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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

LIBERDADE DE IMPRENSA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALISTA GRAVAÇÃO LÍCITA ACÇÃO DIRECTA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 12.12.2013


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1831/10.9TDLSB-9
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
JORNALISTA
GRAVAÇÃO LÍCITA
ACÇÃO DIRECTA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12-12-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO

Sumário: I - O crime de atentado à liberdade de informação, não constituindo crime de resultado, não pressupõe, para que se verifique a consumação do mesmo, a impossibilidade de publicação da entrevista, a criação de uma dificuldade acrescida para que possa ser levada a cabo certa entrevista e a sua publicação. Essas exigências não existem nos tipos legais em apreciação, pelo que se conclui ser inócuo para o preenchimento do tipo legal a circunstância de existir outro instrumentos de trabalho que permitiu a publicação da entrevista.”
II - De resto, pela simples literalidade do preceito incriminador se constata que o legislador fez uma clara opção pelo “necessários” e, caso entendesse que seria um gradativo mais exigente, tê-lo-ia dito utilizando o termo “imprescindíveis”.

III - Acresce para a elucidação deste aspecto que o Estatuto dos Jornalistas - Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro alterada pela Lei n.º 64/2007 de 6 de Novembro – nos eu art.º 10º n.º 2 utiliza exactamente a mesma expressão “necessários”.

IV - A definição de "materiais necessários ao exercício da actividade jornalística” há-de ser solucionada com base na prática da profissão – actividade jornalística – que reputa determinado material como meio técnico necessário ao seu exercício.

V - O exercício da acção directa mostra-se excluído à partida se a actuação dos jornalistas não constituir, naquele momento, qualquer facto punível - caso de entrevista concedida.

VI - E mesmo na perspectiva de a actuação dos jornalistas ser dirigida a uma utilização, futura, não autorizada da gravação ainda essa violação do direito à palavra não se mostra contemporânea com a actuação do arguido.


Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.

No processo comum n.º 1831/10.9TDLSB do 6º Juízo Criminal de Lisboa, o arguido R...foi condenado, como autor material, na forma consumada de um crime de atentado à liberdade de imprensa, previsto e punido, pelo art.º 33.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 2/99, de 13.01, alterada pela Lei 18/2003, de 11/06, em concurso aparente com o crime de atentado à liberdade de informação, p. e p. pelo art.º 19°, n.º 1 e 2, do Estatuto dos Jornalistas, Lei 1/99, de 01/01, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 45,00 (quarenta e cinco euros), num total de € 4950 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), de que se encontrava pronunciado.

Inconformado com a decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:

“1ª.

O Tribunal a quo condenou injusta e ilegalmente R...pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de atentado à liberdade de imprensa, p.p. pelo artigo 33º n.º 1 alínea c) da Lei de Imprensa, em concurso aparente com o crime de atentado à liberdade de informação, p.p. pelo artigo 19º n.º 1 e n.º 2 do Estatuto do Jornalista, na pena de cento e dez dias de multa, à taxa diária de € 45,00, num total de € 4.950,00, impondo-se a revogação da decisão recorrida, que está eivada de vícios, quer substantivos quer processuais.

2ª.

Do ponto de vista processual, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula, de acordo com o disposto no artigo 379º n.º 1 do CPP, sendo tal nulidade arguida no presente recurso, para nele ser conhecida, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

3ª.

A sentença recorrida é nula por insuficiente fundamentação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP, desde logo por omissão de exposição dos motivos e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo relativamente aos factos constantes dos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e da alínea e) da factualidade considerada não provada.

4ª.

Ao longo de seis páginas de fundamentação, em momento algum o Tribunal a quo faz referências a quaisquer meios de prova que sustentem a decisão proferida quanto a tais factos, limitando-se apenas a fundamentar a decisão pela qual considerou não provados os factos alegados na contestação apresentada pelo arguido, como se daí se pudesse extrair, por si só, a fundamentação para considerar provados os factos vertidos na pronúncia.

5ª.

Por outro lado, a fundamentação expendida na sentença para considerar não provados os factos alegados pela defesa do arguido não se alicerça em quaisquer meios de prova constantes dos autos e/ou produzidos em audiência mas tão só em “regras da experiência comum e juízos de normalidade” a que alude o Tribunal a quo, as quais, como se crê desnecessário evidenciar, são aplicáveis, nos termos do artigo 127º do CPP, à apreciação dos meios de prova produzidos, não podendo substituí-los.

6ª.

Acresce que, nos termos do artigo 374º n.º 2 do CPP, a fundamentação de uma decisão judicial impõe a indicação dos motivos de Direito que a alicerçam, o que exige, naturalmente, a indicação das normas jurídicas subjacentes às referidas decisões.

7ª.

Como se constata de uma mera leitura da sentença, a mesma é omissa quanto à indicação das disposições legais que sustentam diversos entendimentos jurídicos (erróneos) defendidos e determinantes para a prolação da decisão proferida, o que, por si só, também torna nula a sentença recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP.

8ª.

A falta de indicação das disposições legais que se consideraram aplicáveis para a prolação da decisão proferida pelo Tribunal a quo coarta de forma inadmissível o exercício dos direitos de defesa do arguido, incluindo o recurso, consagrados no artigo 32º n.º 1, e o direito de acesso ao Direito e aos Tribunais (nomeadamente, o direito de eventual recurso para o Tribunal Constitucional, que impõe a indicação expressa da norma jurídica cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, de acordo com o artigo 75º-A n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional), tutelado pelo artigo 20º n.º 1, e viola o dever de fundamentação das decisões judiciais, imposto pelo artigo 205º n.º 1, todos da Constituição.

9ª.

A interpretação dos artigos 374º n.º 2 e 379º n.º 1 alínea a) do CPP, segundo a qual uma sentença não tem de indicar as normas jurídicas aplicáveis para resolução das questões suscitadas, é inconstitucional, porque contrária aos artigos 20º n.º 1, 32º n.º 1 e 205º n.º 1, todos da Constituição, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

10ª.

O reconhecimento da arguida nulidade, com a consequente declaração de nulidade da sentença, imporia a baixa do processo ao Tribunal a quo, para que este procedesse à elaboração de nova decisão, completando-a com as menções em falta.

11ª.

Não obstante a nulidade de que padece a sentença recorrida, as consequências processuais daí decorrentes – baixa dos autos ao Tribunal a quo para suprimento da nulidade em causa – redundariam na prática de atos inúteis e, como tal, proibidos por lei, já que o conhecimento do mérito do presente recurso não permitirá que se conclua senão pela absolvição do arguido.

12ª.

Na verdade, a decisão que ora se impugna foi proferida em violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do CPP, tendo em conta as limitações a este impostas pelas regras da experiência, conjugadas com o princípio in dubio pro reo, pois uma correta ponderação da prova produzida em audiência, nos limites legais enunciados, não permite alicerçar uma convicção para além de toda a dúvida razoável sobre parte essencial da matéria de facto em apreciação.

13ª.

Em obediência ao princípio in dubio pro reo, o convencimento pelo Tribunal a quo, para além de dúvida razoável, de que estão provados determinados factos desfavoráveis ao arguido só poderia ter sido alcançado se a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis permitisse excluir qualquer outra explicação lógica e plausível.

14ª.

Se, bem pelo contrário, é essa diferente explicação para a conduta do arguido, inequivocamente racional e plausível, que se alicerça na prova constante dos autos, conjugada com a demais factualidade considerada provada, é esta que deveria ter sido julgada provada pelo Tribunal a quo, de acordo com o princípio in dubio pro reo.

15ª.

Analisados objetivamente os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar tais princípios violados quando o Tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido ou dá como não provados factos duvidosos favoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objetiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório.

16ª.

Foi o que sucedeu in casu quando o Tribunal a quo julgou provados os factos vertidos nos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e julgou não provados os factos vertidos nas alíneas a) a h) da factualidade considerada não provada, passando a identificar-se, relativamente aos concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, em cumprimento do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP.

17ª.

Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes dos pontos 37 a 42 da factualidade considerada provada e das alíneas d), e) e g) da factualidade julgada não provada, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 15m00s a 16m02s, de 22m30s a 23m23s, de 23m30s a 23m54s, de 24m50s a 26m03s, de 38m10s a 41m18s, de 1h11m27s a 1h12m13s, de 1h13m14s a 1h13m26s, de 1h22m38s a 1h23m32s, de 1h37m25s a 1h38m05s e de 1h38m30s a 1h40m51s), das declarações da assistente M..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 40m29s a 41m33s e de 45m10s a 46m05s), do depoimento da testemunha E..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão, de 7m31s a 8m25s, de 16m30s a 18m12s, de 19m35s a 20m15s e de 23m14s a 23m38s) e dos documentos constantes de fls. 12 a 17, 68 a 88 e 426 dos autos, em conjugação com os factos constantes dos pontos 5, 13, 30, 33, 34 a 36 e 54 a 57 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

18ª.

Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes das alíneas a) e f) dos factos considerados não provados, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 15m00s a 16m02s, de 54m05s a 54m50s, de 55m15s a 56m18s, de 1h11m27s a 1h12m13s, de 1h30m01s a 1h30m26s e de 1h37m25s a 1h38m05s), em conjugação com os factos constantes dos pontos 18 a 20 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

19ª.

Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes da alínea b) dos factos considerados não provados, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 22m30s a 23m23s, de 1h25m24s a 1h28m22s) e dos documentos constantes de fls. 12 a 17 dos autos, em conjugação com os factos constantes dos pontos 29 e 48 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

20ª.

Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes da alínea c) dos factos considerados não provados, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 13m34s a 14m23s, de 15m00s a 16m02s, de 22m30s a 23m23s, de 1h02m50s a 1h03m10s, de 1h25m24s a 1h28m22s, de 1h30m01s a 1h30m26s, de 1h37m25s a 1h38m05s), do depoimento da testemunha J..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão, de 3m57s a 4m22s), do depoimento da testemunha E..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão, de 23m14s a 23m38s) e dos documentos constantes de fls. 353 a 392 dos autos, em conjugação com os factos constantes dos pontos 6, 7, 14, 18 a 20, 22 a 30, 48 a 52 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

21ª.

Foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os factos constantes da alínea h) da factualidade julgada não provada, impondo decisão diversa uma apreciação, à luz das regras da experiência em conjugação com o princípio in dubio pro reo, das declarações prestadas por R..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 15m12s a 15m35s, de 24m50s a 26m03s, de 27m55s a 29m15s, de 31m22s a 32m35s, de 46m47s a 47m32s, de 59m18s a 1h01m11s e de 1h38m30s a 1h40m51s), das declarações da assistente M..., na sessão da audiência de julgamento de 18.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 40m29s a 41m33s), do depoimento da testemunha J..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 12m15s a 13m22s), do depoimento da testemunha JM..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 5m58s a 6m08s), do depoimento da testemunha E..., na sessão da audiência de julgamento de 29.05.2012 (cfr. registo da gravação digital dessa sessão de 7m31s a 8m25s) e dos documentos constantes de fls. 12 a 17 e 68 a 88 dos autos, em conjugação com os factos constantes dos pontos 4, 10, 11 e 13 da factualidade considerada provada – e bem – pelo próprio Tribunal a quo.

22ª.

Mesmo em face da factualidade dada como provada, a solução do Tribunal a quo para diversas questões de direito penal substantivo, fundamentais para a boa decisão da causa, não merece acolhimento. Identificar-se-ão, oportunamente, questão a questão, as normas jurídicas violadas, o sentido em que o Tribunal a quo interpretou e aplicou tais normas e o sentido em que as devia ter interpretado e aplicado e bem assim, nos casos de erro na determinação das normas aplicáveis, as normas jurídicas que deveriam ter sido aplicadas, em cumprimento do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 412º do CPP.

23ª.

Os preceitos incriminadores do atentado à liberdade de imprensa (art. 33º nº 1 alínea c) da Lei da Imprensa) e do atentado à liberdade da informação (art. 19º nº 1 do Estatuto do Jornalista) descrevem o objeto da ação típica aí contemplada (o objeto da apreensão ou danificação) como “quaisquer materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”.

24ª.

A questão de direito que consiste em saber se determinados materiais, apreendidos ou danificados, eram (foram) “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, no sentido e para os efeitos dos ditos preceitos incriminadores da Lei de Imprensa e do Estatuto do Jornalista, não deve ser colocada e resolvida em relação a todo o âmbito da atividade profissional dos jornalistas abstratamente considerada, descrita no artigo 1º nº 1 do Estatuto do Jornalista, sob pena de violação do princípio da tipicidade, que é uma das vertentes do princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29º nº 1 da CRP e no artigo 1º nºs 1 e 3 do CP.

25ª.

A dita questão de direito deve ser colocada e resolvida por referência a uma atividade jornalística concreta (entrevista, reportagem, notícia, artigo de opinião, etc.) e à necessidade ou desnecessidade da utilização dos materiais em causa, no âmbito de tal atividade jornalística concreta, tendo sempre em consideração que toda a atividade jornalística prossegue o objetivo de “divulgação, com fins informativos”, de um “texto, imagem ou som”, através dos meios indicados no artigo 1º nº 1 do Estatuto do Jornalista.

26ª.

Tratando-se, no caso dos autos, de uma entrevista e da apreensão de dois gravadores, que tinham incorporadas gravações da entrevista (em registo áudio), a questão da necessidade ou desnecessidade desses gravadores, bem como das gravações da entrevista neles incorporadas, para o exercício da atividade jornalística, identifica-se com a questão da necessidade ou desnecessidade da audição/utilização das gravações da entrevista, incorporadas nos gravadores, para a preparação da “divulgação, com fins informativos” da entrevista, nos termos previstos, ou seja: para preparar a publicação da entrevista, na data prevista e na edição prevista da revista prevista.

27ª.

No caso dos autos, a entrevista foi concedida por R...à revista SÁBADO, para ser realizada em 30 de Abril de 2010 e publicada na edição impressa dessa revista de 06 de Maio de 2010 (ponto 5 dos factos considerados provados).

28ª.

Resulta inequivocamente dos pontos 5 (2ª parte), 9 (1ª parte), 10, 11, 30, 35 e 36 dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo que a entrevista, feita a R...em 30 de Abril de 2010, foi divulgada no sítio da revista SÁBADO na internet em 05 de Maio de 2010 às 16h52m46s e publicada na edição impressa da mesma revista em 06 de Maio de 2010 - ou seja: na data prevista e na edição prevista da revista prevista -, com base, não na audição/utilização das gravações da entrevista (em registo áudio) incorporadas nos gravadores apreendidos pelo arguido, mas sim com base na audição/utilização de uma outra gravação da entrevista (em registos vídeo e áudio), que fora feita, com autorização do arguido, através de uma câmara de filmar, tudo sem que os dois gravadores, que o arguido apreendeu aos jornalistas, e as gravações (em registo áudio) da entrevista, incorporadas nesses gravadores, tenham contribuído, em qualquer medida, para a preparação da publicação da entrevista.

29ª.

No plano lógico e no plano linguístico, “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística” são conditiones sine quibus non do exercício da atividade jornalística, materiais imprescindíveis ao exercício da atividade jornalística, materiais indispensáveis ao exercício da atividade jornalística, materiais cuja falta impossibilita o exercício da atividade jornalística.

30ª.

No plano da hermenêutica jurídica, o carácter de indispensabilidade dos materiais, apreendidos ou danificados, para o exercício da atividade jornalística - no caso dos autos: a indispensabilidade, para a publicação da entrevista, da audição/utilização das gravações incorporadas nos gravadores -, é uma exigência resultante da proibição do “recurso à analogia para qualificar um facto como crime”, que consta, expressamente, do artigo 1º nº 3 do CP, mas decorre já do princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29º nº 1 da CRP e no artigo 1º nº 1 do CP.

31ª.

O sentido mais lato possível comportado pelo teor literal do respetivo preceito incriminador constitui uma barreira semântica, que o intérprete não pode transpor, in malam partem, sem violar a dita proibição de recurso à analogia. Essa barreira semântica foi transposta pelo Tribunal a quo.

32ª.

Não seria procedente a objeção de que, no artigo 10º nº2 do Estatuto do Jornalista, o termo “necessários” poderá justificar um âmbito de aplicação mais abrangente do que aquele que a defesa lhe atribui. É que, no caso do artigo 10º nº 2 do Estatuto do Jornalista, não se trata de um preceito incriminador. Assim, nada obsta a que essa disposição legal, quando for caso disso, seja aplicada por analogia, ao contrário do que acontece com o artigo 19º nº 1 do Estatuto do Jornalista e o artigo 33º nº 1 alínea c) da Lei de Imprensa, que contêm normas incriminadoras, o que impede a sua aplicação (in malam partem) para além do sentido mais lato possível do respetivo teor literal.

33ª.

Assim, o Tribunal a quo violou as disposições legais do artigo 33º nº 1 alínea c) da Lei de Imprensa, do artigo 19º nº 1 do Estatuto do Jornalista, do artigo 1º nos 1 e 3 do CP e do artigo 29º nº 1 da CRP.

34ª.

O Tribunal a quo interpretou e aplicou as normas violadas em termos que o levaram a atribuir à expressão legal “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, contida nos aludidos preceitos incriminadores da Lei de Imprensa e do Estatuto do Jornalista, um significado que permite subsumir nessa expressão legal também materiais que não sejam imprescindíveis ao exercício da atividade jornalística, o que foi determinante para a subsunção dos gravadores, pelo Tribunal a quo, nesta expressão legal, apesar de tais gravadores, bem como as gravações da entrevista (em registo áudio) neles incorporadas, não terem contribuído, fosse em que medida fosse, para a preparação da publicação da entrevista, e de isso não ter impedido a publicação da mesma entrevista, que teve lugar na data prevista e na edição prevista da revista prevista.

35ª.

A interpretação das disposições legais do artigo 33º nº 1 alínea c) da Lei de Imprensa e do artigo 19º nº 1 do Estatuto do Jornalista, bem como do artigo 1º nº 1 e 3 do CP, segundo a qual a expressão legal “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, contida em ambos esses preceitos incriminadores, tem aí um significado que permite subsumir nessa expressão legal também materiais que não sejam imprescindíveis para o exercício da atividade jornalística, é inconstitucional, porque viola a proibição do recurso à analogia para qualificar um facto como crime, que é uma das vertentes do princípio da legalidade penal, consagrado no artigo 29º nº 1 da CRP, o que desde já se invoca, para todos os devidos efeitos.

36ª.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as disposições legais em referência no sentido de que a expressão legal “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, contida nos preceitos incriminadores do artigo 33º nº 1 alínea c) da Lei de Imprensa e no artigo 19º nº 1 do Estatuto do Jornalista, é sinónima de “materiais imprescindíveis ao exercício da atividade jornalística” e, consequentemente, deveria ter entendido que os gravadores apreendidos pelo arguido não eram (não foram) “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, no sentido e para os efeitos dos referidos preceitos incriminadores.

37ª.

O comportamento do arguido, também – e ainda mais nitidamente – no contexto da versão dos factos que o Tribunal a quo considerou provada, constitui o exercício, adequado e proporcionado, do seu direito à palavra, reconhecido no artigo 26º nº 1 da CRP e tutelado no artigo 199º nº 1 do CP, e configura, simultaneamente, um recurso legítimo à ação direta, nos termos do artigo 336º do Código Civil, “para evitar a inutilização prática” do direito à palavra.

38ª.

O direito à palavra, reconhecido no artigo 26º nº 1 da CRP como um dos “Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais”, constitui o bem jurídico tutelado através dos preceitos incriminadores contidos no nº 1 alíneas a) e b) do artigo 199º do CP.

39ª.

Da interpretação do âmbito desses preceitos incriminadores (conjugados com as disposições legais da parte geral do direito penal que sejam aplicáveis) infere-se quais são os comportamentos que constituem as violações mais graves (as violações puníveis) do direito à palavra, o que, por sua vez, permite determinar com segurança os direitos que constituem o cerne do conteúdo (o conteúdo penalmente protegido) do direito à palavra.

40ª.

Na interpretação dos mencionados preceitos incriminadores há que ter em conta que eles, através da expressão “sem consentimento”, estabelecem que a falta de consentimento do titular do direito à palavra (na produção ou na utilização de uma gravação da sua palavra) é elemento essencial de todos os tipos penais que abrangem. Isto torna imprescindível conjugar os mesmos preceitos incriminadores com o regime do consentimento no direito penal português, cuja sedes materiae se encontra no artigo 38º do CP.

41ª.

Do confronto entre as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 199º do CP e, em especial, do disposto na parte final dessa alínea b) decorre não só que a audição/utilização de uma gravação sem consentimento do titular do direito à palavra constitui uma violação autónoma deste direito, mas também que o consentimento dado pelo titular do direito à palavra para a produção da gravação não dispensa o consentimento desse mesmo titular para a audição/utilização da gravação.

42ª.

Do regime estabelecido no artigo 38º nºs 1 e 2 do CP resulta, além do mais, que tanto o consentimento para a produção da gravação como o consentimento para a audição/utilização da gravação pode ser “livremente revogado” pelo titular do direito à palavra até à produção da gravação ou até à audição/utilização da gravação, respetivamente, e que a revogação pode ser feita “por qualquer meio que traduza uma vontade séria, livre e esclarecida” da sua parte.

43ª.

O arguido, como titular do direito à palavra, não só podia revogar livremente o consentimento que dera para a audição/utilização da gravação da entrevista, mas podia também, do mesmo passo, opor-se à audição/utilização dessa gravação, e, até, exigir a destruição da mesma gravação.

44ª.

Ao atuar como atuou - na versão dos factos dada como provada pelo Tribunal a quo: retirar sub-repticiamente os gravadores aos jornalistas e abandonar a sala onde estava a decorrer a entrevista levando consigo os gravadores, escondidos, tudo “com o intuito de obstar a que as declarações por si prestadas no decurso da entrevista fossem utilizadas e publicadas na revista ‘Sábado’ “, cfr. os pontos 30 e 37 da matéria de facto -, o arguido exerceu o seu direito à palavra. E exerceu-o na dupla vertente de direito de livremente revogar o consentimento (dado para a audição/utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação desta) e direito de se opor à audição/utilização não autorizada (da gravação da entrevista).

45ª.

E fê-lo, não só em inteira conformidade com o estabelecido nos nºs. 1 e 2 do artigo 38º do CP (conjugado com disposto no art. 199º, nº1, alínea b), do mesmo código), mas também de modo adequado e proporcionado às circunstâncias.

46ª.

O arguido, em face das circunstâncias, não tinha à disposição qualquer outro meio que pudesse considerar idóneo e eficaz para evitar que os jornalistas procedessem à audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista (destinada à publicação desta).

47ª.

O facto de, no caso dos autos, o arguido se encontrar perante jornalistas, que atuavam em nome do direito de informação e da liberdade de imprensa, não pode fundamentar qualquer restrição do direito à palavra, nomeadamente na vertente de direito a revogar o consentimento dado para a audição/utilização da gravação da entrevista.

48ª.

Ao apoderar-se dos gravadores trazidos pelos jornalistas e abandonar a sala onde decorrera a entrevista levando-os consigo, escondidos, o arguido não se limitou a exercer o direito à palavra, reconhecido pelo artigo 26º nº 1 da CRP e tutelado criminalmente no artigo 199º nº 1 do CP: recorreu também à ação direta, para evitar a inutilização prática do direito à palavra, nos termos do artigo 336º do Código Civil.

49ª.

Foram respeitadas pelo arguido todas as exigências do artigo 336º do Código Civil, incluindo o único requisito da ação direta cuja verificação o Tribunal a quo pôs em causa (na pág. 25, último parágrafo, da decisão recorrida): a “impossibilidade de recorrer, em tempo útil, aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito [scil. do direito à palavra]”.

50ª.

Devido a ter ficado em poder dos jornalistas a câmara de filmar que continha a gravação da entrevista (em registo vídeo e áudio) – facto de que o arguido não estava recordado quando apreendeu os gravadores, segundo a versão dos factos acolhida pelo Tribunal a quo -, a apreensão dos gravadores não era meio idóneo para impedir a audição/utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação dela.

51ª.

Na verdade, a apreensão dos gravadores não poderia obstar à utilização da gravação da entrevista (destinada à publicação desta), que, segundo a versão dos factos que o Tribunal a quo considerou provada, o arguido teve o “intuito” de impedir (ponto 37 dos factos provados).

52ª.

No entanto, como, nessa versão dos factos, acolhida pelo Tribunal a quo, o arguido (por estar esquecido, quando apreendeu os gravadores aos jornalistas, de que a entrevista fora também gravada, em registo vídeo e áudio, através da câmara de filmar, que ficara em poder dos jornalistas) supôs erroneamente que a apreensão dos gravadores iria impedir a utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, é forçoso concluir que ele atuou em “erro sobre um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto”. Este erro afasta o dolo, nos termos do artigo 16º nºs 1 e 2 do CP.

53ª.

O Tribunal a quo ignorou a relevância fundamental que têm, para a determinação do conteúdo e do âmbito do direito à palavra invocado pelo arguido, os preceitos incriminadores contidos no artigo 199º nº 1 do CP, relativamente aos quais não é percetível, em parte alguma da sentença recorrida, qualquer labor interpretativo do Tribunal a quo.

54ª.

Além disso, o Tribunal a quo desconsiderou em absoluto o preceito do artigo 38º do CP, onde está contido o regime do consentimento no direito penal português, preceito e regime a que o Tribunal a quo não faz nenhuma alusão, explícita ou implícita, em toda a decisão recorrida.

55ª.

Impunha-se que o Tribunal a quo interpretasse e aplicasse o disposto no artigo 199º nº 1 do CP, em conjugação com o disposto no artigo 38º do mesmo código, para determinar o conteúdo e o âmbito do direito à palavra, nomeadamente nas vertentes, que o arguido invoca, de direito a revogar o consentimento dado à audição/utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, e direito a opor-se à audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista.

56ª.

Assim, o Tribunal a quo violou as disposições dos artigos 199º nº 1 do CP e 26º nº 1 da CRP e, além disso, erroneamente, não considerou aplicável a disposição do artigo 38º do CP.

57ª.

O Tribunal a quo interpretou e aplicou as normas violadas (e interpretou a disposição legal que, por erro, não considerou aplicável) no sentido de que, na determinação do conteúdo e do âmbito do direito à palavra, nomeadamente nas vertentes, que o arguido invoca, de direito a revogar o consentimento dado à audição/utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, e direito a opor-se à audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista, ele, Tribunal, devia ou podia abster-se de aplicar o disposto no artigo 38º do CP e devia ou podia decidir em função de uma “ponderação […] de compressão adequada e proporcional” da liberdade de imprensa, por um lado, e do direito à palavra, por outro, tendo o Tribunal a quo retirado desse procedimento hermenêutico a consequência errónea de que não houve revogação válida e eficaz do consentimento dado pelo arguido à audição/utilização da gravação da entrevista.

58ª.

A interpretação do disposto no artigo 199º nº 1 do CP em termos que levem a desconsiderar uma revogação de consentimento, efetuada pelo titular do direito à palavra com observância do disposto no artigo 38º do CP, é inconstitucional, porque contrária à tutela do direito à palavra, estabelecida no artigo 26º nº 1 da CRP.

59ª.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as disposições legais violadas (e interpretado aquela que, erroneamente, não considerou aplicável), no sentido de que era com base na interpretação e aplicação do artigo 199º nº 1 do CP, conjugado com o disposto no artigo 38º do mesmo código, que se impunha determinar o conteúdo e o âmbito do direito à palavra, nomeadamente nas vertentes, que o arguido invoca, de direito a revogar o consentimento dado à audição/utilização da gravação da entrevista e direito a opor-se à audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista.

60ª.

Em vez de procurar determinar o conteúdo do direito à palavra, que cabia ao arguido, com recurso à interpretação e aplicação dos preceitos incriminadores que tutelam este direito, conjugados com as disposições aplicáveis da parte geral do direito penal, o Tribunal a quo propugnou e pôs em prática, na sentença recorrida, a tese de que, no caso dos autos, “[…] a liberdade de imprensa a par do direito à palavra têm [sic] de ser sujeitos à ponderação casuística de compressão adequada e proporcional, sem ofensa absoluta de qualquer um deles” (pág. 24, 2º parágrafo, da sentença).

61ª.

Este procedimento hermenêutico, sufragado e praticado pelo Tribunal a quo, é realmente casuístico (tal como o Tribunal expressamente reconhece), porque o que caracteriza essencialmente o casuísmo na administração da justiça é o facto de as razões determinantes do sentido da decisão corresponderem a determinados aspetos do caso concreto escolhidos ad hoc pelo julgador, sem que a relevância, para a decisão, desses aspetos do caso concreto decorra de normas aplicáveis a um conjunto indeterminado de casos (normas abstratas). É isto que acontece com o procedimento hermenêutico privilegiado pelo Tribunal a quo.

62ª.

Do artigo 18º nº 3 da CRP, segundo o qual “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto”, decorre, por maioria de razão, a proibição de os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente assegurados, como é o caso do direito à palavra, serem restringidos por qualquer decisão judicial que seja determinada por aspetos do caso concreto escolhidos ad hoc pelo Tribunal, sem que a relevância, para a decisão, desses aspetos do caso concreto decorra de normas abstratas.

63ª.

Assim, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 199º nº 1 do CP e 26º nº 1 e 18º nº 3 da CRP e, além disso, erroneamente, não considerou aplicável o artigo 38º do CP.

64ª.

O Tribunal a quo interpretou e aplicou as disposições legais violadas (e interpretou aquela que, erroneamente, não considerou aplicável) em termos que o levaram a entender que devia ou podia restringir o conteúdo e o âmbito do direito à palavra, que cabia ao arguido, no âmbito de um procedimento hermenêutico casuístico, no sentido supra mencionado.

65ª.

A interpretação do disposto no artigo 199º nº 1 do CP e no artigo 26º nº 1 da CRP, segundo a qual o Tribunal deve ou pode restringir o direito à palavra, no âmbito de um processo hermenêutico essencialmente caracterizado por as razões determinantes do sentido da decisão corresponderem a aspetos do caso concreto escolhidos ad hoc pelo Tribunal, sem que a relevância, para a decisão, desses aspetos do caso concreto decorra de normas aplicáveis a um número indeterminado de casos (normas abstratas), é inconstitucional, porque contrária, por maioria de razão, ao disposto no artigo 18º nº 3 da CRP, onde se estabelece que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

66ª.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as normas violadas (e interpretado a disposição legal que, erroneamente, não considerou aplicável), em termos donde resultasse que estava legalmente vinculado, não só a abster-se de recorrer a um procedimento hermenêutico casuístico, no sentido apontado, mas também a privilegiar a interpretação e aplicação do disposto no artigo 199º nº 1 do CP, conjugado com o artigo 38º do mesmo código, para determinar o conteúdo e o âmbito do direito à palavra de R....

67ª.

O legislador constitucional prescreve no nº 3 do artigo 37º da CRP que devem aplicar-se os princípios gerais e as normas da legislação penal comum sempre que, de acordo com estas normas e esses princípios gerais, o exercício do direito de livre expressão do pensamento ou do direito de informação configurar, no caso concreto, uma “infracção”, ou seja: um facto punível.

68ª.

Por isso, é manifesto que, no artigo 37º nº 3 da CRP, o legislador constitucional cometeu ao legislador ordinário (legislador penal) a incumbência de concretizar um limite absoluto, a partir do qual cessa, no ordenamento jurídico português, a proteção legal do exercício do direito de livre expressão do pensamento e do direito de informação (bem como da liberdade de imprensa).

69ª.

Esse limite absoluto, que coincide com a prática de um facto punível no exercício desses direitos (e da liberdade de imprensa), é concretizado pelo legislador ordinário através do recorte dos diversos tipos incriminadores, sobretudo daqueles que tutelam direitos ou interesses que mais frequentemente colidem com o exercício do direito de livre expressão do pensamento ou do direito de informação (e da liberdade de imprensa).

70ª.

Por isso, impunha-se que o Tribunal a quo, também por força do estabelecido no artigo 37º nº 3 da CRP, respeitasse o regime da tutela do direito à palavra emanado do legislador ordinário, que é o que consta dos artigos 199º nº 1 e 38º do CP.

71ª.

É certo que, no caso dos autos, o objeto do processo não é um facto praticado no exercício do direito à informação (e da liberdade de imprensa), o que afasta a aplicação direta do artigo 37º nº 3 da CRP.

72ª.

No entanto, para decidir se o arguido agiu licitamente (no exercício legítimo do seu direito à palavra e recorrendo, legalmente, à ação direta, para salvaguardar o direito à palavra), o Tribunal a quo teve de resolver, entre outras, a questão prejudicial que consiste em saber se a audição/utilização da gravação da entrevista - depois efetuada pelos jornalistas, mas à qual R...se opôs, com o seu comportamento - iria ser (foi), ou não, um facto ilícito.

73ª.

Impunha-se que o Tribunal a quo aplicasse, por analogia, à dita questão prejudicial o regime de apreciação estabelecido no artigo 37º nº 3 da CRP, e, portanto, que submetesse essa questão prejudicial às normas e aos princípios gerais de direito criminal, nomeadamente aos preceitos pertinentes do CP, que são os dos artigos 199º nº 1 e 38º.

74ª.

Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 199º nº 1 do CP, bem como nos artigos 26º nº 1 e 37 nº 3 da CRP e, além disso, por erro, não considerou aplicável o disposto no artigo 38º do CP.

75ª.

O Tribunal a quo interpretou e aplicou as disposições legais violadas (e interpretou aquela que, por erro, não considerou aplicável), no sentido de que não estava vinculado a aplicar os artigos 199º nº 1 e 38º do CP à questão prejudicial que consiste em saber se a audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, viria a ser (foi), ou não, um facto ilícito.

76ª.

A interpretação do artigo 199º nº 1 do CP e do artigo 37º nº 3 da CRP, no sentido de que o Tribunal não está vinculado a aplicar os artigos 199º nº 1 e 38º do CP a uma questão prejudicial, que se levanta num processo criminal instaurado contra um titular do direito à palavra e consiste em saber se, determinada audição/utilização da gravação de uma entrevista constituíu, ou não, um facto ilícito, cometido no exercício do direito de informação e da liberdade de imprensa, é inconstitucional, porque contrária ao disposto no artigo 37º nº 3 da CRP, que submete aos “princípios gerais de direito criminal” as infrações cometidas no exercício do direito de livre expressão do pensamento ou do direito de informação (e da liberdade de imprensa), e também porque ofende a norma constitucional que, no artigo 26º nº 1 da CRP, consagra e tutela o direito à palavra, o que desde já se invoca, para todos os devidos efeitos.

77ª.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado as disposições legais violadas (bem como aquela que, por erro, não considerou aplicável), no sentido de que elas o vinculavam a aplicar, por analogia, os “princípios gerais de direito criminal”, referidos no artigo 37º nº 3 da CRP, à questão prejudicial que consiste em saber se a audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, viria a ser (foi), ou não, um facto ilícito e, consequentemente, a decidir esta questão prejudicial por aplicação do disposto nos artigos 199º nº 1 e 38º do CP, donde resultaria que aquela audição/utilização, não autorizada, da gravação da entrevista viria a ser (foi), forçosamente, um facto ilícito.

78ª.

No que respeita à questão da verificação dos requisitos de que o artigo 336º do Código Civil faz depender a licitude da ação direta, à qual R...recorreu para evitar a inutilização prática do seu direito à palavra (audição/utilização da gravação da entrevista, destinada à publicação desta), impunha-se que o Tribunal a quo reconhecesse que o arguido satisfez todos esses requisitos, incluindo aquele – o único - que o Tribunal afirma não estar verificado, que é o da “impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais”.

79ª.

Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 336º do Código Civil.

80ª.

O Tribunal a quo interpretou a norma violada em termos que o levaram a entender que o arguido não satisfez todos os requisitos de que o artigo 336º do Código Civil faz depender a licitude do recurso à ação direta, não se verificando, designadamente, a impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, exigida no nº 1 desse artigo.

81ª.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado a norma violada no sentido de que o arguido satisfez todos os requisitos de que o artigo 336º do Código Civil faz depender a licitude do recurso à ação direta, incluindo a exigência legal da impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais.

82ª.

A apreciação das questões de direito penal substantivo, às quais se referem as conclusões 22ª e seguintes, mostra que a absolvição de R...é um imperativo legal e de justiça, mesmo independentemente dos resultados da análise da decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto e independentemente também do que decorre da apreciação das questões de natureza processual suscitadas pela sentença recorrida, porquanto:

a) os gravadores, apreendidos pelo arguido aos jornalistas, não eram (não foram) “materiais necessários ao exercício da atividade jornalística”, no sentido e para os efeitos dos preceitos incriminadores do atentado à liberdade da imprensa (artigo 33º nº 1 da Lei de Imprensa) e do atentado à liberdade de informação (artigo 19º nº 2 do Estatuto do Jornalista), pelo que falta, no caso dos autos, o objeto da ação típica e, com ele, o facto legalmente “descrito e declarado passível de pena”, que é, nos termos do artigo 1º nº 1 do CP, o primeiro pressuposto da responsabilidade criminal;

b) mesmo pondo entre parêntesis também a falta do objeto da ação típica, a absolvição de R...impõe-se, porque ele atuou no exercício adequado e proporcionado do seu direito à palavra, consagrado no artigo 26º nº 1 do CRP e tutelado no artigo 199º nº 1 do CP (conjugado com o art. 38º do mesmo código), tendo recorrido licitamente à ação direta, nos termos do artigo 336º do Código Civil, para evitar a inutilização prática do seu direito à palavra, do que resultou, mais uma vez, a falta de tipicidade penal da sua conduta ou, quando assim não se entenda, a justificação do facto por ele praticado, em virtude de se tratar – quer no respeitante ao direito à palavra, quer no que respeita ao recurso à ação direta – do exercício de um direito, nos termos do artigo 31º nº 2 alínea b) do CP. “

Conclui pela revogação da sentença e sua absolvição ou, subsidiariamente, declarada a decisão condenatória nula por insuficiente fundamentação.



A assistente M... veio responder ao recurso, apresentando as seguintes conclusões.

“1. Inexiste qualquer fundamento para que se altere a matéria de facto considerada "provada" e "não provada" nos presentes autos.

2. Inexistem as nulidades que o Recorrente invoca, estando a sentença em recurso devidamente fundamentada.

3. A Sentença em recurso aborda de forma crítica e ponderada todos os elementos de prova, justificando com referência a cada um desses elementos, os motivos pelos quais, cada um dos factos foi considerado "provado" ou "não provado".

4. A sentença não contem qualquer das nulidades que o recorrente pretende sejam conhecidas.

5. Contrariamente ao que consta das motivações do Recorrente não foi violado o princípio do in dúbio pro reo.

6. Os gravadores constituem um elementar instrumento para o exercício da actividade dos jornalistas, pelo que o comportamento do Recorrente se integra, manifestamente, na norma pela qual foi condenado.

7. lnexistiu qualquer violação das normas que o Recorrente invoca.

8. O Recorrente não actuou ao abrigo do direito à palavra, tanto é que, consentiu na entrevista, admitiu ser filmado, gravado e entrevistado.

9. O Recorrente levou consigo os gravadores e durante uma semana, não manifestou perante a revista a sua intenção de que a referida entrevista não fosse divulgada.

10. Se efectivamente estivesse em causa o direito à palavra teria comunicado à revista que se recusava que a entrevista fosse publicada.

11. Mais, mesmo depois da referida entrevista ter sido publicada, não exerceu qualquer direito de resposta ou rectificação, o que teria sido normal, caso não tivesse concordado com a sua publicação. - Contudo, o Recorrente nada fez.

12. Se estivesse em causa o referido direito, o Arguido teria apresentado queixa crime com base no artigo 1992 do Código Penal, o que nunca ocorreu.

13. Pelo que, é falso que o Recorrente tivesse sido lesado no seu direito à palavra ou tenha actuado com o intuito de proteger esse direito.

14. Por fim, no que diz respeito ao alegado direito de acção directa é mais do que evidente que o mesmo só pode improceder.

15. Desde logo, diga-se que não foi provada a existência de qualquer "perigo eminente", nem a referida factualidade foi sequer invocada, pelo que, nunca se poderá entender que estavam preenchidos os pressupostos de facto para que o referido direito fosse exercido.

16. Deve improceder toda a argumentação apresentada pelo Recorrente e mantida a sentença objecto de recurso.”


O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo:

“1ª – Conjugando os factos dados como provados e como não provados com a fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida é, a nosso ver, indiscutível ser possível ao homem médio alcançar o percurso lógico que levou o Tribunal a quo a formar a sua convicção, nomeadamente, quanto à intencionalidade da actuação do recorrente, sendo certo que na sentença recorrida se indicam e interpretam correctamente as normas aplicáveis ao caso “sub júdice” designadamente o art.º art.º 33.º n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Lei n.º2/99 de 13/01, alterada pela Lei n.º 18/2003 de 11/06. e o art.º p. e p. pelo art.º 19.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 1/99 e o art.º 199 n.º 1 al a) e b) do C.P.,

2ª – pelo que tendo o Tribunal a quo respeitado o preceituado no art.º 374 n.º 2 e n.º 3 al a) do C.P.P. não padece, a sentença recorrida, da arguida nulidade de insuficiente fundamentação de facto e/ou de direito que, assim não deverá ser declarada nem a título principal nem a título “subsidiário”;

3.ª - Ao dar como provados os pontos n.º 37 a 42 (da factualidade dada como provada) e como não provados os factos constantes das al a) a h) (da factualidade dada como não provada) o Tribunal a quo fez a apreciação da prova mais consentânea com as regras da experiência comum e de normalidade da vida, pelo que as concretas provas indicadas pelo recorrente relativamente aos factos provados e não provados que considera incorrectamente julgados não impõem decisão diversa da recorrida, não tendo, pois sido violados o principio da livre apreciação da prova constante do art.º 127 do C.P.P

4ª - Os factos dados como provados na sentença recorrida integram, na sua plenitude, o crime pelo qual foi o Recorrente foi condenado;

5ª - Em face da prova produzida e da sua apreciação critica não se não se vislumbra que o Tribunal a quo se visse confrontado com uma dúvida razoável e fundada sobre a matéria de facto, dúvida essa que por imposição do princípio in dubio pro reo tivesse de resolver em sentido favorável ao arguido no sentido de dar como não provados os factos que deu como provados e como não provados os factos que deu como provados,

Ou seja, não subsistindo qualquer dúvida sobre a forma como os factos ocorreram e integrando os factos provados o crime pelo qual o Recorrente foi condenado, não há qualquer razão para apelar ao princípio da presunção de inocência do arguido;

6ª - A questão de direito que consiste em saber se os gravadores são “materiais necessários ao exercício da actividade jornalística” há-de ser solucionada com base na prática da profissão – actividade jornalística – que reputa determinado material como meio técnico necessário ao seu exercício; ao seu concreto exercício.

No caso em análise dos presentes autos os dois gravadores apreendidos pelo arguido (e as gravações em registo áudio neles incorporadas) a par da câmara de filmar (com registo áudio e video) foi/era material necessário ao exercício da concreta actividade jornalística desenvolvida – a preparação e realização da entrevista concedida pelo recorrente à Revista Sábado - sendo que tal necessidade decorre evidentemente de terem sido todos utilizados na entrevista pelos profissionais com competência para decidir da pertinência e necessidade da sua utilização.

7ª - Do ponto de vista semântico “imprescindível” é mais do que “necessário: “imprescindível” significa “absolutamente necessário”

8ª - Porque a situação fáctica a que se reconduz a actuação do recorrente está abrangida pelo teor literal das normas incriminatórias – correspondendo ao significado mais correcto no plano da lógica, e do ponto de vista linguístico, da palavra “necessários” - a interpretação feita pelo Tribunal a quo de tais normas é uma interpretação manifestamente permitida que não se confunde com qualquer aplicação analógica (proibida) dos mencionados preceitos incriminadores a uma situação não subsumível ao respectivo teor literal;

9ª - Acresce que, a interpretação dos preceitos incriminadores em análise (artº 33.º n.º 1, alínea c) e n.º 2 da Lei n.º2/99 de 13/01, alterada pela Lei n.º 18/2003 de 11/06 e 19.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 1/99), porque tutelam a liberdade de imprensa/informação, pode, também, ser feita com recurso ao quadro legal que regula o exercício da actividade jornalística e cujo regime decorre, essencialmente, do Estatuto dos Jornalistas. Pelo que, e para esse efeito, é, pois, lícito convocar o art.º 10º do Estatuto dos Jornalistas que regula o “Exercício do direito de acesso a locais públicos”, sem que tal se confunda com aplicação analógica de normas penais.

10ª - Para solucionar a questão de direito de saber se o arguido ao actuar conforme dado como provado – apreender os gravadores – exerceu o seu direito à palavra, é decisivo sublinhar, a exclusão da tipicidade da conduta descrita no art.º199 n.º 1 al a) e b) do C.P. quando existe conhecimento da gravação por parte do autor da palavra.

11ª - Ora se, na versão da defesa, o recorrente queria proibir a gravação da sua palavra (porque, entretanto, havia revogado o consentimento anteriormente dado para o efeito) e posteriormente opor-se à audição/utilização da sua palavra gravada sem autorização com vista à sua ulterior divulgação bastaria – sobretudo no caso do arguido advogado e politico experiente - recusar responder às perguntas ou abandonar as instalações onde decorria a entrevista – como acabou por fazer – interrompendo deste modo a palavra e inviabilizando a sua gravação.

12ª - Tendo o recorrente conhecimento da gravação da sua palavra no decurso da entrevista por si concedida, o único meio adequado, o único meio proporcionado para o efeito de revogar o consentimento à gravação era a interrupção da sua palavra dado que, assim, inviabilizaria a respectiva gravação não tendo, sequer, a necessidade de, posteriormente, se opor à audição/utilização da palavra gravada contra sua autorização pelo simples facto que ao pôr termo à palavra não se vê como pudesse haver gravação não autorizada da palavra.

13ª - Pelo exposto é de todo INACEITÁVEL é que possa colher a tese da defesa de que ao aprender os gravadores da forma considerada provada o arguido se tenha limitado a exercer o seu legítimo direito à palavra.

14ª – É impertinente a invocação do art.º 38 n.º 1 do C.P. já que “ o consentimento” regulado pela aludida norma da parte geral do C.P. trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude do facto punível.

15ª – Não se mostra de igual modo legitimo invocar o recurso à acção directa para obstar à pretensa inutilização prática do direito à palavra do recorrente, uma vez que não se mostram satisfeitas “in casu” as exigências p. no art.º 336 n.º 1 e n.º 3 do C.C. razão pela qual, ao assim decidir o Tribunal a quo não violou a mencionada norma legal.

16ª - Não configurando a conduta do recorrente o exercício legítimo da acção directa para o efeito de obstar à pugnada “inutilização prática do seu direito à palavra” o pretenso erro do recorrente sobre um dos pressupostos/requisitos da acção directa é irrelevante para excluir o dolo (necessariamente específico) dos crimes em análise não sendo, por isso, aplicável, no caso, o art.º 16 n.º 2 do C.P.

17ª – Não se suscita no caso dos autos qualquer questão prejudicial no sentido próprio que coubesse analisar já que, do teor da sentença recorrida, infere-se que o Tribunal a quo ao considerar que o recorrente não revogou validamente o seu consentimento dado para a gravação da entrevista – por si concedida à Revista Sábado – para a sua ulterior divulgação não manifesta qualquer dúvida fundada sobre a licitude da actuação dos jornalistas (no caso a assistente e o jornalista F...).

18ª – Na sentença recorrida foram aplicados os preceitos legais pertinentes ao caso concreto – que se mostram correctamente interpretados pelo Tribunal a quo - não tendo, por isso, sido violado qualquer preceito legal.”

Termina pelo entendimento de que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.



Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer em que, acompanhando a resposta oferecida em primeira instância, manifesta-se no sentido da improcedência do recurso.


Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, vindo o recorrente apresentar resposta em que reafirma o que concluiu em sede de interposição de recurso.


II.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


Da sentença recorrida consta a seguinte:

“II- Fundamentação

Da prova produzida em audiência com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. Em 30 de Abril de 2010, o arguido era Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Membro do Conselho Superior do Ministério Público, Membro do Conselho Superior de Segurança Interna, Membro do Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários eleito pela Assembleia da República e Membro permanente da Assembleia da República.

2. Integrava igualmente como responsável político eleito pelo Partido Socialista o cargo de Coordenador na 1.ª Comissão Permanente de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias; o cargo de Coordenador na Comissão Parlamentar Eventual para o Acompanhamento Político do Fenómeno da Corrupção e para a Análise Integrada de Soluções com vista ao seu Combate; o cargo de coordenador, à Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social e nomeadamente à actuação do Governo na compra da TVI

3. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 30 de Abril de 2010, sexta-feira, situada nos últimos quinze dias do mês de Abril desse ano, a pedido da jornalista ME..., o arguido acedeu em conceder uma entrevista na biblioteca da Assembleia da República, à revista "Sábado", propriedade da "Presselivre - Imprensa Livre, S.A.", revista de periodicidade semanal de informação geral, vendida ao público à quinta-feira.

4. Entre a data do primeiro contacto e o dia em que decorreu a entrevista a jornalista ME... contactou novamente o arguido comunicando-lhe que iria estar presente um outro jornalista J..., solicitando ainda autorização ao arguido para proceder, a par do registo áudio, ao registo vídeo da entrevista, pedido ao qual o arguido acedeu.

5. A entrevista decorreu na biblioteca da Assembleia da República, no dia 30 de Abril de 2012, cerca das 15h00, destinando-se a mesma a ser publicada no dia 6 de Maio de 2010, quinta-feira, da semana seguinte, na rubrica "Entrevista. Fogo Cruzado".

6. Entre o arguido e a jornalista ME..., que o contactou previamente, não foi imposta qualquer condição relativa às perguntas a efectuar, no entanto, ficou subentendido que a entrevista se justificava pelas responsabilidades públicas advenientes das funções exercidas pelo arguido supra referidas, tendo o arguido acedido.

7. O arguido estava convicto que a entrevista versaria sobre a sua actividade política à data de 30 de Abril de 2010.

8. Assim, entre hora não concretamente delimitada, compreendida entre as 14h00 e as 15h30, do dia 30 de Abril de 2010, na biblioteca da Assembleia da República, o arguido foi entrevistado por ME... e F..., jornalistas da revista "Sábado".

9. Para o efeito foram colocados dois gravadores para o registo áudio da entrevista em cima de uma mesa, em frente à qual se sentou o arguido, sendo que, em momento algum, foi transmitido ao arguido pelos jornalistas que tais gravadores continham o registo de qualquer outro material jornalístico.

10. Em cima da mesa foi também colocado um microfone para permitir em simultâneo ao registo de imagens o registo áudio.

11. Pela operadora de câmara JM...foi colocada uma câmara de filmar atrás e entre os jornalistas F... e ME..., tendo sido fixada num tripé direccionado para o rosto e ombros do entrevistado.

12. Na sala da biblioteca encontrava-se também o fotógrafo da revista "Sábado, J....

13. A mencionada entrevista foi registada simultaneamente em áudio e vídeo, este com som e imagem, tendo a duração aproximada de 46 minutos, cujo CD com reprodução integral se encontra junto aos autos a fls. 426 e cujo conteúdo dou por integralmente reproduzido.

14. A entrevista fora previamente preparada pelos jornalistas ME... e F..., que traziam as perguntas escritas em folhas de papel.

15. As primeiras questões colocadas ao arguido pelos jornalistas, entre outras, reportaram-se às funções políticas desempenhadas por aquele, nomeadamente na comissão eventual de inquérito parlamentar relativa à Relação do Estado com a Comunicação Social.

16. Cerca de 13 minutos e quarenta segundos após o início da entrevista, a jornalista ME... colocou ao arguido diversas questões relacionadas com afirmações públicas proferidas pelo engenheiro (...), conhecido membro do Partido Socialista.

17. O arguido respondeu às questões colocadas, tendo, entre o mais, salientado o carácter normal, em Democracia, de divergência de opiniões entre membros de um mesmo partido político e elogiado, por diversas vezes, o percurso profissional, em funções públicas, daquele membro do partido.

18. A dado momento o jornalista J... afirmou que o arguido estava a fazer uma insinuação muito grave relativamente à conduta do engenheiro (...).

19. O arguido reagiu de imediato a tal afirmação referindo que este não podia retirar das suas palavras aquilo que não fora dito e estava a imputar-lhe afirmações que ele, entrevistado, não tinha proferido, remetendo-o expressamente para a gravação da entrevista, referindo “leia o que está aqui gravado”, enquanto apontava para os gravadores.

20. Perante tal reacção do arguido, J... referiu, entre o mais, que não dissera o que pretendia e que ouvira mal as palavras do entrevistado, tendo o arguido continuado a responder às perguntas que lhe foram sendo feitas.

21. Após os jornalistas colocaram ao arguido diversas questões sobre o então secretário geral do partido socialista e primeiro Ministro, José Sócrates, sobre a sua relação entre ambos e sobre as relações daquele com os jornalistas, as quais respondeu.

22. Seguidamente, os jornalistas começaram a fazer perguntas sobre um processo judicial instaurado, volvidos mais de 12 anos, contra DR..., de quem o arguido foi advogado, nesse e noutros processos judiciais anteriores.

23. A certa altura, quando estava a ser questionado sobre factos do processo referido em 22) dos factos provados, o arguido afirmou que considerava que a entrevista estava a entrar no âmbito da sua vida pessoal quando deveria ser de cariz político, como lhe fora anunciado.

24. De seguida, um dos jornalistas referir “se alguém com tanta distracção no currículo é a pessoa indicada para estar atenta a questões como financiamento partidário e corrupção. “

25. O arguido afirmou então que os entrevistadores estavam, a coberto das perguntas que formulavam, a fazer-lhe uma perseguição que não tencionava permitir e acrescentou que, se insistissem, daria a entrevista por terminada.

26. Seguidamente afirmaram que o arguido havia participado, como advogado, na constituição de uma sociedade offshore, quando o Partido Socialista defendia a extinção deste tipo de sociedades.

27. Nesse momento, R...insurgiu-se, afirmando, entre o mais, que “se os senhores querem insistir no insulto, eu não estou disponível”.

28. Os entrevistadores afirmaram então que iriam mudar de tema e referiram que o arguido havia dito que um dos azares da vida política do engenheiro (...) foi a de ter escrito o prefácio do livro de JR....

29. Nessa sequência o jornalista J... perguntou a R...se um dos azares da sua vida fora a questão dos boatos sobre pedofilia nos Açores em 2003.

30. Na sequência daquela pergunta sobre o processo vulgarmente conhecido como “a garagem do Farfalha” o arguido, desagradado com as questões que lhe foram sendo colocadas, sem que qualquer dos presentes na biblioteca se apercebesse, sub-repticiamente, agarrou nos dois gravadores que se encontravam à sua frente, introduziu-os nos bolsos das suas calças e retirou-se da biblioteca, levando consigo tais aparelhos.

31. Com a saída do arguido e o fim da entrevista, os jornalistas, o fotógrafo e a operadora de câmara, procederam à recolha do material e só nesse momento, deram conta da falta dos mencionados gravadores.

32. De imediato se aperceberam que só poderia ter sido o arguido a retirá-los, uma vez que na biblioteca da Assembleia da República para além dos jornalistas, fotógrafo e operadora de câmara apenas havia estado o arguido.

33. Ao abandonarem a Assembleia da República encontraram o arguido ao que o jornalista F... lhe perguntou "O Senhor deputado tem uma coisa que nos pertence”, tendo o arguido respondido "Estão com um fiel depositário para o tratamento adequado. "

34. No dia 3 de Maio de 2010 deu entrada um Procedimento Cautelar o qual foi distribuído ao 4° Juízo Cível, 3.º Secção da Comarca de Lisboa, intentada pelo arguido contra os jornalistas e a sociedade detentora da Sábado, e atribuído o n.º(...), tendo sido entregues, à ordem do tribunal, no dia 04 de Maio de 2010, os dois gravadores pertencentes a ME....

35. A entrevista em causa foi divulgada no site www.sabado.pt, no dia 5 de Maio de 2010, às 16h52m46 segundos, e publicada parcialmente na edição impressa da revista «SÁBADO» de 6 de Maio de 2010, a qual foi fechada no dia anterior, cujo conteúdo consta do interior de um dos exemplares da revista “Sábado” constante de fls. 12, cujo teor dou por integralmente reproduzido.

36. Os gravadores nos quais se encontravam incorporados o registo áudio da entrevista e de outros trabalhos efectuados pela assistente, apenas foram entregues a esta no dia 08 de Julho de 2010.

37. Ao actuar da forma descrita em 30. dos factos provados o arguido agiu com o intuito de obstar a que as declarações por si prestadas no decurso da entrevista, fossem utilizadas e publicadas na revista "Sábado".

38. O arguido sabia que o modo adequado a obstar à referida publicação seria o recurso às competentes instâncias legais, sendo certo que atento a data em que os factos ocorreram - dia 30 de Abril de 2010 - sexta - feira, até ao dia da publicação da revista - dia 6 de Maio de 2010 - quinta-feira, dispunha de tempo para recorrer às mesmas, não carecendo de levar consigo os mencionados aparelhos para evitar a publicação da entrevista.

39. O arguido tinha consciência que ao tomar e conservar na sua posse os dois gravadores, enquanto instrumentos necessários ao exercício da actividade dos jornalistas e da entidade proprietária da revista "Sábado", atentava contra a liberdade de informação, jornalística e de imprensa, o que quis e conseguiu.

40. Mais sabia o arguido, atenta as suas qualidades e funções referidas em 1. e 2. dos factos provados, e sendo deputado em exercício na Assembleia da República que tal comportamento lhe estava especialmente vedado.

41. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente.

42. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

43. O arguido é licenciado em direito.

44. O arguido exerce as funções de deputado na Assembleia da República e a pare desta função exerce ainda a actividade de advogado.

45. Como deputado o arguido aufere um vencimento líquido mensal de cerca de € 3.600,00.

46. Enquanto advogado, pelo trabalho desenvolvido nessa qualidade, o arguido afirmou ter declarado no ano de 2011 o recebimento a quantia de € 4.500,00, e uma renda de prédio rústico no montante de dois mil euros. Por participar nas sessões da Assembleia Municipal de São Miguel o arguido recebe, três vezes por ano, a quantia de €80,00. O arguido despende mensalmente com dois empréstimos contraídos para aquisição de duas habitações a quantia mensal global de € 1.400,00.

47. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.


Da contestação deduzida pelo arguido, para além dos factos acima mencionados resultou, ainda provado, que:

48. À data da entrevista, os jornalistas sabiam que os responsáveis pelos actos julgados no processo conhecido como a “garagem do farfalha” já haviam sido investigados e condenados por acórdão transitado em julgado, sem que o arguido tenha sido mencionado como suspeito, constituído arguido, acusado ou sequer ouvido como testemunha.

49. Em Dezembro de 2003, a SIC, a SIC Notícias e o jornalista EG... relacionaram o arguido com o caso de pedofilia nos Açores, conhecido pelo “processo da garagem do Farfalha”, chegando mesmo a relatar que ele tinha sido preso preventivamente, tendo tais afirmações ampla divulgação mediática.

50. As afirmações referidas em 49. dos factos provados determinaram que o arguido pedisse a exoneração do cargo que então ocupava de Secretário Regional da Agricultura e Pescas no Governo Regional dos Açores, tendo provocado a este profundo sofrimento, levando-o, inclusivamente, a deixar a Região Autónoma dos Açores.

51. Em 2006, o arguido intentou uma acção declarativa de condenação contra as sociedades proprietárias dos canais de televisão SIC e SIC Notícias (que, já depois de instaurada a acção, se fundiram), bem como contra o jornalista EG..., pelas notícias por este divulgadas e que tinham sido difundidas por aqueles dois canais, em Dezembro de 2003.

52. Nessa acção foi proferida pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, em 20 de Agosto de 2010, no âmbito do processo de acção ordinária n.º(...), decisão que, reconhecendo a falsidade dos factos divulgados, condenou solidariamente os réus a pagar uma indemnização ao arguido no montante de €145.758,97, acrescida dos juros legais devidos, bem como a Ré SIC S.A. a “facultar ao Autor a rectificação ou direito de resposta, no noticiário com maior audiência, quer da SIC, quer da SIC Notícias”.

53. Os Réus interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa e este Tribunal, por acórdão datado de 10 de Janeiro de 2012, concedeu provimento parcial ao recurso, absolvendo o Réu EG... do pedido e condenando a Ré SIC, S.A. apenas a pagar ao arguido uma indemnização de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, Inconformado com esta decisão o arguido interpôs recurso, que se encontra pendente, para o Supremo Tribunal de Justiça.

54. No dia 30 de Abril de 2010, a hora não concretamente apurada, certamente após as 15h00, após ter abandonado a biblioteca da Assembleia da República, o arguido contactou o responsável pela segurança da Assembleia da República, o(...), tendo-lhe solicitado que ficasse fiel depositário dos gravadores durante o fim-de-semana, tendo este recusado fazê-lo, por não se considerar competente para ficar depositário dos gravadores afirmando que os entregaria aos jornalistas caso viessem à sua posse.

55. Em face de tal recusa, foi contactada telefonicamente a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a fim de que esta entidade conservasse, como depositária, dos dois gravadores, até à sua junção aos autos de procedimento cautelar.

56. No entanto, o Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social referiu que não estava nas atribuições e competências dessa Entidade ser fiel depositária de objectos, pelo que também declinou o pedido do arguido.

57. O arguido guardou os dois gravadores no seu gabinete de trabalho na Assembleia da República, numa gaveta fechada da sua secretária, onde permaneceram até à sua entrega em Tribunal.

*

Da prova produzida em audiência, com relevância para a decisão da causa, não resultou provado, que:

a) A partir da afirmação mencionada em 18. dos factos provados o arguido teve a percepção de que, se não dispusesse da gravação integral da entrevista, corria o risco de deturpação das suas palavras aquando da publicação da mesma, sem lhe ser possível demonstrar tal deturpação.

b) O jornalista J... ao fazer a pergunta referida em 29. dos factos provados sabia que a mesma envolvia o risco sério de fazer renascer os boatos, sobre o arguido que tinham surgido em Dezembro de 2003, na sequência das falsas notícias então publicadas.

c) A mencionada “pergunta” cimentou, em definitivo, a impressão, que ao longo da entrevista (sobretudo na sua parte final) se vinha formando no espírito do arguido de que havia do lado dos entrevistadores a intenção de atentar contra a sua honra e consideração, através de suspeitas infundadas ou mesmo comprovadamente falsas.

d) Foi neste contexto que o arguido decidiu por termo à entrevista, e como receava fundadamente que os jornalistas, apesar de manifestamente contra a vontade dele, procedessem à publicação da entrevista, decidiu actuar judicialmente mediante a instauração da providência cautelar mencionada nos factos provados, destinado a impedir a divulgação, por qualquer meio, da entrevista.

e) Dada a sua formação jurídica e a sua experiência como advogado, o arguido sabia que uma actuação judicial nesse sentido não teria qualquer possibilidade de sucesso se não fosse logo entregue ao Tribunal um meio de prova do ocorrido na entrevista, meio de prova esse que teria de ser simultaneamente idóneo e suficiente para permitir uma apreciação judicial imediata, sustentando a prolação de uma decisão cautelar que, em tempo útil, impedisse a divulgação de tal entrevista.

f) Atenta a declaração do jornalista J... referida em 18. dos factos provados, respeitante às suas declarações sobre o Eng. (...), R...não podia deixar de pensar também no risco de deturpação das suas palavras, se não conseguisse obter decisão cautelar que impedisse a publicação da entrevista.

g) Ao abandonar o local onde estava a decorrer a entrevista, levando consigo os dois gravadores digitais que faziam o registo áudio desta, o arguido actuou com a intenção de preservar um meio de prova, tendo em vista não só a imediata junção dos gravadores ao requerimento inicial de um procedimento cautelar que decidira intentar mas também a preservação da possibilidade efectiva de posterior actuação judicial contra qualquer deturpação das suas palavras.

h) No momento em que actuou na forma descrita no ponto 30. dos factos provados, o arguido ao levar os gravadores da assistente, tinha presente que a entrevista estava também a ser gravada com recurso à câmara de filmar, colocada no local onde a mesma decorreu.


Fundamentação da decisão da matéria de facto.

A convicção do tribunal relativamente aos factos provados e não provados formou-se com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, nos documentos constantes dos autos, apreciados à luz das regras da experiência comum e da livre convicção do julgador, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Assim e no que respeita aos factos provados sob os pontos 1. a 33. atendeu o tribunal ao teor da visualização da entrevista realizada em audiência de julgamento junta aos autos, conjugando o seu teor com as declarações prestadas pelo arguido, pela assistente M..., pelas testemunhas J..., JM... e RP..., tendo estas últimas, revelado não ter prestado atenção à entrevista e ao seu conteúdo. As declarações prestadas pelo arguido e pela assistente foram consentâneas entre si relativamente aos factos respeitantes à marcação da entrevista pela assistente e ao consentimento prestado pelo arguido para a sua divulgação e gravação.

As declarações do arguido e da assistente, bem como o depoimento do jornalista F... foram consentâneos entre si no que respeita à forma como decorreu a entrevista, o que aliás resultou da sua visualização.

Por outro lado, ponderou também o tribunal o teor do artigo publicado na revista Sábado, n.º 314, de 12 de Maio de 2010, cujo exemplar consta dos autos de 12 e seguintes, ao teor das facturas dos gravadores constante de fls. 12.

A prova dos factos 34., 49. a 53. resultou das declarações do arguido, conjugadas com o teor das cópias de algumas peças processuais do procedimento cautelar intentado pelo arguido contra a E..., S.A., a assistente e o jornalista F..., constante de fls. 68 a 88, 98 a 100, 113 a 115 e fls. 639 a 698. Também os factos descritos nos pontos 35. e 36. resultaram da ponderação do teor da entrevista contida nos artigos de opinião e publicação parcial da entrevista constante de fls. 12, informação prestada pelo director da revista “Sábado” de fls. 91 e termo de entrega de fls. 132.

Quanto aos factos respeitantes às condições sociais, económicas e profissionais do arguido ponderou o tribunal as declarações do arguido, as quais, neste particular, não mereceram qualquer reserva, bem como relativamente à ausência de antecedentes criminais no teor do certificado de registo criminal de fls. 699.

No que respeita aos factos 37 a 40 dos factos provados o arguido negou ter actuado da forma dada como provada, alegando que subtraiu os gravadores à disponibilidade dos jornalistas nas circunstâncias que é possível visualizar com clareza da cópia da gravação da entrevista junta aos autos, porque durante a mesma foi sendo confrontado com insinuações e factos que em nada respeitavam à finalidade para a qual tinha acedido a responder às perguntas dos jornalistas. Acrescentou que a testemunha J..., no decurso da entrevista, na altura em que a mesma versava sobre o facto de o engenheiro (...) ter escrito o prefácio do livro do engenheiro JR..., afirmou que o mesmo tinha proferido afirmações graves que o mesmo não tinha proferido, tendo por tal motivo reagido, entre o mais, dizendo-lhe para ver o que tinha sido dito e estava registado. Como o jornalista se retratou acedeu a continuar a entrevista, sendo certo que, volvidos alguns minutos, foi confrontado com o processo relacionado com o seu envolvimento na constituição de uma offshore tendo sedimentado a ideia de que aquela entrevista visava atentar contra o seu bom nome e consideração sem que visasse o fim para a qual havia sido concedida e autorizada.

Na sequência da afirmação do jornalista F... imputando-lhe uma afirmação que não dissera, a persistência em falar sobre o processo de DR... ficou convencido de que caso não lograsse preservar um meio de prova as suas palavras seriam deturpadas, tendo começado a pensar que teria de propor uma providência cautelar para obstar à publicação da entrevista, dado o rumo atentatório da sua dignidade e bom nome, estando ciente de que necessitava de um meio de prova para tal, dado que estava sozinho com quatro jornalistas, e para obter uma decisão em tempo útil, careceria de um meio de prova que pudesse usar em juízo.

Acrescentou, ainda, que confirmou em definitivo a sua convicção quando foi confrontado com o caso da pedofilia nos Açores, processo mediatizado como o processo da “garagem do Farfalha”, altura em que pegou nos gravadores que se encontravam colocados em cima da mesa que o separavam dos dois jornalistas presentes, para utilizar como meio de prova na providência cautelar que decidiu instaurar, ao longo da entrevista, para evitar a publicação da mesma, e para evitar que as suas palavras fossem deturpadas, estando ciente de que os jornalistas sempre disporiam da gravação em vídeo e áudio através da câmara que estava colocada a cerca de um metro e meio do local onde se encontrava sentado, entre ambos os jornalistas e atrás destes.

Após ter saído da biblioteca na posse dos gravadores, o que terá ocorrido por volta das 15h30 procurou entregar os dois gravadores a uma pessoa idónea que os pudesse guardar, tendo solicitado ao coronel José Pimenta para os guardar como fiel depositário até que intentasse a providência cautelar o que apenas poderia acontecer na segunda-feira, tendo este recusado alegando que tal incumbência não se continha nas suas funções.

Quando estava a falar com a testemunha AM..., sua amiga e colega de gabinete e o tenente coronel cruzou-se com a testemunha E.... Dirigiram-se ambos para o gabinete, do qual telefonou para a ERC, solicitando ao director executivo daquele entidade que guardasse os gravadores, pedido que este recusou, dado não se conter tal acto nas funções ou previsão dos estatutos daquele entidade. Face a tal recusa decidiu guardar os gravadores no seu gabinete até à terça-feira seguinte, dia em que foram juntos à providência cautelar que correu os seus termos nos Juízos/varas Cíveis de Lisboa.

Reiterou estar convencido de que agia no exercício legítimo de um direito e mediante uma causa de justificação da sua conduta.

A assistente M... confirmou no essencial as declarações do arguido relativamente à marcação da entrevista, ao local, tempo e modo como a mesma foi acordada, a forma como a mesma decorreu e a actuação do arguido durante a mesma, quando confrontado com as questões que lhe foram sendo colocadas ao longo da entrevista, factualidade também confirmada pelo depoimento isento, seguro e credível prestado pela testemunha J.... Acrescentaram, ainda a assistente e a testemunha J... não houve qualquer imposição ou limitação aos temas e perguntas que deveriam ser objecto da entrevista, o que obviamente o arguido podia ter exigido, estando as questões a colocar preparadas e previamente definidas entre os dois jornalistas. Ambos confirmaram que, no imediato momento em que o arguido abandonou as instalações da biblioteca onde decorria a entrevista, previamente preparada pelos jornalistas, não se aperceberam do sucedido, tendo ambos se apercebido que os mesmos faltavam quando estavam a arrumar o material, concluindo de imediato que apenas podiam ter sido levados pelo arguido. Confirmaram de igual modo a conversa que o jornalista Fernandes Esteves teve com o arguido já no exterior na Assembleia da República e o que por este foi dito na sequência da afirmação daquela mesma testemunha.

As testemunhas JM... e RP... a primeira operadora de câmara e o segundo fotógrafo, igualmente de forma segura, serena e credível, tal como a anterior testemunha, revelaram encontrar-se nas instalações da biblioteca da Assembleia da República confirmaram o posicionamento de cada um deles na biblioteca e do arguido, a posição da câmara de filmar e dos gravadores em relação ao arguido e aos jornalistas. A testemunha RP... revelou não se recordar do conteúdo da conversa, tal como referido pela testemunha JP... que revelou que a entrevista decorreu num ambiente tenso.

No que respeita à atitude posterior do arguido, após a saída da biblioteca para além das declarações prestadas pelo arguido no que respeita à tentativa de entrega às diversas entidades dos gravadores, atendeu também o tribunal ao depoimento isento e seguro, prestado pela testemunha E..., Juiz Desembargador, que afirmou ter encontrado o arguido a hora que não soube precisar, mas que situou entre as 16h45 e as 17h00, o qual lhe transmitiu o sucedido, designadamente, a forma como tinha decorrido a entrevista e o seu receio que fossem deturpadas as suas palavras e a intenção de intentar a providência cautelar, dada a forma como tinha decorrido a mesma, revelando temer que voltassem à carga com “fogueiras extintas”. Confirmou o contacto com a ERC e a recusa daquela entidade.

A testemunha JP... de forma isenta, segura e credível confirmou o contacto do arguido no dia dos factos, o propósito de tal contacto, a sua recusa e o a afirmação dada como provada.

A testemunha AM... revelou igualmente de forma concisa, serena e sem dúvidas que o arguido, no dia da entrevista pediu-lhe, quando já se encontrava na Comissão à espera do arguido, que a mesma fosse ao gabinete. Nesse local, o arguido contou-lhe o sucedido durante a entrevista referindo que tinha trazido os gravadores para poder intentar a providência cautelar a fim de evitar a publicação, a deturpação das suas palavras e ter um meio de prova para obter o deferimento da mesma.

Também a testemunha L..., Procuradora da República em Ponta Delgada, revelou ter dirigido a investigação do processo vulgarmente conhecido como o processo da “Garagem do Farfalha” em 2003 e pese embora tenha sido feita menção nos meios de comunicação social na altura o envolvimento do arguido neste processo, da investigação e dos meios de prova carreados para o mesmo, nunca resultou qualquer menção ao seu envolvimento na prática dos actos que naquele processo se investigaram. À data dos factos, o arguido era um conhecido advogado e exercia as funções de secretário do Governo Regional dos Açores, o qual se demitiu na sequência de tal envolvimento pelos meios de comunicação social, embora não demonstrada por qualquer forma da prova produzida no processo decorrente da investigação e actos processuais realizados nesse âmbito.

Voltando à intencionalidade da acção do arguido consubstanciada na subtracção dos gravadores, pese embora o arguido tenha referido que levou consigo os gravadores não com intenção de obstar à publicação da entrevista por parte dos jornalistas nos termos dados como provados, mas para evitar sim para evitar a deturpação das suas palavras, bem como para deter um meio de prova que lhe permitisse corroborar o atentado ao bom nome que sofrera no âmbito da providência cautelar que decidira instaurar e da qual deu entrada, através de mandatário, em juízo no dia útil seguinte à data em que a entrevista ocorreu, tal argumentação não resulta sustentada na sua actuação objectivamente olhada e analisadas segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade.

Desde logo, porque não se vislumbra, do teor integral da entrevista quais as perguntas/afirmações feitas pelos jornalistas que pudessem atentar contra a honra, estima e consideração do arguido.

O lapso cometido pelo jornalista F... foi, quando confrontado pelo arguido é certo, reconhecido e solicitado que a ele não se atendesse, tanto assim é que o arguido continuou a dar a entrevista. Os factos relacionados com o processo de DR..., designadamente, os relacionados com a constituição da offshore, que o arguido não desmentiu, tinham relevo para o confronto do arguido com a posição pública do PS, à data dos factos, de se posicionar contra aquela figura jurídica. A invocação do processo do “caso da garagem do Farfalha” surge, na sequência de afirmações anteriormente proferidas pelo arguido, no decurso da entrevista, respeitantes aos “azares” na vida do engenheiro (...), sem que tenha sido imputada a prática de qualquer facto, estando os jornalistas cientes de que os tribunais sobre eles e sobre o não envolvimento do arguido ou pelos menos de não dedução de acusação contra ele já haviam tomada uma decisão, como aliás referem ao longo das perguntas que vão fazendo e confirmaram em audiência.

Na verdade, as perguntas/afirmações colocadas pelos jornalistas não foram cómodas/confortáveis para o arguido, como resulta evidente da suas respostas e afirmações que foi dando à medida que a mesma decorria, sendo evidente o aumento da tensão ao longo da mesma que cominou com o confronto com o processo da garagem do farfalha facto esse sim que perturbou sobremaneira o arguido, como o mesmo admitiu em audiência, ao referir que fica perturbado com tais factos, sobre os quais não gosta de falar e que tiveram repercussões muito negativas na sua vida e que na nossa perspectiva motivaram a sua actuação irreflectida, esquecendo-se entre o mais que estava a ser filmado e que dessa forma não poderia obstar à publicação, embora fosse essa a intenção quando levou os dois gravadores.

Acresce que as questões colocadas estavam alicerçadas em processos e factos mediatizados, para o bem e para o mal, e que, de forma clara e evidente, estavam relacionados com a actividade política e funções desempenhadas pelo arguido à data da entrevista, sendo que a questão/afirmação em que é invocado o processo da garagem do Farfalha surge no contexto das afirmações anteriores sobre o engenheiro (...) proferidas pelo arguido durante a entrevista, sem que desse confronto, ao qual o arguido não respondeu, se possa concluir que o jornalista estava a imputar a prática de factos relacionados com a pedofilia e que com tal questão pretendia fazer ressurgir os boatos.

Sendo o arguido uma pessoa experiente, habituado a contactar com os meios de comunicação social e certamente com perguntas que o deixam menos confortável e que o desagradam, com formação jurídica, caso o mesmos estivesse a sentir-se ofendido na sua honra e consideração ao longo da entrevista, o que não se concede, pelas razões acima aduzidas, não se compreende, então, que o mesmo não tenha posto termo à entrevista em momento anterior e imediato à primeira situação, à qual o próprio atribui este efeito, sendo esta a actuação mais consentânea com alguém que se sente atingido na sua honra.

E muito menos que o não tenha feito quando criou a convicção, como referiu, de que as suas palavras podiam ser deturpadas, circunstância que, quanto a nós, se afigura mais grave do que a primeira, embora não se conceda o entendimento do arguido nesse sentido, porquanto, como sendo se disse, o jornalista F... após ter sido confrontado com a sua afirmação de imediato se retratou não tendo voltado a fazer, até ao fim da mesma, afirmação semelhante.

Sem prejuízo do que acima se disse, acrescendo às razões acima aduzidas, também não é consentâneo com as regras da experiência comum, que atento o estado de tensão, a necessidade de responder às perguntas que tiveram uma cadência rápida e como vimos, eram tudo menos confortáveis para o arguido, pressupondo que o mesmo estruturasse e pensasse na resposta a dar, e não se olvidando a sua formação jurídica e exercício prático, que o mesmos tenha estado, como referiu, mais de metade do tempo que durou a entrevista a pensar na sua forma de reagir à agressão de que entendia estar a ser vitima, da necessidade de munir com um meio de prova, porque se assim foi, o que não se admite, não se compreende então que sendo essa finalidade que o arguido tinha quando levou os gravadores, que tenha levado ambos e não apenas um, dado que apenas um bastaria para alcançar os objectivos que referiu prosseguir ao actuar daquela forma.

Referiu, ainda, o arguido que, na altura, em que decidiu levar os gravadores estava ciente de que a entrevista estava a ser gravada através da câmara de filmar (som e imagem) e como tal os jornalistas podiam ter acesso à mesma, todavia, não se pode aceitar tal afirmação, porquanto, também ela não é consentânea com o período de maturação da convicção que o arguido refere, porquanto admitindo-se que o mesmo esteve durante mais de meia hora a pensar na forma de reagir, e que estava certamente a raciocinar com “frieza” que não tenha pensado nas consequências que para si decorreriam, como decorreram em termos de imagem pública da divulgação de tal entrevista, tanto mais que a probabilidade de conseguir obstar à mesma, embora possível pela providência cautelar (caso também não tivesse havido lapso na indicação do tribunal competente para a decisão), era bastante menor do que a exibição da entrevista.

A maioria dos cidadãos, independentemente, de estarem cientes das consequências jurídicas da sua actuação, não ocorreria apreender um objecto pertencente a terceiro para utilizar como meio de prova, muito menos a um jurista que exerce a advocacia, sendo elucidativa a este respeito a postura da testemunha José Pimentel quando afirmou que se os gravadores lhe fossem entregues pelo arguido os devolveria à sua proprietária.

Por último, se o objectivo, que não se concede, era levar os gravadores e utilização dos mesmos como meio de prova, evitando pôr em causa a adulteração do seu conteúdo, não se compreende então a necessidade de os entregar a um fiel depositário, dado que, certamente, o arguido seria, a admitir-se a motivação que referiu, a última pessoa a crer adulterá-los, estando junto de si assegurada a inviolabilidade do seu conteúdo, sem necessidade de os entregar a terceiros.

Não se argumente, por último, que a referência feita, imediatamente a seguir aos factos, pelo arguido após a apreensão dos gravadores, à utilização dos gravadores na propositura da providência cautelar, não põe em causa o que se acaba de dizer, porquanto após ter saído da entrevista aí sim o arguido teve tempo de pensar e de reflectir sobre a posição a adoptar para justificar de forma minimamente consistente esta sua actuação, mas não credível, transmitindo-a às testemunhas que relataram o que lhes dói transmitido pelo arguido.

Não restam dúvidas a este tribunal que o arguido ao agir da forma dada como provada estava ciente de que os gravadores eram essenciais à actividade jornalística, por um lado, pelo reconhecimento como tal que lhes é atribuído pelo cidadão comum, por outro porque se assim não fosse o arguido não os teria levado consigo.

Por último, deixamos aqui apenas uma referência à circunstância de na providência cautelar intentada pelo arguido, após o sucedido, não terem sido invocados os factos integradores da violação do bom nome do arguido, tendo, por tal via, indeferida liminarmente a providência, não se compreendendo a necessidade de justificar naquela sede detenção dos gravadores.

Assim se conclui, contrariando assim a tese da defesa que resulta não provada, pela actuação do arguido descrita nos pontos 37. a 41 e consequentemente dando como não provados, porque contrários àqueles e à convicção do tribunal, os factos mencionados nas alíneas a) a h) dos factos não provados.”


O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas são:

1. Nulidade da sentença nos termos do art.º 379º n.º 1 al. c) CPP por violação do dever de fundamentação do art.º 374º n.º 2 CPP;

2. Se os factos provados sob os n.ºs 37 a 42 e al.s a) a h) não provados foram assim considerados em violação do principio da livre apreciação da prova do art.º 127º CPP conjugado com o principio in dubio por reo;

3. Errada integração jurídica dos factos por não preenchimento do tipo legal do ilícito criminal.

4. Se a conduta do arguido foi no exercício de acção directa.



Na primeira das questões invocadas pelo recorrente alega o mesmo que a sentença não se encontra suficientemente fundamentada uma vez que, quanto aos pontos n.º 37 a 42 da factualidade dada como provada e quanto à alínea e) da factualidade considerada não provada, o Tribunal a quo não indica quaisquer meios de prova que sustentem a decisão de considerar a aludida factualidade como provada limitando-se, apenas, a fundamentar a razão pela qual considera como não provados os factos alegados pela defesa na contestação que juntou aos autos e a descrever o teor das declarações do arguido e da assistente, assim como o teor dos depoimentos das sete testemunhas inquiridas na audiência de discussão e julgamento passando, seguidamente, a demonstrar por que razões considera que a versão factual apresentada pelo arguido “não resulta sustentada na sua actuação objectivamente olhada e analisada segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade”.

Na motivação de recurso apresentada, o recorrente discorre várias considerações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do dever de fundamentação das decisões judiciais, mormente das sentenças, considerações essas com as quais estamos de acordo e a que, muito frequentemente, fazemos apelo quando aquele tipo de questão nos é posto.

Diz o art.º 374º n.° 2, do C.P.P., que, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Quando assim não suceda, a sentença é nula, por força do disposto no art.º 379º n.° 1, al. a), sendo que também a C.R.P. preceitua no seu art.° 205°, n.° 1, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Sem necessidade de citar a sentença recorrida, no segmento ora sob impugnação e em apreciação, diremos que se mostra ali dado cabal cumprimento ao citado preceito processual pena relativo à fundamentação uma vez que, não só se mostram elencados, para além dos factos provados e não provados, os meios de prova a que o tribunal atendeu para formar a sua convicção, bem como explanado o raciocínio e percurso lógico seguido pelo tribunal para considerar a matéria de facto como provada ou como não provada. Assim, pela simples leitura da sentença se depreende, até porque o tribunal, sem que tal lhe fosse legalmente imposto, fez o esforço de segmentar os factos para melhor explicar a respectiva influência, os vários meios de prova na respectiva consideração como provado ou não provado: de um lado, a factualidade objectiva dada como provada e, no outro, os respeitantes aos elementos subjectivos típicos do crime em análise.

Quanto à primeira, mostra-se evidente que o Tribunal a quo indica os meios de prova em que fundamentou a sua convicção e procede ao exame crítico desses mesmos meios de prova, realçando aqui o valor probatório do registo integral da gravação áudio e vídeo da entrevista concedida pelo arguido à revista Sábado, cujo visionamento foi feito em sede de audiência de discussão e julgamento, a restante prova documental na mesma invocada e cujo teor resultou comprovado pelas declarações do arguido, da assistente e pelos depoimentos das demais testemunhas de acusação e de defesa.

Quanto aos segundos elementos, importa mencionar que a prova dos elementos subjectivos de um determinado crime resulta, em princípio, da factualidade objectiva provada, que, com segurança, permita inferir, com base em presunção natural, tais elementos subjectivos.

Aliás, a prova da intenção do agente é insusceptível de prova directa, na medida em que não existem meios de penetrar nessa "ilha de liberdade" que constitui o pensamento e a volição de cada ser humano. Ou seja, a prova de tal vontade, por regra, apenas se logra por via indirecta.

Com efeito, e como se escreve na Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-02-1983 (In BMJ, n° 324, pág. 620), “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”.

Na maioria dos casos, o dolo, o conhecimento do seu sentido ou significação, acaba por ser dado por provado por presunção do julgador, sem que haja testemunhas - nem as há disso mesmo. O dolo, em função da sua natureza, e na generalidade dos casos, surge provado como circunstância conatural dos factos que constituem os elementos objectivos do crime.

Dai que só com a convocação das regras da experiência comum e da normalidade da vida para, em face da actuação concretamente desenvolvida pelo agente, se possa inferir a “intenção” a ela subjacente.

Aqueles elementos subjectivos mostram-se inseridos nos factos 37 a 42 provados relativamente aos quais o tribunal a quo fez apelo às declarações do arguido, fazendo-as passar pelo crivo das declarações da assistente e das testemunhas inquiridas em audiência e prova documental existente nos autos e, em suma, fazendo o exame critico das mesmas concluir, como concluiu, dar como provado o que consignou nos referidos pontos fácticos, num repúdio dos argumentos e explicações apresentados pela defesa quanto à alegada intenção subjacente à actuação objectiva levada a cabo pelo arguido.

O tribunal a quo, ao fazer aquela opção, só poderia vir a decidir que os factos invocados pela defesa, acerca da intencionalidade do arguido, seriam remetidos para a categoria do factos não provados, mostrando-se a indicação dos meios de prova (a seguir-se a exigência pretendida pelo recorrente, tratar-se-ia de meios de não prova) redundante, pois que, conforme se faz constar do quarto parágrafo da fundamentação da decisão de facto a fls. 16 da decisão recorrida, o tribunal a quo concluiu que tais factos resultaram não confirmados perante o conjunto da prova produzida e respectivo exame crítico que o levou a dar como provados os factos contrários (os factos 37 a 42 da factualidade provada) aos enunciados nas alíneas a) a h) dos factos não provados.

A conclusão pretendida pelo recorrente com a invocação da nulidade - os factos dados como não provados deveriam ter sido dados como provados com base na prova produzida e em última instância por aplicação ao principio in dubio pro reo - está para além da consequência que se poderia retirar da deficiência da fundamentação de facto da sentença, entrando na apreciação que o tribunal a quo fez da prova produzida, o que mais à frente no recurso o recorrente põe em causa, mas que nos habilita, face ao carácter de subsidiariedade de arguição de nulidade da sentença relativamente ao conhecimento do mérito da mesma (fundamentando ali a sua necessária absolvição através da modificação da matéria de facto), a dizer que verdadeiro objectivo daquela invocação mais não é que impugnar a decisão condenatória.

Resumindo, como o STJ fez no seu acórdão de 09/05/2007, proferido no Proc. n.º 247/07 da 3ª Secção: “A fundamentação decisória não tem que preencher uma extensão épica, sem embargo de dever permitir ao seu destinatário directo e à comunidade mais vasta de cidadãos, que sobre o julgado exerce um controle indirecto, apreender o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal decisão. Para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja a crítica por que umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas, a favor ou contra, que constituem a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada”.

Nesta perspectiva, a nulidade invocada não tem o mínimo fundamento, mostrando a sentença uma completa observância do disposto no art.º 374º n.º 2 CPP no tocante à decisão fáctica.



Ainda no capítulo das nulidades da sentença e do art.º 374º n.º 2 CPP, invoca o recorrente a nulidade da sentença na perspectiva de uma insuficiente motivação de direito, alegando que o tribunal a quo decide diversas questões jurídicas fundamentais omitindo a indicação das normas jurídicas que sustentam os entendimentos jurídicos perfilhados que qualifica de erróneos, sem, por uma única vez, proceder à exposição dos motivos de direito que fundamentam tal decisão, o que acarreta a violação daquele preceito e do 379º n.º 1 al. a) do C.P.P.

Mais defende ser inconstitucional, porque contrária aos art.ºs 20,º n.º 1, 32º n.º 1 e 205º n.º 1 todos da C.R.P, a interpretação dos art.ºs 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al. a) do C.P.P. segundo a qual uma sentença condenatória não tem de indicar as normas jurídicas aplicáveis para resolução das questões suscitadas.

Sem necessidade de citar o teor da sentença no capitulo do enquadramento jurídico da factualidade provada, no mesmo segmento da decisão recorrida mostram-se indicadas as normas legais aplicáveis ao caso concreto em discussão nos autos, designadamente, os art.ºs 33.º n.º 1, al. c) e n.º 2 da Lei n.º 2/99 de 13/01, alterada pela Lei n.º 18/2003 de 11/06, 19.º n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 1/99 e o art.º 199º n.º 1 al. a) e b) do C.P., na decorrência da subsunção da conduta do arguido às normas legais que considerou aplicáveis e com fundamento nas quais condenou o recorrente pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de atentado à liberdade de imprensa.

Não se vislumbra, pois, qualquer violação do disposto no art.º 374º n.º 2 CPP que determinasse a nulidade da sentença nos termos do art.º 379º n.º 1 al. a) do mesmo Código e que se revele, na mesma parcela da sentença, que seja seguida uma qualquer interpretação daqueles preceitos desconforme aos preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.

Mais uma vez, inexiste qualquer nulidade nos termos do art.º 379º n.º 1 al. a) por inobservância do art.º 374º n.º 2, ambos do CPP.


Como segunda questão e entrando na impugnação da decisão fáctica, o recorrente defende que a sentença recorrida foi proferida em violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo em conta os limites legais aquele principio impostos pelas regras da experiência comum conjugadas com o princípio do in dubio pro reo, concluindo que ali se deu como provados factos duvidosos, desfavoráveis ao arguido, e como não provados factos duvidosos favoráveis ao arguido, resultado esse a que chegou com violação daqueles princípios e do disposto no art.º 127 do C.P.P., isto sobre os factos provados n.º 37 a 42 e os das alíneas a) a h) não provados, em suma, os já anteriormente visados elementos subjectivos do típicos do crime pelo qual veio a ser condenado e que, por esta via, pretende substituir.

É comummente aceite que o julgamento da causa é o que se realiza em primeira instância e que o recurso visa apenas corrigir erros de procedimento ou de julgamento que nele possam ter resultado, incluindo erros de julgamento da matéria de facto. Em caso algum pode o recurso servir para obter um novo julgamento, agora em segunda instância. - Prof. Germano Marques da Silva, em Forum Justitiæ, Maio de 1999, citado no Acórdão da Relação de Guimarães, de 20-03-2006, visto em www.gde.mj.pt/jtrg , onde sustentou que “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância.”.

O objecto do recurso será, pois, a decisão recorrida e não o julgamento da causa, propriamente dita - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18 de Janeiro, Processo n.º 199/2005, da 2.ª Secção, consultado em http://w3b.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060059.html.

Com efeito, a produção da prova decorre perante o tribunal de primeira instância e no respeito de dois princípios fundamentais: o da oralidade - art.º 96.º, n.º 1 do CPP - e o da imediação - art.º 340.º e seguintes do CPP. Com isso visa-se assegurar o princípio basilar do julgamento da matéria de facto em processo penal: o da livre apreciação da prova por parte do julgador. - art.º 127.º do CPP.

Convém lembrar que é ao tribunal, e não aos sujeitos processuais, que incumbe avaliar a prova, não se vislumbrado que, pelo facto de o julgador não ter acreditado em parte das versões sustentadas em julgamento pelo arguido e/ou por algumas testemunhas, não lhe conferindo maior crédito por contraponto às demais provas que perante si desfilaram, tivesse violado qualquer norma legal, nomeadamente o disposto no art.º 127º do CPP.

Aliás, o tribunal não está impedido de conferir crédito apenas a uma parte (e não a todo) do depoimento de qualquer arguido ou testemunha e, sobretudo, não está impedido de raciocinar, v.g. quando tinha outras provas (as demais indicadas na decisão recorrida) ao seu dispor, o que lhe permitia retirar as devidas ilações quando articulava de forma conjugada toda essa prova que por si foi avaliada.

Não é pelo facto de, como no caso, o arguido apresentar determinada versão, que esta passa a impor-se ao Tribunal.

A análise da prova produzida em julgamento supõe uma apreciação crítica, não sendo o tribunal um mero receptor de declarações ou depoimentos produzidos em julgamento.

O importante é que o tribunal se convença da veracidade daquela prova e que esse convencimento se imponha de forma objectiva e racional.

Este aspecto da impugnação é indissociável da impugnação concreta que o recorrente faz desses mesmos factos remetendo para o teor das declarações, suas, e do depoimento de algumas das testemunhas.

Assim, segundo o arguido, com a apreensão dos gravadores este visou, tão só i) recolher meio de prova eficaz para obter, em tempo útil, decisão judicial na providência cautelar que intentara e ii) prevenir o perigo de interpretação abusiva/deturpação das suas palavras, chamando em abono dessa sua tese transcrições parcelares das suas declarações e do depoimento da testemunha de defesa por si arrolada, o Exmo. Desembargador E....

Ora, compaginando essas declarações, que transcreveu, com os excertos das declarações da assistente ME... e da testemunha F..., que também transcreveu, a versão dos factos que o arguido tentou impor em audiência e, agora por via do recurso, não é credível, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida.

E neste tocante não podemos deixar de seguir as passadas que o tribunal a quo seguiu no exame critico da prova no sentido de demonstrar a formação da sua convicção com principal apelo à gravação vídeo e áudio da entrevista que se mostra junta aos autos e que foi integralmente visionada na audiência: o arguido começou a ficar incomodado com a imputação, feita pelo jornalista F..., de palavras que não proferiu a propósito do Eng. (...), sobre o qual alertou o jornalista F..., o que ocorreu próximo do 13º minuto dos cerca de 50 em que a entrevista se prolongou (conforme factualidade provada sob o n.º 18.º a 20.º).

Tal incómodo, apesar de diminuído pela retratação que o jornalista F... verbalizou, persistiu e acentuou-se ao longo da entrevista à medida que, ao arguido, iam sendo feitas perguntas relacionadas com processos judiciais, mormente o relativo a uma antiga sua cliente que foi condenada por crime de burla, incómodo pelo facto do arguido entender que tais perguntas insinuavam o seu envolvimento em factos ilícitos, e, mais à frente, o relativo ao caso conhecido como “garagem do Farfalha” .

Também se constata que no decurso da entrevista avisou, por diversas vezes, os jornalistas que, caso insistissem nessas perguntas, não responderia a essas questões, por considerar tais perguntas insultuosas e difamatórias (tal como decorre dos pontos n.º 21.º a 29.º dos factos dados como provados).

Como o próprio arguido reconhece, a associação do recorrente a processos relacionados com a pedofilia é algo que lhe causa grande perturbação, pelo que, aquela tensão e incómodo do arguido aumentaram, tendo o seu pico no momento em que lhe é efectuada uma pergunta sobre o processo conhecido como “garagem do Farfalha”, em que o arguido se levanta, deita mão – “sub-repticiamente” – aos dois gravadores e abandona as instalações, levando-os consigo.

No sentido de cimentar a sua versão da intenção de que estava animado quando procedeu à retirada dos gravadores, argumenta o recorrente com a sua larga experiência como advogado e o conhecimento do direito, tal como o frequente contacto com os media.

Tal argumento não consegue impor-se face ao conteúdo dos factos 49 a 52 da factualidade dada como provada – na medida em que se trata de matéria introduzida pela respectiva contestação – onde o alegado envolvimento do arguido em tal processo judicial, difundido à data em alguns meios de comunicação social, e relativamente ao qual comprovadamente nunca teve qualquer ligação lhe causou, compreensivelmente, enorme transtorno e abatimento – com repercussões várias ao nível da sua vida pessoal e politica – incómodo que o assalta ainda hoje, essa perturbação do ponto de vista emocional (evidente na própria gravação da entrevista) lhe permitisse agir com um grau de racionalidade e “frieza” que avaliasse o percurso legal que encetaria a seguir aos factos.

Depois, se a confessada motivação de retirada dos gravadores era fazer prova no procedimento cautelar, não se percebe da necessidade de retirar os dois gravadores; bastaria, nesse ponto de vista e para tal finalidade, um deles.

Argumenta ainda o recorrente que a sua motivação também era prevenir o perigo de interpretação abusiva e/ou o perigo de deturpação das suas palavras. Tal argumentação esbarra, no entanto, com o conteúdo do pedido feito na providência cautelar, cuja cópia se mostra junta aos autos, em que peticiona que seja “ordenada a destruição das gravações da entrevista do requerente em 30/04/2010, quer em suporte áudio, quer em vídeo, este na posse dos requeridos”, explicação que não foi atendida pelo tribunal a quo e que também não podemos aceitar. Recorda-se aqui o argumento adicional vertido na fundamentação da decisão recorrida: “… se o objectivo, que não se concede, era levar os gravadores e utilização dos mesmos como meio de prova, evitando pôr em causa a adulteração do seu conteúdo, não se compreende então a necessidade de os entregar a um fiel depositário, dado que, certamente, o arguido seria, a admitir-se a motivação que referiu, a última pessoa a crer adulterá-los, estando junto de si assegurada a inviolabilidade do seu conteúdo, sem necessidade de os entregar a terceiros. “. Para quem, como invoca, tem larga experiência como advogado e conhecimento do direito, encontrando-se no momento a raciocinar com frieza, convenhamos que a explicação dada não consegue impor-se por juízos de normalidade e de senso comum.

Ou como adianta a resposta do M.º P.º ao recurso “…a proceder a versão do arguido recorrente e aceitando-se que o mesmo tinha plena consciência de que estava a ser filmado – estando, por isso, a entrevista por si concedida, e destinada à ser publicada na Revista Sábado, a ser registada em áudio e vídeo na câmara de filmar - actuando com extremo grau de racionalidade exigido pela alegada motivação da sua provada conduta – apreensão dos gravadores nas circunstâncias melhor referidas sob os pontos n.º 30 da factualidade dada como provada - esta conduta mostra-se absolutamente incompatível com as regras da experiência comum.

Se, o recorrente, se tivesse lembrado – no exacto sentido de que tinha consciência activa no momento da acção ― que estava a ser filmado, não deixaria de representar que a sua conduta, que previsivelmente iria – como veio - a ser amplamente divulgada nos órgãos de comunicação social, desse modo atingiria muito mais grave e imediatamente a sua imagem (que também é direito fundamental) do que o dano que lhe poderia advir de uma hipotética interpretação abusiva/deturpação da sua palavra por parte dos jornalistas quando publicassem a entrevista já que, de igual modo, seria de prever a conotação social acentuadamente negativa da sua conduta decorrente, desde logo da sua notoriedade pública e politica.”

Por isso se impôs ao tribunal a quo a conclusão vertida no facto provado 37: “ (…) o arguido agiu com o intuito de obstar a que as declarações por si prestadas no decurso da entrevista fossem utilizadas e publicadas na revista “Sábado”.”

Esta conclusão acerca da motivação do arguido mostra-se cristalinamente justificada na fundamentação da decisão fáctica que vai do último parágrafo de fls. 13 da sentença até ao terceiro parágrafo de fls. 16 da mesma, que aqui nos abstemos de reproduzir, de donde se extrai que o Tribunal a quo fez a apreciação da prova mais consentânea com as regras da experiência comum e de normalidade da vida ao dar como provados os pontos n.ºs 37 a 42 (da factualidade dada como provada) e como não provados os factos constantes das al.s a) a h) (da factualidade dada como não provada) não patenteando qualquer violação do principio da livre apreciação da prova constante do art.º 127 do C.P.P. .

Por outro lado, o modo assertivo como o tribunal a quo argumenta no sentido de, através do exame critico da prova, demonstrar onde e como adquiriu a sua convicção traduz que o mesmo não foi assaltado por qualquer dúvida acerca da verificação dos factos provados nos moldes que deixou consignado ou, de outro ponto de vista, que se lhe impusesse que ficasse numa dúvida inultrapassável quanto aos mesmos ou a alguns deles, mormente só porque o arguido adiantou uma explicação que não foi adoptada pelo julgador.

Como refere o acórdão do STJ de 12-07-2005, em que foi relator o Exmo. Conselheiro Simas Santos, disponível em www.gde.mj.pt/jstj, “O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.” (sublinhado nosso)

E no encerramento da apreciação da impugnação dos factos por parte do recorrente, concluímos não só que os meios de prova que o recorrente convocou para afirmar uma errada apreciação da prova por parte do tribunal a quo não impõem uma decisão diversa quantos aos concretos factos impugnados (como dispõe o art.º 412º n.º 3 CPP), mas também que não se mostram violados os princípios da livre apreciação da prova (art.º 127º CPP) e in dubio por reo.


Como terceira questão, entende o recorrente que o tribunal a quo deu uma errada solução jurídica quando a nível da subsunção jurídica dos factos provados entendeu que os gravadores retirados pelo arguido eram “materiais necessários” ao exercício da actividade jornalística, integrando e dando por preenchido o exigido elemento objectivo do tipo legal do crime pelo qual veio a ser condenado.

Argumenta o recorrente que a indagação sobre a verificação deste elemento constitutivo essencial da tipicidade objectiva do crime imputado ao arguido não pode ser feita em relação à actividade profissional dos jornalistas abstractamente considerada, antes se impondo essa averiguação por referência a uma actividade jornalística concreta (entrevista, reportagem, notícia, artigo de opinião, etc.) e à necessidade ou desnecessidade da utilização dos materiais em causa, no âmbito de tal actividade jornalística concreta, defendendo ainda que no plano lógico, quer no plano linguístico, “materiais necessários ao exercício da actividade jornalística” são materiais imprescindíveis, indispensáveis ao exercício da actividade jornalística, materiais ao exercício da actividade jornalística, ou seja, materiais cuja falta impossibilita o exercício da actividade jornalística. Ora, como a entrevista acabou por ser publicada com utilização da gravação/filmagem (em registos vídeo e áudio) que fora feita, com autorização do arguido, através da câmara de filmar instalada na sala onde decorreu a entrevista, sem que os dois gravadores, que o arguido apreendeu aos jornalistas, e as gravações em registo áudio da entrevista, incorporadas nesses gravadores, tenham contribuído, em qualquer medida, para a preparação da publicação da entrevista, seria forçoso o Tribunal a quo, se tivesse procedido a uma correcta interpretação da questão de direito já mencionada, ter concluído que os gravadores apreendidos no caso da entrevista em causa nos autos não eram (não foram) material necessário ao exercício daquela concreta actividade jornalística, só tendo entendido essa solução seguida pelo tribunal como feita com o recurso à analogia, para qualificar um facto como crime, o que é proibido, não só pelo artigo 1º n.º 3 do C.P. mas também pelo art.º 29º n.º 1 da CRP e pelo art.º 1.º n.º 1 do C.P. .

Como muito bem responde o M.º P.º, a questão de direito que consiste em saber se os gravadores são “materiais necessários ao exercício da actividade jornalística” há-de ser solucionada com base na prática da profissão – actividade jornalística – que reputa determinado material como meio técnico necessário ao seu exercício.

No caso em análise dos presentes autos os dois gravadores apreendidos pelo arguido (e as gravações em registo áudio neles incorporadas) a par da câmara de filmar (com registo áudio e vídeo) foi/era material necessário ao exercício da concreta actividade jornalística desenvolvida – a preparação e realização da entrevista concedida pelo arguido à Revista Sábado - sendo que tal necessidade decorre evidentemente de terem sido todos utilizados na entrevista pelos profissionais com competência para decidir da pertinência e necessidade da sua utilização. Diremos nós, agora, que a estes caberá definir os meios que entendem como necessários, como foi feito e a que, de resto, o arguido deu a respectiva anuência.

Na tese sufragada pelo recorrente esta questão de direito terá de ser solucionada por referência à dispensabilidade/indispensabilidade do material usado na actividade jornalística (em concreto) – que no caso dos autos se tratou de uma entrevista - para o efeito da respectiva difusão/publicação para fins informativos.

Esta tese mostra-se cabalmente refutada na própria sentença recorrida quando ali se diz: “É quase absurdo, referir que a publicação não retira aos gravadores subtraídos à disponibilidade da jornalista proprietária, o carácter de meio necessário ao exercício da actividade jornalista que no momento desenvolvia, porquanto, como pela mesma foi referido, e corroborado pela testemunha F..., os jornalistas utilizam a gravação áudio para posterior audição, elaboração do artigo que tinham de escrever, e para preservar um meio de prova para defesa em eventual acção judicial que contra os mesmos pudesse ser intentada com fundamento ou interpretação abusiva das palavras proferidas pelo entrevistado. Por outro lado, a gravação áudio e de imagem tinha por finalidade o tratamento para publicação no site e não a elaboração do artigo de opinião publicado e a transcrição, embora parcial, da entrevista.

A seguir-se a linha de argumentação da defesa, esvaziar-se-ia de qualquer conteúdo o conceito de “material necessário ao exercício da actividade jornalística”, sempre que existissem outros registos, embora pertencentes a colegas de trabalho, e que por via da cedência, empréstimo e, ou boa colaboração entre colegas permitisse ao jornalista levar a cabo a sua actividade, pois, tal pressuposto não está contido ou pressupostos na letra da lei.

Na verdade, os tipos legais em apreço, não constituindo crimes de resultado, não pressupõem, para que se verifique a consumação dos mesmos, a impossibilidade de publicação da entrevista, a criação de uma dificuldade acrescida para que possa ser levada a cabo certa entrevista e a sua publicação. Essas exigências, contrariamente ao pretendido pela defesa, não existem nos tipos legais em apreciação, pelo que se conclui ser inócuo para o preenchimento do tipo legal a circunstância de existir outro instrumentos de trabalho que permitiu a publicação da entrevista.”

Com esta apreciação estamos inteiramente de acordo, mormente com o último dos argumentos citados quanto à exigência de, para a consumação do crime, se afirmar a impossibilidade de publicação da entrevista ou a criação de uma dificuldade acrescida para a mesma.

Neste aspecto, também não pode ser acolhida a invocação pelo recorrente da conditiones sine quibus non, quando pretende confundir materiais “necessários” com materiais “imprescindíveis”, adjectivos que, embora semanticamente próximos, representam graus diferentes de necessidade, sendo o segundo deles de natureza absoluta.

De resto, pela simples literalidade do preceito incriminador se constata que o legislador fez uma clara opção pelo “necessários” e, caso entendesse que seria um gradativo mais exigente, tê-lo-ia dito utilizando o termo “imprescindíveis”.

Acresce para a elucidação deste aspecto que o Estatuto dos Jornalistas - Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro alterada pela Lei n.º 64/2007 de 6 de Novembro – nos eu art.º 10º n.º 2 utiliza exactamente a mesma expressão “necessários”.

O cerne da conduta ilícita do arguido cabe no teor literal da norma incriminatórias, por adopção de um significado mais adequado, porque comum, do ponto de vista lógico e linguístico da palavra “necessários” e, assim sendo, nenhuma interpretação analógica de tal norma se mostra feita pelo tribunal a quo, pelo que a interpretação dos art.º os art.º 33.º n.º 1 al c) da Lei da Imprensa e do art.º 19.º n.º 1 do Estatuto dos Jornalistas foi feito com respeito pelo princípio da legalidade penal não tendo sido violadas, nem as mencionadas normas legais nem os art.ºs 1,º n.º 1 e 3 do C.P. e 29º n.º 1 da C.R.P.



Continua o recorrente a manifestar a sua discordância da decisão recorrida, invocando que, mesmo em face da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, deveria ter sido proferida sentença absolutória já que a sua conduta constituiu o exercício, adequado e proporcionado, do seu direito à palavra, reconhecido no art.º 26º nº 1 da CRP e tutelado no art.º 199º nº 1 do CP, configurando, simultaneamente, um recurso legítimo à acção directa, nos termos do artigo 336º do Código Civil, para evitar a inutilização prática do direito à palavra.

A linha argumentativa do recorrente passa pelo art.º 199 n.º 1 al.s a) e b) do C.P, que, ao tutelar penalmente o direito à palavra, pune as violações mais graves do direito à palavra, sendo elemento essencial dos mencionados tipos penais a “falta de consentimento” do titular do direito à palavra, consentimento esse que, sendo dado pelo titular do direito à palavra para a produção da gravação, não dispensa o consentimento desse mesmo titular para a audição/utilização da palavra legitimamente gravada.

Argumenta ainda o recorrente que do art.º 38º n.ºs 1 e 2 do C.P. resulta que esse consentimento, seja para a produção da gravação seja para a audição/utilização daquela, pode ser “livremente revogado” pelo titular do direito à palavra até à produção da gravação ou até à audição/utilização da gravação. Para este efeito, extrai o recorrente dos factos provados 30 e 37que ao actuar pela forma ali descrita exerceu o direito à palavra “… na dupla vertente do direito de livremente revogar o consentimento (dado para a audição/utilização da entrevista, destinado à publicação desta) e do direito de se opor à audição/publicação não autorizada (da gravação da entrevista)”, o que foi feito em respeito do art.º 199º n.º 1 al. b) do C.P. conjugado com o art.º 38º n.ºs 1 e 2, ambos do C.P. de modo adequado e proporcionado às circunstâncias.

O art.º 26 n.º 1º da C.R.P. confere tutela constitucional ao direito à palavra, como “um direito paralelo ao direito à imagem e implica a proibição de escuta e/ou gravação de conversas privadas sem consentimento ou de qualquer deformação ou utilização “enviesada” (através de montagem, manipulação e inserção das palavras em contextos radicalmente diversos etc.) das palavras de uma pessoa.

O direito à palavra desdobra-se, assim e, três direitos: a) direito à voz, como atributo da personalidade, sendo ilícito, sem consentimento da pessoa, registar e divulgar a sua voz (com ressalva, é claro, do lugar em que ela é utilizada); b) direito às “palavras ditas”, que pretende garantir a autenticidade e o rigor da reprodução dos termos, expressões, metáforas escritas e ditas por uma pessoa; c) direito ao auditório, ou seja, a decidir o círculo de pessoas a quem é transmitida a palavra. Mais uma vez, este direito sofre as compressões no caso dos discursos públicos de agente púbicos ou políticos.” - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 2007, 4ª ed., Vol. I, anotação IX ao art.º 26º, pág. 467.

No tratamento dado a esta questão não resistimos a citar a sentença recorrida pela clareza da argumentação ali expendida: “ … importa, por último analisar, tal como defende o arguido em sede de contestação, se a sua conduta está justificada pelo exercício do direito à palavra e se o está de que forma.

É certo que o direito à palavra tem protecção, enquanto extensão/componente do direito de personalidade do arguido

Protecção esta consagrada desde logo na Constituição da República Portuguesa, no artigo 26.º e, por outro, no artigo 199.º do Código Penal. Contudo, também a liberdade de imprensa está consagrada como um direito constitucionalmente garantido, no artigo 38. do primeiro diploma legal supra referido e, tal com o direito à palavra, não é absoluto.

Esta conclusão impõe-se, por via, da inserção destes dois direitos na constituição e na tutela legal que cada um deles tem ao nível da lei civil, penal e avulsa.

Invoca, para o efeito a defesa que ao arguido assiste o direito irrestrito e incondicional de se opor à utilização da gravação, nomeadamente, à transcrição da entrevista e à sua redução à forma escrita com vista à sua publicação nas páginas da revista semanal “Sábado”.

Mais se refere no parecer junto aos autos que “(…)é assim qualquer que tenha sido a motivação ou o propósito que comprovadamente o tenha levado a agir como agiu. Sendo para o efeito, inteiramente indiferente que ele tenha querido impedir a publicação da entrevista ou, antes, que apenas tenha pretendido obviar ao perigo de abusos e de abusivas deturpações. Continuaria a ser assim mesmo que tivesse agido com quaisquer outras motivações, mais ou menos respeitáveis, mais ou menos fúteis. No extremo, continuaria a ser assim mesmo que o tivesse feito por mero capricho, porque, pura e simplesmente, lhe apetecia.

É o que decorre, em linha directa e de forma cogente, do direito à palavra, com a compreensão, a densidade axiológica e a extensão que este direito colhe no contexto da ordem jurídica portuguesa.(…)”

No que respeita ao direito fundamental à palavra deixamos aqui transcritos algumas passagens, por entendermos serem relevantes à questão decidenda da anotação feita ao artigo 26.º da Lei Fundamental por Rui de Medeiros in “CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA”, Tomo I, 2ª ed., p. 603 a 619, Coimbra, 2005).

No nosso ordenamento jurídico o direito à palavra tem um reconhecimento constitucional, conforme resulta do disposto no artigo 26º, nº 1 da Constituição da República.

Dispõe este preceito da Lei Fundamental: 1- que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, (…) à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação. 2- A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias. (…)”.

Este normativo constitui a expressão directa do postulado básico da dignidade humana que a constituição consagra logo no artigo 1.º como valor básico anterior à própria ideia de Estado de Direito Democrático.

Na verdade, o princípio consagrado no normativo em referência constitui uma demarcação dos limites ao exercício dos outros direitos fundamentais, entre os quais a liberdade de expressão e de informação, liberdade de imprensa e meios de comunicação social.

Estas liberdades, que também estão em causa nos autos, não podem ser interpretadas sem ter sempre em consideração o direito geral de personalidade consignado neste artigo e, em especial, a tutela do bom nome, da reputação, da imagem, da palavra e da intimidade da vida privada.

O direito ao bom nome e à reputação consiste na protecção da consideração social que é devida a todas as pessoas. Por sua vez, o direito à honra, à honorabilidade, ao crédito pessoal, uma vez atingido, afecta de forma directa a dignidade da pessoa. Referindo-se primordialmente à honra exterior e objectiva, à representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa.

O bom nome e a reputação são direitos com um alcance abrangente que inclui todos os aspectos relativos à representação social positiva de uma pessoa e à consideração que daí decorre.

A relevância constitucional da tutela ao bom nome e de reputação legitima, desde logo, a criminalização de condutas como a difamação, a injúria, a calúnia e o abuso de liberdade de imprensa.

Contudo, o direito à palavra, ao bom nome e á reputação não pode ser absolutizado.

O direito à palavra assume um campo e contexto específico, e que se reconduz à protecção da mesma e sua salvaguarda quando é emitida, incluindo o direito a que não sejam registadas, divulgadas, independentemente da coloração do ambiente em que é proferida. “Implica a salvaguarda da «integridade de uma esfera privada» de comunicação verbal, através da garantia da «confidencialidade das palavras não publicamente divulgadas»…ainda que essas palavras não se refiram à intimidade da vida pessoal ou familiar.” (Rui de Medeiros, op cit., p.619, Coimbra, 2005.

Na tutela penal expressa na previsão do artigo 199.º do Código Penal, enquadram-se, entre outras, a gravação arbitrária (sem consentimento) das palavras de outra pessoa e a audição ou utilização arbitrária (sem consentimento) das palavras gravadas, mesmo que licitamente gravadas.

Por outro lado, a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir o bom nome, a reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática, nos termos consagrados no artigo 3.º da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, nas suas sucessivas redacções.

Conforme resulta da tutela legal conferida ao direito à palavra e à liberdade de imprensa, resulta evidente que não há, como propugna a defesa, direitos ilimitados no nosso ordenamento jurídico, motivo pelo qual, a liberdade de imprensa a par do direito à palavra têm de ser sujeitos à ponderação casuística de compressão adequada e proporcional, sem ofensa absoluta de qualquer um deles.

Na verdade a liberdade de imprensa exercida dentro dos limites contido na lei, com isenção, rigor e profissionalismo, um dos fundamentos essenciais ao desenvolvimento de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso, devendo, pois, a sua compressão/restrição ser justificada e proporcional aos fins protegidos e conflituantes.

No caso vertente, importa salientar, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, que o arguido deu o seu consentimento expresso para a gravação áudio e vídeo da entrevista, bem como à sua publicação, ciente de que a mesma seria publicada no site da Sábado e na versão impressa daquele revista.

A partir do momento em que se inicia a entrevista através dos profissionais de jornalismo (incluindo a assistente), aquela actividade jornalística passa a estar tutelada pela liberdade de imprensa e pelo direito à informação, não podendo o arguido esgrimir o direito à palavra, como se fosse o único direito em discussão.

Presente já está a liberdade de imprensa, assim como o direito de informação.

O espectro e raio de acção destes direitos fundamentais, já incluem as entrevistas, e não só os actos de publicação. Deve recordar-se que nos Estados Democráticos a proibição da censura assume-se como uma garantia principal do direito de informação e da liberdade de imprensa.

No caso, não se vislumbra como é que o direito à palavra sem invocação de outros interesses conflituantes, poderia comprimir o exercício legítimo do direito de informação e da liberdade de imprensa.

Ainda assim, apesar de se vislumbrar como inoperante uma qualquer revogação do consentimento dado, mesmo que se queira aferir se o arguido revogou de forma (expressa ou tácita) validamente o seu consentimento, deve concluir-se que o arguido não o fez de forma expressa, quando esta era, sem dúvida, a forma mais simples de o fazer.

Em primeiro lugar, podia ter recusado responder às perguntas que, no seu entendimento, embora não demonstrado, eram atentatórias da sua reputação, credibilidade e bom nome, como fez com a última das questões que lhe foi colocada e relacionada com o processo da “garagem do Farfalha” em que não respondeu. Não o tendo feito, tendo o arguido respondido a todas as questões ou recusado responder a algumas delas, embora evidentemente incomodado, poderia ter expressado que não autorizava a gravação, o que o arguido não fez, nem em momento contemporâneo à entrevista, nem em momento posterior, sem que isso impedisse a mesma, sem prejuízo do posterior ajuizamento pelas instâncias legais competentes, os tribunais, de eventual atentado ao bom nome e reputação do arguido, com a consequentemente responsabilização dos seus autores, nos termos em legais.

No que respeita ao comportamento de levar os gravadores consigo, analisado ao tempo em que foi praticado, o mesmo, contrariamente ao afirmado, resulta que não podia ser entendido, como não o foi (e resulta à saciedade do artigo publicado pelos jornalistas na altura em que estava prevista a publicação) que o arguido havia retirado o seu consentimento à publicação.

Mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que constituindo tal actuação um acto ilícito, ela também não poderia justificar, de forma alguma, a conduta do arguido, porquanto, a apreensão de bens de terceiros constituindo um acto ilícito, não era, nem é, o meio adequado para exprimir e exteriorizar um acto de revogação do consentimento da palavra licitamente perpetuada na gravação.

Por último, impõe-se referir que, um cidadão comum não pode, estribando-se no invocado direito absoluto à palavra, violar direitos de terceiros e igualmente garantidos pela Constituição da República Portuguesa, também eles direitos com consagração constitucional, tendo em vista carrear provas para um processo que, como se deixou referido, foi liminarmente indeferido, por falta de indicação de factos consubstanciadores o direito que se pretendia ver salvaguardado com o deferimento do pedido nela formulado, ou seja, impedir a publicação.

Face ao exposto, impunha-se que o arguido, ou recusasse responder às perguntas que considerava atentatórias da sua dignidade e consideração até porque as questões colocadas ao arguido foram directas, embora o tenham incomodado; ou que declarasse que retirava o consentimento que anteriormente havia dado para a publicação da entrevista, em cuja gravação havia, anteriormente, validamente consentido. E neste último caso, na hipótese de ter sobrevindo uma revogação (que não sobreveio), inexistem factos que determinem a cedência da esfera de liberdade de imprensa e de informação, em exercício através da entrevista, ao pretendido direito à palavra.

Acresce que a invocada dificuldade de prova não pode justificar de forma alguma a conduta do arguido.

Primeiro, porque falece o direito. Como resulta da visualização objectiva e audição da entrevista junta aos autos não existem factos que pudessem integrar a oposição legítima do arguido à publicação da entrevista, como também não foram invocados, aquando da propositura da providência cautelar, o que veio a motivar o seu indeferimento liminar.

Contudo, admitindo-se que o mesmo existe a dificuldade de prova colocada não pode justificar que face à efectiva exiguidade do dia que mediou entre a entrevista e publicação, embora possível, exclui o recurso legitimo à invocada acção directa.

Face ao exposto, se conclui pela não verificação in casu da revogação do consentimento prestado à publicação da entrevista ou da causa de exclusão da ilicitude consubstanciada na verificação da acção directa nos termos a que alude o artigo 336.º, n.º s 1 e 2 do Código Civil.”

Pegando na versão da defesa, se o recorrente queria proibir a utilização da sua “palavra” (já dita no decurso da entrevista que concedeu à Revista Sábado) com vista à sua ulterior divulgação, bastaria – tanto mais que estamos perante arguido advogado, politico e causídico experiente - recusar responder às perguntas (tendo-se ficado pela afirmação dessa possibilidade) ou abandonar as instalações onde decorria a entrevista, o que acabou por fazer, interrompendo, deste modo, a palavra e inviabilizando a sua gravação, ou mesmo, usando da palavra, verbalizar “não autorizo a publicação da entrevista”.

O conhecimento pleno que o arguido tinha das circunstâncias de tempo e de meio em que se procedia à gravação das suas palavras no decurso da entrevista por si concedida, determina que o único meio adequado, proporcionado e eficaz para o efeito de revogar o consentimento à gravação da sua palavra era, para além da verbalização da recusa em responder àquelas ou a mais perguntas, interrompendo a entrevista na sequência, inviabilizando por essa via a sua gravação, ou, por fim, comunicar da sua não autorização na publicação da entrevista. E para esta finalidade, o arguido teve ampla oportunidade em, pelo menos, dois momentos distintos: num primeiro, durante a própria entrevista quando entendeu que não queria mais responder e que imediatamente antecedeu a saída da sala e, depois, quando já no exterior da biblioteca onde aquela se desenrolou, quando foi abordado pelos jornalistas no sentido de devolver os gravadores (facto provado 33).

As atitudes acima descritas trariam ainda a vantagem de, posteriormente, mais assertivamente se poder opor à audição/utilização da palavra gravada contra sua autorização pelo simples facto que, ao pôr termo à palavra, toda a posterior gravação seria não autorizada.

Não acompanhamos, assim, a tese defendida pelo recorrente no sentido de que a apreensão dos gravadores era o meio adequado e proporcional para demonstrar a revogação do consentimento da palavra licitamente gravada do arguido ou para manifestar a oposição à ulterior audição/utilização da sua palavra gravada contra a sua autorização, até porque como o mesmo admite, estava plenamente ciente de que a entrevista se encontrava a ser gravada em suporte diferente daquele que havia retirado.

Neste aspecto particular da questão de que nos ocupamos entende o recorrente que deveria ter sido dada aplicação ao disposto no art.º 38º n.º 1 CP; contudo, essa invocação mostra-se deslocada uma vez que “o consentimento” regulado por tal norma respeita a uma causa de exclusão da ilicitude do facto punível que se repercutiria em qualquer ilícito de gravação/utilização por parte dos jornalistas. Ora, no caso, a ilicitude em apreciação reside na conduta do arguido em apreço e não dos jornalistas (assistente e o jornalista F...), como invoca o recorrente numa evidente inversão de enfoque.

Nesta perspectiva inexiste por parte do Tribunal a quo qualquer erro de interpretação de normas aplicáveis em virtude da não consideração de tal norma como aplicável.


Como última questão, entende o recorrente que sua conduta configura causa de exclusão da ilicitude porquanto integradora da acção directa para evitar a inutilização prática do seu direito à palavra, nos termos do art.º 336º do CC.

Como primeira objecção a tal entendimento e tal como já acima mencionámos, não sufragamos a versão apresentada pelo recorrente no sentido de que a sua conduta, manifestada objectivamente na retirada dos gravadores, se encontra justificada pelo exercício do direito à palavra na medida em que, à semelhança da sentença recorrida, afirmámos que essa retirada não era o meio adequado e proporcional para afirmar e demonstrar a revogação do consentimento da palavra licitamente gravada do arguido ou para manifestar a oposição à ulterior audição/utilização da mesma palavra, antes tendo gozado o arguido de outras vias para afirmar a salvaguarda desse direito à palavra.

Como segunda objecção importa relembrar ao recorrente que um dos requisitos da acção directa p.ª no art.º 336º n.º 1 do C.C. - ser a acção directa indispensável pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática do direito – se mostra arredado no respectivo preenchimento face ao, por si, confessado propósito motivador da sua actuação de viabilização da interposição e decisão, em tempo útil, da providência cautelar que decidiu intentar para obstar à deturpação/interpretação abusiva das suas palavras. Aquele requisito e esta intenção mostram-se contraditórios entre si.

O exercício da acção directa mostrava-se excluído à partida uma vez que a actuação dos jornalistas não constituía, naquele momento, qualquer facto punível. E mesmo na perspectiva de a actuação dos jornalistas ser dirigida a uma utilização, futura, não autorizada da gravação ainda essa violação do direito à palavra não se mostrava contemporânea com a actuação do arguido.

Resultando da matéria de facto dada como provada – cfr. designadamente pontos n.º 4º e 13º dos factos provados – que a entrevista foi simultaneamente registada em áudio e vídeo, facto este que o arguido tinha conhecimento, como próprio admite, a retirada dos gravadores não se apresentava como meio idóneo (como efectivamente não foi) para impedir a audição/utilização da entrevista destinada à sua publicação, já que a aludida, como provado ficou no ponto 35 dos factos dados como provados, “(…) entrevista foi divulgada no site da Sábado www.sabado.pt, no dia 5 de Maio de 2010, às 16h53m46 segundos, e publicada parcialmente na edição impressa da revista “Sábado”, no dia 06/05/2010…”.

Nesta linha de defesa da alteração da sentença recorrida, e tendo por base a versão factual dada como provada que foi acolhida na sentença recorrida – quando apreendeu os gravadores o arguido esqueceu-se que a entrevista estava a ser, também, simultaneamente registada em áudio e vídeo com recurso a uma câmara de filmar que ficara em poder dos jornalistas – argumenta o recorrente que ficaria excluída a punibilidade da sua conduta dado que terá actuado em “erro sobre um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto” o que determinaria a exclusão do dolo nos termos do art.º 16 n.º 1 e n.º 2 do C.P. e, por consequência, a também excluída a sua responsabilidade criminal uma vez que o crime que lhe foi imputado é doloso, com dolo necessariamente especifico.

Este particular ângulo de argumentação mostra-se prejudicado face ao que anteriormente já avançámos acerca do conhecimento que o mesmo tinha, e a que dera anuência, do terceiro meio técnico de gravação da entrevista, da sua experiência profissional e comunicacional com a imprensa em geral derivada das funções que desempenhava e que o próprio faz destaque nas suas declarações produzidas em audiência e por si trazidas ao recurso

No seguimento da sua linha argumentativa, avança ainda o recorrente pela violação do disposto no art.º 199º n.º 1 do C.P. – tal como o disposto no art.º 38º n.º 1 e n.º 2 do C.P. que o tribunal a quo também não considerou aplicável – no sentido de que tais normas o vinculavam a aplicar, por analogia, os princípios gerais de direito criminal à questão prejudicial de saber se a gravação sem consentimento e posterior audição/utilização não autorizada da gravação da entrevista, destinada à publicação desta, seria, ou não, um facto ilícito tendo-se, por isso, na sentença recorrida violado o comando constitucional imperativo consagrado no art.º 37º da CRP.

Percorrida a fundamentação (de facto e de direito) da sentença decorre que o tribunal a quo, tendo presente o art.º 199º n.º 1 al.s a) e b) do C.P., concluiu que não ficou provado que tivesse havido uma válida revogação do consentimento dado pelo arguido para a gravação da entrevista por si concedida à Revista Sábado com vista à sua ulterior publicação. Do texto da mesma decorre, de igual modo, que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a licitude da actuação dos jornalistas em questão (a assistente e o jornalista F...) nos moldes que constam da última citação feita da sentença.

Fazendo utilização da cópia da entrevista que se mostra junta aos autos, podemos afirmar que o jornalista F... nunca refere a condição do recorrente no processo conhecido como “garagem do Farfalha” ou qualquer nível de intervenção no mesmo. Resulta dos factos provados 28 e 29 que aquele jornalista apenas questiona o arguido se um dos azares da sua vida fora a questão dos boatos sobre pedofilia nos Açores em 2003. Independentemente de estar a referir-se a boatos, os mesmos não foram gerados pelo jornalista no decurso das perguntas realizadas ao recorrente no decurso da entrevista por este concedida.

Inexiste, por esta via, qualquer questão prejudicial que se impusesse ao tribunal a quo pronunciar-se, inexistindo violação dos preceitos legais invocados mormente do art.º 37º CRP.


III.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido R..., confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.

Elaborado e revisto pelo 1º signatário.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2013.

João Carrola

Carlos Benido





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