada a verdadeira natureza do crime de burla como crime contra o património.
A natureza do crime e os valores que protege apontam para um conceito específico jurídico-criminal de património (superando perspectivas estritamente económicas ou jurídicas), entendido como o conjunto de todas as "situações" ou "posições" com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica; ou a globalidade dos bens economicamente valiosos que uma pessoa detém com a aquiescência da ordem jurídica (cfr. ALMEIDA COSTA, loc. cit., págs. 283 e segs.).
O "prejuízo patrimonial", enquanto elemento do tipo objectivo e, por isso, requisito da consumação do facto, tem de ser, pois, identificado com um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, que traduza uma diminuição da posição económica efectiva do lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano.
Nesta compreensão, que resulta directamente da construção do tipo objectivo de burla no Código Penal, não basta para a consumação do crime a entrega de dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos, exigindo-se a verificação indispensável de um efectivo prejuízo patrimonial: só há burla consumada quando se verifica um prejuízo patrimonial.
O prejuízo patrimonial relevante corresponde, assim, a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão. A medida do empobrecimento efectivo será, deste modo, avaliada pela diferença patrimonial entre o "antes" e o "depois", tendo como contraponto económico-material (e não típico nem jurídico) o enriquecimento, próprio ou de terceiro, procurado pelo agente do crime.
Com efeito, o crime de burla constitui, como se referiu, um delito de intenção em que o agente procura obter um "enriquecimento ilegítimo" à custa de uma transferência de natureza ou efeitos patrimoniais. Embora este elemento não faça parte do tipo objectivo, que se preenche logo com o prejuízo patrimonial (empobrecimento) do lesado, integra o tipo subjectivo do crime de burla e, quando ocorra, ou na medida em que possa ocorrer, constitui uma referência, de simetria ou de reverso, da medida correspondente do empobrecimento do sujeito passivo ou de terceiro.
O prejuízo patrimonial (o empobrecimento) do sujeito passivo ou de terceiro, como elemento que faz consumar o crime de burla, há-de ser, assim, determinado pela aplicação dos referidos critérios objectivos às circunstâncias particulares de cada caso”.
Entendemos que esta situação ocorre nos casos de reforma de letras. Nestes casos não se verifica o prejuízo patrimonial, até porque a reforma é, normalmente, acompanhada de pagamento parcial.
E, não nos parece que, como se entendeu no acórdão recorrido que diferir no tempo (atrasar) o pagamento da letra seja causador de prejuízo. Isso era partir do princípio simplista de que as obrigações sendo para cumprir pontualmente e atempadamente o são na realidade e, se não fosse a reforma a letra originária era paga no vencimento.
A reforma da letra não é como referido no acórdão recorrido “como se tivesse sido concedido um novo financiamento”.
Se tivesse havido novo financiamento (entrega de dinheiro) aí sim entenderíamos ter havido prejuízo patrimonial.
Integra o conceito de “prejuízo patrimonial” a que se reporta o nº 1 do art. 217 do CP, a entrega do montante titulado na letra, ao portador da mesma, aquando da sua apresentação a desconto.
Existirá um dano patrimonial sempre que se verifique uma diminuição do valor económico do património da vítima, em relação à posição em que estaria se o agente não tivesse realizado a sua conduta. Na reforma de letras, como não há entrega de dinheiro pela instituição de crédito sacada, não há prejuízo patrimonial.
No caso concreto inexistem factos demonstrativos de que com a reforma das letras houve um efectivo prejuízo patrimonial.
Como se refere no parecer junto, em geral e em abstracto, “em princípio, a operação de reforma coloca o banco em condições melhores do que aquelas que detinha antes – recupera parte do dinheiro financiado e recebe uma livrança para substituir a anterior, com os mesmos obrigados e com uma dívida já menor. Por esta razão os bancos fazem por regra estas operações”.
Nem há prejuízo para os pseudo aceitantes porque estes ficam vinculados por quantia inferior (nunca superior) à inicial da letra originária.
Assim que se entenda não se verificarem os elementos do tipo de crime de burla relativamente às letras de reforma, pelo que dos mesmos deve o arguido ser absolvido.
Relativamente ao caso da letra original (não objecto de reforma) temos que como é referido no parecer junto, “recorde-se o facto óbvio e notório de que, no desconto a obtenção de dinheiro se dá no momento inicial do desconto”.
Pontos 10 a 13 dos factos provados e, os factos é que contam e não outros considerandos e, esta letra foi descontada pela instituição de crédito sacada e o montante titulado abonado ao arguido ou à sua sociedade.
Houve efectivo prejuízo patrimonial ao ser efectuado o desconto e colocado o dinheiro à disposição do arguido.
Pelo que em relação a este situação concreta se verificam os elementos do crime de burla, inclusive o “prejuízo patrimonial”.
Elementos do tipo de crime de falsificação:
Como se refere no Ac. desta Relação, de 28-10-2009, proferido no proc. 150/05. 7 TASEI.C1, “1-No crime de falsificação de documento o bem jurídico protegido é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental.
2- O elemento objectivo do referido ilícito pode representar um prejuízo de ordem moral”.
Quando o documento que foi falsificado é utilizado no mundo das relações jurídicas viola-se o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico.
Aí se salienta que o facto de o agente ter de actuar com a específica intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo, não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico-probatório. Não constitui objecto de protecção o património, tão pouco a confiança no conteúdo dos documentos, mas apenas a segurança e credibilidade no tráfico jurídico, em especial no que respeita aos meios de prova, em particular a prova documental.
Aquando da prática do crime de falsificação o agente deverá ter conhecimento de que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Ou seja, para que, o agente actue dolosamente tem que ter conhecimento e vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo.
Constituindo o documento um elemento normativo do tipo, apenas se exige que o agente tenha sobre ele o conhecimento normal de um leigo de acordo com as regras gerais, não sendo necessário o conhecimento da noção jurídica, maxime da noção jurídico-penal.
Assim que se entenda mostrarem-se preenchidos os respectivos elementos objectivo e subjectivo do tipo, pelo que não nos merece qualquer reparo o acórdão recorrido ao condenar o arguido pela prática dos seis crimes de falsificação.
Verificando-se por parte do arguido um benefício ilegítimo que consistiu em conseguir a reforma das letras (e o desconto na originária), o que não conseguiria sem o recurso a este artificio. O protelar no tempo (adiar) o pagamento, o que conseguia o arguido com a reforma das letras é um benefício para si.
E, este benefício do arguido não é incompatível com a inexistência de prejuízo patrimonial para os bancos sacados.
Crime continuado:
A verificação, ou não, dos requisitos do crime continuado serão de ter em conta apenas e relativamente à falsificação, pois que relativamente à burla estamos perante um único crime, por se julgarem improcedentes os restantes.
No caso concreto temos desde logo a dificuldade em saber, porque não se provou, a forma como se operaram as falsificações.
Nos termos do nº 1 do artigo 30 do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Conforme o nº 2 do citado artigo 30, constitui um só crime continuado a realização plurima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
“O crime continuado define-se, assim, pois, como a plúrima violação do mesmo tipo legal ou de tipos diferentes que protejam o mesmo bem jurídico, executada através de um procedimento revestido de uma certa uniformidade e que aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, arrastando consigo uma diminuição considerável da culpa do agente” – Ac. do STJ de 12-06-2002.
Para se verificar o crime continuado, o agente tem de repetir um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior (ao agente) das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente. Na existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.
Aquela diminuição de culpa do agente tem por fundamento o momento exógeno das condutas, a disposição exterior das coisas para o facto.
Refere o Prof. Eduardo Correia, in Lições de Direito Criminal, II, pág. 209, "pelo que, pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".
No caso presente, verifica-se que entre uma e outra das condutas não há qualquer condicionalismo ou situação exterior que tenha facilitado ou "arrastado" o agente para a repetição do seu comportamento criminoso.
Tem entendido a doutrina e jurisprudência que são pressupostos essenciais do crime continuado os seguintes – cfr. LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, Código Penal Anotado, 1º vol., 3ª .ed. pág. 397:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";
- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Nem todos estes pressupostos têm suscitado o mesmo nível de dúvidas, já que as mais frequentes e sensíveis se vêm situando no âmbito de dois deles:
- o mesmo bem jurídico;
- as condições exógenas que geram diminuição considerável da culpa.
Quanto ao bem jurídico diz a lei que para haver continuação criminosa tem esse bem que ser o mesmo nas plúrimas acções do agente.
Mas temos ainda a questão do requisito que exige um condicionalismo exterior ao agente que lhe facilite a prática do acto, diminuindo assim a sua culpa.
Tem-se entendido este pressuposto como a base da unificação criminosa, pois que só se justifica o regime jurídico favorável decorrente da continuação se se puder inferir da prova que houve alguma coisa de fora, não criada nem comandada pelo agente, que lhe propiciou o cometimento do ilícito, aligeirando assim a sua culpa.
É certo que a lei não determina expressamente qual seja essa situação exterior mitigadora da culpa, mas contém em si a ideia de que «no plano positivo pressupõe que o comportamento do agente se mostra determinado por circunstâncias exteriores que o levaram à reiteração da conduta ilícita, e, no negativo, afasta as situações em que essa reiteração se verifica por razões de natureza endógena –cfr. Ac. do S.T.J. de 00.04.27, Proc. nº 53/00.
Daqui decorre que «se for o próprio agente a determinar o cenário, que objectivamente visionado, serviria à perfectibilização do crime continuado, às plúrimas resoluções criminosas que, afinal, expressam a "repetição da sucumbência" fundada esta num conjunto de factores exteriores que a explicam e que, explicando-a podem levar a concluir por uma culpa menor, não são passíveis de constituírem tal tratamento jurídico menos gravoso»- Ac. do S.T.J. de 00.06.15, Proc. nº 176/00.
Ora, no caso em apreço, não está provado que algo alheio ao arguido criou condições favoráveis à prática do crime, por forma a poder afigurar-se que esta resultou como que de uma "fatalidade" gerada de fora e que assim degradou a sua culpa, mas, antes, que foi o próprio agente que "estudou" as circunstâncias do crime, procurando lugares e vítimas (aceitante e bancos sacados) que reduzissem a defesa aos ataques que congeminou.
Para a verificação do crime continuado era essencial a verificação em matéria de facto, com respeito pelo princípio do contraditório, que demonstrasse que as condutas levadas a cabo pelo arguido tivessem sido executadas de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminuísse consideravelmente a culpa do arguido.
Essa matéria não se demonstrou, nem o recorrente a indica, nem justifica porque entende ser merecedor da atenuação do crime continuado face ao concurso real de crimes. Não indica/justifica as razões porque a sua culpa de pode/deve ter como consideravelmente diminuída.
Assim sendo, há que concluir que o arguido, com a sua conduta, consumou não um crime continuado, mas tantos crimes quantos os tipos de crime efectivamente cometidos e o número de vezes que o mesmo tipo foi preenchido, a punir, como na realidade o foi, sob o regime do concurso de infracções.
Nem a eventual inércia ou passividade do ofendido facilitou a repetição de condutas pois que quando confrontado com a primeira leva de letras para pagar, contactou o arguido e este disse-lhe que resolveria o assunto, tendo efectivamente pago tais letras.
E não se sabendo quem operou materialmente a falsificação, nada se pode concluir sobre facilidades exteriores para a repetição.
E, relativamente ao uso de documento falso inexiste quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminuísse consideravelmente a culpa do arguido. Bastava apresentar as letras ao banco e este, não desconfiando da falsificação, operava, ou não, a reforma ou o desconto, somente em função e mediante as garantias dadas para pagamento.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
Medida da pena:
Pede o recorrente a atenuação da pena e suspensão da execução da mesma.
Devendo ter-se em conta, nomeadamente, o tempo decorrido.
É certo que estamos em 2012 e os factos ocorreram em 1998 e 1999, tendo decorrido bastante tempo.
O Código Penal, art. 72 nº 2 al. d) considera como circunstância de atenuação especial o muito tempo decorrido sobre a prática do crime.
Só que impõe como condição ter o agente mantido boa conduta, o que não se verifica, pois o arguido está a cumprir pena de prisão, pela condenação pela prática de 28 crimes de burla qualificada e 43 crimes de falsificação de documento, na pena de 9 anos de prisão.
E, se decorreu muito tempo, sabe o arguido muito bem o motivo, eventualmente a sua ida para o … em 1999.Basta conferir o facto constante do ponto 35 dos provados.
Assim que não se verifica fundamento para a atenuação especial da pena.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71 do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Visando-se, com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.
Tendo em conta os vectores apontados, tendo em conta a moldura penal, de cada um dos crimes imputados ao arguido, temos como correcta e em nada exagerada cada uma das penas parcelares, em concreto, encontradas.
Foram correctamente observados, no acórdão, todos os critérios legais que conduzem à escolha e determinação em concreto da medida da pena, critérios com os quais concordamos inteiramente.
Tendo em conta todos os considerandos e a moldura abstracta das penas aplicáveis a cada um dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, têm-se como adequadas as penas parcelares fixadas no acórdão recorrido.
As penas parcelares, em concreto aplicadas, mostram-se bem doseadas e bem merecidas face á conduta do arguido.
Resulta agora necessário reformular o cúmulo jurídico e aplicar pena unitária dada a absolvição do arguido de crimes de burla (5).
No acórdão do STJ de 06/05/2004, in CJSTJ, T2, pág. 191 diz-se: “Não se deve confundir a fundamentação que deve presidir à escolha e medida de cada uma das penas singularmente consideradas com aquela outra que a lei exige para a fixação, em cúmulo jurídico, da pena unitária, já que, nesta, o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”.
As penas parcelares são:
- Seis (6) crimes de falsificação de documento, com as respectivas penas de um (1) ano de prisão, um (1) ano de prisão, dois (2) anos de prisão, um (1) ano e dois (2) meses de prisão, um (1) ano e três (3) meses de prisão e um (1) ano e três (3) meses de prisão.
- (1) crime de burla qualificada, com a pena de três (3) anos e dois (2) meses de prisão.
A pena unitária será determinada entre o mínimo de três anos e dois meses de prisão e, dez anos e dez meses.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Estes elementos foram tidos em conta no acórdão recorrido.
Aí se refere: “Como atrás se referiu, cumpre valorar conjuntamente os factos, resultando da análise conjunta dos mesmos que, pese embora não se tenha determinado um elemento exógeno consubstanciador de uma culpa diminuída, não é menos verdade, por um lado, que as letras em causa se reportam a um período temporal não muito alargado, não deixando de relevar a existência indiciada de alguma proximidade entre as várias resoluções criminosas.
E por outro lado não poderá deixar de se atender à circunstância da prática dos crimes de falsificação ser instrumental para o cometimento dos diversos crimes de burla que lhe estão associados, o que, não afastando o concurso efectivo de crimes, diminui de forma acentuada a ilicitude e a culpa.
Tudo para concluir que as condutas do arguido, atenta a imagem global dos factos, revelam-se menos censuráveis do que individualmente consideradas, o que fazendo diminuir as exigências de prevenção geral”.
Tendo em conta os considerandos, a respeito tecidos no acórdão recorrido, com os quais estamos inteiramente de acordo.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Ponderando todos estes vectores, e a moldura abstracta da pena, temos como ajustada à conduta global do arguido, a pena única de quatro (4) anos de prisão.
Suspensão da execução da pena:
Pena de substituição:
Como define a Prof. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2007/2008, pág. 9, “são penas de substituição as que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal”.
O Prof. Costa Andrade (em parecer) refere que “a suspensão da execução da pena de prisão emerge neste contexto como a mais importante pena de substituição”.
O art. 50 do CP, na redacção actual apenas alterou a medida da pena até à qual pode o arguido beneficiar da suspensão da execução da pena (passou de 3 para 5 anos).
Quanto ao mais, mantêm-se os pressupostos: que a personalidade do agente, as condições da sua vida, conduta anterior e posterior aos factos, circunstâncias destes, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (se necessário com imposição de deveres).
Todas estas circunstâncias hão-de ser ponderadas em face dos factos provados e não constituir em si facto a provar, e não se provando haver insuficiência (vício do art. 410 nº 2 do CPP).
Não é facto a provar, as circunstâncias que podem determinar a suspensão da execução da prisão.
Não se pode perguntar, a fim de ser feita prova: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior aos factos, as circunstâncias destes, permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?
Aquelas circunstâncias hão-de resultar dos factos provados e então aplica-se a pena de substituição, ou não resultam e mantém-se a pena principal.
Há que ponderar a gravidade dos crimes, a repercussão social e necessidade de prevenção geral e especial.
A suspensão da execução da pena de prisão (art. 50º do CP), é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada nos casos em que é aplicada pena de prisão não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como se aponta no art. 40º do CP. (Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, Anotado e Comentado, Almedina, 14ª edição, 2001, pág. 191).
Trata-se de um poder-dever que vincula o julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os citados pressupostos. (Ac. do TR Coimbra de 20-11-1997, CJ, 1997, 5, 53).
Resulta dos presentes autos que o arguido tem antecedentes criminais, tendo sofrido já condenação.
A situação familiar, económica, social e processual do arguido vem espelhada nos factos provados.
Já foi condenado na pena de 9 anos de prisão, pela prática de crimes idênticos aos que agora responde (28 de burla e 43 de falsificação de documento), pena que está a cumprir.
Os factos destes autos são anteriores à condenação cuja pena o arguido se encontra a cumprir e, não se podendo dizer que a mesma foi ou não dissuasora, verifica-se que dos factos não resulta nenhuma possibilidade de juízo de prognose favorável e que permita poder o Tribunal concluir pela possibilidade da suspensão.
O Prof. Figueiredo Dias, in RLJ, Ano 124, pág. 68, referindo-se ao pressuposto material de aplicação do instituto diz que é necessário que “o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognostico favorável relativamente ao comportamento do delinquente”, no sentido de que a pena suspensa baste para afastar o delinquente da criminalidade, acrescentando que, “para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.
Aqueles factos não permitem concluir que, a censura dos factos e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O arguido não interiorizou os valores essenciais da vida em sociedade, nem a antijuridicidade das suas condutas, o que impede um juízo de prognose favorável, tanto mais que, não se vislumbra do seu recente comportamento (não assumpção das condutas em julgamento) que tenha interiorizado o desvalor da sua conduta delituosa, e, como tem sido referido na jurisprudência, aliás na senda de FIGUEIREDO DIAS (As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pág. 343), tal juízo terá como ponto de partida, o momento da decisão e não a data da prática do crime (Ac. STJ de 24-05-2001, CJSTJ, 2, 201).
Certos de que o que está aqui em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, se entende que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizam, de forma adequada, as exigências e finalidades da punição, pelo que não se determina a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Não resultam provados, como já supra se concluiu, factos demonstrativos de que a pena de substituição realiza as finalidades da punição, de forma adequada e suficiente.
A determinação do comportamento de acordo com os padrões sociais há-de ser a norma.
Assim, temos não haver factos provados que apontem para a viabilidade de concessão do benefício da suspensão da execução da pena, mesmo com condições. Nada permite ao julgador formular o juízo de prognose favorável e necessário à aplicação da pena de substituição.
A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o art. 40 nº 1 do Cód. Penal.
Como salienta o Ac. desta Relação, de 20-11-1997, "a suspensão da execução da pena não é uma mera faculdade do tribunal, mas antes um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei".
A aplicação, desta medida de excepção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção.
No caso presente, tais pressupostos não se verificam, pelo que a suspensão não poderá ser decretada.
Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação e Secção Criminal, em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
a)- Absolve-se o arguido da prática de 5 crimes de burla (referentes á reforma de 5 letras de câmbio).
b)- Quanto ao mais mantém-se o acórdão recorrido com excepção do cúmulo jurídico que se reformula em consequência da absolvição referida.
c)- e condena-se o arguido na pena única de quatro (4) anos de prisão.
Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 4Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/08c4b157dfec46a2802579a60056d3bb?OpenDocument&Highlight=0,burla

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