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quinta-feira, 22 de maio de 2014

REMISSÃO ABDICATIVA, DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 18.02.2013



Acórdãos TRP

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
78/11.1TTSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: REMISSÃO ABDICATIVA
DECLARAÇÃO DE QUITAÇÃO

Nº do Documento: RP2013021878/11.1TTSTS.P1
Data do Acordão: 02/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .

Sumário: I- A remissão abdicativa constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual – art. 863.º, n.º 1, do CC.
II - A declaração da trabalhadora de que recebeu da sua empregadora “todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, seja a que título for” é uma declaração genérica, a qual não pode ser havida como prova plena de que a declarante nenhum outro direito pretendia conservar, respeitante à relação jurídica laboral já extinta.
III - Mais se demonstrando que a empregadora não provou ter disponibilizado todos os créditos a que a trabalhadora tinha direito, aquela declaração, como quitação genérica, é insuficiente para concluir por um verdadeiro acordo negocial do interesse das partes.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Reg. nº 1745.
Proc. nº 78/11.1TTSTS.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B… intentou a presente ação, com processo comum, contra C…, pedindo o pagamento das seguintes quantias:
- € 1.504,16, a título de indemnização de antiguidade;
- € 1.068,66, a título de férias, subsídios de férias e de natal, proporcionais à duração do contrato;
- As retribuições que devesse normalmente auferir até trânsito em julgado da decisão final, designadamente a título de salários, férias, subsídios de férias e de natal;
- Juros de mora, à taxa legal, sobre os montantes supra referenciados e que se vencerem após a citação da Ré e até integral pagamento;
Para tanto, e em síntese, alegou que a ré a admitiu ao seu serviço em 01/07/2007, para exercer as funções de costureira, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 475,00, tendo estado ao seu serviço até 20/09/2010, data em que a Ré procedeu ao seu despedimento por “inadaptação superveniente ao posto de trabalho”, sem que tivesse cumprido os legais procedimentos.
Assim, o despedimento é ilícito, nos termos da al. c) do art. 381º e 385º, ambos do Código do Trabalho, estando a ré obrigada a pagar-lhe a competente indemnização de acordo com a sua antiguidade, proporcionais de férias, subsídios de férias e natal, referentes ao ano de cessação do contrato de trabalho, bem como as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.
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A ré contestou, alegando que, de facto, a cessação do contrato de trabalho por si promovida, por inadaptação superveniente da autora ao posto de trabalho, é verdadeira, ainda que não tenham sido cumpridas as comunicações escritas previstas no artigo 376º do Código do Trabalho.
Não tendo a autora atingido os objetivos previamente acordados, no dia 12 de julho de 2010 foi-lhe comunicada a intenção de se proceder ao seu despedimento, por inadaptação superveniente ao seu posto de trabalho, ao que a autora deu o seu assentimento. Assim, após a cessação do contrato de trabalho, ocorrida em 20/09/2010, ré e autora fizeram o competente acerto final de contas, emergente de tal cessação, tendo então a autora subscrito o recibo de quitação junto aos autos, no domicílio profissional da Ré, em 21/09/2010.
Tal declaração da autora consubstancia uma efetiva e manifesta declaração de quitação total e uma remissão abdicatória de todos os créditos, pelo que a ré nada lhe deve.
Caso assim não se entenda, alega, a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho, eram devidos pela ré o montante total ilíquido de € 1.026,78, e, pelos vinte dias de trabalho prestado no mês da cessação do contrato, eram devidos o montante ilíquido de € 358,66 [€ 316,66 de salário base e € 42,00 de subsídio de alimentação - 14 dias úteis]. Tais montantes, acrescidos à peticionada indemnização por antiguidade, perfazem o montante total ilíquido de € 2.889,60 [€ 1.026,78 + € 358,66 + € 1.504,16]. Ora, alega, a autora acordou com a ré em fixar o montante em dívida no valor total de € 3.000, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, que lhe foi integralmente pago, mediante a entrega de um cheque no valor de € 1.149,65, e, em numerário, de € 1.850,35, no dia 21/09/2010, data em que a autora subscreveu o recibo de quitação total.
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A autora respondeu.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia global de € 10.052,43, acrescida de juros moratórios legais, desde a citação até integral pagamento, nos seguintes termos:
A) € 2.058,33, a título de indemnização de acordo com a sua antiguidade;
B) € 1.068,75, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, proporcionais à duração do contrato em 2010;
C) € 8.075,00, a título de retribuições que devesse normalmente auferir, até trânsito em julgado da decisão final, designadamente a título de salários, férias, subsídio de férias e de natal, que nesta data neste montante se contabiliza (de onde se devem descontar as importâncias que a trabalhadora auferiu, caso assim seja, a título de subsídio de desemprego);
D) Por força da quitação dada pela autora no que respeita ao valor de € 1.149,65, recebido quando da cessação do contrato, atingimos o valor global mencionado de € 10.052,43.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões:
1) A recorrente discorda da douta sentença na íntegra, que a condenou a pagar à autora/recorrida a quantia global de € 10.052,43, acrescida dos juros moratórios legais, desde a citação até integral pagamento:
2) Foi decidido pelo tribunal a quo, na nossa opinião mal, que a autora apenas deu quitação de € 1.149,65, que por manifesto erro na apreciação da prova, foi julgado como o único valor pago aquando da cessação do contrato de trabalho;
3) Do douto despacho saneador resulta como matéria de facto assente que a ré exerce a atividade de confeção de vestuário em série, tendo admitido a autora em 01/07/2007, para exercer as funções de costureira, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 475,00;
4) Ficou também assente que a ré comunicou à autora a intenção de proceder ao seu despedimento, por inadaptação superveniente ao seu posto de trabalho;
5) Após reclamação da ré à alínea E) da matéria assente constante do douto despacho saneador, que veio a ser devidamente corrigido, ficou ainda assente que tendo estado a trabalhar até 20/09/2010, a autora em 21/09/2010 subscreveu a declaração de fls. 36 dos autos, declarando e subscrevendo que "recebeu da sua ex-entidade patronal (...), todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, seja a que título for";
6) Ora, tendo a alínea E) da especificação sido retificada nesse sentido, ou seja, que foi já na qualidade de ex-trabalhadora que esta declarou ter recebido todos os créditos, emergentes do contrato e da cessação do mesmo, e que nada mais tem a receber ou a reclamar, seja a que título for, independentemente da prova produzida em Audiência de Julgamento, foi a autora que naquela qualidade e desse modo, deu quitação total à sua ex-entidade patronal;
7) Aliás, essa é matéria de facto aceite pela autora, em sede de resposta à contestação, tecendo apenas considerações de direito, das quais discordamos inteiramente, pois que não impugnou aquela a veracidade e a genuinidade de tal documento de fls. 36, nem deduziu qualquer incidente de falsidade da sua assinatura;
8) Tal documento subscrito pela autora consubstancia uma efetiva, evidente e manifesta declaração de quitação total e uma remissão abdicatória de créditos a que tivesse direito, e que eventualmente não lhe tivessem sido pagos, o que não é o caso, como adiante se demonstrará;
9) A autora demonstrou ter conhecido bem o alcance dessa declaração, que livremente assinou, sem quaisquer reservas, ameaças ou coações, que também por si não foram alegadas e por ter recebido tudo a que tinha direito, não mais lhe sendo devido pela recorrente!;
10) Na nossa modesta opinião, ao ter conferido razão à ré, quanto à correção operada na alínea E) do douto despacho saneador, a consequência juridicamente correta, adequada e inevitável, deveria ter sido a imediata prolação de sentença absolutória daquela, por procedência das exceções perentórias invocadas na contestação, devidamente comprovadas – fls. 36 dos autos;
11) Ou seja, mesmo que a ré não tivesse produzido prova do pagamento integral de todos os créditos à autora, o que não foi o caso, estamos no âmbito dos direitos patrimoniais, livremente renunciáveis, porque a ex-trabalhadora já não se encontra sob a égide e subordinação da sua ex-entidade patronal, nem vinculada a esta;
12) É por isso incorreto juridicamente condenar a ré a pagar à autora o que quer que seja, porque era esta livre de renunciar aos seus direitos patrimoniais, mesmo que não tivesse recebido um único cêntimo!;
13) Condenar a ré é contrariar a declaração de fls. 36 subscrita pela própria autora, na qualidade de ex-trabalhadora, já depois de cessado o vínculo laboral subordinado, é violar a lei e o princípio da boa fé, é premiar o abuso de direito e o dito por não dito!
14) Tal documento é suficiente, sem demais prova, para a absolvição total dos pedidos, porém se Vossas Excelências assim não entenderem, à cautela, a recorrente passa a analisar os pontos da matéria de facto controvertida incorretamente julgados e a indicar os meios de prova que impunham decisão diversa da proferida;
15) O tribunal a quo deu como provado que a autora aceitou a cessação do contrato de trabalho, mas não deu como provado que ambas as partes acordaram em fixar o montante de todos os créditos devidos, no valor de € 3.000, e o depoimento da testemunha D... impunha decisão diversa;
16) O tribunal a quo deu como provado que o cheque de fls. 37 dos autos, no valor de € 1.149,65, datado de 20/09/2010, foi entregue à autora, mas não deu como provado que à mesma também foi entregue a quantia de € 1.850,35 em numerário, no dia 21/09/2010, data em que aquela assinou a declaração de quitação total, tendo por esses dois meios auferido os € 3.000, acordados a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho. Também neste ponto, o depoimento da testemunha D... impunha decisão diversa da adotada;
17) Como resulta da douta motivação das respostas à matéria de facto, o tribunal a quo considerou que as testemunhas da autora, amigas da mesma, de concreto pouco ou nada sabiam e que por sua vez, as testemunhas da ré também, com exceção de D..., que afirmou ter entregue à autora o cheque de fls. 37, no último dia de trabalho dela (20/09/2010), por conta da quantia acordada a pagar à mesma, no valor de 3.000 euros e que no dia seguinte (21/09/2010) lhe entregou o restante em numerário, após o que ela assinou a declaração de fls. 36:
18) Mais resulta dessa motivação que essa testemunha esclareceu que a autora acedeu cessar o contrato de trabalho e que ambas as partes acordaram no pagamento da quantia global de € 3.000, que lhe foi integralmente pago;
19) Não foram nem a declaração de fls. 36, nem o depoimento dessa testemunha da ré, nem as constantes contradições da autora suficientes para a prova dos factos controvertidos, alegados em sede de contestação e que impunham a absolvição total dos pedidos;
20) Terminada a produção de prova, determinou o tribunal a quo a audição da autora, em depoimento de parte, tendo aquela prestado um depoimento falso e contraditório, revelando-se como consta da douta motivação da resposta aos quesitos – "confusa";
21) Do grande emaranhado de afirmações e contradições da autora, o tribunal a quo só valorou que a mesma aceitou sair da ré e que quanto ao cheque e à declaração, tudo foi feito no mesmo momento, no dia seguinte ao seu último dia de trabalho;
22) Enquanto que o depoimento da testemunha D... foi prestado com lógica e coerência de raciocínio, revelando conhecimento direto, objetivo e isento, de quem interveio pessoal e diretamente por colaboração com a ré, na cessação do contrato de trabalho entre as partes e no pagamento de todos os créditos finais à autora;
23) A autora revelou durante todo o seu depoimento sucessivas e constantes incoerências, contradições e falhas de memória, inexplicáveis e injustificáveis, sobre uma matéria que lhe era pessoal e do seu interesse;
24) Tal depoimento quer pela forma como foi prestado, quer pelo facto de estar a autora comprometida com o êxito da ação, não podia merecer maior credibilidade ao tribunal que o da testemunha D...;
25) Para análise em detalhe por Vossas Excelências, de ambos os depoimentos e da acareação a ambos também oficiosamente determinada, a recorrente transcreveu excertos dos mesmos durante as alegações e transcreveu-os também na íntegra e em anexo que aqui se junta;
26) Durante a acareação, enquanto a testemunha D... reiterou todas as suas declarações, sem contradições, as declarações da autora continuaram a revelar-se confusas e sem ser minimamente convincente sobre a que pagamentos os cheques se referiram – página 3 do douto despacho de fixação da matéria de facto;
27) A única coincidência entre ambos os depoimentos é o facto dado por assente, de que ambas as partes acordaram pôr fim ao contrato;
28) Nos termos do disposto no art. 72° n° 4 do CPT, o tribunal a quo deu ainda como provado, por ser relevante para a boa decisão da causa, que a autora trabalhou até ao dia 15 de agosto de 2010, tendo gozado férias desde o dia seguinte até ao dia 07/09/2010, pelo menos, data em que lhe foi entregue o cheque de fls. 67 dos autos, no valor de € 1.090;
29) Cheque esse que a autora, maliciosamente e "escudando-se" em argumentos formais, quis que fosse desentranhado, por provar esse que as férias e respetivo subsídio através dele foi pago, ao contrário do por si alegado, em sede de resposta à contestação, que não foi esse, mas o cheque de fls. 37 dos autos que liquidou tais créditos;
30) Ficou assim demonstrada, mais do que a incoerência, a falsidade do depoimento da autora, devendo acrescentar-se que, já em sede de julgamento, e também em clara contradição com o seu segundo articulado, a autora ora afirmava que o cheque de fls. 37 pagava "coisas de atrasos", ora “o mês de junho e algumas horas atrasadas", ora "o subsídio de férias mais os dias de agosto", ora "o subsídio de férias e os dias de setembro", chegando ao ponto de se remeter ao silêncio, sem nada dizer, alegando que estava "um bocado nervosa"... - como é possível que este depoimento possa merecer alguma credibilidade?!;
31) O tribunal a quo não se convenceu da falsidade total deste depoimento, tendo-o valorizado, em detrimento do depoimento da identificada testemunha da ré, ao ponto de não considerar provado que aquela recebeu a quantia em numerário, que em conjunto com o cheque de fls. 37, ambos entregues por essa testemunha àquela, perfizeram o montante total de € 3.000,00 acordados entre as partes e pagos a título de compensação global pela cessação do contrato;
32) Tendo resultado assente que o contrato de trabalho cessou por acordo das partes, que à autora havia sido proporcionado o gozo de férias e que o subsídio de férias lhe havia sido pago, tendo a ré aceite indemnizar aquela em função da antiguidade da mesma (30 dias por cada ano e fração do último = € 1.504,16), pela remuneração dos 20 dias de trabalho prestado em setembro (€ 358,66) e pelos proporcionais de férias e subsídios de férias e de natal do ano da cessação do contrato (€ 1.026,78), perfazendo tais créditos o montante de € 2.889,60, arredondado por acordo para € 3.000,00 e efetivamente pago por meio de cheque de fls. 37 dos autos e o restante em numerário, como bem esclareceu a testemunha D..., nada mais tem a autora a receber;
33) É incompreensível o entendimento vertido na douta sentença de que a "aceitação da autora em pôr fim ao contrato tem de ser vista no quadro da relação laboral". Se assim fosse, teria que deixar de existir a revogação do contrato de trabalho, como uma das formas de o fazer cessar, pois que de outro modo, instalar-se-ia a insegurança e a incerteza perante as abundantes ações de anulação das revogações, a darem o "dito por não dito", tendo em vista o reconhecimento judicial do enriquecimento sem causa;
34) Por outro lado, a falta de cumprimento do documento escrito exigido nos artigos 349° e 350° do CT, não pode beneficiar a autora, que também a ela deu causa. No seu depoimento prestado em audiência de julgamento, a autora foi perentória em afirmar que aceitou a cessação do contrato, o único facto indubitável que resulta das suas declarações. Pelo que, conceder-lhe o direito a impugnar a cessação por vício de forma, quando todos os créditos, incluindo a indemnização, já lhe foram pagos na íntegra no dia seguinte ao terminus do contrato, tendo a autora, como ex-trabalhadora prestado quitação total a favor da ex-entidade patronal, é reconhecer o direito ao "dito por não dito" e ao abuso de direito, bem como ao enriquecimento sem causa, pois que a autora excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé;
35) Acresce que, mesmo que a cessação do contrato de trabalho se tivesse operado de forma ilícita, o que não é o caso, o valor da indemnização teria que ser calculado em função da antiguidade da autora, tendo sido dessa forma que ambas as partes acordaram, dado que a indemnização que foi englobada no montante de € 3.000, por ela auferidos;
36) Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, a antiguidade da
autora foi de 3 anos, 2 meses e 20 dias e não de 4 anos e 4 meses!
37) Ficou demonstrado que com o pagamento à autora da quantia líquida de € 3.000,00, a título de compensação global pela cessação do contrato, a ré não se "furtou" ao pagamento de quaisquer quantias devidas, pois que aceitou pagar a mais do que o devido e a autora aceitou receber aquela quantia, tendo declarado nada mais ter a receber ou a reclamar;
38) Assim sendo, não faz o menor sentido a condenação da ré no pagamento "de todas as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão", no valor de € 8.075,00!;
39) Os proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal, relativos ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (263 dias) totalizam € 1.026,78 e não os sentenciados € 1.068,75, sendo certo que também tais créditos foram englobados no valor de € 3.000,00 pagos pela ré à autora, que deles deu quitação;
40) Decidiu mal o tribunal a quo ao não considerar provado que, para além do cheque junto a fls. 37, a autora recebeu € 1.850,35, de acordo com o depoimento isento, coerente e objetivo da testemunha D...;
41) Ao contrário do douto entendimento do tribunal a quo, a autora não deu quitação de € 1.149,65, mas antes, nos termos literais constantes de fls. 36 de “todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, sela a que título for”;
42) Deve ser reconhecida judicialmente a autenticidade desse documento, uma vez que a autora reconheceu expressamente a veracidade do teor do mesmo, bem como da sua assinatura, devendo considerar-se produzida a prova plena da quitação total conferida por aquela, na qualidade de ex-trabalhadora;
43) Agiu a autora com má fé e com abuso de direito, com o intuito de receber o que já havia auferido, contrariando uma conduta anteriormente por si adotada e com o claro intuito de prejudicar a ré;
44) Em todos os negócios jurídicos, incluindo nos contratos de trabalho, devem presidir princípios de segurança e de confiança jurídicos;
45) Não tendo julgado procedentes as exceções perentórias invocadas na contestação, provadas por documento idóneo e com a consequente correção à alínea E) da matéria assente do douto despacho saneador, e não tendo a ré sido absolvida da totalidade dos pedidos, a douta sentença violou entre outras, as disposições legais previstas nos termos dos artigos 487° n° 2, 493° n° 3 e 496°, todos do CPC, bem como as previstas nos artigos 374° n° 1 e 376° n° 1, ambas do C.Civil;
46) A douta sentença violou ainda o disposto no artigo 334° do CC ao reconhecer ilegitimamente o direito exercido pela autora, em clara e manifesta contradição com a declaração por si subscrita, como aliás, a mesma reconhece, sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso do tribunal;
47) O tribunal a quo premiou a autora, que agiu com má fé e com abuso de direito, desde a propositura da ação, alegando nos seus articulados não ter recebido o que já lhe havia sido pago, como ficou demonstrado com os cheques de fls. 37 e 67 dos autos, sendo manifestas as contradições ao longo do seu depoimento de parte e deste com os seus articulados e arguindo argumentos formais, ao solicitar o desentranhamento do cheque de fls. 67, contra a justiça e a boa decisão da causa!
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Contra-alegou a A., pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, a Ex.ma Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
A) A ré exerce a atividade de confeção de vestuário exterior em série.
B) No exercício dessa atividade admitiu a autora ao seu serviço em 01/07/2007.
C) Para exercer as funções de costureira, sob as ordens, direção e fiscalização da ré, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 475,00.
D) A ré comunicou à autora a intenção de proceder ao seu despedimento, por inadaptação superveniente ao seu posto de trabalho.
E) Tendo estado a trabalhar para a ré até 20 de setembro de 2010, a autora, em 21/09/2010, subscreveu a declaração junta a fls. 36, cujo teor aqui se reproduz para todos os efeitos legais, aí declarando e subscrevendo, para além do mais, que “recebeu da sua ex-entidade patronal, a senhora D. C…, (…), todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, seja a que título for.”
F) A autora recebeu da ré, pelo menos, a quantia de € 1.149,65, conforme cheque junto a fls. 37 dos autos.
G) A autora deu o seu assentimento ao aludido em D), razão pela qual aceitou pôr fim ao contrato que entre ambas existia.
H) A autora trabalhou até ao dia 15 de agosto de 2010, tendo gozado férias desde o dia 16 de agosto até, pelo menos, o dia 07/09/2010, data em que lhe foi entregue o cheque junto a fls. 67 dos autos (no valor de 1.090,00 euros).
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Fixação da matéria de facto:
Antes de mais, nos termos dos arts. 490º, nº 2, e 659º, nº 3, do CPC, por admitido por acordo – cf. arts. 6º, da PI, e 1º da contestação -, adita-se o seguinte factualismo, sob a alínea I):
«Em 20.09.2010, a Ré procedeu ao despedimento da Autora alegando o fundamento referido em D)».
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Nas suas alegações, e conclusões, a recorrente pretende a alteração da decisão da matéria de facto, considerando que foram incorretamente julgados pelo Tribunal a quo os pontos nº 2 e 3 da BI.
Para tanto, a recorrente fundamenta essa pretensão nos depoimentos indicados.
E, na verdade, a audiência de julgamento decorreu com gravação dos depoimentos prestados, estando estes, assim, acessíveis, nos termos e para os efeitos do art. 712º, nº 1, al. a), do CPC.
Inexistindo, assim, quaisquer obstáculos formais à modificação da decisão da matéria de facto, vejamos se a sua pretensão pode proceder no plano substantivo.
Recordemos apenas que esta Relação, ao reapreciar a prova, não pode ir ao ponto de tornar letra morta o princípio fundamental da livre apreciação das provas por parte do tribunal de 1ª instância (cf. art. 655º, nº 1, do CPC), a menos que este tribunal tenha incorrido em erro na apreciação do valor probatório dos concretos meios de prova.
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- art. 2º e 3º da BI.
O seu teor era o seguinte:
2º- «A Autora deu o seu assentimento ao aludido em D), razão pela qual acordou com a Ré pôr fim ao contrato que entre ambas existia, fixando o montante que lhe era devido, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, no valor total de € 3.000,00?»;
3º- «Valor que lhe foi integralmente pago:
- Mediante a entrega do cheque aludido em F);
- E mediante a entrega pela Ré da quantia, em numerário, de € 1.850,35, no dia 21/09/2010, data em que a Autora subscreveu a declaração aludida em E)?»
As respostas dadas foram restritivas, correspondendo, respetivamente à alínea G) e à alínea F) dos factos supra transcritos.
Sustenta a recorrente que estes pontos deveriam ter sido considerados provados na totalidade, deles passando a constar, também, ter sido fixado em € 3.000,00 o valor total a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho e ter sido feita entrega pela Ré da quantia, em numerário, de € 1.850,35, no dia 21.09.2010.
Para tanto, indica a recorrente o depoimento da testemunha D..., segundo o qual, no dia 21.09.2010, data da assinatura da declaração de fls. 36, foi entregue à recorrida a quantia de € 1.850,35 em numerário (para além do cheque de fls. 37), quantia acordada a título de compensação global pela cessação do contrato de trabalho.
Alega ainda a recorrente que este depoimento deve prevalecer sobre o depoimento prestado pela Autora.
Vejamos.
A testemunha D…, marido da ré, afirmou que foi ele quem entregou à autora o cheque de fls. 37, no valor de € 1.149,65, para pagar, segundo disse, a retribuição do mês de setembro e proporcionais do subsídio de natal, pagamento esse que fez no último dia de trabalho da autora.
Mais disse que aquele pagamento foi feito por conta da quantia acordada pagar à mesma, no valor de € 3.000, pelo que, no dia seguinte, entregou o restante, em numerário – não conseguindo precisar de que forma – após o que ela assinou a declaração de fls. 36, elaborada pela advogada da recorrente, Dr.ª E…. Mais disse que a autora se revelava inapta para o trabalho, pelo que a ré conversou com a mesma no sentido de pôr fim à relação laboral, tendo aquela acedido sair, acordando as partes o pagamento da quantia global de € 3.000, o que lhe foi integralmente pago, não explicando qual o motivo de o valor global de € 3.000 não ter ficado a constar da declaração de quitação.
Por seu lado, a A. B…, no seu depoimento, confirmando ter recebido o cheque de fls. 37, disse que, após a Ré lhe comunicar que a ia mandar embora, aceitou sair, desde que a mesma lhe “pagasse os seus direitos”, ainda que não soubesse muito bem concretizar os mesmos, mais afirmando que, no dia seguinte ao seu último dia de trabalho, em 21.09.2010, conforme combinado, da parte de tarde, deslocou-se ao escritório da advogada da ré, onde aquele cheque lhe foi entregue e onde assinou a aludida declaração, só depois sendo informada que o que recebera não correspondia àquilo a que de facto tinha direito.
Mais afirmou, de forma clara, que, não recebeu qualquer quantitativo em dinheiro naquela altura, afirmando que o cheque e a declaração foram ambas feitas no mesmo momento, ou seja, em 21.10.2010.
Na acareação efetuada, ambos mantiveram as suas versões.
Ora, da conjugação destes depoimentos, não esquecendo o relevo a dar ao art. 516º do CPC, entendemos que as respostas dadas, seguindo esta orientação, e traduzindo a livre e ponderada convicção da M.ma Juíza “a quo”, não merecem censura, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
No entanto, e no tocante à citada alínea G), «A Autora deu o seu assentimento ao aludido em D), razão pela qual aceitou pôr fim ao contrato que entre ambas existia, a mesma não pode aceitar-se: desde logo, por a sua 1ª parte ser conclusiva, nos termos do art. 646º, nº 4, do CPC, enquanto a 2ª parte não só integra matéria não articulada, como sendo contraditória com o facto admitido por acordo e aditado supra, assim se eliminando tal alínea.
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3. Do mérito.
Nesta sede, as questões suscitadas são as seguintes:
- ilicitude do despedimento;
- remissão abdicativa;
- créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho;
- abuso de direito e litigância de má fé.
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3.1. Ilicitude do despedimento.
Considerando que o despedimento ocorreu em 2010, é pacífica a aplicação ao caso do regime definido no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/09, de 12.02 (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), – de que serão doravante todos os artigos citandos sempre que outra origem não for mencionada –, atento o disposto no art. 7º, nº 1, da Lei nº 7/09.
Sustenta a recorrente que o contrato de trabalho celebrado com a Autora cessou por acordo das partes.
Não tem razão.
Desde logo, é pacífico que as partes nunca questionaram que a cessação do contrato ocorreu em 20.09.2010, data em que a autora foi despedida, por alegada inadaptação superveniente ao posto de trabalho.
O art. 373º define despedimento por inadaptação «a cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada em inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho».
O art. 374º, nºs 1 e 2, prevê então duas situações de inadaptação: a primeira, aplica-se aos trabalhadores em geral, relativamente aos quais tenha ocorrido redução continuada de produtividade ou de qualidade, avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para a saúde do próprio, de outros trabalhadores ou de terceiros (nº 1); a segunda, aplica-se aos trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de direção, que não tenham cumprido os objetivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, tudo determinado pelo modo de exercício de funções (nº 2).
Num e noutro caso, além de a lei exigir a verificação cumulativa dos requisitos definidos no art. 375º, é ainda necessário que tais situações tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, sendo que as formalidades previstas para esta forma de cessação do contrato de trabalho estão elencadas nos artigos 376º a 378º, estando previstos no art. 379º os direitos do trabalhador despedido.
No caso em apreço, a cessação do contrato de trabalho promovida pela recorrente não observou os procedimentos e requisitos previstos nos citados normativos, pelo que o despedimento da autora se tem de considerar ilícito, nos termos do art. 385º.
Assim concluindo pela ilicitude do despedimento, importa agora apurar as consequências jurídicas de tais despedimentos.
E para o conhecimento desta questão importa apreciar a próxima questão: saber se se a declaração emitida pela Autora, a fls. 36, configura uma remissão abdicativa.
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3.2. Remissão abdicativa.
A questão que se coloca é a de saber declaração emitida pela recorrida em 21.09.2010 consubstancia remissão abdicativa dos créditos laborais a que tivesse direito. muito embora todos lhe tenham sido pagos.
Sustenta a recorrente que a declaração de fls. 36 foi produzida pela recorrida após a cessação do contrato de trabalho (pelo que os seus direitos patrimoniais eram já livremente renunciáveis). não tendo sido impugnada a genuinidade do documento ou arguida a falsidade da assinatura. pelo que consubstancia a mesma uma remissão abdicativa.
A sentença recorrida recusou tal remissão, para tanto, fundamentando do seguinte modo:
«Analisemos então o valor da dita declaração. Declara a autora na mesma que “recebeu da sua ex-entidade patronal, a senhora D. C…, (…), todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, seja a que título for.”
O documento em apreço consubstancia, quanto a nós, mero recibo de quitação. A quitação, nos termos do art. 787º do CC, mais não é do que um documento em que o credor declara ter recebido a prestação que lhe é devida, constituindo uma simples declaração de ciência certificativa do facto de que a prestação foi cumprida pelo devedor e recebida pelo credor.
Analisando o documento aqui em causa, inquestionavelmente um documento particular assinado pela autora – a autoria da assinatura não foi impugnada –, intitulado «Declaração», o mesmo mais não é que mera quitação. Em tal documento a autora declara ter recebido, ainda que sem especificar quaisquer valores, todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo.
E mais declara "nada mais ter a receber”.
Ora, considerando que a declaração é emitida após a cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes, poderá a mesma consubstanciar uma verdadeira declaração negocial abdicativa, pela qual a autora renuncia ou abdica dos créditos decorrentes do referido contrato, a que eventualmente ainda tivesse direito?
Face à manifesta controvérsia entre as partes sobre tal matéria, decisiva para a afirmação da remissão abdicativa, na ausência de prova segura sobre a mesma, entendemos que não.
Decorre do art. 863º do Código Civil, que se dá a remissão abdicativa, quando o credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia (Cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, 3.ª Edição, Volume II, pág. 208).
Será esse o caso dos autos?
De forma alguma.
Da leitura da aludida declaração, retiramos apenas uma afirmação genérica e abstrata, cuja leitura não permite concluir que a aqui autora está a abdicar dos créditos a que tem direito. Ao invés, quando declara que dá “recebeu todos os créditos …. E nada mais tem a receber ou reclamar”, está apenas a querer dizer que, na sua ótica, segundo os dados de que dispõe e o que crê, que recebeu tudo o que lhe foi pago ou está a ser pago. Esta “leitura” é ainda reforçada pela circunstância de, no caso dos autos, a autora ter sido despedida e ter recebido a quantia de € 1.149,65, conforme cheque junto a fls. 37 dos autos.
Nessa dita declaração, a autora não manifesta uma vontade de renunciar, abdicar de algum crédito. E, nada sendo dito naquele documento, que de forma séria e transparente afirmasse os valores efetivamente entregues e pagos, sabendo nós que a autora naquela data recebeu o cheque de 1.149,65 euros, teremos forçosamente que ver aquele documento 13 apenas como um recibo da entrega dessa mesma quantia (pois que naquele documento não consta quais os créditos laborais pagos, igualmente não consta ter sido paga qualquer compensação pela cessação do contrato de trabalho ou indemnização por antiguidade).
Sufragamos esta fundamentação, por traduzir uma correta aplicaçãp do direito aos factos provados.
Como é sabido, a remissão abdicativa constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual, tal como decorre do art. 863.º, n.º 1, do CC: “o credor pode remitir a dívida por acordo com o devedor”.
Como contrato que é, a “remissão” exige o necessário consenso entre as partes e, daí, a emissão de, pelo menos, duas declarações negociais: uma delas a cargo do credor – declarando renunciar ao direito de exigir a prestação – e a outra por banda do devedor – declarando aceitar aquela renúncia.
Conforme escreve Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 2.° vol., pag. 232) “na remissão abdicativa é o próprio credor que, com a aquiescência do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse que a lei lhe conferia”.
No presente caso, estamos perante uma declaração vaga e genérica, a qual não pode ser havida como prova plena de que a declarante nenhum outro direito pretendia conservar, respeitante à relação jurídica laboral já extinta.
Mostram os autos que tal declaração não integra um acordo vinculativo, assente sobre duas declarações contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, com vista a estabelecer a regulamentação da situação obrigacional das partes resultante da cessação da relação laboral existente entre ambas.
A recorrente/empregadora, como supra referido em sede de fixação da matéria de facto, não provou ter disponibilizado todos os créditos a que a trabalhadora/recorrida tinha direito, emitindo esta, assim, uma mera declaração de quitação genérica, insuficiente para concluir por um verdadeiro acordo negocial do interesse das partes
Improcedem, pois, as conclusões da recorrente.
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3.3. Créditos emergentes da cessação do contrato.
Sustenta a recorrente que:
- a antiguidade da autora devia ser a de 3 anos, 2 meses e 20 dias, e não de 4 anos e 4 meses, como foi considerado na sentença;
- não faz o menor sentido a condenação da ré no pagamento "de todas as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão", no valor de € 8.075,00!;
- os proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal, relativos ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (263 dias) totalizam € 1.026,78 e não os sentenciados € 1.068,75, sendo certo que também tais créditos foram englobados no valor de € 3.000,00 pagos pela ré à autora, que deles deu quitação;
Nesta parte, a sentença discorreu do seguinte modo:
«A ilicitude do despedimento acarreta para a entidade patronal que assim atua, a obrigação de pagar ao trabalhador despedido todas as prestações pecuniárias que deixar de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos, bem como a obrigação de o readmitir no seu posto de trabalho, ou, se assim optar, de lhe pagar uma indemnização por antiguidade (artigos 389º nº 1, 390º e 391º do Código do Trabalho).
Deste modo, fixando-se a indemnização por antiguidade devida, o que se considera adequado e suficiente no caso concreto, em 30 dias de remuneração de base por cada ano de antiguidade, atingimos, no caso dos autos, a quantia de 2.058,33€ (475,00 x 4 anos e 4 meses).
Teria também a autora direito, na data de cessação do contrato de trabalho, a receber os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, relativos ao trabalho prestado em 2010 (ano da cessação do contrato de trabalho), que perfazem a quantia de 1.068,75€ (475,00 x 9: 12 x 3).
Pede também a autora, e a tanto tem direito, que lhe sejam pagas todas as prestações pecuniárias vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença final (retribuições intercalares).
Com efeito, por força do disposto no art. 390º nº 1 do CT, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declare a ilicitude do mesmo, devendo ser descontadas as importâncias que o trabalhador auferiu com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, tal como impõe na al. a-) do nº 2 do aludido normativo legal, bem como as retribuições auferidas pela trabalhador, a título de subsidio de desemprego, tal como impõe a sua al. c-), devendo, neste último caso, a empregadora entregar essa dita quantia à Segurança Social. Assim sendo, tendo a aqui autora visto cessar o seu contrato em 20/09/2010, dando entrada da presente ação em 07/02/2011, e estando nós em 19/04/2012, tem a mesma direito ao montante que, nesta data, se liquida em 8.075,00€, onde se incluem os respetivos subsídios de férias e de natal entretanto vencidos (475,00 x 17 meses)».
Concorda-se, no essencial, com esta fundamentação.
Efetivamente, a decisão merece algumas correções.
Assim, no tocante à indemnização de antiguidade, tendo em atenção a data de admissão da recorrida, 01.07.2007, a data da sentença, 19.04.2012, a antiguidade da recorrida era de 4 anos, 9 meses e 19 dias, pelo que a indemnização a ter em conta seria de € 2.285,00 [€ 475 x 5].
No entanto, como a autora, na petição, a esse título, apenas pediu o pagamento da indemnização de € 1.504,16 – cf. art. 9º da petição e conclusão do pedido, sob a alínea A) – não podia a sentença condenar em montante superior, nos termos do art. 661º, nº 1, do CPC.
No tocante aos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado no ano de cessação, os mesmos são do montante de € 1.147,92 [(475 x 9 : 12 x 3 ) + (475 : 30 x 20 : 12 x 3)].
No entanto, como também aqui a autora, na petição, a esse título, apenas pediu o pagamento da quantia de € 1.068,66 – cf. art. 10º da petição e conclusão do pedido, sob a alínea B) – não pode a sentença condenar em montante superior, nos termos do art. 661º, nº 1, do CPC.
No tocante às retribuições vincendas, a recorrente não põe em causa o cálculo, apenas considera que não faz o menor sentido a sua condenação no pagamento "de todas as prestações pecuniárias que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão", no valor de € 8.075,00, em função da declaração de fls. 36.
Como já supra referido, tal declaração não integra uma válida remissão abdicativa, pelo que improcede a pretensão da recorrente.
Concluindo:
Procedendo, em parte, as conclusões do recurso, a autora tem direito às seguintes quantias:
- € 1.504,16, a título de indemnização de acordo com a sua antiguidade;
- € 1.068,66, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, proporcionais à duração do contrato em 2010;
- € 8.075,00€, a título de retribuições vencidas até 19.04.12, sem prejuízo das vincendas, até trânsito em julgado da decisão final.
Considerando que a sentença, nessa parte, não impugnada, efetuou a dedução a essas quantias do montante de € 1.149,65, recebido pela autora, através do cheque de fls. 36, tem, assim, a autora direito à quantia de € 9.498,17.
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3.4. Abuso de direito e litigância de má fé.
Sustenta a recorrente que a autora agiu com má fé e com abuso de direito, desde a propositura da ação, alegando nos seus articulados não ter recebido o que já lhe havia sido pago, como ficou demonstrado com os cheques de fls. 37 e 67 dos autos.
Como é sabido, a violação, por qualquer das partes, do dever de cooperação previsto no art. 266º, nº 1, do CPC, pode traduzir uma litigância de má fé.
Na verdade, diz-se litigante de má fé – art. 456º/2 – quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Cabem, na definição legal, situações de má fé subjetiva, caracterizadas pelo conhecimento ou não ignorância da parte, e objetiva, resultantes da violação dos padrões de comportamento exigíveis.
Basta, pois, uma falta grave de diligência para justificar o juízo de má fé da parte.
Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial – que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 456º, supra transcrito – e a má fé instrumental [als. c) e d) do apontado normativo].
Mas, em ambas, está presente uma intenção maliciosa, ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reação punitiva.
Ora, no caso em apreço, a factualidade apurada não permite concluir que a A. tenha litigado com má fé, sendo que a atitude por ela assumida, na defesa dos seus interesses, expressa na petição, quer no sentido de existir despedimento ilícito quer no sentido da invalidade da declaração de fls. 36 como de quitação plena, não evidencia uma manifesta tentativa de alteração da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, bem pelo contrário veio a ser confirmada quer na 1ª instância quer nesta instância de recurso.
Assim sendo, improcede a pretensão da Ré de condenação da Autora como litigante de má fé.
Idêntica conclusão para o abuso de direito, uma vez que os factos provados demonstram que a autora se limitou a reclamar os seus direitos perante uma cessação ilícita promovida pela recorrente.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso da Ré, assim alterando a sentença recorrida nos termos supra referidos em 3.3, condenado a Ré a pagar à autora a quantia global de quantia de € 9.498,17, no demais se confirmando a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes na proporção do seu decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora.
+++
Porto, 18-02-13
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
_____________
Sumário elaborado pelo relator:
I- A remissão abdicativa constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo natureza contratual – art. 863.º, n.º 1, do CC.
II. A declaração da trabalhadora de que recebeu da sua empregadora “todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da cessação do mesmo, nada mais tendo a receber ou a reclamar, seja a que título for” é uma declaração genérica, a qual não pode ser havida como prova plena de que a declarante nenhum outro direito pretendia conservar, respeitante à relação jurídica laboral já extinta.
III- Mais se demonstrando que a empregadora não provou ter disponibilizado todos os créditos a que a trabalhadora tinha direito, aquela declaração, como quitação genérica, é insuficiente para concluir por um verdadeiro acordo negocial do interesse das partes.

José Carlos Dinis Machado da Silva

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/60f2c3803911ed0480257b20005519ef?OpenDocument&Highlight=0,presta%C3%A7%C3%A3o,contas

terça-feira, 20 de maio de 2014

PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO CREDITO TRIBUTÁRIO PLANO DE RECUPERAÇÃO INEFICÁCIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 08.05.2014


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7965/13.0T2SNT.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDITO TRIBUTÁRIO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
INEFICÁCIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08-05-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDENCIA

Sumário: 1. Por força do disposto no nº3 do artigo 30º da LGT, introduzido pelo artigo 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos processos especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.
2. A homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar, sem a necessária aprovação, designadamente a concessão do pagamento a prestações do crédito do Estado e um perdão parcial de juros, é ineficaz relativamente a este credor, não produzindo quanto a ele quaisquer efeitos.
Decisão Texto Parcial: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO


A com sede na Rua …., veio instaurar processo especial de revitalização, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2 e 17º-A a 17º-I, todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Alegou, em suma, estar em situação económica difícil, reunindo, porém, as condições necessárias para a sua recuperação e requereu a nomeação do administrador judicial que indicou.
O processo foi instruído com uma declaração escrita da requerente e de um dos seus credores, no sentido de encetar negociações, tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação (artigos 17º-A e 17º-C, n.º 1 do CIRE).
Foram apresentados os documentos elencados no artigo 24º, n.º 1 do CIRE.
Por despacho de 03.04.2013 foi nomeado Administrador Judicial Provisório, em conformidade com o disposto no artigo 17.°-C, n.° 1, alínea a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), dando-se início ao processo especial de revitalização.

Por requerimento datado de 8.05.2013, o administrador judicial provisório apresentou lista provisória de créditos, de acordo com o nº 3 do artigo 17º-D do CIRE, da qual consta que o total dos créditos reclamados ascende a € 267.981,17 e os créditos reconhecidos a €222.603,37 ( fls. 123).

Foram apresentadas impugnações à lista provisória de créditos ( fls. 143 a 186).

O administrador judicial provisório apresentou, em 26.07.2013, declaração subscrita pelo próprio e pela devedora, nos termos do nº 5 do artigo 17º-D do CIRE, declararam: (…) vez que não foi possível, até à data, concluir as negociações com vista à aprovação do plano de revitalização conducente à revitalização da devedora, pretendem prorrogar as mesmas pelo período de um mês ( fls. 188-189).

Por requerimento apresentado em Tribunal, em 07.08.2013, o administrador judicial provisório, reconheceu os créditos dos credores impugnantes, que não haviam reclamado os créditos no prazo fixado para o efeito ( fls. 191 a 238).


Em 03.09.2013, foi proferido o seguinte despacho:

Notifique o Sr. Administrador para juntar lista definitiva com a inclusão dos credores referidos ( fls. 239).

Em 06.09.2013, o administrador judicial provisório, referindo que o prazo para as negociações havia terminado, solicitou prorrogação do prazo para conclusão das negociações e apresentação do resultado da votação do plano, por mais 15 dia, o que foi deferido, por despacho de 10.09.2013 ( fls. 240-243).

O administrador judicial provisório apresentou, em 23.09.2013, lista definitiva de créditos, da qual consta que o total dos créditos reclamados ascende a € 267.981,17 e os créditos reconhecidos a € 1.147.966,94 ( fls. 244-246).

Em 11.10.2013, o administrador judicial provisório veio juntar aos autos o Plano de Recuperação apresentado pelo devedor, do qual consta, designadamente:
(…)
6. Viabilidade Estratégica
Não obstante a crise que se instalou nos diversos sectores de actividade, notar em particular na Europa, e apesar dos factores apresentados e condicionantes da actual situação da A se reflectirem negativamente na sua actividade, a verdade é que, como qualquer ciclo conjuntural, o ajustamento do mercado provocado pela crise leva necessariamente à reorganização dos seus intervenientes e ao surgimento de novas oportunidades.
6.1. Da Viabilidade Económica
A sociedade tem que fazer a gestão dos seus recursos de forma a obter uma estrutura de custos flexível.
Adoptando um conjunto de pressupostos, numa perspectiva da evolução da economia portuguesa e europeia prevista para os próximos anos, conjugados com os pressupostos retirados da prática empresarial da Rampa de Sucesso, sendo estas condições satisfeitas, a EMPRESA É ECONOMICAMENTE VIÁVEL,


podendo libertar os meios suficientes para liquidar as suas dívidas, nas condições definidas nas medidas propostas.
A evolução previsível do Cash-flow da empresa, durante o período em análise, é demonstrativa dessa situação.
6.2. Análise dos proveitos Previsionais
As receitas da empresa estão fortemente ligadas à evolução da conjuntura económica, pelo, que, caso se verifique o cenário de início da retoma, ainda que ligeira, a partir de 2015, então podemos esperar uma variação positiva mais acentuada das suas taxas de crescimento (a preços constantes).
6.3. Análise de Custos Previsionais
A diminuição do financiamento bancário vai permitir uma redução dos encargos financeiros, note-se que a empresa neste momento não tem dívidas a Instituições de crédito, dado os esforço destes dois anos.
Estas medidas são adequadas ao aumento da rendibilidade, dando um significativo contributo para que a empresa alcance resultados positivos.
6.4. Análise dos Resultados Previsionais
Os resultados líquidos previsionais estão em linha com as necessidades de libertação de meios financeiros suficientes para fazer face ao que está previsto no plano.
7. Viabilidade Financeira
A transformação da dívida de curto e médio prazo em dívida de médio e longo prazo, tem uma influência muito positiva na Liquidez da empresa.
Os Fluxos de tesouraria líquida evidenciam que com esta estrutura de dívida, a empresa será capaz de honrar os seus compromissos.
Impacto expectável das alterações propostas em comparação com ausência de Plano de Recuperação:
Caso não fosse apresentado o Plano de Recuperação, a requerente apenas poderia pagar aos seus credores o montante resultante da venda dos bens onerados, cujo valor seria seguramente inferior ao montante do passivo, até pela desvalorização dos mesmos face ao contexto actual.
Conclusão:
Considerando a análise já efectuada, a situação comercial e a evolução do negócio da empresa, assim como o diagnóstico traçado, a análise dos dados de exploração previsionais, elaborados com base em critérios de prudência e


razoabilidade objectiva, a VIABILIDADE da empresa Rampa de Sucesso, será POSSÍVEL, caso seja aprovado o Plano de Recuperação proposto.
8. Medida Proposta
O Plano de Recuperação deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da devedora porquanto, e analisada a viabilidade económica da empresa e o seu equilíbrio financeiro, temos por bem propor:
1) — Redução dos créditos por perdão e moratória, nos seguintes termos:
A) Estado:
A.1) Instituto da Segurança Social
· Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza, em 115 prestações mensais, iguais, e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
· Dispensa de garantia;
· Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pelo Instituto da Segurança Social, IP nos termos legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
· Consolidação das dívidas a 31 de Agosto de 2013;
· As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
A.2) Fazenda Nacional
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;


• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança de dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
B) Restantes Credores (Fornecedores)
• Pagamento de 55% do capital com as seguintes prorrogativas: Dívidas até € 1.000,00 pagamento em 4 prestações mensais, dividas entre os € 1.001,00 e € 3.500.,00 pagamento em 8 prestações mensais, dívidas entre €3.501,00 e € 5.500,00 pagamento em 10 prestações mensais, dívidas entre os € 5.501,00 e € 10.000,00 pagamento em 16 prestações mensais e dividas superiores a € 10.000,00 pagamento em 24 prestações mensais, prestações mensais iguais e sucessivas, a primeira com vencimento nos 180 dias seguintes ao despacho de homologação do plano;
• Perdão total de juros vencidos e vincendos e Perdão de 45% do capital em dívida.
II) –Âmbito:
As alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (n.° 1 do artigo 217.° do CIRE).
Nos termos do artigo 209º, n.° 3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.

III) Impacto expectável das alterações propostas:
O Plano de Recuperação apresentado pela administração da devedora, tem por finalidade expor as condições em que esta e os credores definem a continuidade da empresa, sob administração da devedora, e nomeadamente os termos em que serão feitos os reembolsos dos créditos sobre a devedora.



Mas considerando o volume de créditos reconhecidos e os valores estimados para os activos e, principalmente a sua natureza, nomeadamente nos termos de grau de liquidez, não se vislumbra alternativa que não seja um programa de continuidade da empresa com uma estrutura de custos reduzida e adaptada à nova realidade de mercado, conforme supra melhor exposto, permitindo libertar os meios que sejam necessários para satisfazer os créditos sobre a devedora.
Na ausência do apoio dos credores ao Plano de Recuperação, tornar-se-á como certo o Cenário de Liquidação abrupta dos activos da empresa a revitalizar.
Este cenário caracterizar-se-á exclusivamente pela venda dos activos. E, como também se depreende, o cenário de não Recuperação não deixará de acarretar perdas substanciais para os credores.
Estima-se no cenário de não Recuperação que os credores comuns – nomeadamente Fornecedores e Restantes Credores – receberão uma percentagem REDUZIDA OU MESMO NULA DOS SEUS CRÉDITOS; nomeadamente, atenta a existência de credores privilegiados (Estado) e credores garantidos e, sobretudo, considerando a conjuntura actual.
Em alternativa, com a aprovação do plano, teremos a garantia de pagamento das obrigações assumidas perante todos os credores nos termos supra expostos.
De referir que se mostra imprescindível assegurar os períodos de carência supra apresentados, porquanto a empresa necessita desse período temporal para estabilizar a sua tesouraria, por forma a conseguir manter a sua actividade corrente dentro dos parâmetros que lhe permitam projectar a sua actividade, sendo certo que, pelo menos numa fase inicial, certamente não lhe serão concedidas facilidades de crédito. Terminado o período de carência e tendo em conta as previsões constantes deste plano, a empresa terá condições de tesouraria que lhe permitirão cumprir o que aqui está estabelecido.
Assim, atendendo-se ao supra exposto, a aprovação do plano de recuperação afigura-se claramente mais vantajosa.

IV) Preceitos legais derrogados:
Âmbitos das derrogações ao CIRE
Com o presente plano foram derrogados os seguintes preceitos legais do CIRE que importa esclarecer:
• Foi derrogado õ princípio da igualdade (art.° 194.° do CIRE) relativamente aos créditos do Estado, na medida em que está previsto o pagamento da totalidade do crédito, por força do enquadramento legal que rege os pagamentos à Fazenda e Segurança Social (princípio da indisponibilidade dos créditos tributários).
• Foi derrogado o princípio da igualdade (art.° 194.° do CIRE) relativamente aos créditos garantidos, estando previsto um pagamento em termos percentuais superior aos créditos comuns, em virtude das garantias que lhes assistem.
V) Execução do plano de recuperação e seus efeitos:
Com o despacho de homologação, além dos demais efeitos legais, produzem-se as alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (artigos 17.°-D, 17.°-F e 217.° do CIRE).
(…)

E, consta do requerimento então apresentado pelo Administrador Judicial Provisório, o seguinte:
(…)
tendo concluído as negociações nos presentes autos, considerando que o Plano de Recuperação foi aprovado, nos termos do disposto nos arts. 17° -F, n ° 3 e 212°, ambos do C.I.R.E., vem, muito respeitosamente, junto de V. Exa., requerer a junção aos presentes autos do documento informativo relativamente aos resultados obtidos da votação daquele Plano de Recuperação, tal como exige o disposto no art. 17° -F; n.° 4, do C.I.R.E., tal como se junta sob o Doc. n.° 1.
O plano entrará em vigor quando transitar em julgado a sentença da sua homologação
A) Estado:
A.1) Instituto da Segurança Social
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza, em 115 prestações mensais, iguais, e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;

• Dispensa de garantia;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pelo Instituto da Segurança Social, IP nos termos, legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
• Consolidação das dívidas a 31 de Agosto de 2013;
• As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
A.2) Fazenda Nacional
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
B) Restantes Credores (Fornecedores)
• Pagamento de 55% do capital com as seguintes prerrogativas: Dívidas até € 1.000,00 pagamento em 4 prestações mensais, dívidas entre os € 1.001,00 e € 3.500,00 pagamento em 8 prestações mensais, dívidas entre € 3.501,00 e € 5.500,00 pagamento em 10 prestações mensais, dívidas entre os € 5.501,00 e €10.000,00 pagamento em 16 prestações mensais e dívidas superiores a €10.000,00 pagamento em 24 prestações mensais, prestações mensais iguais e sucessivas, a primeira com vencimento nos 180 dias seguintes ao despacho de homologação do plano;

• Perdão total de juros vencidos e vincendos e Perdão de 45% do capital em dívida.
O presente plano de pagamento vincula todos os credores quer tenham ou não, reclamado créditos e inclui e prevê o pagamento dos respectivos créditos desde que os mesmos constem de Acordo de Reconhecimento e Regularização de Dívida por parte da Requerente, sendo que, neste último, caso conferirão direito de voto aos seus credores;

Ø Nota: A proposta da Autoridade Tributária que consta no Plano Especial de Revitalização da empresa não será aplicado, uma vez que a empresa já liquidou os créditos por esta reclamados.

Pelo Administrador Judicial Provisório foi junta a “Acta da abertura dos votos A” da qual consta o seguinte:

Iniciada a reunião, o Senhor Administrador Judicial Provisório foi constatado que os credores reclamantes e que aderiram às negociações, perfazem a maioria exigida na parte inicial do nº 1 do art. 212º ex vi art. 17º-F nº 3, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, concretamente, tal valor é superior a um terço do total dos crédtios com direito a voto.
De seguida, pelos mesmos foram analisados os votos remetidos pelos credores reclamantes e reconhecidos, pelo que, considerando a totalidade de votos emitidos, verificou-se que os votos favoráveis perfazem a proporção de 97,09% da totalidade dos créditos (Doc. 1), tendo sido elaborado os documentos em cumprimento do disposto no nº 4 do art. 17º-F do C.I.R.E, que se junto em anexo sob o nº 1
Desta forma, considerando o disposto no art. 212º, nº 1, aplicável por força do n.° 3, do art. 17°-F, ambos do C.I.R.E., a proposta de plano apresentada aos credores pela Devedora nos presentes autos, pela verificação da maioria qualificada de votos emitidos pelos credores reclamantes encontra-se aprovada (fls. 254-255).
Em 15.10.2013 foi proferido o seguinte despacho ( fls. 290):
Verifica-se que o plano foi aprovado.
Dê publicidade – artigo 213º, do CIRE.

Em 27.11.2013 foi proferida a seguinte decisão ( fls. 297):
A, apresentou-se a processo especial de revitalização.
Foi apresentado e votado plano de recuperação.
O Plano foi aprovado.
Foi feita a publicação a que alude o artigo 213.°, do Cire. Decorreu o prazo a que alude o artigo 214.°, do Cire.
Não se verificam quaisquer situações que determinem a recusa oficiosa de homologação do plano de insolvência - artigo 215.°, do Cire.
Nestes termos, homologo o plano apresentado por A
Registe e notifique, nos termos do disposto nos artigos 17.°-F, n.° 6, 37.° e 38.°, do Cire.
Custas pela requerente.

Foi junta aos autos, pelo Magistrado do Ministério Público, a comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentada em 13.12.2013, nos seguintes termos:
(…)
Mais se informa que a devedora não pagou a dívida reclamada no PER - que ascende ao valor total de € 3.743,53, sendo que € 3.651,76 constituem quantia exequenda (capital).

Inconformado, o Ministério Público, em representação do Estado – Fazenda Nacional - veio interpor recurso de apelação relativamente à sentença homologatória, datada de 27.11.2013.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: (…)

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***


II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO


Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:


i) A HOMOLOGAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUE APROVOU, EM PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO, O PLANO DE RECUPERAÇÃO, E A VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE REGRAS PROCEDIMENTAIS PREVISTA NO Nº 1 DO ARTIGO 215º APLICÁVEL ex. vi. DO ARTIGO 17º-F, Nº 5 DO CIRE.


ii) A VIOLAÇÃO DE REGRAS IMPERATIVAS CONSTANTES DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, E DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA IMPLICA A REJEIÇÃO DA DELIBERAÇÃO PELO TRIBUNAL, AINDA QUE OFICIOSAMENTE, OU PODERÁ SER HOMOLOGADA, COM A RESSALVA DE QUE O APROVADO PLANO É INEFICAZ RELATIVAMENTE AOS CRÉDITOS FISCAIS.



***



III . FUNDAMENTAÇÃO


A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A finalidade do processo especial de revitalização, criado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, mostra-se definida no nº 1 do artigo 17º-A, que estatui: O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.

Para que o processo de revitalização possa ter lugar, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos:

i) Que o devedor, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente;
ii) Que ainda seja susceptível de recuperação.
Com a regulamentação no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, do processo especial de revitalização, visou-se a promoção da recuperação das empresas, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que, evidentemente, a sua recuperação se mostre viável.

Os artigos 17º-A a 17º-H do CIRE destinam-se a estabelecer negociações entre devedor e credores para a conclusão de acordo de revitalização, visando também o processo de revitalização, nos termos previstos no artigo 17º-I, a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa.

Considera-se no artigo 17º-B do CIRE em situação económica difícil, o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

Todavia, tal dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já em situação de insolvência.

Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigida ao juiz, juntando a declaração ali mencionada.


Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador
judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.

Tal despacho, que é notificado ao devedor e publicado no portal Citius, tem efeitos processuais, efeitos sobre o devedor e efeitos em relação aos credores.

Relativamente ao devedor, nos termos do nº 1 do artigo 17º-D do CIRE, logo que receba a notificação do despacho a nomear o administrador judicial provisório, deverá aquele comunicar aos credores que não subscreveram a declaração escrita, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso.

Com a prolação do despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida, por parte do administrador judicial provisório

Estatui o nº 7 do artigo 17º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.

Em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclame os seus créditos, incluindo os credores que assinaram a


declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do art. 17º-C do CIRE.

Considerando que a lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o processo especial de revitalização, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o nº 1 do artigo 130º do CIRE.

As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que tem um prazo de 5 dias para elaborar uma lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, será publicada no portal Citius. Após a publicação, a lista pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, conforme decorre dos nºs 2 a 4 do artigo 17º-D do CIRE.

Terminado o prazo para as impugnações, as mesmas serão apreciadas pelo juiz, estabelecendo o nº 5 do artigo 17º-D do CIRE um outro prazo de dois meses para que os declarantes concluam as negociações encetadas, prazo esse que pode ser prorrogado verificadas certas circunstâncias.

Mas, como antes ficou dito, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório tem ainda outros efeitos processuais, já que a publicação daquele despacho no Citius tem como efeito a suspensão de processos de insolvência em curso contra o devedor «desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência», conforme decorre do nº 6 do artigo 17º-E do CIRE.




As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores, mas também podem tais negociações terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores.

O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE - uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como
tal as abstenções - sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Pode suceder que, no decurso das negociações, o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível
alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, o administrador judicial provisório deve comunicar o encerramento do processo negocial ao tribunal, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo o administrador judicial provisório de verificar previamente se o devedor já está em situação de insolvência e, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Mas, pode também suceder que as negociações terminem com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do


devedor, com unanimidade e com intervenção de todos os credores ou sem que tal unanimidade seja obtida, mas observados que sejam os requisitos cumulativos previstos para a participação e votação.

Aprovado o plano de recuperação deverá este ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Ora, no caso vertente, as negociações terminaram com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, pelos credores que representavam 97,09% da totalidade dos créditos, o que acarretou a homologação do plano apresentado pela devedora.

Mas, defende, em suma, o apelante, que o Tribunal a quo, ao homologar o Plano de Pagamentos violou o disposto nos artigos 17º-F, nº 5 e 215º do CIRE, postergando normas tributárias de carácter imperativo, como são as dos artigos 30º, nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária e artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Como acima ficou dito, após a aprovação do plano de recuperação este será remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Com efeito, o CIRE confere ao juiz, mesmo contra a vontade unânime dos credores, o dever de recusar a homologação do plano conducente à revitalização, caso verifique, designadamente, a ocorrência de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

Trata-se de um poder/dever que o julgador dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, apenas em situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois como salienta MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência 2ª ed., 291, as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.

Normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram apresentadas.

Normas relativas ao conteúdo são, por sua vez, as respeitantes à parte dispositiva do plano e aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.

Acresce que, como esclarecem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 118-120, são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido.

Estatui ainda o artigo 217º do CIRE que: “Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido ou não, reclamados ou verificados...”.

Da evidenciada consagração da regra geral da tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros, reveste de particular relevância a regra ínsita no nº 2 do artigo 192º, da qual decorre que, quer os credores, quer os terceiros, só podem ser atingidos se se verificar um dos seguintes requisitos:

i. se houver consentimento do próprio visado, ou,
ii. quando a afectação for expressamente autorizada pelas normas legais integradas no título IX do CIRE.

Por outro lado, dispõe o artigo 194º n.º 1 do CIRE que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. E, por sua vez, o n.º 2 refere que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
Defendem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 46, que “O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afectação traduz, por isso, seja qual foi a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis”.

Infere-se, assim, do citado normativo que está vedado no plano, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas, sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação.

É certo que, mesmo entre credores inseridos na mesma classe, não se poderá afastar a possibilidade de existirem diferenciações, se estas assentarem em circunstâncias objectivas que justifiquem um tratamento diferenciado.

O consentimento dos credores pode ser dado de forma expressa ou tácita, configurando-se como consentimento tácito o voto favorável à aprovação do plano pelo credor lesado. Mas o voto contrário é suficiente para preencher a manifestação de desacordo pelo credor lesado.

Se, porventura, o Plano de Insolvência afecta, parcial ou totalmente, as garantias dos credores, em situação de igualdade, não estabelecendo qualquer diferença entre eles, há que concluir que o mesmo vincula também os que não aderiram ao mesmo, desde que aprovado pela maioria exigida.

A este propósito, referem os supra citados autores, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 55 que: “a dispensa da exigência do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência”.

Na verdade, se não se consagrasse a dispensa da concordância do credor para que o plano o vinculasse, facilitando deste modo a aprovação dos planos de insolvência ou de recuperação, seriam frequentes os obstáculos a tal aprovação, contribuindo para o inêxito do objectivo para o qual se propôs o CIRE.

In casu, invoca o recorrente Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, a violação de normas tributárias de carácter imperativo, pelo que se impunha a recusa de homologação do Plano. Por seu turno, pese embora a recorrida invoque o pagamento do crédito reclamado pela Fazenda Nacional - o que não está demonstrado – defende também que, no que concerne às consequências do voto desfavorável da Fazenda Nacional, a aprovação do plano não lhe será oponível, não produzindo quanto à Fazenda Nacional qualquer efeitos.


Vejamos,

No caso em apreciação verifica-se que consta no Plano de Recuperação, em relação aos créditos da Fazenda Nacional, a seguinte proposta:

• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do GIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança de dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.

Decorre do artigo 1°, nº 1 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98 de 17/12 e sucessivamente alterada, que a mesma “regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna ou em legislação especial”.

No nº 2 desse preceito dispõe-se que “para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estes”.


Resulta do artigo 30º, nº 1, alínea a) da LGT, que integram a relação tributária o crédito e a dívida tributária. E, no nº 2 desse mesmo normativo, determina-se que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade”.

Dispõe o artigo 36° da LGT que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (nº 1), e que os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados pela vontade das partes (nº 2). E, o nº 3 estatui que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.

Salienta o nº 5 do mesmo artigo 36º que a administração tributária pode subordinar a atribuição de benefícios fiscais ou a aplicação de regimes fiscais de natureza especial, que não sejam de concessão inteiramente vinculada, ao cumprimento de condições por parte do sujeito passivo, inclusivamente, nos casos previstos na lei, por meio de contratos fiscais.

Estabelece também o artigo 42º, nº 1 da LGT que “ o devedor que não possa cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em prestações, nos termos que a lei fixar”.

Por sua vez, o artigo 196° do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que: “As dívidas exigíveis em processo executivo poderão ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, no prazo da oposição, ao órgão da execução fiscal” (nº 1).
“É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas (...) desde que se preveja a substituição dos administradores e gerentes responsáveis pela não entrega das prestações tributárias em causa” (nº 3) (…).


Estabelece-se ainda no artigo 199°, n° 1 do C.P.P.T., que: “Caso não se demonstre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado
oferecer garantia idónea, a qual consistirá garantia bancária, caução, seguro caução, ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, resultando do nº 8 deste preceito que “É competente para apreciar as garantias bancárias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações”.

As elencadas normas têm, é certo, um carácter público e imperativo, impondo-se essa imperatividade à administração tributária, não se podendo aplicar um regime de excepção a um sujeito passivo tributário, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, como resulta do nº 5 do citado artigo.

Até à alteração introduzida no nº 3 do artigo 30º do LGT, pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12, defendia alguma jurisprudência que a evidenciada natureza especial do processo de insolvência e o relevo que nele assumem o princípio da igualdade dos credores a que alude o artigo 194º do CIRE, bem como o princípio da auto-regulação da insolvência pelos credores, consagrado no artigo 192º, nº 1 do mesmo diploma, implicava o entendimento de que, na fase executória da insolvência, o pagamento das dívidas fiscais e da segurança social do insolvente ficaria sujeito ao regime do CIRE, já que essas dívidas seriam reguladas consoante o previsto neste diploma legal.

O regime consagrado na LGT e no CPPT teria o seu campo de aplicação na relação tributária, respeitando ao processo de pagamento das obrigações tributárias, no âmbito da execução fiscal, não encontrando apoio no processo de insolvência, onde o Estado e a Segurança Social também teriam de intervir numa ampla perspectiva de auto-regulação.

Com efeito, como se defendeu, designadamente, no Ac. STJ de 13.01.2009 (Pº 08A3763), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., “a invocação destas normas e do seu carácter indisponível encontram o seu

fundamento no princípio da legalidade da administração tributária, nas suas relações com os devedores, mas do que se trata é de saber se, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores do insolvente, devem ser invocados de modo a postergar a auto-regulação dos credores, plasmada na faculdade de aprovação maioritária do plano da insolvência, mesmo derrogando aquelas prerrogativas do Estado enquanto credor privilegiado (…)”.

Mais se referindo no citado aresto que: A manterem-se os privilégios que assistem aos seus créditos (créditos do Estado e de outras entidades, como a Segurança Social), todo o esforço de recuperação da insolvente ficaria a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que teriam de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se colocava numa posição de jus imperii num processo em que só, excepcionalmente, poderá ter tratamento diferenciado.

Ademais, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas se mostravam excepcionados da afectação pelo Plano, no nº 2 do seu artigo 196º, alguns credores, entre outros, o Banco Central Europeu e os bancos centrais dos Estados membros da EU.

E, por não se ter incluído neste diploma qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado ou instituições de Segurança Social, não se desconhecendo a natureza destes créditos, defendia-se na jurisprudência que se fosse essa a intenção do legislador, não deixariam tais credores de estar englobados nas excepções previstas no CIRE (art. 9 CC) – v. neste sentido Ac. STJ de 04.06.2009 (Pº 464/07.1), acessível no mesmo sítio da Internet.

Tudo se modificou com a publicação da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011) que, no que à


Lei Geral Tributária concerne, introduziu alterações, aplicáveis ao caso dos autos porque a sentença homologatória do plano de recuperação e o próprio processo de revitalização são já de 2013.

Dispõe agora o nº 3 do artigo 30º da L.G.T, introduzido pela referida Lei no Orçamento de Estado que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.

E, decorre do artigo 125º da referida Lei do Orçamento do Estado sob a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito da LGT” que: O disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.

Com essas normas o legislador, por Lei do Orçamento do Estado (que prevalece sobre qualquer decreto-lei anterior), derrogou, implicitamente, as disposições do CIRE (aprovado por Decreto-Lei) quanto aos princípios de igualdade dos credores e de liberdade e fixação do conteúdo, quer do Plano de Insolvência, quer do Plano de Recuperação no âmbito do PER, comprometendo, de modo expresso, a viabilidade na grande maior parte destes Planos, já que inexiste, em regra, qualquer processo de insolvência, ou processo de revitalização que não envolva créditos tributários.

Neste sentido se pronunciaram diversos arestos do Supremo Tribunal da Justiça, disponíveis no mesmo sítio da Internet e citados no Ac.R.L. de 14.02.2013 (6734/12.0T2SNT-C.L1) de que a presente relatora foi ali adjunta.
No Ac. STJ de 10-05-2012 (Pº 368/10.0TBPVL-D.G1.S1) refere-se que: A homologação do plano de insolvência, aprovado pela assembleia de credores com voto contra do Estado por inobservância do regime previsto nos arts. 1.º e 2.º do DL n.º 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz relativamente à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social I.P.
E, salienta-se no Ac. STJ de 14-06-2012 (Pº 506/10.3TBPNF-E.P1.S1) que:
“- Face ao que consta no artigo 125º da Lei 55/2010, de 31.12 e independentemente de quaisquer interpretações das normas estabelecias nos nº 2 e 3 do artigo 30º da Lei Geral Tributária, parece não poder haver quaisquer dúvidas que o legislador só poderia querer dizer que os créditos tributários eram indisponíveis, mesmo em processos de insolvência, melhor dizendo, mesmo aquando da elaboração do plano de insolvência referidos nos artigos 192º, 195º e 196º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
- Dito doutro modo, não podia resultar da interpretação de qualquer disposição deste Código que os créditos tributários eram disponíveis.
- Mais concretamente, não podia ser homologado um plano de insolvência em que estivesse incluído um perdão ou qualquer redução de um crédito tributário.
- E mesmo que houvesse dúvidas, o citado dispositivo legal não poderia ser interpretado de outro modo, uma vez que não encontraria na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa” – cfr. nº2 do artigo 9º do Código Civil.
- O princípio da confiança, intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito, tem como finalidade proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nascem no cidadão, que confiou na postura e no vínculo criado através das normas prescritas no ordenamento jurídico.
- A aprovação de um plano de insolvência baseado na “recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” em assembleia credores, nos termos do disposto no artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a sua admissão por parte do Tribunal, nos


termos do artigo 207º “a contrario” do mesmo diploma, não tem como consequência necessária a sua homologação por parte do Tribunal.
- Aquando da aprovação do plano de insolvência os credores que votaram a favor não poderiam ter a confiança que, aquando da intervenção do Tribunal para o efeito de homologar ou não o referido plano, a decisão seria de aceitar que os créditos tributários poderiam ser afastados por esse plano, uma vez que a questão era controvertida”.

E, refere-se no Ac. STJ de 15.12.2011 (Pº 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1):

“A Lei n.º 55-A/2010 de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011 e veio dar nova redação ao art.º 30.º da Lei Geral Tributária (art.º 123.º), retomou validade dos princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção ou redução dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado”.

Sucede, porém, que começa a esboçar-se, ao nível dos Tribunais da Relação, alguma alteração nesta matéria, admitindo-se que um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto nas leis tributárias, possa ser homologado, mas não em toda a sua extensão, já que o mesmo não poderá produzir efeitos relativamente aos créditos do Estado ou de Segurança Social, que não hajam por estes sido aprovados ou obtida a competente e necessária autorização – v. Acs. R.G. de 18.06.2013 (Pº 402/12.2TBGMR.G1) e de 15.10.2013 (Pº 8604/12.2TBBRG.G1) e Ac. R.P. de 26.11.2013 (Pº 1071/12.2TYVNG.P1), todos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Igual entendimento tem sido evidenciado, mais recentemente, ao nível da jurisprudência da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (secção agora especializada para decidir sobre matérias de natureza comercial – artigo 42º, nº 2 da LOFTJ).

Com efeito, sobre esta temática se pronunciaram os recentes Ac. STJ de 18.02.2014 (Pº 1786/12.5TBTNV.C2.S1), de 25.03.2014 (Pº 730/12.4TBPFR-D.P1.S1) e de 01.04.2014 (Pº 185/13.6TBCHV-A.P1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. dos quais se citam os seguintes excertos que consideramos mais significativos desta inflexão jurisprudencial:
(…)

Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que só, excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.
Seria transformar uma excepção, ditada por razões de ordem pública, em regra, assim, afrontando o princípio da proporcionalidade, apesar da peculiar natureza e finalidade dos tributos que o Estado arrecada.

(…)
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

(…)

não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.

Ora, como resulta da citada jurisprudência - a que aderimos - estando o Plano de Recuperação consubstanciado numa ampla liberdade de estipulação dos credores da requerente do processo de revitalização, o mesmo constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia.

Daí que, tendo sido aprovado o Plano de Recuperação da empresa “A”, sem que a Fazendo Nacional o haja aprovado ou haja anuído quanto à modificação do seu crédito e, pese embora o seu montante seja pouco significativo, tal Plano não lhe é oponível, pelo que a decisão que o homologou deverá manter-se, com a ressalva que o plano de recuperação da empresa “A” é ineficaz em relação ao credor Fazenda Nacional.

Conclui-se, consequentemente, pela procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, razão pela qual se revoga parcialmente a decisão recorrida, mantendo-se a homologação do Plano, com a ressalva que o mesmo é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, não produzindo aquele qualquer efeito quanto a este crédito.

***


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, razão pela qual se revoga parcialmente a decisão recorrida, mantendo-se a homologação do Plano, com a ressalva que o mesmo é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, não produzindo aquele qualquer efeito quanto a este crédito.

Sem custas.


Lisboa, 8 de Maio de 2014
Odina Carmo Alves - Relatora

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b6fe339e060e1a9480257cde003138ed?OpenDocument


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