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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

IRREGULARIDADE AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 13.11.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
879/10.8GAPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: IRREGULARIDADE
AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO

Nº do Documento: RP20131113879/10.8GAPFR.P1
Data do Acordão: 13-11-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I – O disposto no n.º 2 do art. 123.º, do CPP, deve ser interpretado no sentido de que só é possível a reparação oficiosa de irregularidade ainda não sanada.
II – A arguida deve considerar-se regularmente notificada da audiência de julgamento se a notificação foi feita para a morada por si indicada, constante do TIR, e não foi comunicada qualquer alteração da mesma.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso Penal 879/10.8GAPFR.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, procedeu-se a julgamento em processo comum, e perante tribunal singular, das arguidas B… e C…, devidamente identificadas nos autos, tendo a final sido proferida sentença com a seguinte decisão:
“(…)
1. Absolver a arguida B… de todos os crimes de burla que lhes foram imputados na acusação.
2. Condenar, absolvendo-se do demais que consta na acusação, a arguida C… nas seguintes penas parcelares:
-pela prática, como autora material, de um crime de burla, previsto pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
-pela prática, como autora material, de um crime de burla, previsto pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
3. Condenar a arguida C… na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), num total de € 650 (seiscentos e cinquenta euros).
Custas pela arguida C…, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s [€ 408], atendendo à complexidade da causa e ao número de intervenientes processuais (arts. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa).
Boletins à DSIC.
(…)”

Inconformada com a sentença condenatória, a arguida C… recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1) Tendo a arguida posteriormente à prestação de TIR apresentado os requerimentos de fls. 176 e 177 para que as notificações lhe sejam feitas noutra morada que indica – …, n.º .., .° Esq., ….-… Santo Tirso –, não se podem ter por regularmente efectuadas as notificações por via postal simples para a morada que inicialmente constava do TIR, por a arguida/recorrente ter posteriormente fornecido uma outra morada (cfr. fls. 176 e 177), para onde deviam ser remetidas as notificações;

2) Por conseguinte não tendo havido notificação por via postal simples para esta morada comunicada pela arguida/recorrente pelos requerimentos de fls. 176 e 177 – …, n.º …, .° Esq., ….-… Santo Tirso –, e sendo também negativa a certidão da notificação solicitada a fls. 302 (cfr. fls. 330), não podia o Mmo. Juiz "a quo" considerar que a arguida/recorrente se encontrava notificada da data designada para a audiência de julgamento;

3) Pelo que tendo a audiência de julgamento sido iniciada na ausência da arguida/recorrente, tal constitui nulidade insanável nos termos da alínea c) parte inicial do art. 119 do CPP;

4) Não tendo a audiência de julgamento sido encerrada na primeira data marcada, e tendo o Mmo. Juiz "a quo" designado para continuação da audiência uma nova e distinta data, da segunda data inicialmente marcada, nunca poderia valer para esta nova data, uma notificação da arguida/recorrente que se considerasse - o que se não concede nem concebe - ter existido para as datas inicialmente marcadas, pelo que tinha de haver nova notificação da arguida/recorrente para esta nova data de continuação da audiência;

5) Assim a continuação da audiência não podia se ter realizado sem a presença da arguida/recorrente;

6) E tendo o Mmo. Juiz "a quo" considerado necessário ouvir a arguida/recorrente naturalmente por considerar a sua audição necessária para a descoberta da verdade, o encerramento da audiência sem a sua audição constitui omissão posterior de diligencia reputada essencial para a descoberta da verdade nos termos da al. d) parte final do n.º 2 do art. 120º do CPP;

7) Foram violados os arts. 196 nº3 al. c) segunda parte, 332 nº 1, 333 nº1, 119 al. c) primeira parte, e 120 nº2 al. d) parte final, do CPP;

8) Devendo ser declarados anulados o julgamento e a douta sentença;

O MP junto do Tribunal de 1ª instância respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:

1- Em 23 de março de 2011, a arguida C… prestou termo de identidade e residência, a fls. 105 doas autos, tendo indicado como domicilio a Rua …, nº .., S. Mamede de Infesta;

2- A fls. 176 e 177 dos autos, ainda na fase de inquérito mas já após a tomada de termo de identidade e residência, foi junta uma cópia de um escrito, onde não se identifica qualquer processo, secção ou secretaria, ou mesmo origem e fiabilidade, alegadamente subscrito pela arguida C…, onde a mesma se disponibiliza para ser contactada na seguinte morada: …, …, .º Esq., Santo Tirso;

3 - De tal documento consta ainda uma cota informativa, certamente realizada por funcionário judicial, com a indicação de que a arguida C… é interveniente em inúmeros processos;

4 - Na data da junção de tal documento, a arguida já havia sido declarada contumaz nos Processos nº 570/06.0GBPRD e 1332/06.0TAVLG;

5 - Na sequência de tal indicação de residência, foi solicitada informação policial sobre as condições socioeconómicas da arguida C…, tendo-se constatado que o endereço - …, …, .º Esq., Santo Tirso – corresponde a um escritório de advogados, não mandatados nos autos;

6 - Em 12 de outubro de 2012, a acusação deduzida nos autos foi recebida, tendo então sido designada data para audiência;

7 - A arguida foi notificada, via postal, para a residência constante do termo de identidade e residência, tendo a carta sido devolvida após ter sido devidamente depositada;

8 - Foi tentada a notificação pessoal da arguida, através da entidade policial competente, na Rua …, nº .., em S. Mamede de Infesta, tendo sido comunicada a frustração de tal notificação, com a indicação de que a arguida já não residiria nesta morada à cerca de dois anos e meio;

9 - A arguida veio a ser notificada da sentença condenatória proferida nos autos na Rua …, nº .., Santo Tirso, em 19 de Junho de 2013;

10 - A arguida revelou má-fé processual, ao indicar no termo de identidade e residência um domicílio que não era o seu, conhecendo de antemão a frustração da notificação postal da data designada para audiência e fazendo uso disso como forma de se frustrar à ação da justiça;

11 - Entende-se que a comunicação para alteração de residência não foi efetuada de forma a respeitar as obrigações decorrentes do TIR, e como tal não se mostra válida;

12 - Além do mais, a arguida C… deu sempre informações erradas nos autos sobre a sua residência, para locais que não eram o seu efetivo domicílio;

13 - Assim, em nosso entender, deve considerar-se que a residência indicada pela arguida quando prestou TIR continuou a ser válida e eficaz para efeito das notificações, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 196.º n.ºs 2 e 3 e 113.º n.ºs 1 al. c) 3, e 4, do Código de Processo Penal, não se verificando assim qualquer nulidade.

O Ex.º Procurador-geral-adjunto nesta Relação limitou-se a apor o seu visto.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

2. Fundamentação
2.1 Matéria de facto
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
Factos provados:
1. A arguida C… publicou um anúncio no “D…” com o seguinte teor: “Precisa-se urgente. Empregado/as ou casais para trabalhar no Estrangeiro, para vários países. Entrada imediata. Contacto: ………”.
2. Posteriormente quando recebiam e atendiam as chamadas dos respetivos interessados, as arguidas, após informarem do destino onde iriam trabalhar, bem como do salário que iriam auferir e das funções que iriam desempenhar, solicitavam àqueles interessados que se deslocassem a determinados locais, por elas indicados e na maior parte das ocasiões o seu escritório, sito na rua …, Paços de Ferreira, com vista a que a arguida C… aí melhor os informar sobre as condições em que o trabalho seria prestado no estrangeiro.
3. Sendo que quando aqueles interessados se deslocavam a tais locais, as arguidas solicitavam-lhes a entrega imediata de determinadas quantias, em dinheiro, o que aqueles faziam, em consequência de as arguidas os terem advertido de que essas quantias se destinavam a pagar os exames médicos que os interessados teriam de obrigatoriamente realizar e as suas viagens, constituindo, portanto, a entrega dessas quantias uma condição prévia e necessária para poderem trabalhar no estrangeiro.
4. Contudo não só não existia nenhum trabalho a prestar no estrangeiro como nenhuma das quantias que a arguida C… recebeu e fez suas, pela forma descrita, se destinava ao pagamento de quaisquer exames médicos ou viagens, tudo não passando de um esquema engendrado e executado pela arguida C…, com o intuito de assim levarem os interessados a entregarem-lhe tais quantias, como estes fizeram e de que aquela se apropriou.
5. Em data não concretamente determinada mas que se situa no início de mês de outubro de 2010, E…, F… e a mãe deste último, G…, após contacto telefónico para o número ……… e informarem uma das arguidas da intenção em concorrerem ao trabalho anunciado, a prestar em Genebra, na Suíça, deslocaram-se ao …, em Paços de Ferreira, para aí melhor acertarem os termos relacionados com o trabalho a prestar no estrangeiro, tendo a arguida B…, nessas circunstâncias, informado F… e G… sobre o vencimento e o tipo de trabalho que iriam realizar, na Suíça.
6. E quando F… manifestou a sua concordância com as condições descritas pela arguida B…, esta exigiu-lhe a entrega imediata, em dinheiro, da quantia de € 130 (cento e trinta euros), o que ele fez, em consequência de a arguida o ter advertido que tal quantia se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, e para suportar o pagamento da sua viagem.
7. Por também ter interesse em ir trabalhar para a Suíça, nos mesmos termos que tinham sido acordados com o seu filho F…, G… combinou com a arguida B… um encontro, para alguns dias depois, ainda no mês de outubro de 2010, na …, no Porto, o que sucedeu, em data não concretamente apurada, tendo entregue nessa ocasião à arguida, por esta lhe ter exigido, a quantia de € 130 (cento e trinta euros), o que esta fez, em consequência de aquela a ter advertido de que se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, e também para suportar o pagamento da sua viagem.
8. Atuando da forma descrita, prestando informações que sabia não corresponderem à realidade e solicitando através da arguida B… aos ofendidos F… e G… a entrega de quantias, em dinheiro, com o pretexto de que estas se destinavam ao pagamento de viagens e exames médicos que aqueles teriam de realizar, como condição prévia e necessária para poderem trabalhar no estrangeiro, não obstante bem saber que essas viagens e esses exames não iriam ter lugar, a arguida C… levou F… e G… a entregarem-lhe a quantia total de € 260 (duzentos e sessenta euros), a que a arguida C… sabia não ter direito, mas que recebeu e fez sua, após lhe ter sido entregue pela arguida B…, usando-a em seu proveito pessoal.
9. A arguida C… atuou na execução de um plano previamente gizado, com o intuito de receber as referidas quantias, em dinheiro, como efetivamente recebeu, da parte dos referidos ofendidos, não obstante estar ciente de que as mesmas não lhe eram devidas e que tal causava prejuízo aos ofendidos F… e G…, como efetivamente sucedeu.
10. A arguida C… estava ciente de que tanto as informações que publicou no anúncio, como as que apresentou aos ofendidos F… e G…, através da arguida B…, relativamente à prestação de trabalho, às viagens e aos exames médicos, não correspondiam à realidade.
11. Não obstante, a arguida C… decidiu inventá-las, para desta forma conseguir despertar a atenção e o interesse dos ofendidos, como efetivamente conseguiu, bem sabendo que, dessa forma e após ter advertido os ofendidos F… e G…, através da arguida B…, de que tal constituía uma condição prévia e necessária para poderem realizar os exames médicos e as viagens, sem os quais não poderiam viajar para o estrangeiro, os ofendidos seriam levados a entregarem-lhe todas as quantias referidas supra, o que a arguida C… quis e conseguiu, não tendo esta arguida, até à data, devolvido qualquer montante aos referidos ofendidos.
12. A arguida C… atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punível por lei.
13. A arguida C… não tem antecedentes criminais registados.

Factos não provados:
Não se provou:
1. Que no dia 5/10/2010, E…, após ter tomado conhecimento do referido anúncio, ligou para o telemóvel número ……… e, depois da chamada ter sido atendida pela arguida C…, demonstrou interesse em concorrer ao trabalho anunciado, tendo então a arguida informado aquela que as funções relativas ao trabalho seriam desempenhadas na Suíça e solicitado a E… que se deslocasse ao escritório das arguidas, sito na Rua …, neste concelho e nesta comarca de Paços de Ferreira, a fim de aí acordarem os termos relacionados com a prestação de trabalho no estrangeiro, o que E… fez, no mesmo dia e em hora não concretamente apurada, sendo que, nessas circunstâncias de tempo e lugar, enquanto a arguida C… informava aquela sobre o vencimento e tipo de trabalho que iria realizar, na Suíça, a arguida B…, por seu turno, preenchia um papel, que não ostentava qualquer tipo de logótipo ou identificação da empresa e que apenas tinha como título “ficha de inscrição”, onde esta arguida preenchia dados relativos à identificação de E…, sendo que, quando E… concordou com as condições descritas pela arguida C…, esta exigiu àquela a entrega imediata, em dinheiro, de € 25 (vinte e cinco euros), o que esta fez, em consequência de as arguidas a terem advertido de que tal quantia se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar no estrangeiro;
2. Que em data não concretamente determinada mas ainda na primeira quinzena do mês de outubro, as arguidas informaram E… que os exames médicos não poderiam afinal ser realizados em Portugal, pelo que teriam de ser realizados na Suíça, no momento em que ela aí se encontrasse a trabalhar, situação que implicaria a necessidade de E… entregar às arguidas, em dinheiro, uma quantia adicional de € 25 (vinte e cinco euros), o que aquela imediatamente fez;
3. Que posteriormente, em data não concretamente determinada mas entre 10 a 20 de outubro de 2010, no referido escritório e após E… ter contactado com as arguidas, manifestando-lhes ter urgência em viajar para a Suíça e começar imediatamente a trabalhar, devido às dificuldades económicas que atravessava, as arguidas informaram-na que essa antecipação da viagem só seria possível caso ela lhes entregasse, em dinheiro, uma quantia adicional de € 80 (oitenta) euros, o que E… imediatamente fez;
4. Que atuando da forma descrita, prestando informações que sabiam não corresponderem à realidade, sobre um trabalho que sabiam não existir, bem como exigindo, a E…, a entrega, em dinheiro, da quantia de € 150 (cento e cinquenta euros), após a terem advertido de que a mesma se destinava ao pagamento da realização de exames médicos, que as arguidas sabiam não ter lugar mas que referiram àquela ser condição prévia e necessária para ela poder trabalhar na Suíça, as arguidas levaram E… a entregar-lhes tal quantia, a que as arguidas sabiam não ter direito, mas que receberam e fizeram sua, usando-a em seu proveito pessoal;
5. Que na ocasião descrita nos pontos 5 e 6 dos factos provados a arguida B… preencheu um papel, que não ostentava qualquer tipo de logótipo ou identificação da empresa e que apenas tinha como título “ficha de inscrição”, com dados relativos à identificação de F….
6. Que F…, poucos dias depois, foi contactado por E…, que o informou ter entregue, em seu nome e após ter sido advertida, pelas arguidas, da sua necessidade, a quantia de € 80 (oitenta euros);
7. Que em data não concretamente determinada mas no início do mês de outubro de 2010, H…, que se encontrava a residir no Luxemburgo, foi contactado pela sua mulher, I…, que o informou sobre o teor do referido anúncio e lhe perguntou se estaria interessado em ir trabalhar para a Suíça, nas mesmas condições que as descritas relativamente a G…, F… e E…, familiares de H… e que tinham informado I… da existência do anúncio, o que aquele respondeu afirmativamente, pelo que no início do mês de outubro de 2010 e após se ter informado junto dos referidos familiares e das arguidas das condições de trabalho, I… ligou ao marido e informou-o que a viagem para a Suíça iria ocorrer entre as 23 horas e as 0 h, numa quinta ou sexta-feira, sendo que, como condição prévia e necessária para realizar tal viagem, teria de entregar imediatamente, em dinheiro, a quantia de € 125 (cento e vinte e cinco euros), o que I…, fez, em nome do marido;
8. Que posteriormente, quando H… contactou com a arguida C…, requerendo informação concreta sobre o alojamento, pagamentos e tipo de serviço que iria realizar na Suíça, esta arguida elevou o seu tom de voz, acusando aquele de estar a desconfiar dela e recusando-se a devolver-lhe a quantia aludida supra;
9. Que atuando da forma descrita, prestando informações que sabiam não corresponderem à realidade e solicitando a H… a entrega de quantias, em dinheiro, com o pretexto de que estas se destinavam ao pagamento de viagens e exames médicos que aquele teria de realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, não obstante bem saberem que essas viagens e esses exames não iriam ter lugar, as arguidas levaram H… a entregar-lhes a quantia total de € 125 (cento e vinte e cinco euros), a que as arguidas sabiam não ter direito, mas que receberam e fizeram sua, usando-a em seu proveito pessoal;
10. Que as arguidas B… e C… atuaram da forma descrita, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente gizado, com o intuito de receberem as referidas quantias, em dinheiro, como efetivamente receberam, da parte dos referidos ofendidos, não obstante estarem cientes de que as mesmas não lhes eram devidas e que tal causava prejuízo aos ofendidos, como efetivamente sucedeu e que as arguidas B… e C… estavam cientes de que tanto as informações que publicaram no anúncio, como as que apresentaram a todos os ofendidos, relativamente à prestação de trabalho, às viagens e aos exames médicos, não correspondiam à realidade e, não obstante, as arguidas B… e C… decidiram inventá-las, para desta forma conseguirem despertar a atenção e o interesse dos ofendidos, como efetivamente conseguiram;

Fundamentação da Prova:
A arguida C… não compareceu no julgamento.
A arguida B… disse que não tinha nada a ver com isto, esclarecendo que havia sido contratada pela arguida C… para exercer funções de administrativa e que alguns dias depois começou a aperceber-se da atividade ilegítima que aquela desenvolvia, tendo abandonado de imediato o seu posto de trabalho por não se querer envolver nesse “esquema” montado pela arguida C…; afirmou ainda que essa decisão não lhe foi fácil pois havia estado desempregada bastante tempo, mas não queria defraudar as pessoas que procuravam o escritório pois observando o comportamento da arguida C… logo entendeu que esta não iria colocar ninguém a trabalhar.
A nosso ver tratou-se de um depoimento credível, pois respondeu calmamente a todas as perguntas, prestou todos os esclarecimentos necessários, mostrou-se sempre muito convincente e foi visível alguma emoção no relato que fez dos factos.
E esta versão dos factos viria a comprovar-se verdadeira, conforme se verá de seguida:
Ponderou-se o depoimento das testemunhas F… e G…, que descreveram em audiência o que se passara, concretamente a altura e o local em que os factos em que estiveram envolvidos tinham ocorrido e a forma como tinham tido lugar, em moldes idênticos aos que viriam a ficar assentes. Atribuíram à arguida B… o desempenho apenas de tarefas administrativas e nenhuma destas testemunhas para além disso lhe imputou o que quer que fosse.
A testemunha F… confirmou ainda que numa tentativa de desbloquear a sua situação de indefinição contactou por várias vezes a arguida C… através do número de telefone constante do anúncio.
Síntese crítica da prova no que toca à autoria dos factos:
A informação de folhas 151 a 154 atesta a identidade da pessoa que pediu a publicação no “D…” do anúncio em causa (vide ponto 1 dos factos provados): trata-se da arguida C….
Quanto ao número de telefone utilizado para o efeito, apesar da informação inconclusiva da J…, a folhas 163/164, de acordo com a arguida B… é o do telemóvel utilizado habitualmente pela arguida C….
Os depoimentos das testemunhas F… e G… são consistentes e harmónicos, se confrontados entre si, tendo em conta o sentido geral de cada um deles e o modo como deles flui o relato dos factos ocorridos.
E ponderando as regras da experiência comum e os elementos probatórios acabados de referir, em especial o facto de a arguida C… ser a pessoa que procedeu à publicação do anúncio no D…, que, como se vê dos factos provados, mais não foi que um ardil para cativar potenciais candidatos a um emprego que nunca existiu, não restam dúvidas do nosso modo de ver quanto à autoria destes factos e que foi a arguida C… que os cometeu, quer no que toca ao seu planeamento quer no que diz respeito à sua execução.
Também não restam dúvidas que a arguida B… não praticou a totalidade dos factos que lhe eram imputados, mas apenas aqueles que resultaram provados.
Por fim, a prova relativa aos elementos subjetivos do tipo, constantes dos pontos 4, 8 a 12, baseou-se na forma como os factos objetivamente ocorreram, o que permitiu inferir a verificação dos primeiros.
Quanto às condições pessoais, sociais e familiares das arguidas:
Atendeu-se ao documento de folhas 284, relativo aos antecedentes criminais da arguida C….
Quanto à arguida B…, embora se apurassem factos atinentes às suas condições pessoais, com base no certificado de registo criminal e nas próprias declarações, não se incluíram aqui porque tal é inútil quando, como é o caso, não existem elementos suficientes para a condenar por qualquer crime.
Relativamente aos factos não provados, assim resultaram por inexistência de prova bastante acerca da sua verificação, pois não foram comprovados por ninguém (pontos 1 a 4 e 7 a 9 dos factos não provados) e, por outro, por serem contraditórios com a versão dos acontecimentos que resultou provada (pontos 5, 6 e 10 da matéria de facto não provada).

2.2 Matéria de direito
O objecto do presente recurso incide sobre matéria de direito e, de acordo com a respectiva motivação, centra-se na questão de saber se ocorreu a nulidade processual invocada pela recorrente, decorrente do facto de o julgamento ter sido feito sem a presença da arguida, fora das circunstâncias legalmente permitidas (art. 333º do CPP). Em suma, importa saber se foi (ou não) cometida a nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, sendo certo que, como decorre do n.º 3 do art. 410º do CPP, o recurso pode ter como fundamento “a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

Para o julgamento da invocada nulidade, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:
a) Em 23 de Março de 2011, a arguida C… prestou termo de identidade e residência a fls. 105 dos autos, tendo indicado como domicilio a Rua …, n.º .., S. Mamede de Infesta;

b) A fls. 176 e 177, no seguimento de um ofício dirigido à autoridade policial competente, solicitando informação sobre a situação económica da arguida, esta juntou uma declaração dirigida à GNR, indicando que poderia ser encontrada na …, . esquerdo, ….-… Santo Tirso.

c) Solicitada novamente informação, com referência à morada indicada, a GNR informou não ser possível tal informação, dado que a arguida não foi encontrada na referida residência, tendo informado o Posto do GNR que residia na Rua …, …º, .º, Esq. Em Santo Tirso – fls. 182

d) A morada referida pela arguida (…, …º, .º esquerdo – Santo tirso) é um escritório de advogados (K…) – cfr. fls. 184.

e) Foi deduzida a acusação, indicando-se a morada da arguida C… constante do termo de identidade e residência de fls. 103, isto é, Rua …, nº. .., S. Mamede de Infesta, Matosinhos – cfr fls. 211 e seguintes.

e) Foi designado dia para julgamento, tendo a notificação da arguida C… sido remetida para a sua morada constante do TIR: Rua …, n.º .., S. Mamede de Infesta – fls. 269.

f) A carta com tal notificação foi devolvida – fls. 297.

g) No dia do julgamento (05/12/2012), verificando-se que a arguida C… não se encontrava presente, foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Tendo em conta a posição do MP, e uma vez que a falta da arguida não é motivo de adiamento da presente audiência, tendo em conta que a mesma prestou TIR, do qual consta que, caso a arguida não se encontre presente, nos termos do art. 333º do CPP será representada pelo Ilustre Defensora Oficiosa, e não se reputando a sua presença de indispensável à descoberta da verdade, tal audiência será iniciada de imediato; o Tribunal a final se pronunciará quanto à necessidade da presença da arguida em audiência de julgamento.
Desde já se condena o arguido em 2 UCs de multa, pela sua falta injustificada” – cfr. Acta de fls. 332.

h) Finda a sessão de julgamento desse dia (5.12.2012), o MP promoveu “a continuação da audiência para inquirição da arguida C…, com emissão de mandados de detenção, a fim de assegurar a sua presença em julgamento, na data a designar” – cfr. Acta de fls. 335.

i) No seguimento de tal promoção, foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
Atenta a posição da Digna Magistrada do MP, e a proximidade da segunda data designada, desde já se designa o próximo dia 21 de Dezembro de 2012, pelas 9,30 horas, para inquirição da arguida C…, com a emissão de mandados de detenção, nos termos do art. 116º, n.º 2 do CPP, a fim de assegurar a sua comparência na data designada.
Notifique” – fls. 336.

j) No dia designado para a continuação da audiência de julgamento (21.12.2012) a arguida C… não se encontrava presente, tendo-se feito constar o seguinte:
“Iniciada a audiência à hora designada para o efeito, todos os presentes foram notificados do teor da certidão negativa junta aos autos a fls. 344, tendo dito nada terem a requerer” – fls. 348.

k) Foram de seguida proferidas alegações orais (pelo MP e defensoras das arguidas) findas as quais foi designado o dia 14.01.2013 para a leitura da sentença.

l) A sentença foi proferida e depositada em 14-01-2013.

Tendo em conta as ocorrências processuais acima descritas, importa averiguar se o julgamento realizado sem a presença da arguida C… (ora recorrente) incorreu na nulidade insanável prevista no art. 119º, c) do CPP, consistente na “ausência do arguido ou do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.

Antes de mais, importa referir que apenas esta nulidade (insanável) pode ser averiguada no recurso, nos termos do n.º 3 do art. 410º do CPP. A nulidade (também arguida pela recorrente) traduzida na omissão de diligências relevantes para a descoberta da verdade, dado tratar-se nulidade relativa, ou mera irregularidade, está sanada.
Com efeito, nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2 do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quanto esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. De acordo com a respectiva classificação legal, as nulidades podem ser sanáveis ou insanáveis, estando estas também expressamente previstas na lei, quer no art. 119º, quer noutras disposições legais (v. g. artigos 330º, 1 e 321º, 1 do CPP).
As nulidades sanáveis, ou relativas, dependem de arguição e o seu regime aproxima-as das meras irregularidades. Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Volume II, pág. 87, “não existe grande diferença entre o regime das nulidades relativas (dependentes de arguição) e o das irregularidades. Num caso e noutro o vício necessita ser arguido pelos interessados dentro de certos prazos, sob pena de se considerar sanado e a declaração da nulidade ou da irregularidade produz igualmente a invalidade do acto em que se verificar o vício, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar (art. 122º, 1 e 123º, 1 do C. P. Penal) ”.

A omissão de diligências que devam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, posteriores ao inquérito ou à instrução, devem ser arguidas “antes que o acto esteja terminado” – cfr artigo 120º, n.º 2, al. d) e 3 do CPP.
Dado que não foi arguida qualquer nulidade deste tipo, durante o julgamento, a mesma (ainda que tivesse ocorrido) encontra-se sanada - art. 121º do CPP.

É verdade que o n.º 2 do art. 123º do CPP permite a reparação oficiosa de qualquer irregularidade “no momento em que da mesma se tomar conhecimento”, mas tal preceito deve ser interpretado no sentido de que só é possível a reparação oficiosa de irregularidades ainda não sanadas. De outro modo, transformar-se-iam as meras irregularidades em nulidades insanáveis (conhecíveis oficiosamente e a todo o tempo), contrariando frontalmente o disposto no artigo 119º, 1 do CPP, segundo o qual as nulidades insanáveis são apenas as cominadas na lei como tal (princípio da legalidade).

Nestes termos, impõe-se tão só apreciar se efectivamente ocorreu a nulidade insanável expressamente prevista e assim cominada no art. 119º, al. c) do CPP.
De acordo com o referido art. 119º, al. c) do CPP, constitui nulidade insanável “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva presença”.
E, nos termos do art. 332º, 1 do CPP, a regra geral é a de que “é obrigatória a presença do arguido na audiência.”
No entanto, o próprio artigo 332º, 1 do CPP (impondo a presença do arguido na audiência) ressalva expressamente o disposto nos artigos 333º, 1 e 2 e 334º, 1 e 2 do CPP. Daí que se imponha averiguar se, no presente caso, estamos (ou não) perante uma das situações expressamente previstas nos arts. 333º 1 e 2 ou 334º 1 e 2 do CPP, ou seja, situações em que é permitido o julgamento na ausência do arguido.

O artigo 334º, n.ºs 1 e 2 do CPP regula o julgamento na ausência do arguido, em casos especiais e de notificação edital que não têm conexão com o presente caso.
O artigo 333º, n.ºs 1 e 2 do CPP, por seu turno, permite o julgamento na ausência do arguido regularmente notificado, se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a sua presença.

Tendo presentes as ocorrências processuais acima descritas, verifica-se que o Tribunal podia, nos termos do citado art. 333º, 1 e 2 do CPP, proceder ao julgamento na ausência da arguida, na medida em que esta foi notificada para a morada constante do TIR e o Tribunal considerou que a audiência podia começar sem a presença da arguida.

Com efeito, segundo o disposto no art. 196º, n.º 3, al. c) do CPP, deve constar do Termo de Identidade e Residência (além do mais) que foi dado conhecimento ao arguido “de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”.

Ora, a arguida/recorrente não fez tal requerimento (entregue ou remetido via postal à secretaria do Tribunal “a quo”) comunicando outra morada que não a do TIR. Pelo contrário, numa informação dirigida à GNR, indicou uma morada como sendo a sua e que veio a verificar-se ser a de um escritório de advogados (cfr. fls. 184 dos autos). A alegação da arguida, de que indicou uma outra morada para ser notificada, tal como exigia o n.º 3 do art. 196º do CPP, não tem assim qualquer razão de ser.

Deste modo, verifica-se que a notificação (da audiência de julgamento) feita para a morada indicada pela arguida, constante do TIR, não pode deixar de se considerar uma notificação regular, pelo que, e usando a linguagem do art. 333º, 1 do CPP, a arguida foi “regularmente notificada”para a audiência.

Por outro lado, aberta a audiência foi proferido despacho no sentido de a mesma poder começar sem a presença da arguida, tendo em conta a posição do MP, não ser a falta da arguida motivo de adiamento da audiência, ter a mesma prestado TIR (com informação das obrigações a que ficava sujeita e consequências do respectivo incumprimento) e não se reputar a sua presença indispensável à descoberta da verdade – cfr. Acta de fls. 332.
Foi designado novo dia para a audiência a fim de a arguida prestar declarações, tendo sido feitas todas as diligências possíveis (incluindo a emissão de mandados de detenção e condução ao tribunal) para assegurar a sua presença em julgamento, o que não aconteceu. Verificando-se que a arguida não se encontrava presente, fez-se constar tal facto da acta, nada tendo sido requerido (nomeadamente pela sua defensora) - cfr Acta de fls. 348 : “Iniciada a audiência à hora designada para o efeito, todos os presentes foram notificados do teor da certidão negativa junta aos autos a fls. 344, tendo dito nada terem a requerer”.

Verifica-se assim que foram cumpridas todas as formalidades legais que permitem a realização do julgamento na ausência do arguido, nos termos previstos no artigo 333º do CPP, não tendo sido cometida a nulidade insanável prevista no art. 119º, c) do CPP, pelo que se impõe negar provimento ao recurso.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela arguida, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 13/11/2013
Élia São Pedro
Donas Botto

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/7ab528615accea9e80257c2f0059f008?OpenDocument

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR NOTA DE CULPA FACTOS NOVOS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 11.11.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
884/12.0TTPNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
FACTOS NOVOS

Nº do Documento: RP20131111884/12.0TTPNF-A.P1
Data do Acordão: 11-11-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I – A arguição das nulidades da sentença em matéria laboral deve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente.
II – Inexiste impedimento legal a que a entidade empregadora envie ao trabalhador/arguido uma nova nota de culpa no decurso do procedimento disciplinar, seja por novos factos, seja para rectificação ou complemento da anterior, desde que seja assegurado o direito de defesa a cada um das notas de culpa.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 884/12.0TTPNF-A.P1 Reg.321
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. Paula Maria Roberto
Recorrente: B…
Recorrida: C…

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
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I – RELATÓRIO
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1.
B… intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C…, opondo-se ao seu despedimento.
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2.
Frustrada a conciliação empreendida na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, tendo o Autor respondido ao alegado articulado e deduzido reconvenção, à qual a Ré apresentou resposta.
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3.
Realizou-se Audiência Preliminar, onde mais uma vez não foi possível conciliar as partes.
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4.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram conhecidas as seguintes matérias em discussão:
a) - Da nulidade por ininteligibilidade do processo disciplinar, cuja foi julgada improcedente.
b) Da caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
c) Da caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
d) Da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença.
e) Da fraude à lei que o Trabalhador alega nos artigos 52º a 58º da sua contestação, cuja foi julgada improcedente.
f) Da falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12/10/2011, cuja nulidade foi julgada improcedente.
g) Da nulidade por preterição de diligência essencial à descoberta da verdade, cuja nulidade foi julgada improcedente.
h) Da invalidade da decisão de despedimento por omissão de pronúncia, cuja foi julgada improcedente.
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5.
Inconformado com estas decisões dela recorreu o Autor, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª O douto despacho saneador em crise para decidir da inteligibilidade do(s) “PD(s)” considerou como fundamento de facto entre outros a existência de deliberações de instauração de PDs e decisão do Conselho de Administração da Ré, respectivo teor e data, quanto a cada um dos PDs;
2.ª O mesmo despacho saneador selecciona para a base instrutória os factos capazes de corporizar a existência, teor e data dessas mesmas deliberações;
3.ª O mesmo acontece quanto à questão de saber qual natureza/finalidade, data, etc., dos documentos anteriores aos termos de abertura dos “PDs” que na fundamentação do despacho que os considera inteligíveis surgem adquiridas, para mais à frente, no que concerne à apreciação e decisão de outras questões de mérito, serem quesitadas;
4.ª Os pressupostos da decisão de mérito acerca da inteligibilidade dos PDs não estão adquiridos nos autos pelo contrário estão controvertidos;
5.ª Não pode o Tribunal Recorrido fundar a decisão da inteligibilidade do(s) PD(s) na enumeração de factos que considera assentes, para mais à frente os considerar controvertidos, sob pena de possibilitar decisões contraditórias;
6.ª Veja-se que, a manter-se o actual estado de coisas e se a prova a produzir em julgamento conduzir à não prova dos factos simultaneamente quesitados e pressupostos da decisão da inteligibilidade, o Apelante ficará confrontado com um primeiro despacho que decidiu que o mesmo compreendeu, ou tinha a obrigação de compreender algo que, na hipótese levantada, não existe e que actualmente está controvertido;
7.ª Incorre assim o despacho recorrido nesta parte na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. c) do C.P.C., que aqui se deixa arguida para os devidos e legais efeitos;
Sem prescindir,
8.ª Como resulta dos autos o Tribunal não logrou discernir, na presença do(s) “PD(s)” e com a posição das partes definida nos autos a existência dos factos àqueles referentes que quesita designadamente nos itens 1.º a 11.º da B.I.;
9.º Em face do exposto é manifesto que o A./Apelante, num momento anterior, nos 10 dias que teve para procurar advogado, aconselhar-se, constituir mandatário, consultar o processo (que a ser um tem mais de quinhentas páginas) e responder à nota de culpa e sucessivos não conseguiu percepcionar os mesmos factos;
10.º Ou seja, o Trabalhador não conseguiu saber se existiu deliberação do Conselho de Administração da Ré, ou de outro órgão qualquer, em que sentido, designadamente de instaurar, ou mandar instaurar processo disciplinar sua data, a sua legitimidade, o que são os papéis que estão antes dos termos de abertura, etc.;
11.º São pressupostos da própria inteligibilidade natural mínima do processo disciplinar que o trabalhador, aquando da consulta do PD, possa saber designadamente quando o mesmo se iniciou, porquê e por quem, a fim de poder pelo menos avaliar das questões fundamentais de defesa, como sejam a caducidade do direito de acção disciplinar, a legitimidade de quem o promove e a amplitude dos factos pelos quais o PD é instaurado;
12.ª Razão pela qual o(s) PD(s), no caso corrente, é ininteligível;
13.ª O que se afere do próprio teor dos documentos juntos aos autos e por isso devia ter sido decidido já no despacho saneador;
14.ª O Tribunal recorrido ao decidir nos termos em que decidiu violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P.;
15.ª O Apelante fundou porém a nulidade da ininteligibilidade do(s) PD(s), noutros factos a saber: a existência de papéis no(s) PD(s) que não datados, assinados, dos quais não se retira designadamente a autoria, existência de documentos que parecem ser comunicações por e-mail entre interlocutores não identificados cujas condições de publicidade não parecem garantidas ou demonstradas, a existência de mapas informáticos sem qualquer legenda, referenciação, ou explicação, existência de várias duplicações de documentos, sobre o critério de numeração do(s) PD(s), se se trata de um só PD ou vários e neste caso quando e se foram apensados e por tudo da própria organização e sistemática do(s) PD(s);
16.ª Sobre as ditas questões não incidiu decisão do Tribunal, ou quando assim não se entenda, o que se equaciona por mera cautela de patrocínio, a ter existido decisão a mesma não se encontra fundamentada de facto e de Direito;
17.ª Pelo que o despacho em crise incorre na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. d), ou na al. b) subsidiariamente, que aqui se deixa alegada para os devidos e legais efeitos;
18.ª Sendo que para o caso das nulidades supra arguidas não procederem o que não se concede, nem se concebe, então, tal como supra se expôs o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P., ao considerar que o(s) “PD(s)” são inteligíveis, tanto mais que laborou em grosseiro erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova e pressuposto da decisão.;
Acresce ainda que,
19.ª Na réplica a Apelada juntou documentos que são supostamente a concretização de uma diligência de instrução requerida pelo Trabalhador e que não constavam do(s) PD(s) juntos aos autos, nem respeitam a sua (des)organização;
20.ª O Apelante impugnou os documentos e reiterou a ininteligibilidade já alegada, que a não ser conhecida pelo Tribunal, permitiria a posterior e insindicável inserção de documentos no(s) PD(s);
21.ª O Tribunal recorrido suprindo a falta de requerimento de prova da Ré acerca da genuinidade dos documentos que integram os supostos PD(s), matéria da sua responsabilidade probatória e cujo prazo tinha já esgotado, ordenou a junção aos mesmos dos dois processos disciplinares;
22.ª Sucede porém que, apesar disso, sem os originais juntos aos autos e sem puder verificar a sua conformidade/completude com o(s)PD(s) juntos aos autos, o Tribunal decidiu a inteligibilidade arguida na contestação;
23.ª Praticou assim o Tribunal dois actos que a Lei não admite com manifesta influência no exame e decisão da causa, o primeiro a ordem para junção aos autos do original dos “PDs”, o segundo a decisão sobre a inteligibilidade dos mesmos sem se ter produzido prova sobre a genuinidade dos documentos que os compõem – cfr. art.ºs 668.º n.º al. c) e d), e subsidiariamente art.º 201.º do C.P.C. – nulidade que aqui se deixa também alegada para os devidos e legais efeitos;
Sem prescindir ainda:
CADUCIDADE E FRAUDE À LEI
24.ª A Apelada replicou no processo propósito da caducidade que o Apelante oportunamente alegou, que quem conduziu a investigação que resultou na elaboração dos relatórios de averiguações que contém os factos imputados ao Apelante não tem poderes disciplinares e fez a investigação fora daquilo que se pode considerar um inquérito prévio, ou mesmo a instrução de um PD, embora conste dos documentos que diz comporem o último;
25.ª O Apelante, por cautela de patrocínio, e para a possibilidade de não lograr demonstrar os poderes disciplinares da Direcção da Ré que realizou a investigação, ou demonstrar que esta é um inquérito prévio, veio subsidiariamente suscitar que então a Ré fez assim tramitar o(s) “PD(s)” para que não se apliquem os prazos de caducidade (para se furtar ao cumprimento das normas imperativas reguladoras da caducidade) do exercício da acção disciplinar, 60 dias após o conhecimento dos factos e 30 dias após o fim do inquérito prévio;
26.ª Os factos em causa são os alegados nos art.ºs 21.º a 58.º da contestação que foram levados aos itens 43.º a 47.º da B.I.
27.ª A alegação, sucinta é verdade, do Apelante a propósito da fraude à Lei, tem de ser sistematicamente interpretada na contestação, muito concretamente com a questão da caducidade anteriormente suscitada e na sequência da qual surge;
28.ª Se assim se interpretar a fraude à Lei invocada, o que corresponde ao que se escreve na contestação, não há insuficiência factual na questão suscitada;
29.ª É que se a tese da Apelada é a de que os prazos de caducidade não decorreram porque designadamente a Direcção de Auditoria e Inspecção não tem competência disciplinar dentro da Ré e por isso o seu conhecimento dos factos não releva para efeitos de caducidade, nem esta direcção, nas investigações que realizou, conduziu inquérito prévio, nem instrução do(s) PD(s), o que alega também para afastar a caducidade do direito de expedir a nota de culpa, então tem o Tribunal de decidir, na eventualidade da prova da respectiva tese, se a função designadamente daquela direcção não é, pela respectiva actuação, garantir à Ré na acção a tramitação do PD fora das respectivas normas, concretamente derrogando os prazos de caducidade imperativamente previstos no C.T.;
30.ª O douto despacho recorrido ao julgar improcedente a questão da fraude à Lei por falta de fundamento factual, fez incorrecta interpretação da Lei e do Direito designadamente dos art.ºs 352.º, 329.º do C.T., 330.º do C.C. e incorrecta/ incompleta interpretação da contestação do Apelante, razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro que relegue o respectivo conhecimento para a sentença;
31.º Sem prejuízo do que vem dito a verificação no caso concreto da fraude à Lei não deve ficar exclusivamente dependente da alegação de facto e de Direito pelas partes, antes deve ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal, como causa de nulidade que é; e 32.ª Se o entendimento do Tribunal a quo é diverso, isto é, que carece de concretização factual a dita fraude à Lei, então, nos termos dos art.º 508.º do C.P.C. e 27.º, al. b) do C.P.T. deveria ter lançado mão do poder/dever de convidar o Apelante a concretizar a sua alegação;
33.ª O que não fez, omitindo a prática de despacho de convite ao aperfeiçoamento antes de decidir de mérito e definitivamente a questão, acto que a Lei prescreve e que tem manifesta influência no exame e decisão na causa, desde logo porque a questão foi indeferida exactamente pela falta dos factos que de outra forma poderiam estar no processo, pelo que cometeu a nulidade prevista no art.º 201.º n.º 1 do C.P.C., que subsidiariamente se deixa aqui alegada para todos os efeitos;
Sem prescindir
FALTA DE COMUNICAÇÃO DA INTENÇÃO DE DESPEDIMENTO JUNTA À NOTA DE CULPA DE 12/10/2011
34.ª Considera o Tribunal a quo, no douto despacho recorrido que a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar;
35.ª Não estando igualmente impedida de fazer uma única decisão quanto aos dois processos disciplinares;
36.ª A questão suscitada pelo trabalhador e, por isso, sujeita a apreciação, tal como aquele a formulou é: saber qual a consequência da não comunicação ao A. da intenção de proceder ao seu despedimento na nota de culpa de 12/10/2012;
37.ª Ou seja, decidir qual a consequência da falta de comunicação da intenção de despedimento ao trabalhador, facto assente, numa das três notas de culpa cujos factos conjunta e indistintamente com outros fundamentam a final o despedimento;
38.ª Ora, o Tribunal recorrido não se pronunciou manifestamente sobre a questão suscitada, embora indefira a nulidade consequentemente arguida;
39.ª Salvo melhor opinião em contrário o despacho em crise incorreu por isso na nulidade prevista no art.º 668.º n.º 1 al. d) do C.P.C., que aqui se alega para os devidos e legais efeitos, ou pelo menos preteriu completamente a fundamentação de facto e de direito da decisão, o que gera a nulidade que subsidiariamente se alega da al. b) do mesmo artigo e número;
40.ª Tendo sido omitida decisão a mesma deve ser tomada por constarem no processo todos os elementos a isso necessários;
41.ª Com efeito, conforme resulta da resposta á nota de culpa notificada sem intenção de despedimento o Apelante confessou inúmeros factos que vieram a fundar o seu despedimento, circunstância que com toda a probabilidade iria ponderar se soubesse disso mesmo;
42.ª Acresce que o trabalhador nunca teve a oportunidade de se pronunciar sobre a susceptibilidade daqueles factos, isolada ou conjuntamente com outros, poderem conduzir à aplicação da sanção de despedimento, havendo pois preterição do respectivo direito de defesa;
43.ª Por fim diga-se que como decorre da própria natureza das coisas o trabalhador que se depara com uma nota de culpa com intenção de despedimento tem a possibilidade de oferecer argumentos factuais e jurídicos de defesa, requerendo a respectiva prova, diversos daqueles que tem numa nota de culpa sem intenção de despedimento; aliás, a própria postura do trabalhador há-de ser necessariamente diferente perante dois processos disciplinares com objectivos diferentes;
44.ª A comunicação da nota de culpa com expressa menção “sem intenção de despedimento”, teve inequívoca influência no exercício do direito de defesa do trabalhador, parcialmente preterido e realizado com base naquele pressuposto posteriormente alterado, o que impõe que se conclua pela invalidade e ilicitude do despedimento, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 382.º do C.T.;
45.ª Por cautela de patrocínio e para o caso da nulidade supra arguida não proceder o que não se concede, nem se concebe, então, tal como supra se expôs o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss., 382.º do C.T. e art.º 53.º da C.R.P.;
Sem prescindir por fim
NULIDADE: PRETERIÇÃO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA ESSENCIAL NO PD
46.ª o Apelado vem acusado de ter utilizado, em 10.03.2011, entre as 13H04M44S e as 13H07M05S, as credenciais do Gerente para, sem autorização deste e à sua revelia, levar a efeito os 6 movimentos de compensação, sendo certo que, na tese da Apelada esses mesmos factos foram do conhecimento do gerente do balcão escassos dias após, quando confrontado pela cliente com o pagamento do cheque;
47.ª Na resposta à nota de culpa requereu ao Ex.mo Sr. Dr. Instrutor do processo se dignasse oficiar junto dos serviços informáticos da Arguente se e quando, por referência à data e hora, o Gerente D… procedeu à alteração das respectivas credenciais desde Janeiro de 2011 e até Dezembro do mesmo ano;
48.ª A diligência requerida a mesma não se destina, nem se vislumbra como se a possa destinar, a demonstrar uma qualquer causa de exclusão de ilicitude nos factos concretamente imputados ao Apelante, mas antes visa apurar a autoria, ou a co-autoria dos factos;
49.ª É que o Gerente que supostamente não fez os movimentos em causa, não os autorizou e não teve deles contemporâneo conhecimento, deveria na respectiva tese, aquando da reclamação da cliente, ter alterado as credenciais;
50.ª Saber se o gerente mudou, ou não, as credências é assim fundamental para se obter um dos poucos indícios e meios de prova com relevância para a decisão da causa, já que, não consta que alguém venha aos autos relatar, mais do que aquilo que está no(s) “PD(s)”.
51.ª Ao decidir pela não essencialidade da diligência requerida pelo Apelante no PD o douto despacho em crise fez incorrecta aplicação da Lei e do Direito, designadamente do disposto nos art.ºs 355.º, 356.º e 381.º al. c) do C.T., pelo que deve ser revogado por um que conheça da sua não realização e respectiva consequência;
52.ª Por tudo quanto se expôs o douto despacho recorrido, é parcialmente nulo, ou ainda que assim não se entenda, fez incorrecta aplicação da Lei e do Direito pelo que deve ser revogado.
◊◊◊
6.
A Ré apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
A- Não tendo dado cumprimento – como não deu – ao disposto no artº 77º, nº 1 do CPT, as nulidades constantes das Conclusões 1ª a 7ª; 8ª a 17ª; 19ª a 23ª; 24ª a 33ª e 34ª a 39ª, têm que ser julgadas improcedentes por suscitadas extemporaneamente.
B- Das diferentes decisões de que o douto despacho saneador trata apenas pode ser objecto de recurso imediato a matéria contida nas Conclusões 24ª a 33ª.
Mas,
C- Mesmo nesta matéria, o recurso deverá ser julgado improcedente.
D- Pois, nada obsta a que uma entidade bancária esteja organizada de tal modo que a sua Direcção de Auditoria e Inspecção – que não tem poder disciplinar – averigue os factos antes de os mesmos irem ao conhecimento do CA.
E- Sendo certo que só o conhecimento dos factos pelo CA faz desencadear o prazo em que o procedimento disciplinar, pelos factos da responsabilidade dos trabalhadores da instituição, poderá ser exercido.
◊◊◊
7.
A Exª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso quanto às questões relacionadas com a caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311, com a caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação, da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311, cujo conhecimento foi relegado para a sentença; da intempestividade da arguição das nulidades da sentença e da improcedência das nulidades a que se refere o artigo 201º, nº 1 do CPC.
◊◊◊
8.
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
◊◊◊
◊◊◊
II – QUESTÕES A DECIDIR
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a apreciar são as seguintes:
- Da inadmissibilidade de algumas matérias que foram objecto de recurso;
- Das nulidades da sentença e da sua eventual arguição intempestiva (conclusões 7ª, 17ª, 23ª e 39ª);
- Das nulidades a que se refere o artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil (conclusões 23ª e 33ª) – caso o recurso seja admissível;
- Erro de julgamento.
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◊◊◊
III – FUNDAMENTOS
◊◊◊
1.
FACTOS PROVADOS:
Os já referidos no relatório antecedente.
◊◊◊
2.
DO MÉRITO
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2.1.
DA INADMISSIBILIDADE DE ALGUMAS MATÉRIAS QUE FORAM OBJECTO DE RECURSO

2.1.1.
O recorrente recorre de várias questões que foram “ apreciadas” no despacho saneador.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 79º-A do Código de Processo do Trabalho, cabe recurso de apelação da decisão do tribunal da 1ª instância que ponha termo ao processo.
O nº 2 deste normativo elenca as outras situações em que também cabe recurso de apelação.
Já o nº 3 dispõe que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Não estando em causa decisão que ponha termo ao processo, haverá que indagar se a situação em apreço está abrangida por algum dos casos elencados no nº 2 do artigo 79º-A do CPT.
De acordo com este normativo, cabe ainda recurso de apelação nas seguintes decisões:
a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;
b) Da decisão que aprecie a competência do tribunal;
c) Da decisão que ordene a suspensão da instância;
d) Dos despachos que excluam alguma parte do processo ou constituam, quanto a ela, decisão final, bem como da decisão final proferida nos incidentes de intervenção de terceiro e de habilitação;
e) Da decisão prevista na alínea a) do n.º 3 do artigo 98.º -J;
f) Do despacho que, nos termos do n.º 2 do artigo 115.º, recuse a homologação do acordo;
g) Dos despachos proferidos depois da decisão final;
h) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;
i) Nos casos previstos nas alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil e nos demais casos expressamente previstos na lei.

2.1.2.
Facilmente se constata que não estamos perante qualquer situação que seja abarcada pelas alíneas a) a h). Resta, pois, a alínea i) que nos remete alíneas c), d), e), h), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 691.º do Código de Processo Civil, ou seja:
c) Decisão que aplique multa;
d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária;
e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;
h) Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa;
i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova;
j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo;
l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento;

Para o que aqui interessa devemos atender à alínea h), pois as restantes situações estão manifestamente fora do campo de aplicação.
Ora, de acordo com a alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, cabe recurso do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa.
Nestes casos, o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias (artigo 80º, nº 2 do CPT), subindo em separado (artigo 83º-A, nº 2 do CPT) e com efeito devolutivo (artigo 83º, nº 1 do CPT).
Nos restantes casos, como já referimos, as decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (artigo 79º-A, nº 3 do CPT).

2.1.3.
A Exª Sr.ª Procuradora-geral Adjunta invoca, para sustentar a inadmissibilidade do recurso, no que concerne a algumas questões trazidas à colação pelo recorrente, o artigo 510º, nº 4 do CPC que dispõe que “não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão da matéria que lhe cumpra conhecer”.
Efectivamente no despacho saneador a Mª Juiz a quo relegou para a sentença, por falta de elementos, as seguintes questões:
- Da caducidade do direito de exercer a acção disciplinar no âmbito do processo disciplinar nº 311;
- Da caducidade do procedimento disciplinar nº 311 suscitada pelo trabalhador nos artigos 33º a 40º e 41º a 47º da sua contestação;
- Da caducidade e prescrição do procedimento disciplinar relativamente aos factos constantes da nota de culpa adicional do processo nº 311.
Porém, apesar de o recorrente no requerimento de interposição do presente recurso, ter utilizado uma forma generalista ao dizer que “Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho saneador proferido a fls. …, que decidiu várias questões de mérito suscitadas na contestação do Recorrente, Autor na acção”, não vislumbramos que, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, a essas questões se refira.

2.1.4.
Voltando à alínea h) do nº 2 do artigo 691º do Código de Processo Civil, a pergunta que nos cabe fazer é a seguinte: Quando é que o despacho saneador, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa?
Segundo António Santos Abrantes Geraldes[1] “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre “o mérito da causa” quando (…) aprecia, no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade e a prescrição, a compensação, a nulidade ou anulabilidade” ou, “ quando nele se julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados”[2].
De acordo com o nº 3 do artigo 493º do Código de Processo Civil, as excepções peremptórias são aquelas que “importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.”

2.1.5.
Ora, acontece que no despacho saneador, salvo o devido respeito, não foi conhecida qualquer excepção peremptória.
Isto porque, quer a nulidade por ininteligibilidade do processo disciplinar, quer a fraude à lei que o Trabalhador alega nos artigos 52º a 58º da sua contestação, quer a falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12/10/2011, quer a nulidade por preterição de diligência essencial à descoberta da verdade e, por fim, quer a invalidade da decisão de despedimento por omissão de pronúncia, não constituem qualquer excepção peremptória sob o ponto de vista processual (cfr. artigo 493º, nº 3 do CPC), uma vez que não consubstanciam matéria que impeça, modifique ou extinga o efeito jurídico pretendido pelo Autor, embora, possam, em certas situações, constituir fundamento do pedido do Autor, ou seja, da acção, consubstanciando, nessa parte e nessa medida, o despacho saneador, conhecimento parcial do mérito da acção.

2.1.6.
Questão diferente é a parte do recurso referente às invocadas nulidades processuais previstas no nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil (conclusão 23ª – pelo facto de o Tribunal ter conhecido da ininteligibilidade do processo disciplinar sem ordenar a junção aos autos dos originais dos processos disciplinares – e 33ª – na medida em que o Tribunal não convidou o Autor a aperfeiçoar os articulados, o que era obrigado a fazer, se entendia que a questão da caducidade do procedimento disciplinar e da fraude à lei não estava suficientemente fundamentada de facto).
Ora, estas questões são decisões interlocutórias com impugnação diferida[3], ou seja, deverão ser impugnadas com o recurso interposto da decisão final.

2.1.7.
O mesmo se diga quanto à chamada “PRETERIÇÃO DE DILIGÊNCIA PROBATÓRIA ESSENCIAL NO PD”, que não entram no elenco das decisões recorríveis nesta fase processual.

2.1.8.
Alega ainda o recorrente que para o caso das nulidades arguidas não procederem então o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 353.º, 355.º e art.ºs ss. do C.T. e art.º 53.º da C.R.P., ao considerar que o(s) “PD(s)” são inteligíveis, tanto mais que laborou em grosseiro erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova e pressuposto da decisão.
Ora, acontece que esta decisão não conhece do mérito da causa, como o próprio recorrente reconhece ao dizer que o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação dos documentos (“PDs”), meio de prova.
Se assim é, conforme refere a recorrida nas suas alegações, tal questão não cabe dentro do nº 1, nem dentro de qualquer das alíneas – mormente na alínea h) do nº 2 do artigo 691º do CPC.
Sendo assim, o recurso sobre a aludida matéria apenas poderá ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

2.1.9.
Por todo o exposto, quanto a estas questões o recurso é inadmissível, pelo que o recorrente será condenado nas custas do incidente.

2.2.
DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Alega o Recorrente que a sentença é nula por violação do artigo 668°, nº 1, al. b), c) e d) do Código de Processo Civil.
De acordo com o expresso no artigo 668º, nº 1 do CPC:
“ É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 659º”.

As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através do respectivo recurso. Porém as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, devem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho - expressa e separadamente (“a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”).
A referida norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer.
Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade”[4].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. nº 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[5].

Acontece, porém, que no caso em apreço, o recorrente não invocou as nulidades da sentença no requerimento de interposição de recurso, mas apenas na respetiva alegação e nas conclusões. Por conseguinte, reconhecendo a razão à recorrida e à Exa. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta ao levantarem essa questão, uma vez que o procedimento utilizado pela autor/apelante, para a arguição das nulidades da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, não se conhecerá das mencionadas nulidades, uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.

2.3.
Alega o recorrente que o despacho recorrido ao julgar improcedente a questão da fraude à Lei por falta de fundamento factual, fez incorrecta interpretação da Lei e do Direito designadamente dos artigos 352.º, 329.º do C.T., 330.º do C.C. e incorrecta/ incompleta interpretação da contestação do Apelante, razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro que relegue o respectivo conhecimento para a sentença.
O recorrente fundamento a fraude à lei no modo de actuação da Recorrida-fazendo tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar.

Sobre esta questão o despacho recorrido exarou o seguinte:
“O Trabalhador, no artigo 57º da sua contestação, alega que a Empregadora fez tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulamentam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar, visando com isso, em manifesta fraude à lei, aproveitar prazos maiores para o início, exercício, condução e decisão da acção disciplinar. Tal fraude à lei cometida pela Empregadora determina a nulidade de todo o processo disciplinar.
Na resposta, a Empregadora pugnou pela improcedência de tal nulidade, alegando que o que se verificou foi o desenvolvimento normal das funcionalidades das diversas unidades operacionais da empresa. Com efeito, na C…, a Direcção de Auditoria e Inspecção, no exercício das suas competências funcionais e orgânicas, perante um problema que surge e que, por qualquer razão, tenha a aparência de “anormal”, leva a efeito as averiguações que entende ao esclarecimento da verdade – em matéria tanto de ordem que à primeira vista possa configurar matéria disciplinar, mas não só: podem estar em causa apenas questões de ordem organizacional ou administrativa – do que dá conhecimento ao Conselho de Administração.
Este, perante os factos, se entende que os mesmos revestem carácter disciplinar, então é que aprecia e delibera actuar disciplinarmente. Até esse momento, não está em causa o exercício do poder disciplinar: este apenas é detido pelo Conselho de Administração que decide exercê-lo ou não conforme os casos.
As averiguações levadas a efeito pela Direcção de Auditoria e Inspecção não consubstanciam qualquer inquérito prévio, nos termos e no âmbito que o Contrato de Trabalho, no seu artº 352º prevê: o inquérito prévio a que se refere este artigo só pode ser ordenado por quem detém o poder disciplinar.
Ora, a respeito de tal nulidade, cumpre referir que entendemos ser a mesma manifestamente improcedente. Com efeito, o Trabalhador, para a fundamentar, limita-se a fazer considerações meramente conclusivas, considerando que a Empregadora fez tramitar a investigação disciplinar fora das normas que regulamentam o inquérito prévio e o procedimento disciplinar, visando com isso, em manifesta fraude à lei, aproveitar prazos maiores para o início, exercício, condução e decisão da acção disciplinar. No entanto, nenhum facto alega capaz de sustentar tal conclusão, sendo que nos artigos antecedentes da sua contestação, alegou factos para fundamentar outras excepções.
Pelo exposto, julgo improcedente a invocada nulidade do processo disciplinar por fraude à lei.”

Esta questão está umbilicalmente ligada à questão de saber se sobre o Tribunal a quo existia o dever de convidar o autor a aperfeiçoar o seu articulado, nos termos do artigo 27º, alínea b) do CPT- matéria que não cabe, como já se referiu, conhecer nesta fase.
Conforme se salienta no Acórdão do STJ de 20/10/2009 «[o] legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (cf. o artigo 21.º do Código Civil ao dispor que “na aplicação das normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”) - cf., Prof. Rui de Alarcão – “Breve motivação do anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial.” – BMJ – 138-120.
Trata-se de impedir a utilização da norma de conflitos com o fim de iludir a lei imperativa aplicável (Fernandez Rozas e Sixto Lorenzo – “Derecho Internacional Privado”, 3.ª ed., 135, Madrid 2004).
Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado.
Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.
Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.
Ensinava o Prof. Manuel de Andrade (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1992, II, 337) serem fraudulentos os actos que tenham por escopo “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que, por essa forma, pretendem burlar a lei.”
Nesta perspectiva, a fraude mais não é do que uma insidiosa violação da lei, a aferir, casuisticamente, aquando da interpretação do negócio jurídico, tal como acontece com a má fé ou com o abuso de direito.
O Prof. Menezes Cordeiro, reconhecendo a não autonomia jurídica da fraude à lei, reconduz a figura ao princípio geral de a proibição do resultado dever implicar a proibição dos meios indirectos para o alcançar, já que a mera proibição de um meio arrisca deixar aberta a porta a outros meios não proibidos para alcançar o fim. (in “Tratado de Direito Civil Português”, I – Parte Geral, Tomo I – “Introdução. Doutrina Geral. Negócio Jurídico”, 1999, 423 ss).
Adere-se à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss) ao explicar lapidarmente que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjectivo (intenção dos agentes) ou objectivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).
Mas não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o acto lícito em si não esteja ligado ao resultado proibido.
De aceitar esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjectivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objectivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, concepção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180 – desta Conferência, onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo concepção objectiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).”
Ora, cabia ao recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil alegar os respectivos factos consubstanciadores de tal fraude à lei e fazer a prova dos mesmos.
Acontece que, conforme é referido no despacho recorrido, o recorrente apenas alegou generalidades e conclusões, sem alegar concretamente qualquer facto.
Por outro lado, não basta vir agora dizer que afinal a questão da fraude a lei tem de ser sistematicamente interpretada na contestação, muito concretamente com a questão da caducidade anteriormente suscitada e na sequência da qual surge, razão pela qual não há insuficiência factual.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos em que é que a questão da caducidade do exercício da acção disciplinar pode preencher a lacuna da ausência de factos. Se é verdade que a fraude à lei pode levar eventualmente àquela, isso não implica que para a existência desta não tenham de se invocar os respectivos factos.
Mas seguindo o raciocínio do recorrente, então, a questão da fraude à lei pouco ou nada vai adiantar, já que na sua tese, estando os factos integradores desta alegados na questão da caducidade e tendo o conhecimento desta sido relegado para a sentença, então, o mesmo, terá ainda oportunidade de comprovar e provar a sua razão, que ao fim e ao cabo, é o sucesso da procedência da caducidade.
Por outro lado, tendo em atenção que estamos no sector bancário que dada a sua especialidade está sujeito, ou pelo menos deveria estar, a regras muito apertadas de controlo. Aliás só assim se compreende que o artigo 73º do DL 298/92 de 31/12[6] disponha que “[a]s instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”
Sendo certo que «[o]s administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.»
Daí que seja legítimo e até crucial que as respectivas instituições bancárias se dotem de um corpo de auditores e de inspectores de forma a assegurarem que todos queles princípios e deveres estão a ser cumpridos.
Todavia deveremos ter em atenção que «[a] investigação efectuada por iniciativa do Departamento de Auditoria e Inspecção da ré para o apuramento do comportamento da trabalhadora e o subsequente relatório não podem considerar-se um procedimento prévio de inquérito, já que só o Conselho de Administração da ré, que é o órgão com competência disciplinar, é que podia ordenar a instauração daquele procedimento.»[7]
Posição esta que a própria recorrida defende, conforme se extrai das suas alegações, pelo que, logo por aqui, verificamos que esta questão não tem pressupostos que a suportem, assim improcedendo.

2.4.
Alega ainda o recorrente que a comunicação da nota de culpa com expressa menção “sem intenção de despedimento”, teve inequívoca influência no exercício do direito de defesa do trabalhador, parcialmente preterido e realizado com base naquele pressuposto posteriormente alterado, o que impõe que se conclua pela invalidade e ilicitude do despedimento, nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 382.º do C.T., tendo o Tribunal a quo violado ainda o disposto nos artigos 353.º, 355.º do mesmo normativo e 53.º da C.R.P.
Sobre esta questão o despacho recorrido referiu o seguinte:
“O Trabalhador, nos artigos 59º a 62º da sua contestação, alega que na nota de culpa que lhe foi notificada em 12/10/2012 não se comunicava a intenção de se proceder ao seu despedimento e foi nesse pressuposto que exerceu os seus direitos processuais e de defesa.
Sucede que nos factos provados que fundamentam a aplicação da sanção disciplinar de despedimento por justa causa figuram conjuntamente com outros os da primeira nota de culpa, o que faz enfermar todo o procedimento de invalidade insuprível, determinando a ilicitude do despedimento, designadamente face ao disposto na al. b) do nº2 e nº1 do art. 382º do Código do Trabalho.
Na resposta a Empregadora considera não assistir razão ao Trabalhador, porquanto no início e pelos factos de que então tinha conhecimento não era sua intenção proceder ao despedimento do Trabalhador.
Tal intenção só surgiu quando, em 10.11.2011, o Conselho de Administração tomou conhecimento do Relatório de Averiguações nº 113/2011, da DAI, de 14.11.2011 e, perante ele, deliberou mandar instaurar ao Trabalhador processo disciplinar, então já com intenção de despedimento – foi este Relatório que esteve na base do Processo Disciplinar nº 315 – NC de 23.11.2011.
Cumpre decidir.
Se é certo que a lei não prevê expressamente a possibilidade de a entidade empregadora lavrar uma nota de culpa adicional, a fim de imputar novos factos ao trabalhador, também é verdade que a lei não proíbe tal. Ou seja, embora o processo disciplinar esteja sujeito a determinado formalismo, a lei não prevê quaisquer preclusões de natureza processual e, sendo assim, a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar, seja para lhe imputar factos que não foram incluídos na primeira nota de culpa, nomeadamente por, então, não serem ainda do seu conhecimento, seja para precisar melhor os factos já incluídos. O mesmo se diga quanto à circunstância de haver uma única decisão final quanto aos dois processos disciplinares a correr em simultâneo contra o mesmo trabalhador e nos quais estava em causa uma intenção de despedimento.
O que é essencial é que o direito de defesa do trabalhador não seja preterido e que ele possa exercê-lo relativamente a cada uma das notas de culpa, como no caso em apreço realmente aconteceu.
Pelo exposto, e com tais fundamentos, julgo improcedente a nulidade de falta de comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa de 12.10.2011 invocada pelo Trabalhador”.

Diga-se desde já que perfilhamos o entendimento consagrado no despacho recorrido sobre esta matéria.
Na verdade, não se vislumbra que a lei laboral impeça a entidade empregadora de enviar ao trabalhador/arguido uma nova nota de culpa no decurso do procedimento disciplinar, seja por novos factos, seja para rectificar ou complementar a anterior.
Conforme se salienta no Acórdãos do STJ de 24-01-2007[8], “se é certo que o processo disciplinar de despedimento está sujeito a determinado formalismo, também é verdade que a lei não prevê quaisquer preclusões de natureza processual e, sendo assim, a entidade empregadora não está impedida de enviar mais do que uma nota de culpa ao trabalhador no decurso do mesmo processo disciplinar, seja para lhe imputar factos que não foram incluídos na primeira nota de culpa, nomeadamente por, então, não serem ainda do seu conhecimento, seja para precisar melhor os factos aí já incluídos.
Aliás, não faria sentido que assim não fosse, uma vez que a entidade empregadora sempre poderia iniciar um novo processo disciplinar contra o trabalhador com base naqueles outros factos (…).
O que é essencial é que o direito de defesa do trabalhador não seja preterido e que ele possa exercê-lo relativamente a cada uma das notas de culpa, como no caso em apreço realmente aconteceu”.
E o “pressuposto necessário para a reformulação ou o complemento da nota de culpa – seja para precisão dos factos imputados seja para imputação de novos factos que, entretanto, tenham vindo a ser conhecidos da entidade empregadora – é a existência de um procedimento disciplinar em curso e no qual não tenha ainda sido proferida e comunicada a respectiva decisão”[9].
E também nada impede que a entidade empregadora na nova nota de culpa, ao contrário do que acontecia com a primeira, entenda que os factos nela exarados constituam justa causa de despedimento e faça essa comunicação ao trabalhador. A alternativa, era como já dissemos, instaurar um novo processo disciplinar. Mas se o procedimento disciplinar ainda decorre e ainda não foi proferida, nem comunicada a decisão final, nada impede, que com o respeito pelo direito de defesa do trabalhador, o faça nesse mesmo procedimento disciplinar.
Improcede, assim, esta questão.
◊◊◊
Improcedem, assim, as conclusões de recurso.
◊◊◊
3.
Vencido é o Recorrente responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
◊◊◊
◊◊◊
IV. DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes que compõem a Secção Social da Relação do Porto em:
a) Não conhecer das nulidades do despacho recorrido por as mesmas terem sido arguidos intempestivamente;
b) Não admitir o recurso, por inadmissibilidade, excepto no que tange às questões relacionadas com a fraude à lei e falta de comunicação da intenção de despedimento e, em consequência, condenarem o recorrente no respectivo incidente, fixando-se em 2 UCs a taxa de justiça;
c) Julgar improcedente o recurso e em consequência manterem na íntegra o despacho recorrido;
d) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso.
◊◊◊
Notifique.
◊◊◊
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
◊◊◊
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
◊◊◊
Porto, 11 de Outubro de 2013
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
_______________
[1] Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, Almedina, 2010, p. 42.
[2] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª edição Revista e Actualizada, 2008, p. 185.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes, obr. cit. pp 46/47.
[4] v., por todos, Ac. desta Relação do Porto de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada.
[5] In www.tribunalconstitucional.pt
[6] Com alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 246/95, de 14 de setembro, 232/96, de 5 de dezembro, 222/99, de 22 de junho, 250/2000, de 13 de outubro, 285/2001, de 3 de novembro, 201/2002, de 26 de setembro, 319/2002, de 28 de dezembro, 252/2003, de 17 de outubro, 145/2006, de 31 de julho, 104/2007, de 3 de abril, 357-A/2007, de 31 de outubro, 1/2008, de 3 de janeiro, 126/2008, de 21 de julho e 211-A/2008, de 3 de novembro, pela Lei nº 28/2009, de 19 de junho, pelo Decreto-Lei nº 162/2009, de 20 de julho, pela Lei nº 94/2009, de 1 de setembro, pelos Decretos-Leis nºs 317/2009, de 30 de outubro, 52/2010, de 26 de maio e 71/2010, de 18 de junho, pela Lei nº 36/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei nº 140-A/2010, de 30 de dezembro, pela Lei nº 46/2011, de 24 de junho e pelos Decretos-Leis nºs 88/2011, de 20 de julho, 119/2011, de 26 de dezembro, 31-A/2012, de 10 de fevereiro, 242/2012, de 7 de novembro, pela Lei nº 64/2012, de 24 de dezembro e pelos Decretos-Leis nºs 18/2013, de 6 fevereiro e 63-A/2013, de 10 de maio).
[7] Acórdão desta secção social de 14/05/2012, processo nº 1625/08.1TTPRT.P1, in www.dgsi. pt., em que o aqui relator foi relator no mesmo e o aqui 1º adjunto também o foi.
[8] Processo nº 06S3854, in www.dgsi.pt.
[9] Acórdãos do STJ de 27/05/2010, Processo nº 467/06.3TTCBR.C1.S1., in www.dgsi.pt.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/c527d58cc369e6c880257c2a0059ae82?OpenDocument

terça-feira, 19 de novembro de 2013

GRAVAÇÃO ILÍCITA DIREITO À PALAVRA INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA CONTRATO DE SEGURO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 24.10.2013


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
102197/12.1YIPRT-A.L1-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: GRAVAÇÃO ILÍCITA
DIREITO À PALAVRA
INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA
CONTRATO DE SEGURO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 24-10-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: 1. Sendo admissível, em abstracto, a indicação de registos fonográficos como meio de prova, importará saber se eles consubstanciam abusiva intromissão na vida privada que torne ilícita a recolha desses registos.
2. Ainda que tal não ocorra, estando em causa uma comunicação telefónica destinada à adesão a um contrato de seguro, haverá que apurar se não estará configurada a ofensa do direito à palavra, constitucionalmente consagrado, através da gravação não autorizada das respostas/declarações do contactado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1
Banco “A”, S.A., antes denominado Banco ..., S.A., com os sinais dos autos, apresentou contra “B”, também com os sinais dos autos, requerimento de injunção, alegando que concedeu à Requerida um empréstimo, a ser pago em 59 prestações mensais, tendo ocorrido, a data altura, incumprimento por parte da mesma Requerida, razão por que veio (o Requerente) pedir o pagamento da importância de €4.949,00, acrescida de juros e imposto de selo, nos termos que aqui se têm por reproduzidos.
A Requerida deduziu oposição, alegando, além do mais, que o Requerente, do total contratualizado de €14.732,30), já se cobrou de € 12.153,99, pelo que o montante em falta se cifra apenas em €2.578,31 e, assim, deve o pedido improceder parcialmente.
Na data designada para a audiência de julgamento, foi dada a palavra à Exmª Mandatária do A. para se pronunciar quanto às excepções constantes da contestação, tendo o A. apresentado resposta por escrito.

Nos artigos 23º e 24º dessa resposta, o A. alegou o seguinte:
«23°
Importa antes de mais esclarecer que a R. - como muito bem sabe mas parece agora esquecer - no decurso da vigência do contrato dos autos aderiu ao "Seguro “A” Protecção Perda Total" da Companhia de Seguros “C”, motivo pelo qual o valor da prestação mensal - que passou a englobar o prémio do dito seguro – passou a elevar-se, a partir da 9ª prestação vencida em 30/12/2008, ao valor total de € 272,43 (vide doc.’s 5 e 6 que ao diante se juntam e que aqui se dão por reproduzidos).
24°
O seguro referido no anterior artigo foi anulado, nos termos das respectivas condições, em virtude da falta de pagamento dos respectivos prémios, em 27/04/2012, motivo pelo qual o A. reclama o pagamento das 20 prestações não pagas apenas pelo valor de € 249,70 cada uma».

Para além da restante prova oferecida (conforme resulta da acta da audiência de discussão e julgamento), o A. requereu a reprodução de um CD com a gravação da adesão da R. ao seguro de protecção total para prova do quesito 23º da resposta […] apresentada pela A..
Relativamente a este requerimento, a R. tomou a seguinte posição:
«A R. vem-se opor à junção da prova em suporte digital relativa a uma suposta adesão a um seguro de protecção total, em virtude de o respetivo conteúdo, a ser admitido nos presentes autos, constituir uma alteração da causa de pedir inadmissível nos termos do DL.269/98, de 1 de setembro.
Ademais, desconhece se a referida gravação foi autorizada pela oponente aquando da alegada gravação pela oponida».
A Exmª Juíza relegou a decisão sobre a admissão da requerida reprodução da gravação de conversa telefónica para momento ulterior, ordenando que, oportunamente, lhe fossem os autos conclusos.
Aberta conclusão, foi proferido despacho, no qual se concluiu o seguinte:
«No caso dos autos cumpre, pois, determinar se a gravação que a A. pretende reproduzir em julgamento é nula e inadmissível como meio de prova. por abusiva intromissão na vida privada, face à aplicação analógica ao processo civil do disposto, conjugadamente, nos Art°s 32°, n° 8, da nossa Constituição Política, e 12ó° do Código de Processo Penal, quanto a provas nulas pelo método como foram obtidas), ou se, pelo contrário, pode ser eventualmente valorada em sede de julgamento.
Admitindo-se que os registos fonográficos podem, em abstracto, ser meio de prova (vd. arts. 368° do Código Civil e 527° do Cod. Proc. Civil) só o poderão, todavia, ser em concreto, se for demonstrado o consentimento do outro interlocutor na sua obtenção, ou esta tiver sido determinada, na ponderação de outros valores ou interesses comunitariamente superiores segundo o princípio da proporcionalidade, pela autoridade pública competente e sempre sem afronta, nesse caso, sobretudo quanto à sua valoração, do respeito devido à dignidade humana.
Pelo exposto, constituindo abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, sendo nulos quanto à sua obtenção os respectivos registos fonográficos e, como tal, inadmissíveis como meio de prova, mesmo no processo civil, indefiro a reprodução do CD requerida pelo A.».

Inconformado com este despacho, dele recorreu o A., concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
(…)
*
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, a questão a dirimir, in casu, é a de saber se, diversamente do decidido, será de admitir a reprodução do CD oferecido como prova, quer porque o objecto da gravação não consubstancia uma intromissão na vida privada da Recorrida, quer porque, face à posição desta perante aquele meio de prova, se deve dar por verificada a autorização para a gravação.
2
Os elementos a considerar são os que se alinharam no ponto anterior.
A douta decisão recorrida estribou-se, primacialmente, no Ac. da Rel. do Porto (e não do Supremo Tribunal de Justiça, referenciado naturalmente por lapso) de 15-04-2010 (Rel. Teixeira Ribeiro), publicado em www.dgsi.pt, aresto no qual se faz extensa e aprofundada análise da problemática em discussão e cujo sumário é do seguinte teor:
«I – Não sendo o CPC tão claro como o C. Proc. Pen. (art. 126º) quanto à nulidade das provas e à sua inadmissibilidade no processo civil, hão-de, todavia, as suas normas conformar-se – tal como as demais de todo o nosso ordenamento jurídico – às normas e princípios constitucionais em vigor (art. 204º da CRP), particularmente, e no que agora releva, às dos arts. 26º, nº1 e 32º, nº8, da CRP.
II – Por isso, a disciplina normativa deste art. 32º, nº8, apesar de epigraficamente referenciada para o processo penal, tem aplicação analógica ao processo cível, sendo a interpretação por analogia possível devido a não ser excepcional a regra deste art., nem as suas razões justificativas (dimanadas dos direitos individualmente reconhecidos no art. 26º, nº1 da mesma Constituição) serem válidas apenas para o processo penal (art. 126º, nº3 do Cod. Proc. Pen.).
III – Constitui abusiva intromissão na vida privada a gravação de conversas ou contactos telefónicos, sem consentimento do outro interlocutor ou autorização judicial concedida pela forma prevista na lei processual, sendo nulos quanto à sua obtenção os respectivos registos fonográficos e, como tal, inadmissíveis como meio de prova, mesmo no processo civil».

Também no Ac. da Rel. de Guimarães de 16-02-2012 (Rel. José Rainho), publicado na mesma base de dados, se alinhou por idêntico diapasão, ao exarar-se, na fundamentação, além do mais, o seguinte:
«O art. 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada.
Por intimidade da vida privada entende-se o núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente, antes é reduzido (por opção pessoal ou por força das circunstâncias) à esfera circunscrita ou recatada de cada pessoa.
Cai neste âmbito a relação dialógica (conversação) telefónica estabelecida particularmente entre duas pessoas.
Nos termos do nº 8 do art. 32º da CRP, é nula - logo necessariamente ilícita e proibida - a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações. Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida pelas entidades públicas como pelas entidades particulares».

No art. 26º, nº1, da CRP, vem previsto:
«A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação».

E no art. 32º, nº8:
«São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Há ainda a considerar o estabelecido no art. 34º, nº1, também da CRP:
«O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis».

Concorda-se com o explanado nos acórdãos citados, mas importa referir que, naquele em que a decisão recorrida se baseou, estavam em causa conversas tidas no âmbito de relações interpessoais e familiares, de amizade e intimidade.
Ora, no caso que nos ocupa, do que se trata é de uma alegada proposta de aceitação de um contrato de seguro, feita pelo telefone, crendo-se, pois, que dificilmente estaremos aqui perante a reserva da intimidade da vida privada, ou seja, face àquele restrito núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente, antes é reduzido (por opção pessoal ou por força das circunstâncias) à esfera circunscrita ou recatada de cada pessoa (utilizando a formulação usada no mencionado Ac. da Rel. de Guimarães). Nem a R. o alegou, pois limitou-se a dizer, em primeiro lugar, que, a admitir-se a dita prova em suporte digital, tal constituiria uma alteração da causa de pedir, afirmando, em segundo lugar, desconhecer se a gravação foi por si autorizada, aquando da respectiva recolha.
Ainda que não se esteja perante ofensa à reserva da intimidade da vida privada, não pode olvidar-se o direito à palavra, a que (também) se refere o citado art. 26º, nº1, da CRP, que é «um direito paralelo ao direito à imagem e implica a proibição de escuta/e ou gravação de conversas privadas sem consentimento ou de qualquer deformação ou utilização «enviesada» (através da montagem, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos etc.), das palavras de uma pessoa» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 467).
O direito à palavra – acrescentam estes Autores in loc. cit. – «desdobra-se, assim, em três direitos: (a) direito à voz, como atributo da personalidade, sendo ilícito, sem consentimento da pessoa, registar e divulgar a sua voz (com ressalva, é claro, do lugar em que ela foi utilizada); (b) direito às «palavras ditas», que pretende garantir a autenticidade e o rigor da reprodução dos termos, expressões, metáforas escritas e ditas por uma pessoa; (c) direito a auditório, ou seja, a decidir o círculo de pessoas a quem é transmitida a palavra».
Defende Isabel Alexandre que a prova fonográfica [que é, consabidamente, em abstracto, admitida na lei – arts. 368º do C. Civil e 527º (agora, 428º), do CPC] será nula, por aplicação do critério do art. 32º, nº8 da CRP, quando a sua utilização em juízo implique uma abusiva lesão do direito à palavra do interessado (Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 277).
Ademais, importará não olvidar que, não havendo consentimento, constitui crime a gravação ou utilização de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público (art. 199º, nº1, do C. Penal).
Parece-nos, neste quadro, que, não estando, em princípio (confirmando-se que o objecto da gravação é aquele que se indica), em causa a reserva da intimidade da vida privada, importará, mesmo assim, saber se a R. deu autorização para a gravação do conteúdo das suas respostas/declarações relativamente à proposta que lhe terá sido feita, ou seja, se não houve uma recolha abusiva (sem a sua anuência) das palavras que haja proferido.
Discorda-se, com todo o respeito, da tese do A. quando defende que o Tribunal recorrido deveria ter considerado o disposto no art. 490º, nº3, do CPC, retirando da tomada de posição da Ré (a afirmação de que desconhece se deu autorização para a gravação) a conclusão de que essa autorização se verificou. Na verdade, a pronúncia da Ré, em audiência, não incidiu directamente sobre a alegação dos factos aduzidos pela contraparte na resposta, mas sobre os meios de prova apresentados naquele momento, havendo, por isso, que situar a impugnação (ou a falta dela) no âmbito, do exercício do contraditório quanto à admissão e ao valor probatório desses meios de prova (arts. 517º do CPC), não sendo de extravasar para o domínio da confissão prevista no nº3 do art. 490º do CPC, que se reporta à impugnação de factos articulados.
Entende-se, pelo exposto, que não se aplica ao caso o art. 490º, nº3, do CPC, não sendo de retirar da referida declaração da Ré a confissão da autorização para a gravação, sendo certo, ademais, que a Ré impugnou os docs. nºs 5 e 6, atinentes ao alegado no dito art. 23º da resposta (uma carta em que se que começa por felicitar a R. pela sua adesão ao produto “A” PPT e um certificado de adesão a esse seguro), dizendo o seguinte:
«Quanto aos documentos n°s 5 e 6 datados de 25 de janeiro de 2013 não foram remetidos à oponente, não foram assinados pela mesma e não se confundem com o seguro de vida a que se refere a cláusula 13a das condições gerais do contrato mútuo em apreço desde logo por ter um âmbito de cobertura diferente, pelo que a sua elaboração e alegado envio é extemporâneo porque posterior à data da celebração do contrato mútuo».
Entende-se que a forma de dilucidar a questão da existência da autorização para que se efectuasse a gravação será através da audição do início do CD. Assim se poderá aferir se, na realidade, se colheu a anuência da R. de modo a facultar-se a utilização do que viesse a ser por ela declarado relativamente à proposta que lhe era feita.
Diverge-se, pois, com todo o respeito, também do Tribunal recorrido ao dar como adquirido que não houve consentimento para a gravação, pois crê-se que subsiste a possibilidade, através da audição CD, pelo menos na parte inicial, de se demonstrar essa autorização.
Importa, no entanto, referir que essa diligência apenas deverá ter lugar se o Tribunal não entender rejeitar por outros motivos o meio de prova em apreço, já que, quando se pronunciou sobre a respectiva admissão, a R. começou por se opor à junção por razões diversas da problemática da autorização para a gravação. Ora, essas razões não foram apreciadas, certamente porque o Tribunal as teve por prejudicadas face ao entendimento que plasmou no despacho recorrido.
Por outro lado, há que ponderar que o Tribunal, ainda que constatada a existência de autorização para a gravação quanto à adesão à proposta de seguro, não estará impedido de suspender a respectiva reprodução se verificar que se entrou em domínio que extravasa a finalidade da mesma autorização e seja susceptível de ofender a reserva da vida privada da R..

Por tudo o que se deixou exposto, decide-se revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, se outras razões não ocorrerem para a rejeição do meio de prova em apreço (o mencionado CD), determine a respectiva audição para, nos descritos termos, em primeiro lugar, se verificar se houve autorização para a gravação, passando-se, depois, se for caso disso, à parte restante, com as consequências que daí possam resultar em termos probatórios e decisórios.

Custas conforme se fixar a final.

*
Sumário (da responsabilidade do relator)
(…)
*

Lisboa, 24-10-2013

Tibério Silva
Ezagüy Martins
Maria José Mouro

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