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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

RESPONSABILIDADE PELO RISCO DANOS CAUSADOS POR INSTALAÇÕES DE ENERGIA ELÉCTRICA OU GÁS - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 10.09.2013


Acórdãos TRC
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
548/11.1TBOPH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: RESPONSABILIDADE PELO RISCO
DANOS CAUSADOS POR INSTALAÇÕES DE ENERGIA ELÉCTRICA OU GÁS

Data do Acordão: 10-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 509º DO CÓDIGO CIVIL (CC)

Sumário: 1. Provado que ocorreram súbitas oscilações de tensão na energia eléctrica fornecida a alguém, para além das margens de tolerância admitidas por lei, e que por essa razão foram danificados bens ou equipamentos instalados na habitação do respectivo consumidor, a entidade que detem a direcção efectiva da instalação destinada a conduzir e entregar a energia, responde por esses danos com base no risco, nos termos do art.º 509, nº 1 do CC.
2. Tal responsabilidade verifica-se mesmo que a sobretensão se verifique no interior do imóvel propriedade do consumidor, nomeadamente no respectivo quadro eléctrico.

3. E só fica excluída se se demonstrar que não se verificou o nexo causal da actividade criadora do risco, nomeadamente por ter havido uma causa externa não imputável à aludida entidade, como é a força maior (nº 2 do art.º 509), ou quando tenha tido lugar o circunstancialismo do nº 3 do mesmo art.º 509.


Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


A..., COMPANHIA DE SEGUROS SA, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Hospital uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra B..., SA, alegando essencialmente o seguinte:

No exercício da respectiva actividade seguradora celebrou com C... um contrato de seguro facultativo denominado Multi-Riscos Habitação, tendo por objecto bens e equipamentos a este pertencentes e existentes na respectiva habitação; sucede que em determinadas datas e horas do meses de Setembro e Outubro de 2010 ocorreram na residência daquele seu segurado súbitas e exageradas alterações ou sobrecargas de tensão na corrente da energia eléctrica fornecida pela Ré, ultrapassando as margens de tolerância legais, que ao mesmo provocaram danos nos equipamentos seguros; tendo o segurado deduzido oportuna reclamação junto da A., esta veio a confirmar os aludidos danos, após peritagem mandada efectuar; em função disso, ressarciu o segurado na quantia de € 25.738,36.

Pelo que, em consequência da subrogação a que tem direito, pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe a mencionada quantia de € 25.738,36.


Citada, a Ré contestou negando que se tenham verificado quaisquer variações de tensão na corrente fornecida até à habitação do segurado da A., para além dos valores e tolerâncias legais, sendo certo que na localidade ninguém mais se dirigiu à Ré invocando o mesmo problema; aduzindo que, a terem existido as anomalias em apreço, as mesmas terão ocorrido na instalação eléctrica do próprio segurado, pelo que só a ele são imputáveis; de todo o modo, este poderia ter evitado o problema com um simples aparelho de defesa de sobretensão, se acaso o tivesse adquirido e posto em acção.

Termina com a improcedência da acção e absolvição do pedido.


A final foi a acção julgada improcedente por não provada, sendo a Ré B... integralmente absolvida do pedido.


Inconformado, deste veredicto interpôs a Autora A... oportuno recurso, admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.


Dispensados os vistos cumpre decidir.


São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância sem qualquer tipo de impugnação:


a) - A A. exerce, devidamente legalizada, a actividade seguradora - al). a);

b) - A Ré exerce em regime de concessão de serviço público a actividade de distribuição de energia eléctrica, mediante a exploração da RND e das redes de Baixa Tensão - al). b);

c) - Nesta rede de distribuição em Média Tensão e Alta Tensão estão compreendidas as subestações, as linhas de MT e de AT, os postos de seccionamento e de corte e os aparelhos e acessórios ligados à sua exploração - al). d);

d) - Para o exercício dessa actividade a Ré tem instaladas diversas linhas eléctricas aéreas e subterrâneas, armários de distribuição e postos de transformação sendo que a linha da zona foi aprovada pela Direcção de Serviços de Energia do Ministério de Economia - al.ªs) d) e m);

e) - Ao operador de rede de distribuição - B..., S.A. - incumbe assegurar a exploração e manutenção da rede de distribuição em condições de segurança, fiabilidade e qualidade de serviço - al). e);

f) - No exercício desta sua actividade a A. celebrou com C..., morador na Quinta X..., Oliveira do Hospital, um contrato de seguro do ramo “multi-riscos habitação” modalidade “Domus – Mesus”, titulado pela apólice nº ..., regido pelas condições particulares e gerais que constam do documento junto pela A como nº 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – resp. artºs 1º e 2º;

g) - Dele consta, nomeadamente, a cobertura de “riscos eléctricos” pelo capital de €37.000,00, sendo que o objecto seguro era o edifício e respectivo recheio, de casa de habitação existente na dita Quinta X ...– resp. artºs 3º e 4º;

h) - No dia 10 de Setembro de 2010, a hora não apurada, pela manhã, registou-se uma sobretensão na energia eléctrica que entrava no referido edifício e, nesse circunstancialismo, como causa directa e necessária de tal sobretensão alguns aparelhos e sistemas eléctricos/electrónicos, nomeadamente de domótica, libertaram fumo – resp. artºs 5º e 6º;

i) - E na tarde desse mesmo dia verificou-se episódio idêntico, tendo-se registado principio de incêndio em disjuntores da casa – resp. artº.s 8º e 9º;

j) - Na sequência destes factos o mencionado C..., que tinha com a Ré e para a dita casa um contrato de fornecimento de baixa tensão, comunicou-lhe tais incidentes - al). f) e resp. artº. 7º;

l) - Então a Ré fez deslocar ao local um técnico que referiu não constatar nenhuma anomalia na rede eléctrica - al). g);

m) - Cerca das 20 horas um electricista que se encontrava no local por solicitação do segurado efectuou medições no circuito eléctrico interno da habitação e constatou que numa tomada monofásica (240 volts) estava a passar corrente eléctrica a 380 volts – resp. artº.s 10º e 11º;

n) - Ao efectuar a medição na entrada da alimentação, vinda do exterior, constatou que o registo indicava a mesma voltagem de 380 volts – resp. artºs 12º e 13º;

o) - Passados alguns minutos, efectuada nova medição, os valores já estavam dentro do normal – resp. artº. 14º;

p) - Perante as medições efectuadas e as oscilações apresentadas, o mesmo electricista contactou a Ré a dar conhecimento da situação – resp. artº. 15º

q) - Assim e no final do dia deslocaram-se mais dois técnico da Ré ao local, que disseram também que não tinham detectado nenhuma anomalia - al).ª h) e resp. artº 17º;

r) - Na manhã de Domingo, dia 12 de Setembro de 2010, a identificada pessoa voltou a contactar com a Ré, a qual e na sequência, enviou dois técnicos ao local - al).ª i);

s) - A instalação de utilização do segurado da Autora está alimentada a partir da rede aérea de MT Candosa- Ervedal da Beira e pelo do Posto de Transformação (PTD) nº 31, Tipo CA de 250 kVA – Tábua – resp. art.º 26º;

t) - A Ré abastecia e abastece a instalação do Sr C... de energia eléctrica em baixa tensão no quadro do Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS), aprovado pelo Despacho Nº 5255/2006 - DGGE e publicado no D.R., II Série, nº 48, de 08 de Março de 2006- resp. artº. 27º;

u) - A instalação do segurado da Autora encontra-se situada no lugar de Loureiro – Oliveira do Hospital, situada num lugar com menos de 2.500 clientes de fornecimento de energia eléctrica – resp. artºs 28º e 29º;

v) - Aquando das assentes deslocações dos técnicos da Ré, estes verificaram que os valores terra da rede eléctrica, pertença da Ré, e que abastecia os referidos 100 clientes de baixa tensão, apresentavam valores dentro dos parâmetros regulamentares – resp. artº. 30º;

x) - Em face do inconformismo do segurado da Autora com as explicações dadas pelos serviços técnicos da Ré, esta disponibilizou-se a proceder a medições dos valores de tensão na rede que alimenta do respectivo local de consumo – resp. artº. 31º;

z) - Essas medições realizadas entre 20.10.2010 e 27.10.2010 deram valores que se encontravam dentro dos valores regulamentares, aqueles que constam do relatório junto como documento nº 3 pela Ré e que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais – resp. artº. 32º;

a1) - Esses dados, colhidos de 10 em 10 minutos, e nas 3 Fases, os registos encontram-se dentro do intervalo 230V +/- 10% - resp art.º 33º;

a2) - Na Fase 1 96,8% dos registos encontram-se dentro do intervalo 230V +/- 10%, na Fase 2 regista-se um valor 100% regulamentar e na Fase 3 99,9% - resp. artº.s 34º, 35º e 36º;

a3) - Os Serviços Técnicos da Ré concluíram que, a ter existido uma anomalia, ela ocorreu no quadro eléctrico pertença do segurado da Autora, facto que lhe foi dado conhecimento pelos serviços comerciais da Ré, através da carta 1390/10/DOP-SC de 27-09-2010 – resp. artº.s 38º e 39º;

a4) - No dia 5 de Outubro de 2010 ocorreu nova alteração de voltagem no fornecimento da energia eléctrica, verificando-se nova sobrecarga na energia eléctrica que entrava no referido edifício – resp. art.ºs 21º e 22º;

a5) - A instalação do segurado da A não estava dotada de mecanismo susceptível de limitar ou de eliminar eventuais sobretensões que possam surgir, quer em condições normais de funcionamento, quer em caso de avaria, sendo que um descarregador de sobretensões (DST) para instalações monofásicas e trifásicas, para cada um deles, tem um custo não apurado – resp. artº.s 40º e 41º;

a6) - Os factos relacionados com a energia eléctrica e acima referidos causaram os seguintes danos e respectivos valores:

- 2 controladores de ph e 2 unidades de limpeza - €2.081,20

- Instalação do equipamento acima referido - €242,00

- Painel de comandos do jacuzzi - €1.301,54

- Reparação do quatro eléctrico - € 489,98

- 2 televisores - €99,90

- Leitor e gravador DVD-R - €204,49

- Reparação sistema domótica - €10.635,47

- 2 Receptores de satélite Humax Sky boxs - €520,00

- Máquina de café Krups (Jom) - €200,00

- Chaminé extractora do fogão - €350,00

- Lâmpada programável - €50,00

- Lâmpada Cactus - €50,00

- Lâmpada de iluminação - €50,00

- Leitor DVD DVP 3005 - €49,00

- Controlador térmico - €636,64

- Máquina de barbear Philips HQ6863 - €71,00

- Computador portátil- €519,84 – resp. artº 8º;

a7) - Dado que existia uma franquia contratual de 10% (com o mínimo de €50,00) por sinistro esta foi deduzida ao montante total (€17.551,06- €1.755,11) obtendo-se como valor dos prejuízos indemnizáveis €15.795,95 – resp. artº. 19º;

a8) - Com os factos inseridos em a4) ocorreram danos nos seguintes objectos, cujo valor está discriminado à frente da cada um:

- Lareira eléctrica - €250,00

- 3 pares de colunas + impressora - €204,97

- Receptor de satélite Sky box - €260,00

- Reparação num quadro eléctrico - €37,50

- Mesa escritório queimada pelo transformador - €80,00

- 2 controladores ph e 2 unidades de limpeza - €2.081,20

- Transformador de luzes da piscina - €1.162,00

- 3 motores automáticos dos portões garagem - €907,50

- 8 aparelhos de ar condicionado - €5.464,00

- Interruptor/diferencial da sala - €30,00

- Humidificador - €117,98

- Reparação domótica (substituição da fonte) - €451,97- resp. artº. 23º;

a9) - Estes danos importavam num total de €11. 047,12 o qual, deduzida a franquia determinou uma indemnização liquida de € 9 942,41 (€11. 047,12 – 1 104,71) – resp. artº. 24º;

a10) - Em relação aos danos referidos em a6) e a7) a A. pagou ao seu segurado a indemnização liquida de €15.795,95, em 7 de Fevereiro de 2011- resp. artº. 20º;

a11) - E relativamente aos elencados em a8) a A., em 7 de Fevereiro de 2011, pagou ao seu segurado a quantia de € 9 942,41- resp. artº. 25º;

a12) - Por carta de 11 de Maio de 2011, a A. solicitou à Ré o reembolso de quantia e razões a apurar ou que informasse, no caso de possuir seguro válido que garantisse tal pagamento, se o tinha participado - al).ª j);

a13) - A Ré, até hoje, nem reembolsou a A., nem disse que era titular de algum seguro - al).ª l).



*


A apelação.


Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação a Autora, ora apelante, levanta as questão de saber se, ao contrário do decidido, não era a A. que tinha de provar a culpa da Ré relativamente aos danos em causa, dado que sobre esta impendia responsabilidade pelo risco e, pelo menos, com base em culpa, repousando no disposto nos art.ºs 509, nº 1, 493, nº1 e 799, todos do CC.; e se, em função dessa responsabilidade, está a Ré obrigada a reparar os danos sofridos pelo segurado da A.


A Ré contra-alegou, batendo-se pela manutenção do sentenciado.


Cumpre decidir.


Com indiscutível relevo para a análise dos fundamentos em que assentou a decisão recorrida, afigura-se-nos de especial utilidade transcrever aqui a passagem fulcral do respectivo raciocínio:

“Ora em face da invocação/alegação da Autora e de harmonia com as regras do ónus de prova estava questionado se no dia 10 de Setembro de 2010, da parte da manhã, tinha acontecido uma sobretensão ou sobreintensidade no fornecimento de energia eléctrica ao referido edifício, por parte da Ré, além de se pretender saber se a causa da oscilação do fornecimento da energia eléctrica estava numa falha de ligação da fase neutro no transformador temporário da potência da rede de abastecimento de energia à dita habitação, instalado em Loureiro [itálico/negrito original].

Porém em sede de materialidade apenas se provou que nas data em causa verificaram-se sobretensões na energia eléctrica que entrava no referido edifício [itálico/negrito original] mas já não naquela que era fornecida pela Ré, tal como ficou indemonstrado que esse facto tivesse alguma coisa a ver com o PT e o neutro.

E mais: como se disse os técnicos da Ré concluíram que ela ocorreu no quadro eléctrico pertença do segurado da Autora ademais da instalação do segurado da A não estar dotada de mecanismo susceptível de limitar ou de eliminar eventuais sobretensões que possam surgir, quer em condições normais de funcionamento, quer em caso de avaria.

Dado que as razões para que esta matéria fosse dada como não provado constam, já, do local processualmente adequado a justificar a formação da convicção, dispensamo-nos de os repetir, bastando-nos com a constatação, objectiva e inquestionável, que a sobreintensidade que causou danos em equipamentos do segurado da Autora e que esta posteriormente indemnizou não aconteceu ou não teve origem na energia fornecida pela Ré. (…)”.

Não acompanhamos esta abordagem da matéria provada.

Se não vejamos.


Desde logo, avulta que não se entende com que base se assevera que a sobretensão que se verificou na energia que entrava no edifício do segurado da A. podia respeitar ao fornecimento de energia mas não ao fornecimento por parte da Ré.

É que resulta da factualidade das alíneas b) a e) dos factos provados que (à data) só a Ré tinha a concessão do serviço público de distribuição de energia eléctrica, incluindo a sua condução e entrega, mediante a exploração de redes de Alta, Média e Baixa Tensão, com os necessários postos de transformação.

Ou seja, ninguém mais fornecia de energia o imóvel do segurado da A. senão a Ré.

Por isso, a referência da alínea h) da base instrutória – que decorre da resposta aparentemente restritiva ao nº 5 da base instrutória – à sobretensão na corrente que entrava no edifício deste segurado tem de ser necessariamente conexionada com a actividade de distribuição e condução feita pela Ré até àquele edifício em regime de baixa tensão.

Ponto é, assim, delinear o enquadramento da eventual responsabilidade da Ré pela condução e entrega da energia eléctrica que lhe foi concessionada.

A decisão recorrida fez aparentemente apelo à responsabilidade contratual, mas também fez impender sobre a A. o ónus da prova da verificação de uma conduta culposa por parte da Ré, conduta e culpa que teve por não demonstradas pela parte que tinha por onerada com essa prova.

Porém, e como se sabe, na responsabilidade contratual a culpa do devedor presume-se (art.º 799 do CC).

Mas acaso a actividade imputada à Ré prescinda de culpa do devedor, esta presunção não será para aqui chamada.

Com o propósito de obter a condenação da Ré B... estriba-se a Autora e apelante, ao mesmo tempo, em dois tipos de responsabilidade: a objectiva, que decorreria do disposto no art.º 509 do CC; e a subjectiva, que adviria tanto do preceito do art.º 493, nº 2, como da norma do art.º 799 do mesmo Código.

A concluir-se pela responsabilidade objectiva da Ré, deixa de se colocar a questão da respectiva culpa, seja ela efectiva ou presumida.

E, no caso, a responsabilidade da Ré como entidade condutora e fornecedora de electricidade é realmente objectiva, isto é, independente de culpa.

Com efeito, estabelece-se no art.º 509 do C. Civil:

“1. Aquele que tiver a direcção efectiva da instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega do gás, como do dano resultante da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

3. Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição”.

Temos assim que apurar se, em face do circunstancialismo alegado e apurado, a Ré e apelada se acha ou não dentro da previsão deste normativo.


Nenhuma dúvida se pode colocar quanto a ser a Ré B... quem detinha a direcção efectiva e a utilização no próprio interesse do sistema da instalação, condução e entrega da energia eléctrica destinada ao edifício do segurado da A. – cfr. os factos provados em b) a e), inclusive, q), s) e t).

A sentença recorrida parece, no entanto, ter conferido especial relevo ao facto de as avarias com a tensão terem ocorrido já no interior do edifício do segurado, chegando a dar como processualmente adquirido que ela teve lugar no quadro eléctrico pertença do mesmo segurado, instalação que não estava dotada de um mecanismo especial para limitar ou eliminar eventuais sobretensões.

Mas o que consta da resposta ao nº 37 da b.i, não é isso: é apenas que os técnicos da Ré teriam concluído que tal avaria teria ocorrido nesse quadro.

Nada inculca que essa conclusão estivesse correcta.

Todavia, para a aplicabilidade do nº 1 do citado art.º 509 é absolutamente inócuo que a anomalia na tensão se produza fora ou dentro do imóvel ou da instalação do consumidor. Basta uma leitura mais atenta do nº 3 do aludido artigo para se perceber que o legislador só visou libertar a entidade responsável deste risco particular, como detentora da direcção efectiva da instalação, no que toca aos danos causados pelos utensílios de uso da energia. Abrangidos pelo risco estão assim, de forma inequívoca todas as restantes situações, incluindo as que decorram do uso do quadro ou instalação eléctrica do consumidor.

Coisa diversa é a exclusão do risco por causa independente do funcionamento da instalação de quem conduz e entrega a energia que vem definida no nº 2 do artigo, onde para tanto se fala de causa de força maior. A responsabilidade pelo risco tem sempre implícita a extrema dificuldade ou mesmo a impossibilidade para o lesado em provar o nexo de causalidade contra o lesante, quando este desenvolve uma actividade potencialmente danosa ou perigosa no plano pessoal ou meramente patrimonial que tem que ver com a especificidade e natureza dos bens fornecidos. O que causa de força maior verdadeiramente significa é uma excepção ao nexo de causalidade adequada, que se traduz na imputação objectiva do dano ao risco da actividade pressuposto na lei[1]. Claro que poderá integrar esta causa um facto ilícito do consumidor ou um acto de terceiro que não seja imputável à entidade detentora da direcção efectiva[2]. Contudo, nenhuma matéria deste jaez foi trazida aos autos pela Ré.

Em linha com o expendido, a A. provou apenas o que tinha de provar, como elementos constitutivos do seu direito e da correspectiva da obrigação da Ré: a detenção efectiva da instalação de condução e entrega da energia pela Ré, com utilização no respectivo interesse, o contrato de seguro, o pagamento como génese da sua posição de sub-rogada, os danos e a relação de causalidade entre estes e o risco associado à entrega da energia (relação que se satisfaz com o facto de os danos reclamados terem provindo de anómalas e não permitidas variações de tensão na corrente na energia fornecida ao segurado).

Não tendo sido alegada nem evidenciada qualquer causa de força maior, ou sequer o específico circunstancialismo aludido no nº 3 do art.º 509 do CC, não pode a Ré B... deixar de ser responsabilizada pelos danos ocasionados nos equipamentos seguros.

Como se nota – e bem, neste particular – na sentença recorrida, a A. está sub-rogada no direito de crédito que competia ao respectivo segurado, em função do pagamento efectuado, o que lhe é directamente consentido pelo art.º 136, nº 1, do DL nº 72/2008 de 16 de Abril, diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro.

Uma vez que os valores pagos pela A. ao seu segurado correspondem aos montantes dos prejuízos advenientes das anomalias no fornecimento de energia eléctrica a cargo da Ré, deduzidos da franquia convencionada – cfr. os factos provados em a6) a a11) – não pode esta deixar de ser condenada no respectivo pagamento. Esses danos computam-se em € 25.738,36 – cfr. o somatório dos danos mencionados em a7), a9), a10) e a11).

Nos termos dos art.ºs 805, nº1, e 806, nºs 2 e 3, ambos do CC, a Ré é ainda responsável pelos juros de mora desde o momento em que foi interpelada, ou seja, desde 25 de Maio de 2011 – cfr. o provado em a12).

Donde que, na procedência da apelação, a acção tenha de ser julgada integralmente procedente.


Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, julgam a acção inteiramente procedente por provada, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de € 25.738,36, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 11 de Maio de 2011 até efectivo pagamento.

Custas pela Ré e apelada.


Freitas Neto (Relator)

Carlos Barreira

Barateiro Martins


[1] A este título, pode consultar-se o Ac. do STJ de 8.11.2007, do relato do Ex. mo Cons. Pires da Rosa, disponível no ITIJ, em que, ainda que por maioria, nem sequer foi excluída no caso concreto a responsabilidade pelo risco da entidade concessionária, apesar de se tratar de avaria provocada por um raio, por se ter entendido que aquela disporia de tecnologia que teria podido impedi-lo.
[2] Tendo por isso uma abrangência não reduzida ao seu conceito tradicional do mero evento irresistível ou insuperável para a capacidade e vontade do devedor. De todo o modo, essa abrangência não anda longe da mesma que engloba as causas indicadas no art.º 505 para o risco ligado ao funcionamento de veículos.


http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/64d01ae1e781035180257be50033b386?OpenDocument

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