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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ADVOGADO, DECLARAÇÃO, DOCUMENTO PARTICULAR, SEGREDO PROFISSIONAL, FORÇA PROBATÓRIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 01-10-2015


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5 419/12.1TBALM-B.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ADVOGADO
DECLARAÇÃO
DOCUMENTO PARTICULAR
SEGREDO PROFISSIONAL
FORÇA PROBATÓRIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01-10-2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I. Os documentos tendentes a demonstrar a realidade dos factos só interessam ao processo, na medida em que possam ser suscetíveis de influenciar a decisão da causa, tendo em conta os temas da prova, selecionados, nomeadamente, a partir da causa de pedir ou da matéria de exceção alegadas na ação.
II. O documento emitido por advogado, no âmbito do exercício do mandato judicial, está abrangido pelo segredo profissional e, como tal, não é idóneo a fazer prova em juízo.
III. Não constando a autorização prévia para a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional e não podendo tal documento fazer prova na ação, é inútil a sua junção, ainda que feita a coberto de uma ordem judicial, justificando-se o seu desentranhamento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO:


Nos autos da ação declarativa que Álvaro … move contra Maria Manuela …, que corre termos na Instância Central de Almada, 2.ª Secção Cível, Comarca de Lisboa, para a anulação da escritura de justificação de 9 de maio de 2011, tendo por objeto o prédio urbano descrito, sob o n.º 464/19870626 (freguesia de Costa da Caparica), na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada, o Autor recorreu do despacho, proferido na audiência de julgamento de 7 de maio de 2015, que determinou o desentranhamento e a devolução dos documentos juntos pela testemunha Francisco …, após notificação judicial.

O Autor, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

a) Os tribunais têm como atribuição a administração da justiça e para o efeito têm poderes que decorrem do dever de gestão processual, desenvolvido, nomeadamente, pelo disposto nos arts. 6.º, 413.º e 417.º do CPC.
b) A decisão que ordena a uma testemunha a junção de documentos que se perceciona serem relevantes para a aquisição da prova constitui um meio através do qual o tribunal cumpre o dever de gestão processual, independentemente do facto dessa decisão ter sido solicitada pela parte ou ter sido da iniciativa do tribunal.
c) Juntos aos autos documentos por testemunha, em cumprimento do ordenado pelo tribunal, a sua manutenção nos autos é o resultado natural dessa gestão, salvo se vier a constar-se que tais documentos não contêm qualquer declaração relevante para os temas da prova.
d) No caso vertente, os factos declarados nos documentos estão entrosados com os declarados em outros documentos dos autos e, ainda, com os declarados pelas testemunhas, todos respeitantes a questões essenciais dos temas da prova, pelo que o seu desentranhamento viola o dever de administrar a justiça e o dever de gestão processual.
e) Por se tratar de coisa diferente da prova por documentos a realizar pelas partes, não é aplicável ao caso vertente o regime da produção de prova documental pelas partes.
f) Foram violadas as normas dos arts. 202.º, n.º s 1 e 2, da CRP, 6.º, 413.º, 417.º e 423.º do CPC.

Pretende o Apelante, com o provimento do recurso, a revogação do despacho recorrido.

A Ré não apresentou contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, essencialmente, está em causa o desentranhamento de documentos juntos à ação por terceiro, após notificação judicial.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. Para além da dinâmica processual descrita, está provado:
1. Durante a audiência de discussão e julgamento, em 21 de abril de 2015, a testemunha Francisco …, identificado como irmão do A. e pai da R., foi notificado para juntar aos autos: - carta de 9/1/2000, que remeteu a Rui …e Associados; - e-mail de 4/5/2008, que remeteu a Ana Sofia …; - as cartas que remeteu ao Dr. António … em 10/1998, 24/7/1998 e 27/4/1999; - e-mail remetido ao Dr. António … em 18/1/2007; e e-mail enviado aos advogados Elsa … e Hélder … em 24/4/2006.
2. Entre os documentos juntos pela referida testemunha, em 27 de abril de 2015, conta-se o de fls. 62, um e-mail de 18 de janeiro de 2007, remetido pela Dra. Sofia … ao Dr. António …, com referência às “Partilhas Família …”.
3. No despacho recorrido consta que “relativamente aos documentos juntos pela testemunha Francisco … (…) constata-se que, do teor dos mesmos, se retira que nem as datas, nem os destinatários, nem os próprios remetentes correspondem aos indicados na notificação para a junção (…) não sendo, pois, os documentos cuja junção se ordenou e não havendo outra razão para os manter nestes autos (sendo certo que a suposta relevância dos documentos, como alega o Autor no requerimento (…), não constitui fundamento que na lei, no art. 423.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, preveja para a junção tardia dos documentos), determino o seu desentranhamento e a devolução ao apresentante”.

***

2.2. Descrita a matéria provada, importa conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi antes enunciada.

Tendo o despacho recorrido sido proferido em 7 de maio de 2015, é aplicável ao recurso o regime do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (art. 7.º, n.º 1).

Na verdade, o Tribunal requisitou certos documentos a terceiro, a testemunha Francisco …, identificado nos autos como sendo irmão do Apelante e pai da Apelada.

No seguimento da notificação, o terceiro juntou, então, vários documentos, designadamente o de fls. 62, os quais, porém, foram mandados desentranhar, quer porque não correspondiam aos documentos requisitados, quer ainda por não haver outra razão para os manter no processo.

Muito embora o Apelante tivesse impugnado, integralmente, a decisão que determinou o desentranhamento dos documentos juntos pelo terceiro, o certo é que, nas alegações, refere-se apenas ao documento de fls. 62, que representa um e-mail de advogada para advogado, tendo por assunto as “Partilhas Família …”.
Neste contexto, porque a impugnação do Apelante se restringe, verdadeiramente, ao desentranhamento do documento de fls. 62, a apreciação do recurso limitar-se-á também a essa mesma questão.

Efetivamente, a requisição do documento respeitava ao e-mail remetido por Francisco … ao Dr. António …, em 18 de janeiro de 2007.

Todavia, o documento junto a fls. 62 corresponde a um e-mail remetido ao Dr. António …, em 18 de janeiro de 2007, tendo como remetente, não Francisco …, mas a Dra. Sofia …, como consta dos autos.

Sendo o remetente do e-mail diferente do que constava na requisição, é evidente que se trata de documento distinto do documento requisitado.

A alegação de que a remetente do e-mail, na ocasião, era advogada de Francisco …, não altera o juízo quanto à distinção entre o documento requisitado e o documento de fls. 62. Na verdade, não é indiferente a autoria pessoal do documento, para além do regime jurídico poder ser diverso, nomeadamente por efeito da sua subscrição por advogada, dado o alcance do segredo profissional que a vincula como advogada.

Assim, ao verificar-se tal circunstância e ao considerar-se a inexistência de outra razão para manter o documento no processo, nomeadamente por falta de relevância processual, justificava-se o seu desentranhamento. Com efeito, os documentos tendentes a demonstrar a realidade dos factos só interessam ao processo, na medida em que possam ser suscetíveis de influenciar a decisão da causa, tendo em conta os temas da prova, selecionados a partir, nomeadamente, da causa de pedir ou da matéria de exceção alegadas na ação (art. 423.º, n.º 1, do CPC).

Invoca, no entanto, o Apelante que tal documento, conjugado com outros meios de prova, nomeadamente documental e testemunhal, tem relevância para a discussão da causa e, por isso, deve manter-se nos autos.

Independentemente da relevância que o documento possa ter para a discussão da causa, não pode, por sua vez, olvidar-se que foi emitido por advogada, no exercício de mandato judicial, como o próprio Apelante alega.

Ora, como decorre do art. 87.º, n.º s 1 e 5, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro (entretanto revogada pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, mas mantendo as mesma normas – art. 92.º, n.º s 1 e 5), o advogado está obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, de modo que os atos praticados com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

O dever do segredo profissional do advogado, reconhecido legalmente, fundamenta-se, em especial, no princípio da confiança e na natureza social da função, o que lhe confere manifesto interesse público (ANTÓNIO ARNAUT, Iniciação à Advocacia, 1993, págs. 64 e 65).

No entanto, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital da Ordem dos Advogados, o advogado pode revelar factos cobertos pelo segredo profissional, nomeadamente nos termos previstos no art. 87.º, n.º 4, do EOA.

Perante o circunstancialismo referido, o documento de fls. 62, porque emitido por advogada, no âmbito do exercício do mandato judicial, está abrangido pelo segredo profissional e, como tal, não é idóneo a fazer prova em juízo, como decorre dos termos expressos no n.º 5 do art. 87.º do EOA.

Tendo o segredo profissional do advogado um interesse público, é irrelevante, por outro lado, o eventual consentimento do constituinte, sendo certo que a sua dispensa depende sempre da autorização prévia da Ordem dos Advogados.

Nesta perspetiva, não constando dos autos a concessão de autorização prévia para a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional da advogada, não pode o documento de fls. 62 fazer prova no âmbito da ação, tornando-se inútil a sua junção, ainda que feita a coberto de uma ordem judicial.

O desentranhamento dos documentos, porque respeitante a prova não requisitada ou inidónea, não ofende qualquer norma legal, designadamente todas quantas especificadas pelo Apelante, tendo a administração da justiça obedecido, no caso vertente, à Constituição e à lei vigentes.

Nestas condições, improcede a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Os documentos tendentes a demonstrar a realidade dos factos só interessam ao processo, na medida em que possam ser suscetíveis de influenciar a decisão da causa, tendo em conta os temas da prova, selecionados, nomeadamente, a partir da causa de pedir ou da matéria de exceção alegadas na ação.
II. O documento emitido por advogado, no âmbito do exercício do mandato judicial, está abrangido pelo segredo profissional e, como tal, não é idóneo a fazer prova em juízo.
III. Não constando a autorização prévia para a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional e não podendo tal documento fazer prova na ação, é inútil a sua junção, ainda que feita a coberto de uma ordem judicial, justificando-se o seu desentranhamento.

2.4. O Apelante, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se:

1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar o Apelante (Autor) no pagamento das custas.


Lisboa, 1 de outubro de 2015


(Olindo dos Santos Geraldes)
(Lúcia Sousa)
(Magda Geraldes)

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