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segunda-feira, 25 de julho de 2011

ACIDENTE DE TRABALHO,DOENÇA ANTERIOR, ARRITMIA CARDÍACA - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - 30-06-2011

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
383/04.3TTGMR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DOENÇA ANTERIOR
ARRITMIA CARDÍACA

Data do Acordão: 30-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO
Doutrina: - Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Jurídico Anotado – 2.ª edição, pág. 36.
- Cruz de Carvalho, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Legislação Anotada, Petrony, 1980, pág. 26; 2ª ed., págs. 28 e 55.
- Melo Franco, “Acidentes de Trabalho”, Separata do BMJ, 1979, pág. 62.
- Tomás de Resende, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, pág.16.
- Vítor Ribeiro, “Acidentes de Trabalho”, ed. de 1984, págs. 197, 201, 207.
Legislação Nacional:
LEI N.º 100/97, DE 13-9: - ARTIGOS 6.º, N.º1, 9.º, NºS 2 E 3.
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL: - ARTIGO 6.º, 9.º.
DECRETO-LEI N.º 248/99: - ARTIGO 2.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-12-80, BMJ 302, 212.

Sumário : I. É acidente de trabalho o evento, inesperado e súbito, que se verifique, no local, no tempo e por causa do trabalho, do qual resulte agravamento de doença anterior, com a consequência de lesão corporal ou da morte.

II. A actividade física desenvolvida por um atleta profissional durante um desafio oficial de futebol que potenciou arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) derivada de miocardiopatia hipertrófica, doença congénita de que aquele sofria mas até então não detectada, vindo aquele atleta a falecer devido àquela arritmia, é evento que integra um acidente de trabalho.
III. Por tal evento revestir as necessárias características de um acontecimento súbito, inesperado e exterior à vítima, ocorrido no local, no tempo e por causa do trabalho, produzindo agravamento de anterior doença, que foi causa adequada da morte do sinistrado, não se pode considerar tal evento como integrante de uma situação de “morte natural”, mas antes de um verdadeiro acidente de trabalho.


Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

No Tribunal do Trabalho de Guimarães, AA, nascido a 17/08/56, natural da Hungria, portador do passaporte n° … de …, residente em …, n.° … - … …, Hungria, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros BB, S.A. com sede no Largo …, …, … Lisboa, e CC, ..., com sede na Av. ..., Lisboa (...), pedindo que seja a R. entidade seguradora condenada a pagar ao A., com início em 26/01/04, uma pensão anual e vitalícia de € 76.776; b) despesas de transportes, de valor a indicar oportunamente; c) com juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pedidas.

Pedindo ainda a condenação da 2.ª R. a pagar ao Autor a pensão, despesas de transporte e juros constantes do pedido principal, se a R. seguradora vier a ser eximida do pagamento daquele pedido.

Alegou, para tanto, que:

É pai do sinistrado dos presentes autos, AA, nascido em …, Hungria, …, o qual, no dia 25/01/2004, pelas 21 horas, no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, foi vítima de acidente de trabalho, quando se encontrava a jogar uma partida de futebol, que opunha o … ao …, na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2.ª ré;

O sinistrado auferia a remuneração global anual de € 765.156, ou seja, € 63.763 x 12 (meses);

O autor carecia do auxílio do sinistrado, que quase todos os meses transferia para a Hungria quantias pecuniárias destinadas ao sustento do autor e da sua família;

Com a morte do filho, o autor perdeu o auxílio de que dependia para o seu sustento;

A 2.ª ré havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a co-ré mediante contrato de seguro, devidamente titulado.

Na contestação, a ré seguradora alegou que:

A morte do atleta resultou dos factos naturais descritos no relatório da autópsia efectuada a AA, donde consta que "a vítima sofreu uma arritmia do tipo da fibrilação ventricular, pós a alteração fisiopatológica que o vitimou;

Quanto à origem da fibrilação ventricular o mais provável é que a mesma tenha sido consequência de uma Cardiomiopatia Hipertrófica tendo em conta as razões nele descritas;

Deste modo, tendo a morte do atleta ocorrido por causa natural, sem a ocorrência de causa externa, não pode integrar o conceito de acidente de trabalho.

A ré requereu ainda a intervenção da mãe do sinistrado para vir aos autos deduzir o pedido de reparação que entenda ser-lhe devida.

A ré, CC, na sua contestação alegou acompanhar, quer quanto aos factos quer quanto ao direito, a posição da Seguradora, para quem transferiu a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, nada lhe podendo por isso ser exigido.

Foi admitida a requerida intervenção da mãe do falecido, DD, que também usa e assina DD (nome de solteira DD), casada com AA, de nacionalidade húngara, residente em …, …, …, n.° …, na República da Hungria, que deduziu pedidos idênticos aos do autor e com semelhante fundamentação.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
"Pelo exposto, tudo ponderado, julgo a presente acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, intentada por AA, patrocinado pelo Ministério Público, e DD, (que também usa e assina DD - nome de solteira DD), parcialmente procedente por provada e, em consequência, tendo em atenção o disposto no artigo 1°, 2°, 6°, 10, 15°, 20° alínea d) e n. °2 e 26° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro e 6°, 7°, 15°, 49° e 51° do Decreto - Lei n.° 143/99 de 30 de Abril, e bem assim a Lei 8/2003 de 12 de Maio, condeno a "C.ª DE SEGUROS BB, S. A.", a pagar:
A) Ao Autor: a pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.
B) À Autora: a pensão anual e vitalícia no montante de € 38.388, devida a partir de 26.01.04, sujeita às respectivas actualizações legais.
C) E juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento sobre as prestações em atraso nos termos do disposto no artigo 135° do Código de Processo do Trabalho.
D) Mais julgo improcedente por não provada a acção quanto ao demais pedido pelos AA. absolvendo-se, nessa medida, a Seguradora e bem assim o R. "CC ... " do peticionado.


A ré seguradora interpôs recurso e, tendo os autos prosseguido seus termos. veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu, por unanimidade, em julgar improcedente o recurso interposto.


Mais uma vez inconformada, a Ré seguradora interpôs recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:

A - Nas Conclusões do Relatório de Autópsia consta que "...é de admitir que a morte de AA tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica. Esta é causa de morte natural. Portanto, morte de origem natural e não por acidente.

B - E, de acordo com a prova produzida, a morte foi devida a arritmia cardíaca, a qual, por sua vez, foi consequência de miocardiopatia hipertrófica, que é uma doença cardíaca genética.

C - O acórdão recorrido não identifica um único facto ou circunstância, relativos ao trabalho desenvolvido pelo atleta no dia da sua morte, que fosse diferente, anormal ou imprevisto por comparação com as circunstâncias em que exerceu a sua actividade ao longo do seu percurso profissional de vários anos.

D - Aliás, ao efectuar esforço físico no âmbito da sua actividade profissional, AA estava a agir dentro da normalidade e da previsibilidade do seu trabalho.

E - Um doente cardíaco que exerce uma profissão incompatível com a doença de que é portador, por ser susceptível de lhe provocar a morte, se morrer durante o trabalho em consequência da doença, essa morte não pode constituir um acidente de trabalho, porque é previsível.

F - A imprevisão que caracteriza um acidente está ligada às características do contrato de seguro, uma vez que o contrato de seguro é aleatório para a seguradora, porque a indemnização depende de um facto futuro e incerto.

G - A doença - a miocardiopatia hipertrófica - que provocou a arritmia cardíaca, era preexistente à arritmia, não podendo, no rigor dos princípios, a morte de AA ser considerada um acidente de trabalho.

H - Com efeito, não houve nenhum acontecimento súbito e exterior à vítima que tenha sido causa do seu estado patológico e da sua morte.

I - Não tendo ocorrido qualquer acontecimento repentino, inesperado e externo à pessoa do atleta, com ligações ao trabalho, que tenha gerado a arritmia cardíaca, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.

J - No acórdão afirma-se que a arritmia cardíaca terá sido a causa da morte, em consequência de uma causa endógena do próprio, que sofria de cardiomiopatia hipertrófica, e que a lesão (arritmia cardíaca) que causou a morte despoletou-se por causa do esforço físico que desempenhado na altura, no âmbito da sua actividade profissional.

L - Mas o que resultou provado foi, apenas, que o desenvolvimento da actividade foi precipitante da morte e que o exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca.

M - Ser precipitante ou potenciar não significa, necessariamente, que, no caso concreto, causou a morte.

N - A miocardiopatia hipertrófica de que o atleta sofria é que foi determinante da arritmia e da morte, uma vez que foi nesse quadro de doença e por causa dele que se verificou a arritmia e a morte.

O - Não foi o trabalho que provocou a arritmia e a morte pois, se assim fosse, todos os intervenientes do jogo teriam sofrido arritmias, visto que o trabalho e as condições climatéricas eram iguais para todos.

P - O acórdão recorrido considerou o esforço físico como "causa exógena", mas se esta "causa exógena" não provocou lesões nos outros intervenientes é porque não foi idónea para causar danos, ou seja, não foi causa.

Q - Considerou que "potenciar" e "precipitar" é igual a "causar", sem apresentar qualquer fundamentação.

R - Não fundamenta como é que "causar" derivado de "potenciar" e de "precipitar" se compatibiliza com o facto de a arritmia ter sido consequência da miocardiopatia hipertrófica.

S - Se potenciar e precipitar fosse igual a causar, não fundamenta por que motivo a contínua actividade profissional do atleta não lhe causou arritmias e a morte ao longo dos anos em que jogou por vários clubes ao mais alto nível, e só as causou quando participava num jogo, apenas, há cerca de 30 minutos.

T - Ainda que "precipitar" e "potenciar" fosse igual a "causar", não concretiza o acontecimento exterior que atingiu o atleta. Apenas refere que a arritmia despoletou-se por causa do esforço físico, o que é, manifestamente, insuficiente.

U - Ainda que se pudesse considerar a actividade profissional - o esforço físico - que o atleta exercia continuamente, pelo menos, ao longo de nove anos, como "acontecimento exterior", o acórdão recorrido não identifica os motivos por que esse "acontecimento exterior" contínuo, nunca antes provocou a arritmia.

V - Ainda que se pudesse considerar o esforço físico como acontecimento exterior, o acórdão recorrido não justifica como é que essa actividade contínua assume a característica da subitaneidade - algo que actua num espaço de tempo muito breve - que é essencial do acidente de trabalho.

X - Se se entender que a tese do acórdão está correcta na parte onde afirma que "a lesão (arritmia cardíaca) que causou a morte ao sinistrado despoletou-se por causa do esforço físico que o sinistrado desempenhava na altura", então a conclusão a retirar é a de que se tratou de doença profissional, atento o disposto no artigo 2°, n° 2, do D. L. 248/99, onde se considera que são doenças profissionais as lesões, perturbações funcionais ou doenças que sejam consequência necessária e directa da actividade exercida pelos trabalhadores e não representem normal desgaste do organismo.

Z - Ao considerar que a morte de AA constituiu um acidente de trabalho, o acórdão recorrido violou o artigo 6°, da Lei 100/97 e, ainda, o artigo 2°, n° 2, do D. L. 248/99, ou seja, a lei substantiva.

Termos em que revogando o acórdão recorrido e absolvendo a recorrente do pedido Vossas Excelências farão JUSTIÇA.


A Autora DD contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo que:

A) Basta atentar nas razões da discordância ou motivação da Recorrente, para se poder concluir, com a necessária segurança, que o presente recurso não pode obter provimento.

B) A questão central do presente recurso, a motivação do mesmo, traduz-se no entendimento da Recorrente de que não existe uma relação causal entre a actividade laboral e a morte de AA.

C) Ora, não oferece dúvidas que para ambas as instâncias foi provada uma relação casual entre a morte do trabalhador e o desenvolvimento da actividade laboral. Como se pode ler no douto Acórdão impugnado: "Assim sendo, a causa adequada à morte do sinistrado - a arritmia cardíaca - ocorreu porque o sinistrado se encontrava em pleno esforço físico no desenvolvimento da sua actividade de futebolista, pois provou-se que foi esse esforço que precipitou o desenvolvimento da arritmia cardíaca, a lesão que lhe provocou a morte, ainda que provavelmente em consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada uma doença cardíaca genética, sendo certo que, como decorre do disposto no art. 9 da LAT, quando a lesão consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, a reparação avaliar-se-á como se tudo dele resultasse..." ; E como se pode ler na doutra sentença proferida a «actividade profissional ditou sem dúvida o desfecho»,

D) Conforme o disposto no artigo 26° da LOFTJ (Lei n° 3/99) e nos arts. 722° e 729°, n.°s l e 2 do CPC, o tribunal de Revista só conhece de Direito, aplicando o regime jurídico que considere adequado "aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.";

E) Este Tribunal Superior não pode deixar de ter como definitivamente estabelecida aquela mesma relação causal, porquanto, como tem sido sublinhado neste Tribunal, a existência da "relação naturalística entre o evento e a pretendida consequência" constitui matéria de facto.

F) Retomando o entendimento já expresso em sede de apelação, a Recorrente sustenta que não existindo qualquer causa externa (à vítima), não é possível considerar a existência de um acidente de trabalho. Salvo o devido respeito, não pode deixar de se sublinhar que também aqui a Recorrente raciocina em petição de princípio: Para a Recorrente não há causa externa na medida em que (no seu entender) a morte foi provocada por doença.

G) Para a Recorrente "precipitar" ou "potenciar" "não significa necessariamente causar". Está errada, mas ainda que tivesse razão, (que claramente não tem) dúvidas não podem restar que aquelas expressões foram usadas pelo Julgador (da matéria de facto) com o sentido de que ocorreu uma relação causal. E não existindo tal dúvida quanto ao sentido das expressões não pode negar-se, em sede de Revista, a existência da referida relação de casualidade.

G) Face à prova produzida, só a aceitação de uma Jurisprudência de conceitos, oca, assente num mero artificialismo sem sentido, alheia à adequada valoração dos interesses em causa, poderia acolher o entendimento expresso pela recorrente a propósito da referência à ausência de uma "causa externa".

H) O acórdão impugnado não violou qualquer disposição legal. Pelo contrário, decidiu em conformidade com a letra e espírito da Lei, constituindo um excelente exemplo do que é decidir em função do DIREITO e da JUSTIÇA.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista.


Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a questão essencial que se coloca à apreciação, que é a de saber se a morte de AA deve, ou não, ser considerada como decorrente de acidente de trabalho.


II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que o Tribunal da Relação não alterou:

1. AA, ora sinistrado, nasceu em …, Hungria, a …, filho de AA e DD (DD de solteira), documento de fls. 297;

2. Por contrato de trabalho desportivo celebrado no dia 7 de Julho de 2002, o falecido AA foi admitido ao serviço da Ré, CC, para, em sua representação, sob a sua autoridade e direcção, prestar a esta a sua actividade de jogador profissional de futebol de categoria sénior, sendo praticante desportivo profissional, atleta de alta competição;

3. No dia 25 de Janeiro de 2004, no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, pelas 21h, o sinistrado encontrava-se a jogar uma partida de futebol, que opunha … ao …, na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2.ª ré;

4. O falecido era beneficiário da Segurança social com o n° … e tinha residência na Rua .., Bloco …, apartamento n° …°, ….°, "Edifício …", Lisboa;

5. O sinistrado, à data da morte, auferia da 2.ª Ré a remuneração global anual de € 765.156, ou seja, € 63.763,00 euros x 12 (meses);

6. O sinistrado veio a falecer, no dia 25 de Janeiro de 2004, às 23hl0m, no Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães […];

7. No relatório da autópsia, levado a cabo pelo Sr. Dr. EE, Gabinete Médico Legal de Guimarães, datado de 6 de Abril de 2004, e constante de fls. 115 a 137, designadamente se conclui: "... em l ° lugar que em face dos dados necrópsicos, do resultado dos exames histológicos e toxicológicos e da informação clínica colhida, é de admitir que a morte de AA tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica; 2° esta é causa de morte natural e 3° O exame toxicológico feito ao sangue não revelou a presença de álcool etílico, drogas de abuso (opiáceos, cocaína e metabolitos, canabinoides, anfetaminas); medicamentos (anticonvulsivos, ansiolíticos, antidepressivos, neurolépticos); ou esteróides anabolizantes;

8. A "CC" havia transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para a Companhia BB, S.A. através de contrato de seguro, titulado pela apólice n° …;

9. A tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória, no dia 21 de Janeiro de 2005, frustrou-se, porquanto a ré seguradora aceita que a ré entidade patronal é titular de um contrato de seguros do ramo de acidentes de trabalho, a que se refere apólice, e também aceita que o sinistrado auferia o salário anual de € 765.156, não aceitando, porém, a existência e caracterização do acidente como de trabalho, pelo que não aceita qualquer responsabilidade pelo mesmo, auto de fls. 268 a 271;

10. Em tal diligência a "CC" aceitou que o sinistrado auferia o salário acima referido e a transferência da sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré Companhia de Seguros, mas já não aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho por considerar que AA morreu de "doença natural, conforme relatório de autópsia junto aos autos"- documento citado;

11. Os AA. são os únicos e legítimos herdeiros legais e os únicos beneficiários legais do malogrado jogador profissional de futebol, conforme certidão de habilitação de herdeiros -"certificado de herança" junto a fls. 151a 155;

12. A miocardiopatia hipertrófica de que o falecido sofria apenas foi detectada post mortem, não obstante os exames médicos e clínicos a que o sinistrado foi regularmente submetido (cfr. documentos juntos aos autos a fls. 63 a 114 e relatório da autópsia);

13. A morte de AA foi devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica - também designada miocardiopatia hipertrófica;

14. O sinistrado tinha excelente compleição física - porte atlético - não tendo demonstrado fraqueza ou cansaço anormais, tanto na sua vida particular como na actividade profissional;

15. À data da morte do filho, o A. encontrava-se a trabalhar no restaurante adquirido pelo sinistrado, carecendo do auxílio deste, que quase todos os meses transferia para a Hungria quantias pecuniárias destinadas ao sustento do A. e da sua família;

16. O sinistrado sofria de miocardiopatia hipertrófica (também designada cardiomiopatia hipertrófica) - mas que não fora ainda detectada apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes - e que o desenvolvimento da actividade como futebolista profissional do sinistrado - em pleno exercício físico no jogo de futebol que se encontrava a disputar - foi precipitante da sua morte;

17. O jogo de futebol em apreço disputava-se com chuva (precipitação cujo total acumulado deverá ter atingido um valor da ordem de 5 milímetros) e entre 12,5° e 13,5°C de temperatura;

18. No desenrolar do aludido jogo de futebol - jogando há cerca de 30 m, nas condições climatéricas referidas […] e após a amostragem de um cartão amarelo (admoestação disciplinar), o sinistrado inclinou-se subitamente para a frente e, acto contínuo, caiu inanimado no relvado com perda de conhecimento e paragem cardio-respiratória;

19. O sinistrado na época 2003/2004 havia realizado 14 jogos oficiais, ao serviço do empregador, tendo apenas sido admoestado disciplinarmente com um cartão amarelo no último jogo;

20. O sinistrado era um jogador disciplinado;

21. O jogador foi assistido no relvado tendo-lhe sido efectuadas as manobras básicas de reanimação e, pelo facto de se encontrar molhado, não foi utilizado o disfibrilador;

22. À data da ocorrência, a A. encontrava-se a trabalhar no restaurante adquirido pelo sinistrado;

23. Era o sinistrado quem, desde há uns anos e até à data da sua morte, provia ao sustento da Autora e seu marido, sendo certo que esta e aquele dependiam para o respectivo sustento das contribuições monetárias que aquele lhes fazia/enviava;

24. Tais contribuições monetárias eram-lhe enviadas/transferidas pelo sinistrado para a Hungria com uma periodicidade quase mensal, sendo que em alguns meses mais do que uma vez;

25. A Autora carecia para o seu sustento, nomeadamente para fazer face às despesas com alimentação, vestuário, deslocações, da casa e pagamento do empréstimo bancário, do auxílio económico do sinistrado;

26. No dia 3 de Junho de 2002, a A., juntamente com o seu marido, contraíram um empréstimo bancário à habitação, cuja prestação mensal importava e importa a quantia mensal de 63.690 Ft. (equivalente, à data, a cerca de € 254,76/mês (l € = 250 florins), sendo que actualmente corresponde a € 225,85 (1€ = 282 florins);

27. A decisão de adquirir a casa e contrair tal empréstimo foi então determinada exclusivamente pelo auxílio monetário que o sinistrado lhes prestou e prestava, incluindo para pagamento da prestação mensal relativa ao empréstimo, sendo exclusivamente com estas contribuições monetárias do sinistrado que os AA. faziam face a tais prestações;

28. Em consequência de ter perdido o auxílio de que dependia para o seu sustento, os AA. ficaram em situação económica bastante difícil, vivendo com grandes dificuldades desde então;

29. A A. teve necessidade de se empregar, auferindo no ano de 2004 rendimentos de trabalho 81.267 Florins e em 2005 auferia um ordenado mensal líquido de 37.335 Florins, estando desde 2008 a trabalhar numa loja de roupas;

30. […] o exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca;

31. […];

32. […] após a amostragem do cartão amarelo o sinistrado esboçou um sorriso;

33. Exercendo o atleta falecido a profissão de futebolista há vários anos - jogou três anos no …, entre … e …, ingressou no … na época de …, e, depois, jogou no …, … de .., … e … -, tinha de efectuar e estar sujeito a esforço físico e emocional, quer durante os treinos diários, quer durante as partidas de futebol, sob sol, chuva e frio;

34. Aquando do ocorrido, AA estava a jogar há cerca de 30 minutos;

35. A miocardiopatia hipertrófica é uma doença cardíaca genética.


III. FUNDAMENTOS DE DIREITO.

A única questão a resolver, na acção e no recurso, é, como já se deixou enunciado, a de saber se a morte da vítima, o futebolista AA, se deveu a causa natural ou se a um verdadeiro acidente de trabalho.

Nos termos do artigo 6.º/1 da Lei 100/97, de 13 de Setembro e 6.º/1 do DL 143/99, de 30 de Abril (aplicáveis ao caso dos autos) «é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».

Esta noção primária de acidente de trabalho é depois alargada, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo e do art. 9.º da mesma Lei e art. 6.º, n.ºs 2 a 4 do DL 143/99, a certas realidades que escapariam àquele conceito ou que, dificilmente, nele se enquadrariam. Assim, designadamente, “quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada pela lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse […]».

Estamos, pois, perante uma concepção complexa que é demarcada por diversos elementos cumulativos, tal como já decorria no âmbito da anterior legislação, a Base V, da Lei 2127, de 03.08.1965 e os art.ºs 10º e 11º do Dec. 360/71, de 21/8.

Para Tomás de Resende em comentário à Base V da Lei 2127, o conceito de acidente de trabalho é delimitado por: « a) um elemento espacial (local de trabalho ); um elemento temporal (tempo de trabalho ) e c) um elemento causal (nexo de causa efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença)».

Segundo o mesmo, «os elementos mencionados em a) e b) encontram-se, por sua vez, definidos no nº 3, da Base e o referido em c) exprime uma relação de causalidade, directa ou indirecta, entre o acidente e as suas indicadas consequências, não propriamente uma relação de causalidade entre o trabalho e o acidente, que está, aliás ínsita na enunciação legal dos elementos referidos em a) e b)» (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pg.16).

Em sentido idêntico se pronunciou Melo Franco (in Acidentes de Trabalho, Separata do BMJ, 1979, pg. 62).

Apesar da lei ser indicativa dos elementos caracterizadores de acidente de trabalho, não fornece, todavia, uma noção básica de “acidente”, pelo que têm sido a doutrina e a jurisprudência a burilar tal conceito.

Assim Cruz de Carvalho, citando Cunha Gonçalves, dizia que acidente é o "acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa" (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, Petrony, 1980, pág. 26).

Também Vítor Ribeiro, referia que "a doutrina e a jurisprudência, confrontadas com situações frequentes em que não é fácil distinguir se uma certa lesão ou doença constatadas são consequência de acidente ou se, pelo contrário, resultam de um processo qualquer de deterioração da saúde, súbito ou progressivo, mas alheio a qualquer acontecimento exterior ao doente, procuraram fixar uma noção de acidente no sentido naturalístico. Este será o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado".

Estas noções parecem apontar no sentido de que para haver acidente terá de ocorrer uma causa externa à vítima que seja violenta e visivelmente provocadora de determinada lesão.

Porém, como bem se refere no acórdão recorrido e no parecer do Ministério Público, hoje não é considerado como critério necessário à caracterização de acidente que essa causa externa se consubstancie, quer em violência quer até num acontecimento exterior manifesto ou visível.

Como refere Carlos Alegre, «nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente. Por exemplo, a telha que atingiu o trabalhador (causa exterior da lesão), por ter desabado o telhado, em resultado da força do sopro de uma explosão (causa exterior do acidente).

A violência não constitui, pois, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho» (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2.ª edição, pág. 36).

Acresce que para que o acidente se qualifique como de trabalho, entre outros elementos caracterizadores, é necessário que exista, como referia Vítor Ribeiro, «nexo causal relevante entre a relação de trabalho e o dano». E melhor especificando, noutro passo: «razão por que esse "nexo causal" entre a relação de trabalho e a morte ou a incapacidade ( ... ), deve, ele também, considerar-se como elemento integrador essencial do conceito legal de "acidente de trabalho"» (in Acidentes de Trabalho, ed. de 1984, pg. 207).

O nexo de causalidade que deve existir entre o acidente e o trabalho é, pois, um dos elementos caracterizadores do acidente de trabalho, que não resulta expressamente da lei, mas que se contém no seu espírito.

Como ensinava Cruz de Carvalho (in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pg. 28 e 55), para a relevância de tal elemento já a Câmara Corporativa havia chamado a atenção, ao dar parecer sobre o projecto da proposta de Lei (depois Lei 2127), propondo se introduzisse no texto referência expressa a tal elemento, considerando-se como acidente de trabalho «todo o evento que se verifique, no tempo e em consequência do trabalho...».

À fórmula proposta pela Câmara Corporativa veio a apresentar-se uma outra, que se limitava a excluir da protecção legal os acontecimentos inteiramente estranhos à prestação de trabalho, alterando-se o texto inicial para "todo o evento que se verifique no local e no tempo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho».

Porém, no texto definitivo aprovado pela Assembleia Nacional não ficou a constar qualquer referência expressa àquele elemento caracterizador do acidente de trabalho. Ao que parece, por se considerar inútil. Mas sem razão, pois se deixou, mais uma vez, para a doutrina e para a jurisprudência, buscar, através de árduas construções teóricas, aquilo que, de modo claro e intuitivo, poderia resultar da lei.

Tal como sucede na lei Belga (Lei de 10 de Abril de 1971, sobre acidentes de trabalho), para qual, acidente de trabalho é «todo o acidente que sobrevém a um trabalhador durante e por causa da execução do contrato e que produz uma lesão. Ou na lei Espanhola (Decreto de 22.6.56) para a qual o mesmo acidente é «toda a lesão corporal que o trabalhador sofra na ocasião ou por consequência do trabalho que execute por conta alheia» (cfr. Vítor Ribeiro, ob. cit. pg. 197 e 201).

Que o nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho é imprescindível para a caracterização do acidente é conclusão que a jurisprudência tem subscrito com inteira uniformidade.

No acórdão do S.T.J. de 12.12.80 (BMJ 302/212) justifica-se a exigência daquele nexo de causalidade nos seguintes termos: «funda-se a responsabilidade por acidentes de trabalho no risco da autoridade e no proveito económico que a entidade patronal tira da actividade pela qual é tornada responsável, e visando essa responsabilidade cobrir o risco do trabalho, necessariamente que lhe tem de imputar a existência de uma relação entre o acidente e o trabalho».

Ora, fazendo aplicação dos princípios acima expostos aos factos provados e relativos ao evento que deu origem à presente acção, somos levados a concluir que estamos no caso vertente perante um verdadeiro acidente de trabalho.

Na verdade, no caso vem provado, no mais relevante, que:

No dia 25 de Janeiro de 2004, no estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, pelas 21h, o sinistrado encontrava-se a jogar uma partida de futebol, que opunha o … ao …, na execução de contrato de trabalho desportivo celebrado com a 2.ª ré;

O jogo de futebol em apreço disputava-se com chuva (precipitação cujo total acumulado deverá ter atingido um valor da ordem de 5 milímetros) e entre 12,5°e 13,5°C de temperatura;

No desenrolar do aludido jogo de futebol - jogando há cerca de 30 m, nas condições climatéricas referidas e após a amostragem de um cartão amarelo (admoestação disciplinar), o sinistrado inclinou-se subitamente para a frente e, acto contínuo, caiu inanimado no relvado com perda de conhecimento e paragem cardio-respiratória;

O sinistrado veio a falecer, nesse dia, às 23hl0m, no Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães;

No relatório da autópsia conclui-se "... em l.º lugar que em face dos dados necrópsicos, do resultado dos exames histológicos e toxicológicos e da informação clínica colhida, é de admitir que a morte de AA tenha sido devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) provavelmente em consequência de cardiomiopatia hipertrófica;

A miocardiopatia hipertrófica de que o falecido sofria apenas foi detectada «post mortem», não obstante os exames médicos e clínicos a que o sinistrado foi regularmente submetido;

A morte de AA foi devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de cardiomiopatia hipertrófica - também designada miocárdiopatia hipertrófica;

O exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou a arritmia cardíaca;

O sinistrado sofria de miocardiopatia hipertrófica, mas que não fora ainda detectada apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes, e o desenvolvimento da sua actividade como futebolista profissional - em pleno exercício físico no jogo de futebol que se encontrava a disputar - foi precipitante da sua morte.

Perante a facticidade descrita, proferiu o tribunal recorrido as seguintes considerações, com vista a considerar caracterizado o acidente dos autos como de trabalho:
«Existe assim uma relação directa entre a lesão que provocou a morte do sinistrado (arritmia) e o desenvolvimento da sua actividade como futebolista profissional, já que foi o esforço físico (causa exógena) que despendia na altura que foi precipitante da lesão que lhe causou a morte.
Assim sendo, a causa adequada à morte do sinistrado - a arritmia cardíaca - ocorreu porque o sinistrado se encontrava em pleno esforço físico no desenvolvimento da sua actividade de futebolista, pois provou-se que foi esse esforço que precipitou o desenvolvimento da arritmia cardíaca, a lesão que lhe provocou a morte, ainda que provavelmente em consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada uma doença cardíaca genética, sendo certo que, como decorre do disposto no art. 9.º da LAT, quando a lesão consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, a reparação avaliar-se-á como se tudo dele resultasse.
Por outro lado, a lesão que provocou a morte do sinistrado ocorreu no tempo e no local de trabalho pelo que presume-se consequência do acidente, face à presunção, […], consignada no n.° l do art. 7.º do DL n.° 143/99, na medida em que, […], a seguradora não conseguiu demonstrar que não foi por causa do esforço físico do atleta/sinistrado, no exercício da sua actividade profissional, que ocorreu a lesão que lhe provocou a morte.
É certo que o esforço físico era inerente à sua actividade profissional, como por diversas vezes foi salientado pela recorrente, porém, esse esforço só deveria ocorrer se o sinistrado não tivesse a doença que veio a verificar-se que padecia - cardiomiopatia hipertrófica. Da prova produzida, designadamente dos relatórios dos peritos, podemos concluir que alguém que sofra de cardiomiopatia hipertrófica não deve ser admitido como profissional do futebol, uma vez que o esforço físico que lhe é exigido é potenciador do desenvolvimento de arritmias cardíacas que podem provocar a morte. Contudo, resultou provado que a referida doença não fora detectada ao sinistrado, apesar de o mesmo ter sido submetido aos exames médicos pertinentes, por parte da sua entidade empregadora, que nem a seguradora pôs em causa.
Assim, afigura-se-nos configurar como acidente de trabalho, ao abrigo do art.° 6 da Lei n.° 100/97, a morte súbita do atleta AA, por se ter apurado que foi precipitada pelo esforço físico (causa exógena) que a sua actividade enquanto futebolista profissional lhe exigiu, esforço que, em si próprio e como vimos, é potenciador do surgimento de arritmia cardíaca, lesão que lhe causou a morte. E, ainda que, aquela arritmia possa ter sido consequência de uma cardiomiopatia hipertrófica, considerada doença genética, apenas, detectada ao sinistrado post mortem, resultou provado que o esforço físico despendido pelo sinistrado na sua actividade profissional, ao serviço da 2.ª ré, CC, foi determinante na lesão que lhe provocou a morte, ou seja, a relação de trabalho foi determinante no resultado verificado - a morte do sinistrado - que assim merece a protecção do regime jurídico dos acidentes de trabalho.
Acresce que não podemos ser completamente alheios à circunstância do mencionado esforço físico estar a ser desenvolvido em condições climatéricas que se podem considerar adversas, sob muita chuva, que impossibilitou, por o atleta se encontrar molhado, a utilização do disfibrilador, e que todo o evento sucedeu na sequência de admoestação disciplinar exercida, momentos antes, sobre o sinistrado».

Ora, a fundamentação aduzida na decisão recorrida mostra-se conforme com a realidade dos factos e é pertinentemente conclusiva no sentido de demonstrar a verificação no caso de um verdadeiro acidente de trabalho.

Na verdade, o sinistrado AA, apesar de possuir uma excelente compleição física, sofria de uma doença congénita, a miocardiopatia hipertrófica, doença que não obstante os exames médicos e clínicos a que foi regularmente submetido, apenas foi detectada depois da sua morte.

A morte de AA foi devida a arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) em consequência de miocardiopatia hipertrófica, sendo que o exercício físico inerente à actividade do sinistrado que estava a ser desenvolvido aquando do ocorrido potenciou aquela arritmia cardíaca.

Acresce que o desenvolvimento da actividade como futebolista profissional do sinistrado, em pleno exercício físico no jogo de futebol que se encontrava a disputar, foi precipitante da sua morte.

Estamos no caso perante um acidente, na acepção ampla acima descrita, por o sinistrado ser portador de uma doença anterior, a miocardiopatia hipertrófica, que se agravou devido a exercício físico que o mesmo sinistrado estava a desenvolver, ao potenciar arritmia cardíaca, que veio a precipitar a sua morte.

Verifica-se, pois, um funesto acontecimento, o decesso do sinistrado, que teve como causa externa um esforço físico desenvolvido em determinado condicionalismo, independentemente da maior ou menor visibilidade desse esforço e sem que tenha a menor relevância que o sinistrado em anteriores e semelhantes situações nada lhe tenha acontecido e que a outros colegas de profissão também nada tenha acontecido quando desenvolviam a mesma actividade.

E estamos em face de um acidente de trabalho, porque verificado no local, no tempo e por causa do trabalho.

O facto de a cardiomiopatia hipertrófica ser uma doença cardíaca congénita, que pode causar arritmia cardíaca e esta a morte, não se pode concluir que no caso a morte tenha sido de origem natural, uma vez que se provou que foi o exercício físico que o sinistrado estava a desenvolver que potenciou a arritmia cardíaca, precipitando a morte do sinistrado.

E dentro deste quadro fáctico nem vale esgrimir argumentos no sentido de saber se “potenciar” e “precipitar” afinal será diferente de “causar”, como a Recorrente pretende fazer crer, porque a prova é inequívoca no sentido de que o esforço físico (causa externa) que o sinistrado naquele dia estava a desenvolver teve como resultado fazer evoluir uma doença cardíaca, até então não declarada, para a morte da vítima.

Os termos “potenciar” e “precipitar”, até parecem bem escolhidos, na alegação e prova dos factos, já que bem exprimem o resultado do esforço físico, que aumentou a arritmia cardíaca, que, por sua vez, apressou a morte.

Obviamente que este processo fáctico do resultado morte é um processo causal e adequado da sua verificação.

Por isso, não se subscreve a alegação da Recorrente de que a miocardiopatia hipertrófica de que o atleta sofria é que foi determinante da arritmia e da morte.

Tal doença, até então desconhecida, favoreceu, de certo e remotamente, o aparecimento da arritmia e o desenlace da morte, mas a causa próxima («causa causans») residiu no exercício físico que no condicionalismo em que se verificou precipitou o resultado morte.

Diz a Recorrente que a decisão recorrida não fundamenta por que motivo a contínua actividade profissional do atleta não lhe causou arritmias e a morte ao longo dos anos em que jogou por vários clubes ao mais alto nível, e só as causou quando participava num jogo, apenas, há cerca de 30 minutos.

A decisão não explica nem tinha de explicar a hipótese colocada, por se ignorar se o sinistrado sofreu, ou não, outras arritmias e nem se saber se as condições externas foram, ou não, semelhantes às verificadas quando ocorreu o acidente, sendo que, em todo o caso, os acidentes não ocorrem em condicionalismos predefinidos. São, por natureza, inesperados.

Aliás a argumentação da Recorrente é reversível, porque também se poderia alegar que o sinistrado ao longo da sua existência apenas terá dedicado à prática da actividade física uma parcela de tempo diminuta, apesar de ser atleta profissional, passando o restante tempo sem sujeição a esforço físico e não foi fora da actividade física que a morte o acometeu.

O evento que determinou o decesso do sinistrado reveste, pois, as necessárias características de um acontecimento súbito, inesperado e exterior à vítima, ocorrido no local, no tempo e por causa do trabalho, produzindo agravamento de anterior doença e foi causa adequada da sua morte, pelo que integra um verdadeiro acidente de trabalho.

Note-se finalmente que também se não perfilha a argumentação da Recorrente quando diz que a entender-se que "a lesão (arritmia cardíaca) que causou a morte ao sinistrado despoletou-se por causa do esforço físico que o sinistrado desempenhava na altura", então a conclusão a retirar é a de que se tratou de doença profissional, atento o disposto no artigo 2°, n° 2, do D. L. 248/99, onde se considera que são doenças profissionais as lesões, perturbações funcionais ou doenças que sejam consequência necessária e directa da actividade exercida pelos trabalhadores e não representem normal desgaste do organismo.

É que no caso a doença, declarada ao sinistrado, a miocardiopatia hipertrófica, não foi determinada pela actividade física exercida por aquele, sendo antes pré-existente a essa actividade e apenas por esta tendo sido agravada, pelo que tem inteira aplicação o disposto no art. 9.º/2 da Lei 100/97, de 13 de Setembro, segundo o qual quando a doença anterior for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse.

Ou seja, uma doença anterior agravada por acidente passa a integrar as consequências do mesmo acidente e não a constituir doença profissional.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.


IV. DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 30 de Junho de 2011.



Pereira Rodrigues (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

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