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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO PRECLUSÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA CASO JULGADO - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 16.01.2018


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1301/12.0TVLSB.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRECLUSÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CASO JULGADO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 16-01-2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

Sumário: I.–A não utilização dos meios de defesa na execução (designadamente a oposição) não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e, quando utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.

II.–Não releva para a apreciação da subsidiariedade do enriquecimento sem causa a possibilidade de aproveitamento dos trâmites de natureza processual da execução (e.g. oposição à execução e reclamação), que não podem ser tidos como meios específicos de desfazer uma ilegítima deslocação patrimonial. Essa deslocação patrimonial, ademais, só se concretiza no momento em que ao exequente foi facultada a disponibilidade das quantias obtidas na execução (ou quando muito quando tais quantias são disponibilizadas na execução), pelo que só nesse momento haverá de aferir-se da subsidiariedade do enriquecimento sem causa; e nesse momento é por demais evidente que que o executado não tem qualquer outro meio para desfazer aquela deslocação patrimonial.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

*****

NO RECURSO DE APELAÇÃO NESTES AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA.


ENTRE:

AR ...–ACESSOS E REDES DE ...UNICAÇÕES, S.A. – Autora/Apelada

CONTRA:

...PORTUGAL–REDES DE COMUNIÇAÕES E CONSTRUÇÃO INDUSTRIAL, S.A. – Ré/Apelante

*****

I–Relatório:


A Autora intentou a presente acção pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 60.710, 83 € (e juros moratórios) referentes a juros que aquela liquidou e cobrou em excesso no processo executivo que instaurou contra si, assim obtendo um enriquecimento ilegítimo à sua custa.

A Ré contestou invocando caso julgado (por se terem tornado definitivas as decisões que indeferiram liminarmente a oposição à execução e a reclamação contra conta de custas), a caducidade/preclusão do direito uma vez que não impugnou a liquidação de juros levada a cabo na execução e, subsidiariamente, que a haver lugar a qualquer restituição ela seria apenas no montante de 39.473.32 €, e não no peticionado, por ter ocorrido capitalização dos juros e restituição de 4.258,52 €.

A Autora replicou afirmando a inexistência de qualquer efeito cominatório ou preclusivo na não dedução de oposição à execução, a inexistência de capitalização dos juros e que a devolução ocorrida se deveu a causa (momento da cessação da contagem de juros vincendos) não relacionada com a situação dos autos, conforme decisão cuja cópia junta.

A Ré, pronunciando-se sobre a apresentação desse documento (fls. 98) veio alegar que a devolução ocorrida teve também como causa a não contabilização dos juros compulsórios e juntar diversos documentos para demonstração do alegado.

A final foi proferida sentença que declarou não admissível a resposta à réplica na parte em que excede a junção de documento, julgou improcedentes as excepções de caso julgado, caducidade e preclusão e, considerando que a sentença que serviu de título executivo não abrangia qualquer capitalização de juros, que estes foram liquidados e cobrados em excesso no montante indicado e a inexistência de outro meio de ser restituída a quantia em causa, julgou a acção procedente condenando a Ré no pedido.

Inconformada, apelou a Ré concluindo, em síntese, dever ter sido admitida a resposta à réplica e não se verificarem os pressupostos do enriquecimento sem causa.

II–Questões a Resolver.

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- da admissibilidade da resposta à réplica;
- da verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa.

III–Fundamentos de Facto.

Porque não impugnada nem se vislumbrando fundamento para a alterar, a factualidade relevante é a fixada em 1ª instância (fls. 303 a 305 do processo físico), para a qual se remete nos termos do artº 663º, nº 6, do CPC.

IV–Fundamentos de Direito[1]

O processo judicial está subordinado ao princípio da utilidade expresso no art.º 130º do CPC, segundo o qual toda a actividade processual está limitada àquilo que tem utilidade para o desfecho do litígio e só a isso, sendo proibido a prática de inutilidades.

Princípio esse que se aplica também aos recursos, daí decorrendo desde logo que os recursos são meios processuais de reapreciação de decisões, visando a sua alteração ou anulação (como referido no art.º 639º, nº 1, do CPC), e não de discussão de questões teóricas e sem utilidade para o desfecho da causa ou a parte. E essa mesma ideia emana do disposto nos artigos 631º, nº 1 (só pode recorrer quem fica vencido, pois não há qualquer utilidade em o vencedor vir discutir se havia melhor fundamento do que o invocado na decisão para lhe dar ganho de causa) e 660º (só se dá provimento ao recurso interlocutório se isso tiver influência na decisão final ou for útil para o recorrente) do CPC.

No caso concreto dos autos a pretendida admissibilidade da resposta à réplica, a concretizar-se, só relevaria para efeitos de alegação e determinação factual e, consequentemente, seria a esse nível que primariamente poderia afectar a decisão final. Ocorre, porém, que não foi impugnada a matéria de facto, pelo que a eventual admissibilidade da resposta à réplica sempre seria insusceptível de ter qualquer influência na decisão da causa.

A questão da admissibilidade da réplica mostra-se, assim, destituída de qualquer utilidade pelo que, nessa parte, se não conhece do objecto do recurso.

*****

A problemática central dos autos é a da chamada ‘execução injusta’, ou seja, alcançar-se em processo executivo a cobrança de mais (ou diferente) do que aquilo que resultava estabelecido no título executivo.

Problemática essa que se desdobra em duas questões: por um lado o efeito preclusivo da execução (se o facto de não ter objectado à situação na execução ou de tal objecção ter sido julgada improcedente preclude a possibilidade de lançar mão de outra acção, designadamente de enriquecimento sem causa) e por outro o carácter subsidiário da acção de enriquecimento sem causa.
A primeira questão tem sido alvo de controvérsia ao longo do tempo.

Castro Mendes, a propósito, referiu[2]: pensando “na execução em si, qua tale [excluídos os processos declarativos enxertados no executivo, como os embargos de executado e o apenso de verificação e graduação de créditos], e na questão de saber se (…) a sentença a que se refere o art. 919 nº 2 não chega para impedir designadamente que o executado mova posteriormente contra o exequente acção de repetição do indevido. A essa questão damos resolutamente resposta afirmativa: o processo executivo qua tale deixa uma zona de indiscutibilidade respeitante à pretensão material do exequente (…).”

A tal posição obtemperava Anselmo de Castro[3]: “A acção executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser assinado à oposição, nem impor-se ao executado o ónus de a deduzir. A oposição está instituída, na e para a execução, tão-só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir (…) e não para que em todo o caso seja tornado certo ou fique certo o direito do credor. Não há, pois, que fazer da falta voluntária de oposição do executado caso à parte, mas que adstringi-lo ao mesmo regime (…). E nada tem a solução de anómalo, pois que está em perfeita coerência e é mesmo a única conforme com a autonomia da acção executiva e com o princípio da auto-suficiência do título. Para se ter como excluída a acção de restituição do indevido na falta de oposição seria preciso ver-se na acção na acção executiva uma acção declarativa do direito a ela acoplada, de que a oposição à execução funcionasse como contestação, e não o pode ser, por nenhum pedido de direito de declaração do direito comportar o pedido da execução (…). Ninguém dirá que qualquer dessas configurações da oposição à execução possa corresponder aos quadros legais. Repele-as mesmo a não existência na lei de cominação imposta ao executado que não deduza oposição, sempre exigida para a declaração do direito.”

Carlos Oliveira Soares[4] defende, aderindo às posições de Anselmo de Castro e Lebre de Freitas, a não formação de caso julgado material na decisão que extingue a execução e a inexistência de ónus de concentração na oposição à execução com consequente efeito preclusivo (de jure condito, embora configure tal possibilidade como desejável de jure condendo). Esse caso julgado material verificar-se-á, no entanto, relativamente à sentença proferida em oposição à execução fundada em excepção peremptória.

Gonçalves Sampaio[5] opina que:
“Se o executado tiver deduzido oposição à execução (…) a sentença transitada em julgado faz caso julgado sobre a matéria declaratória; neste caso o executado ficará impedido de recorrer a uma acção declarativa por fora, com o fim de obter a condenação do exequente na restituição do indevido (…)”.
Se o executado “deduz oposição à execução, mas esta é indeferida liminarmente (…) parece-nos que ao executado não deve ser vedado o direito de recorrer a uma acção declarativa com vista a obter a condenação do exequente na restituição do indevido (…)”.
Se “o executado está impossibilitado de deduzir oposição por o conhecimento do facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda ser superveniente à extinção da execução, afigura-se-nos que ao executado deve permitir-se o recurso à acção de restituição do indevido (…)”.
“Se o executado, apesar da existência de fundamento de oposição à execução, não a deduzir por pura negligência ou por falta de interesse, podendo, no entanto, fazê-lo, a solução apresenta-se duvidosa, inclinando-nos [por entender vigorar o ónus de concentração que vigora para a contestação na acção declarativa],todavia, para a inadmissibilidade da acção de restituição do indevido”.

Lebre de Freitas[6] defende:
“Constituindo petição de uma acção declarativa e não contestação duma acção executiva, a dedução de oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (…) a cargo do réu na acção declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório (…).
Mas, na medida em que a oposição à execução é um meio idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo (…). A não observância do ónus de excepcionar (…) não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia tornar vantajoso. (…) pelo que nada impede a invocação duma excepção não deduzida (…) em outro processo. A decisão neste subsequentemente proferida não tem eficácia no processo executivo, mas pode conduzir à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido.”
No entanto a sentença proferida na oposição à execução fundada em excepção peremptória será dotada da força de caso julgado material.

Teixeira de Sousa[7], deixa expresso que “Deste regime [art. 732º, n.º 5, do CPC] decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação exequenda se encontra prescrita (…) e se o tribunal considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível.” E isso porquanto “na oposição à execução (…), o embargante (…) tem o ónus de concentrar na petição (…) todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado”.
Denota-se das citadas posições doutrinárias uma tendência para considerar a inexistência de ónus de concentração em processo executivo e, consequentemente, efeito preclusivo quanto à possibilidade de discutir em acção posterior as questões que não foram objectadas na execução.
E nesse sentido segue a jurisprudência conhecida.
Com efeito a Relação do Porto em acórdão de 20ABR2009 (proc. 2842/06.4TBVLG.P1[8]) considerou que “a não dedução de oposição à execução apenas preclude, no âmbito de tal execução, o exercício do direito processual (em que a oposição se traduz), não impedindo a invocação, do que podia ter sido fundamento de oposição, noutro processo”, e a Relação de Coimbra em acórdão de 30NOV2010[9] (proc. 50182-D/2000.C1) considerou que “não deve entender-se que a não observância desse mecanismo [oposição à execução] apresenta um efeito cominatório”.
Na esteira dessas posições, e pelos argumentos aí expendidos, também nós adoptamos o entendimento de que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.
E aplicando tal entendimento ao caso concreto em apreço conclui-se, porque não foi proferida na execução qualquer decisão de mérito apreciando a liquidação dos juros na sua vertente de anatocismo[10], por não estar precludida a possibilidade de em acção posterior se discutir se foram ou não pagos juros em excesso e o consequente direito à repetição do indevido.

*****

Resta-nos abordar a segunda questão, invocada como fundamento da apelação: a subsidiariedade da acção de enriquecimento sem causa.
Antes, porém, de abordar tal questão, começaremos por descartar a questão da ‘litispendência’ que é levantada pela Apelante. Segundo esta quando instaurou a presente acção em 11JUN2012 a Autora ainda teria pendente de apreciação o requerimento, que apresentara na execução em 22MAI2012, alegando o cálculo de juros em excesso pedindo se ordenasse a devolução do indevidamente pago e sobre o qual só foi proferido despacho (a não conhecer do mesmo e não a indeferir como se alega) apenas em 28JUN2012. É que com o despacho que recusou conhecer da questão deixou de haver a ‘repetição da causa’ e, consequentemente, a excepção em causa deixou de subsistir (art.º 278º, nº 3, do CPC).
Depois de estabelecer no art,º 473º do CCiv que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, o mesmo Código prescreve, no artigo seguinte, que não há lugar àquela restituição quando, entre outros casos, “a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”; aquilo que se designa como a subsidiariedade da acção de enriquecimento sem causa.
Invocando essa subsidiariedade decidiu o STJ em acórdão de 16FEV2012 (proc. 286/07.0TVLSB.L1.S1[11]) que o meio idóneo para reagir à liquidação em excesso de ‘juros compulsórios’ eram os embargos de executado e que não o tendo feito o executado não podia lançar mão, por isso lhe estar vedado pelo carácter subsidiário da mesma, da acção de enriquecimento sem causa.
Essa subsidiariedade tem sido bastante discutida na doutrina, com muitas vozes a criticar a sua consagração e outras a defender que a mesma deve ser entendida em termos hábeis e de forma restritiva.

Pires de Lima e Antunes Varela, depois de afirmarem ser a subsidiariedade muito discutida pelos autores alertam que a mesma tem de ser entendida em termos hábeis e que esse carácter subsidiário haverá de ser conjugado com as regras processuais a que obedece a iniciativa das partes[12].

Diogo Leite Campos[13] justifica o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa como modo de evitar o concurso de normas (“a situação de facto preenche os pressupostos do enriquecimento sem causa e de mais outro instituto”, dando a entender que se está a referir apenas à lei substantiva – designado expressamente o regime de benfeitorias, da acessão industrial mobiliária e da responsabilidade civil – e não também à lei processual). Concluindo depois que o enriquecimento sem causa compreende três tipos de casos: a repetição do indevido (depreendendo-se que entende que as previsões dos artigos 476º a 478º do CCiv são condição suficiente para se ter por respeitado o carácter subsidiário); as situações em que a lei determina restituições medidas pelas regras da determinação do objecto da restituição estabelecidas para o enriquecimento sem causa e, finalmente “aquelas hipóteses em que, verificado um enriquecimento à custa de outrem sem causa, a lei não concede ao lesado outro meio de ser indemnizado ou restituído”.

Menezes Cordeiro, invocando o apoio de Menezes Leitão e Júlio Gomes[14], defende uma interpretação restritiva da subsidiariedade do enriquecimento sem causa: o art.º 474º do CCiv não tem aplicação nos casos de repetição do indevido previstos nos artigos 476º a 478º do mesmo Código e, igualmente, quando o instituto concorrente não cubra integralmente os efeitos do enriquecimento ou quando este já não possa ser usado.

Almeida Costa[15] defende que a subsidiariedade deve ser interpretada com uma latitude ampla, resultante da história e do próprio fundamento do instituto, devendo à inexistência de acção, que pode ser originária ou superveniente, ser equiparada a acção não poder ser exercida ou não poder sê-lo com utilidade.

Pessoa Jorge[16] afirma tratar-se de requisito dispensável, apesar de mantido no Código Civil.

Por seu turno, o STJ decidiu recentemente (acórdão de 19JAN2017, no proc. 187/12.0TBMGD.G1.S1[17]) que “o que releva é, no momento do pagamento, a cedente já não ser credora do Recorrido, independentemente da validade dos trâmites formais seguidos no processo de execução, a coberto dos quais se realizou o pagamento”, havendo lugar á repetição do indevido.

Infere-se desse aresto que a subsidiariedade não releva nos casos de repetição do indevido (inexiste qualquer referência à mesmo no acórdão) ou que para a sua apreciação não relevam os trâmites da execução.

O mesmo STJ ensina que (acórdão de 04OUT2007 no proc. 07B721[18]) o carácter subsidiário do enriquecimento sem causa não pode deixar de ser conjugado com as regras processuais a que obedece a iniciativa das partes; daí não ser invocável a nulidade do contrato como meio de obstar ao enriquecimento dado que o devedor pretendia honrar o contrato, limitando a sua pretensão à restituição do que pagou para além do estipulado nesse mesmo contrato. E mais afirma que ao estabelecer esse carácter subsidiário o legislador quer dizer que, “se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que deverá recorrer, não se aplicando as normas do art.º 473º”. Inferindo-se dessa afirmação que, por um lado, o meio específico há-de ser um meio de carácter substantivo visando especificamente aquela finalidade (desfazer, e não apenas prevenir a deslocação patrimonial) e, por outro, que a questão da subsidiariedade só se coloca após a ocorrência do enriquecimento.

Na esteira dessa doutrina e jurisprudência, e atentando no caso concreto dos autos, temos que não releva para a apreciação da subsidiariedade o aproveitamento dos trâmites de natureza processual da execução (oposição à execução e reclamação), que não podem ser tidos como meios específicos de desfazer uma ilegítima deslocação patrimonial. Essa deslocação patrimonial, ademais, só se concretiza no momento em que ao exequente foi facultada a disponibilidade das quantias obtidas na execução (ou quando muito quando tais quantias são disponibilizadas na execução), pelo que só nesse momento haverá de aferir-se da subsidiariedade do enriquecimento sem causa; e nesse momento, é por demais evidente, que que a Apelada não tinha qualquer outro meio para desfazer aquela deslocação patrimonial.

Não se encontra, dessa forma, justificação para impedir o recurso à acção de enriquecimento sem causa com fundamento na violação do carácter subsidiário da mesma.

Estando adquirido nos autos que (conforme consta da página 18 – fls. 312 dos autos em suporte físico – da sentença, sem que tal asserção tenha sofrido qualquer impugnação) a Apelante “recebeu a mais a título de juros vencidos, que lhe não eram devidos, a quantia de € 60.710,83” estamos perante um caso de repetição do indevido[19], assistindo à Apelada o direito a ser restituída daquilo que a mais pagou.

Não se encontra, pois, fundamento para censurar a decisão recorrida.

V–Decisão:

Termos em que, na improcedência da apelação, se confirma a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.


Lisboa, 16JAN2018


(Rijo Ferreira)
(Afonso Henrique)
(Rui Vouga)


[1]–salvo outra indicação, toda a jurisprudência dos tribunais nacionais referida, pode ser consultada em www.dgsi.pt.
[2]–Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pgs. 20-21.
[3]–A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., 1977, pgs. 304-305.
[4]–O Caso Julgado na Acção Executiva, Themis, Ano IV, nº 7 (2003), pgs. 241-259.
[5]–A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, 2ª ed. Revista, 2008, pgs. 469-471.
[6]–A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., 2009, pgs. 190-191 e 191-196.
[7]–Preclusão e Caso Julgado em http://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016_), 2016, pgs.14 e 15.
[8]–estva em causa o acção em que se pedia a condenação na restituição de juros moratórios liquidados em excesso em execução onde não foi deduzida oposição.
[9]–discutia-se em execução se do facto de não ter sido deduzida oposição se extraia a preclusão da possibilidade de em requerimento posterior se reclamar quanto à liquidação dos juros moratórios.
[10]–a única decisão de mérito proferida a esse respeito – cf. facto G – apenas se pronunciou quanto a juros compulsórios e ao momento até ao qual haveriam de ser liquidados os juros.
[11]–estava em causa execução, baseada em título executivo não judicial, em que o executado pedira e liquidara sanção pecuniária compulsória legal (‘juros compulsórios’) que o executado veio alegar em posterior acção de enriquecimento sem causa não serem devidos pedindo a repetição do que a mais pagou.
[12]–Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. Revista, 1987, pg. 460.
[13]–A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento, Reimpressão, 2003, pgs. 326-332.
[14]–Tratado de Direito Civil Português, vol. II, Tomo III, 2010, pg. 251.
[15]–Direito das Obrigações, 7ª ed., 1998, pgs. 435-436.
[16]–Lições de Direito das Obrigações, AAFDL, 1975-76, pg. 252.
[17]–estava em causa a penhora de um crédito que o executado havia cedido a terceiro, tendo o devedor efectuado o pagamento na execução em vez de invocar que o crédito já não pertencia ao executado e vindo reclamar a repetição desse pagamento em acção de enriquecimento sem causa.
[18]–estava em causa um mútuo em que se convencionaram juros de 19% que, não obstante ser nulo por falta de forma, o mutuário pretendia honrar, limitando-se a, em acção de enriquecimento sem causa, peticionar o que, para além do capital mutuado e juros de 19%, o mutuante lhe havia exigido e lhe fora pago.
[19]–por se entender que a execução é ainda uma prestação (manu militari, embora) e não uma intervenção no património, como se afirma no citado acórdão da Relação de Coimbra, pois que nos situamos no domínio da falta de ‘causa’ e não no domínio
do ‘conteúdo da destinação’.

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/723a522b4170a12d8025821e00380a58?OpenDocument

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