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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

IRREGULARIDADE AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 13.11.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
879/10.8GAPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: IRREGULARIDADE
AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO

Nº do Documento: RP20131113879/10.8GAPFR.P1
Data do Acordão: 13-11-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I – O disposto no n.º 2 do art. 123.º, do CPP, deve ser interpretado no sentido de que só é possível a reparação oficiosa de irregularidade ainda não sanada.
II – A arguida deve considerar-se regularmente notificada da audiência de julgamento se a notificação foi feita para a morada por si indicada, constante do TIR, e não foi comunicada qualquer alteração da mesma.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Recurso Penal 879/10.8GAPFR.P1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, procedeu-se a julgamento em processo comum, e perante tribunal singular, das arguidas B… e C…, devidamente identificadas nos autos, tendo a final sido proferida sentença com a seguinte decisão:
“(…)
1. Absolver a arguida B… de todos os crimes de burla que lhes foram imputados na acusação.
2. Condenar, absolvendo-se do demais que consta na acusação, a arguida C… nas seguintes penas parcelares:
-pela prática, como autora material, de um crime de burla, previsto pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
-pela prática, como autora material, de um crime de burla, previsto pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa;
3. Condenar a arguida C… na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), num total de € 650 (seiscentos e cinquenta euros).
Custas pela arguida C…, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s [€ 408], atendendo à complexidade da causa e ao número de intervenientes processuais (arts. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa).
Boletins à DSIC.
(…)”

Inconformada com a sentença condenatória, a arguida C… recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1) Tendo a arguida posteriormente à prestação de TIR apresentado os requerimentos de fls. 176 e 177 para que as notificações lhe sejam feitas noutra morada que indica – …, n.º .., .° Esq., ….-… Santo Tirso –, não se podem ter por regularmente efectuadas as notificações por via postal simples para a morada que inicialmente constava do TIR, por a arguida/recorrente ter posteriormente fornecido uma outra morada (cfr. fls. 176 e 177), para onde deviam ser remetidas as notificações;

2) Por conseguinte não tendo havido notificação por via postal simples para esta morada comunicada pela arguida/recorrente pelos requerimentos de fls. 176 e 177 – …, n.º …, .° Esq., ….-… Santo Tirso –, e sendo também negativa a certidão da notificação solicitada a fls. 302 (cfr. fls. 330), não podia o Mmo. Juiz "a quo" considerar que a arguida/recorrente se encontrava notificada da data designada para a audiência de julgamento;

3) Pelo que tendo a audiência de julgamento sido iniciada na ausência da arguida/recorrente, tal constitui nulidade insanável nos termos da alínea c) parte inicial do art. 119 do CPP;

4) Não tendo a audiência de julgamento sido encerrada na primeira data marcada, e tendo o Mmo. Juiz "a quo" designado para continuação da audiência uma nova e distinta data, da segunda data inicialmente marcada, nunca poderia valer para esta nova data, uma notificação da arguida/recorrente que se considerasse - o que se não concede nem concebe - ter existido para as datas inicialmente marcadas, pelo que tinha de haver nova notificação da arguida/recorrente para esta nova data de continuação da audiência;

5) Assim a continuação da audiência não podia se ter realizado sem a presença da arguida/recorrente;

6) E tendo o Mmo. Juiz "a quo" considerado necessário ouvir a arguida/recorrente naturalmente por considerar a sua audição necessária para a descoberta da verdade, o encerramento da audiência sem a sua audição constitui omissão posterior de diligencia reputada essencial para a descoberta da verdade nos termos da al. d) parte final do n.º 2 do art. 120º do CPP;

7) Foram violados os arts. 196 nº3 al. c) segunda parte, 332 nº 1, 333 nº1, 119 al. c) primeira parte, e 120 nº2 al. d) parte final, do CPP;

8) Devendo ser declarados anulados o julgamento e a douta sentença;

O MP junto do Tribunal de 1ª instância respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:

1- Em 23 de março de 2011, a arguida C… prestou termo de identidade e residência, a fls. 105 doas autos, tendo indicado como domicilio a Rua …, nº .., S. Mamede de Infesta;

2- A fls. 176 e 177 dos autos, ainda na fase de inquérito mas já após a tomada de termo de identidade e residência, foi junta uma cópia de um escrito, onde não se identifica qualquer processo, secção ou secretaria, ou mesmo origem e fiabilidade, alegadamente subscrito pela arguida C…, onde a mesma se disponibiliza para ser contactada na seguinte morada: …, …, .º Esq., Santo Tirso;

3 - De tal documento consta ainda uma cota informativa, certamente realizada por funcionário judicial, com a indicação de que a arguida C… é interveniente em inúmeros processos;

4 - Na data da junção de tal documento, a arguida já havia sido declarada contumaz nos Processos nº 570/06.0GBPRD e 1332/06.0TAVLG;

5 - Na sequência de tal indicação de residência, foi solicitada informação policial sobre as condições socioeconómicas da arguida C…, tendo-se constatado que o endereço - …, …, .º Esq., Santo Tirso – corresponde a um escritório de advogados, não mandatados nos autos;

6 - Em 12 de outubro de 2012, a acusação deduzida nos autos foi recebida, tendo então sido designada data para audiência;

7 - A arguida foi notificada, via postal, para a residência constante do termo de identidade e residência, tendo a carta sido devolvida após ter sido devidamente depositada;

8 - Foi tentada a notificação pessoal da arguida, através da entidade policial competente, na Rua …, nº .., em S. Mamede de Infesta, tendo sido comunicada a frustração de tal notificação, com a indicação de que a arguida já não residiria nesta morada à cerca de dois anos e meio;

9 - A arguida veio a ser notificada da sentença condenatória proferida nos autos na Rua …, nº .., Santo Tirso, em 19 de Junho de 2013;

10 - A arguida revelou má-fé processual, ao indicar no termo de identidade e residência um domicílio que não era o seu, conhecendo de antemão a frustração da notificação postal da data designada para audiência e fazendo uso disso como forma de se frustrar à ação da justiça;

11 - Entende-se que a comunicação para alteração de residência não foi efetuada de forma a respeitar as obrigações decorrentes do TIR, e como tal não se mostra válida;

12 - Além do mais, a arguida C… deu sempre informações erradas nos autos sobre a sua residência, para locais que não eram o seu efetivo domicílio;

13 - Assim, em nosso entender, deve considerar-se que a residência indicada pela arguida quando prestou TIR continuou a ser válida e eficaz para efeito das notificações, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 196.º n.ºs 2 e 3 e 113.º n.ºs 1 al. c) 3, e 4, do Código de Processo Penal, não se verificando assim qualquer nulidade.

O Ex.º Procurador-geral-adjunto nesta Relação limitou-se a apor o seu visto.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

2. Fundamentação
2.1 Matéria de facto
A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
Factos provados:
1. A arguida C… publicou um anúncio no “D…” com o seguinte teor: “Precisa-se urgente. Empregado/as ou casais para trabalhar no Estrangeiro, para vários países. Entrada imediata. Contacto: ………”.
2. Posteriormente quando recebiam e atendiam as chamadas dos respetivos interessados, as arguidas, após informarem do destino onde iriam trabalhar, bem como do salário que iriam auferir e das funções que iriam desempenhar, solicitavam àqueles interessados que se deslocassem a determinados locais, por elas indicados e na maior parte das ocasiões o seu escritório, sito na rua …, Paços de Ferreira, com vista a que a arguida C… aí melhor os informar sobre as condições em que o trabalho seria prestado no estrangeiro.
3. Sendo que quando aqueles interessados se deslocavam a tais locais, as arguidas solicitavam-lhes a entrega imediata de determinadas quantias, em dinheiro, o que aqueles faziam, em consequência de as arguidas os terem advertido de que essas quantias se destinavam a pagar os exames médicos que os interessados teriam de obrigatoriamente realizar e as suas viagens, constituindo, portanto, a entrega dessas quantias uma condição prévia e necessária para poderem trabalhar no estrangeiro.
4. Contudo não só não existia nenhum trabalho a prestar no estrangeiro como nenhuma das quantias que a arguida C… recebeu e fez suas, pela forma descrita, se destinava ao pagamento de quaisquer exames médicos ou viagens, tudo não passando de um esquema engendrado e executado pela arguida C…, com o intuito de assim levarem os interessados a entregarem-lhe tais quantias, como estes fizeram e de que aquela se apropriou.
5. Em data não concretamente determinada mas que se situa no início de mês de outubro de 2010, E…, F… e a mãe deste último, G…, após contacto telefónico para o número ……… e informarem uma das arguidas da intenção em concorrerem ao trabalho anunciado, a prestar em Genebra, na Suíça, deslocaram-se ao …, em Paços de Ferreira, para aí melhor acertarem os termos relacionados com o trabalho a prestar no estrangeiro, tendo a arguida B…, nessas circunstâncias, informado F… e G… sobre o vencimento e o tipo de trabalho que iriam realizar, na Suíça.
6. E quando F… manifestou a sua concordância com as condições descritas pela arguida B…, esta exigiu-lhe a entrega imediata, em dinheiro, da quantia de € 130 (cento e trinta euros), o que ele fez, em consequência de a arguida o ter advertido que tal quantia se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, e para suportar o pagamento da sua viagem.
7. Por também ter interesse em ir trabalhar para a Suíça, nos mesmos termos que tinham sido acordados com o seu filho F…, G… combinou com a arguida B… um encontro, para alguns dias depois, ainda no mês de outubro de 2010, na …, no Porto, o que sucedeu, em data não concretamente apurada, tendo entregue nessa ocasião à arguida, por esta lhe ter exigido, a quantia de € 130 (cento e trinta euros), o que esta fez, em consequência de aquela a ter advertido de que se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, e também para suportar o pagamento da sua viagem.
8. Atuando da forma descrita, prestando informações que sabia não corresponderem à realidade e solicitando através da arguida B… aos ofendidos F… e G… a entrega de quantias, em dinheiro, com o pretexto de que estas se destinavam ao pagamento de viagens e exames médicos que aqueles teriam de realizar, como condição prévia e necessária para poderem trabalhar no estrangeiro, não obstante bem saber que essas viagens e esses exames não iriam ter lugar, a arguida C… levou F… e G… a entregarem-lhe a quantia total de € 260 (duzentos e sessenta euros), a que a arguida C… sabia não ter direito, mas que recebeu e fez sua, após lhe ter sido entregue pela arguida B…, usando-a em seu proveito pessoal.
9. A arguida C… atuou na execução de um plano previamente gizado, com o intuito de receber as referidas quantias, em dinheiro, como efetivamente recebeu, da parte dos referidos ofendidos, não obstante estar ciente de que as mesmas não lhe eram devidas e que tal causava prejuízo aos ofendidos F… e G…, como efetivamente sucedeu.
10. A arguida C… estava ciente de que tanto as informações que publicou no anúncio, como as que apresentou aos ofendidos F… e G…, através da arguida B…, relativamente à prestação de trabalho, às viagens e aos exames médicos, não correspondiam à realidade.
11. Não obstante, a arguida C… decidiu inventá-las, para desta forma conseguir despertar a atenção e o interesse dos ofendidos, como efetivamente conseguiu, bem sabendo que, dessa forma e após ter advertido os ofendidos F… e G…, através da arguida B…, de que tal constituía uma condição prévia e necessária para poderem realizar os exames médicos e as viagens, sem os quais não poderiam viajar para o estrangeiro, os ofendidos seriam levados a entregarem-lhe todas as quantias referidas supra, o que a arguida C… quis e conseguiu, não tendo esta arguida, até à data, devolvido qualquer montante aos referidos ofendidos.
12. A arguida C… atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punível por lei.
13. A arguida C… não tem antecedentes criminais registados.

Factos não provados:
Não se provou:
1. Que no dia 5/10/2010, E…, após ter tomado conhecimento do referido anúncio, ligou para o telemóvel número ……… e, depois da chamada ter sido atendida pela arguida C…, demonstrou interesse em concorrer ao trabalho anunciado, tendo então a arguida informado aquela que as funções relativas ao trabalho seriam desempenhadas na Suíça e solicitado a E… que se deslocasse ao escritório das arguidas, sito na Rua …, neste concelho e nesta comarca de Paços de Ferreira, a fim de aí acordarem os termos relacionados com a prestação de trabalho no estrangeiro, o que E… fez, no mesmo dia e em hora não concretamente apurada, sendo que, nessas circunstâncias de tempo e lugar, enquanto a arguida C… informava aquela sobre o vencimento e tipo de trabalho que iria realizar, na Suíça, a arguida B…, por seu turno, preenchia um papel, que não ostentava qualquer tipo de logótipo ou identificação da empresa e que apenas tinha como título “ficha de inscrição”, onde esta arguida preenchia dados relativos à identificação de E…, sendo que, quando E… concordou com as condições descritas pela arguida C…, esta exigiu àquela a entrega imediata, em dinheiro, de € 25 (vinte e cinco euros), o que esta fez, em consequência de as arguidas a terem advertido de que tal quantia se destinava a pagar os exames médicos que teria de obrigatoriamente realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar no estrangeiro;
2. Que em data não concretamente determinada mas ainda na primeira quinzena do mês de outubro, as arguidas informaram E… que os exames médicos não poderiam afinal ser realizados em Portugal, pelo que teriam de ser realizados na Suíça, no momento em que ela aí se encontrasse a trabalhar, situação que implicaria a necessidade de E… entregar às arguidas, em dinheiro, uma quantia adicional de € 25 (vinte e cinco euros), o que aquela imediatamente fez;
3. Que posteriormente, em data não concretamente determinada mas entre 10 a 20 de outubro de 2010, no referido escritório e após E… ter contactado com as arguidas, manifestando-lhes ter urgência em viajar para a Suíça e começar imediatamente a trabalhar, devido às dificuldades económicas que atravessava, as arguidas informaram-na que essa antecipação da viagem só seria possível caso ela lhes entregasse, em dinheiro, uma quantia adicional de € 80 (oitenta) euros, o que E… imediatamente fez;
4. Que atuando da forma descrita, prestando informações que sabiam não corresponderem à realidade, sobre um trabalho que sabiam não existir, bem como exigindo, a E…, a entrega, em dinheiro, da quantia de € 150 (cento e cinquenta euros), após a terem advertido de que a mesma se destinava ao pagamento da realização de exames médicos, que as arguidas sabiam não ter lugar mas que referiram àquela ser condição prévia e necessária para ela poder trabalhar na Suíça, as arguidas levaram E… a entregar-lhes tal quantia, a que as arguidas sabiam não ter direito, mas que receberam e fizeram sua, usando-a em seu proveito pessoal;
5. Que na ocasião descrita nos pontos 5 e 6 dos factos provados a arguida B… preencheu um papel, que não ostentava qualquer tipo de logótipo ou identificação da empresa e que apenas tinha como título “ficha de inscrição”, com dados relativos à identificação de F….
6. Que F…, poucos dias depois, foi contactado por E…, que o informou ter entregue, em seu nome e após ter sido advertida, pelas arguidas, da sua necessidade, a quantia de € 80 (oitenta euros);
7. Que em data não concretamente determinada mas no início do mês de outubro de 2010, H…, que se encontrava a residir no Luxemburgo, foi contactado pela sua mulher, I…, que o informou sobre o teor do referido anúncio e lhe perguntou se estaria interessado em ir trabalhar para a Suíça, nas mesmas condições que as descritas relativamente a G…, F… e E…, familiares de H… e que tinham informado I… da existência do anúncio, o que aquele respondeu afirmativamente, pelo que no início do mês de outubro de 2010 e após se ter informado junto dos referidos familiares e das arguidas das condições de trabalho, I… ligou ao marido e informou-o que a viagem para a Suíça iria ocorrer entre as 23 horas e as 0 h, numa quinta ou sexta-feira, sendo que, como condição prévia e necessária para realizar tal viagem, teria de entregar imediatamente, em dinheiro, a quantia de € 125 (cento e vinte e cinco euros), o que I…, fez, em nome do marido;
8. Que posteriormente, quando H… contactou com a arguida C…, requerendo informação concreta sobre o alojamento, pagamentos e tipo de serviço que iria realizar na Suíça, esta arguida elevou o seu tom de voz, acusando aquele de estar a desconfiar dela e recusando-se a devolver-lhe a quantia aludida supra;
9. Que atuando da forma descrita, prestando informações que sabiam não corresponderem à realidade e solicitando a H… a entrega de quantias, em dinheiro, com o pretexto de que estas se destinavam ao pagamento de viagens e exames médicos que aquele teria de realizar, como condição prévia e necessária para poder trabalhar na Suíça, não obstante bem saberem que essas viagens e esses exames não iriam ter lugar, as arguidas levaram H… a entregar-lhes a quantia total de € 125 (cento e vinte e cinco euros), a que as arguidas sabiam não ter direito, mas que receberam e fizeram sua, usando-a em seu proveito pessoal;
10. Que as arguidas B… e C… atuaram da forma descrita, em comunhão de esforços e na execução de um plano previamente gizado, com o intuito de receberem as referidas quantias, em dinheiro, como efetivamente receberam, da parte dos referidos ofendidos, não obstante estarem cientes de que as mesmas não lhes eram devidas e que tal causava prejuízo aos ofendidos, como efetivamente sucedeu e que as arguidas B… e C… estavam cientes de que tanto as informações que publicaram no anúncio, como as que apresentaram a todos os ofendidos, relativamente à prestação de trabalho, às viagens e aos exames médicos, não correspondiam à realidade e, não obstante, as arguidas B… e C… decidiram inventá-las, para desta forma conseguirem despertar a atenção e o interesse dos ofendidos, como efetivamente conseguiram;

Fundamentação da Prova:
A arguida C… não compareceu no julgamento.
A arguida B… disse que não tinha nada a ver com isto, esclarecendo que havia sido contratada pela arguida C… para exercer funções de administrativa e que alguns dias depois começou a aperceber-se da atividade ilegítima que aquela desenvolvia, tendo abandonado de imediato o seu posto de trabalho por não se querer envolver nesse “esquema” montado pela arguida C…; afirmou ainda que essa decisão não lhe foi fácil pois havia estado desempregada bastante tempo, mas não queria defraudar as pessoas que procuravam o escritório pois observando o comportamento da arguida C… logo entendeu que esta não iria colocar ninguém a trabalhar.
A nosso ver tratou-se de um depoimento credível, pois respondeu calmamente a todas as perguntas, prestou todos os esclarecimentos necessários, mostrou-se sempre muito convincente e foi visível alguma emoção no relato que fez dos factos.
E esta versão dos factos viria a comprovar-se verdadeira, conforme se verá de seguida:
Ponderou-se o depoimento das testemunhas F… e G…, que descreveram em audiência o que se passara, concretamente a altura e o local em que os factos em que estiveram envolvidos tinham ocorrido e a forma como tinham tido lugar, em moldes idênticos aos que viriam a ficar assentes. Atribuíram à arguida B… o desempenho apenas de tarefas administrativas e nenhuma destas testemunhas para além disso lhe imputou o que quer que fosse.
A testemunha F… confirmou ainda que numa tentativa de desbloquear a sua situação de indefinição contactou por várias vezes a arguida C… através do número de telefone constante do anúncio.
Síntese crítica da prova no que toca à autoria dos factos:
A informação de folhas 151 a 154 atesta a identidade da pessoa que pediu a publicação no “D…” do anúncio em causa (vide ponto 1 dos factos provados): trata-se da arguida C….
Quanto ao número de telefone utilizado para o efeito, apesar da informação inconclusiva da J…, a folhas 163/164, de acordo com a arguida B… é o do telemóvel utilizado habitualmente pela arguida C….
Os depoimentos das testemunhas F… e G… são consistentes e harmónicos, se confrontados entre si, tendo em conta o sentido geral de cada um deles e o modo como deles flui o relato dos factos ocorridos.
E ponderando as regras da experiência comum e os elementos probatórios acabados de referir, em especial o facto de a arguida C… ser a pessoa que procedeu à publicação do anúncio no D…, que, como se vê dos factos provados, mais não foi que um ardil para cativar potenciais candidatos a um emprego que nunca existiu, não restam dúvidas do nosso modo de ver quanto à autoria destes factos e que foi a arguida C… que os cometeu, quer no que toca ao seu planeamento quer no que diz respeito à sua execução.
Também não restam dúvidas que a arguida B… não praticou a totalidade dos factos que lhe eram imputados, mas apenas aqueles que resultaram provados.
Por fim, a prova relativa aos elementos subjetivos do tipo, constantes dos pontos 4, 8 a 12, baseou-se na forma como os factos objetivamente ocorreram, o que permitiu inferir a verificação dos primeiros.
Quanto às condições pessoais, sociais e familiares das arguidas:
Atendeu-se ao documento de folhas 284, relativo aos antecedentes criminais da arguida C….
Quanto à arguida B…, embora se apurassem factos atinentes às suas condições pessoais, com base no certificado de registo criminal e nas próprias declarações, não se incluíram aqui porque tal é inútil quando, como é o caso, não existem elementos suficientes para a condenar por qualquer crime.
Relativamente aos factos não provados, assim resultaram por inexistência de prova bastante acerca da sua verificação, pois não foram comprovados por ninguém (pontos 1 a 4 e 7 a 9 dos factos não provados) e, por outro, por serem contraditórios com a versão dos acontecimentos que resultou provada (pontos 5, 6 e 10 da matéria de facto não provada).

2.2 Matéria de direito
O objecto do presente recurso incide sobre matéria de direito e, de acordo com a respectiva motivação, centra-se na questão de saber se ocorreu a nulidade processual invocada pela recorrente, decorrente do facto de o julgamento ter sido feito sem a presença da arguida, fora das circunstâncias legalmente permitidas (art. 333º do CPP). Em suma, importa saber se foi (ou não) cometida a nulidade insanável, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, sendo certo que, como decorre do n.º 3 do art. 410º do CPP, o recurso pode ter como fundamento “a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

Para o julgamento da invocada nulidade, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:
a) Em 23 de Março de 2011, a arguida C… prestou termo de identidade e residência a fls. 105 dos autos, tendo indicado como domicilio a Rua …, n.º .., S. Mamede de Infesta;

b) A fls. 176 e 177, no seguimento de um ofício dirigido à autoridade policial competente, solicitando informação sobre a situação económica da arguida, esta juntou uma declaração dirigida à GNR, indicando que poderia ser encontrada na …, . esquerdo, ….-… Santo Tirso.

c) Solicitada novamente informação, com referência à morada indicada, a GNR informou não ser possível tal informação, dado que a arguida não foi encontrada na referida residência, tendo informado o Posto do GNR que residia na Rua …, …º, .º, Esq. Em Santo Tirso – fls. 182

d) A morada referida pela arguida (…, …º, .º esquerdo – Santo tirso) é um escritório de advogados (K…) – cfr. fls. 184.

e) Foi deduzida a acusação, indicando-se a morada da arguida C… constante do termo de identidade e residência de fls. 103, isto é, Rua …, nº. .., S. Mamede de Infesta, Matosinhos – cfr fls. 211 e seguintes.

e) Foi designado dia para julgamento, tendo a notificação da arguida C… sido remetida para a sua morada constante do TIR: Rua …, n.º .., S. Mamede de Infesta – fls. 269.

f) A carta com tal notificação foi devolvida – fls. 297.

g) No dia do julgamento (05/12/2012), verificando-se que a arguida C… não se encontrava presente, foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Tendo em conta a posição do MP, e uma vez que a falta da arguida não é motivo de adiamento da presente audiência, tendo em conta que a mesma prestou TIR, do qual consta que, caso a arguida não se encontre presente, nos termos do art. 333º do CPP será representada pelo Ilustre Defensora Oficiosa, e não se reputando a sua presença de indispensável à descoberta da verdade, tal audiência será iniciada de imediato; o Tribunal a final se pronunciará quanto à necessidade da presença da arguida em audiência de julgamento.
Desde já se condena o arguido em 2 UCs de multa, pela sua falta injustificada” – cfr. Acta de fls. 332.

h) Finda a sessão de julgamento desse dia (5.12.2012), o MP promoveu “a continuação da audiência para inquirição da arguida C…, com emissão de mandados de detenção, a fim de assegurar a sua presença em julgamento, na data a designar” – cfr. Acta de fls. 335.

i) No seguimento de tal promoção, foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
Atenta a posição da Digna Magistrada do MP, e a proximidade da segunda data designada, desde já se designa o próximo dia 21 de Dezembro de 2012, pelas 9,30 horas, para inquirição da arguida C…, com a emissão de mandados de detenção, nos termos do art. 116º, n.º 2 do CPP, a fim de assegurar a sua comparência na data designada.
Notifique” – fls. 336.

j) No dia designado para a continuação da audiência de julgamento (21.12.2012) a arguida C… não se encontrava presente, tendo-se feito constar o seguinte:
“Iniciada a audiência à hora designada para o efeito, todos os presentes foram notificados do teor da certidão negativa junta aos autos a fls. 344, tendo dito nada terem a requerer” – fls. 348.

k) Foram de seguida proferidas alegações orais (pelo MP e defensoras das arguidas) findas as quais foi designado o dia 14.01.2013 para a leitura da sentença.

l) A sentença foi proferida e depositada em 14-01-2013.

Tendo em conta as ocorrências processuais acima descritas, importa averiguar se o julgamento realizado sem a presença da arguida C… (ora recorrente) incorreu na nulidade insanável prevista no art. 119º, c) do CPP, consistente na “ausência do arguido ou do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.

Antes de mais, importa referir que apenas esta nulidade (insanável) pode ser averiguada no recurso, nos termos do n.º 3 do art. 410º do CPP. A nulidade (também arguida pela recorrente) traduzida na omissão de diligências relevantes para a descoberta da verdade, dado tratar-se nulidade relativa, ou mera irregularidade, está sanada.
Com efeito, nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2 do CPP, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quanto esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. De acordo com a respectiva classificação legal, as nulidades podem ser sanáveis ou insanáveis, estando estas também expressamente previstas na lei, quer no art. 119º, quer noutras disposições legais (v. g. artigos 330º, 1 e 321º, 1 do CPP).
As nulidades sanáveis, ou relativas, dependem de arguição e o seu regime aproxima-as das meras irregularidades. Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Volume II, pág. 87, “não existe grande diferença entre o regime das nulidades relativas (dependentes de arguição) e o das irregularidades. Num caso e noutro o vício necessita ser arguido pelos interessados dentro de certos prazos, sob pena de se considerar sanado e a declaração da nulidade ou da irregularidade produz igualmente a invalidade do acto em que se verificar o vício, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar (art. 122º, 1 e 123º, 1 do C. P. Penal) ”.

A omissão de diligências que devam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, posteriores ao inquérito ou à instrução, devem ser arguidas “antes que o acto esteja terminado” – cfr artigo 120º, n.º 2, al. d) e 3 do CPP.
Dado que não foi arguida qualquer nulidade deste tipo, durante o julgamento, a mesma (ainda que tivesse ocorrido) encontra-se sanada - art. 121º do CPP.

É verdade que o n.º 2 do art. 123º do CPP permite a reparação oficiosa de qualquer irregularidade “no momento em que da mesma se tomar conhecimento”, mas tal preceito deve ser interpretado no sentido de que só é possível a reparação oficiosa de irregularidades ainda não sanadas. De outro modo, transformar-se-iam as meras irregularidades em nulidades insanáveis (conhecíveis oficiosamente e a todo o tempo), contrariando frontalmente o disposto no artigo 119º, 1 do CPP, segundo o qual as nulidades insanáveis são apenas as cominadas na lei como tal (princípio da legalidade).

Nestes termos, impõe-se tão só apreciar se efectivamente ocorreu a nulidade insanável expressamente prevista e assim cominada no art. 119º, al. c) do CPP.
De acordo com o referido art. 119º, al. c) do CPP, constitui nulidade insanável “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva presença”.
E, nos termos do art. 332º, 1 do CPP, a regra geral é a de que “é obrigatória a presença do arguido na audiência.”
No entanto, o próprio artigo 332º, 1 do CPP (impondo a presença do arguido na audiência) ressalva expressamente o disposto nos artigos 333º, 1 e 2 e 334º, 1 e 2 do CPP. Daí que se imponha averiguar se, no presente caso, estamos (ou não) perante uma das situações expressamente previstas nos arts. 333º 1 e 2 ou 334º 1 e 2 do CPP, ou seja, situações em que é permitido o julgamento na ausência do arguido.

O artigo 334º, n.ºs 1 e 2 do CPP regula o julgamento na ausência do arguido, em casos especiais e de notificação edital que não têm conexão com o presente caso.
O artigo 333º, n.ºs 1 e 2 do CPP, por seu turno, permite o julgamento na ausência do arguido regularmente notificado, se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a sua presença.

Tendo presentes as ocorrências processuais acima descritas, verifica-se que o Tribunal podia, nos termos do citado art. 333º, 1 e 2 do CPP, proceder ao julgamento na ausência da arguida, na medida em que esta foi notificada para a morada constante do TIR e o Tribunal considerou que a audiência podia começar sem a presença da arguida.

Com efeito, segundo o disposto no art. 196º, n.º 3, al. c) do CPP, deve constar do Termo de Identidade e Residência (além do mais) que foi dado conhecimento ao arguido “de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento”.

Ora, a arguida/recorrente não fez tal requerimento (entregue ou remetido via postal à secretaria do Tribunal “a quo”) comunicando outra morada que não a do TIR. Pelo contrário, numa informação dirigida à GNR, indicou uma morada como sendo a sua e que veio a verificar-se ser a de um escritório de advogados (cfr. fls. 184 dos autos). A alegação da arguida, de que indicou uma outra morada para ser notificada, tal como exigia o n.º 3 do art. 196º do CPP, não tem assim qualquer razão de ser.

Deste modo, verifica-se que a notificação (da audiência de julgamento) feita para a morada indicada pela arguida, constante do TIR, não pode deixar de se considerar uma notificação regular, pelo que, e usando a linguagem do art. 333º, 1 do CPP, a arguida foi “regularmente notificada”para a audiência.

Por outro lado, aberta a audiência foi proferido despacho no sentido de a mesma poder começar sem a presença da arguida, tendo em conta a posição do MP, não ser a falta da arguida motivo de adiamento da audiência, ter a mesma prestado TIR (com informação das obrigações a que ficava sujeita e consequências do respectivo incumprimento) e não se reputar a sua presença indispensável à descoberta da verdade – cfr. Acta de fls. 332.
Foi designado novo dia para a audiência a fim de a arguida prestar declarações, tendo sido feitas todas as diligências possíveis (incluindo a emissão de mandados de detenção e condução ao tribunal) para assegurar a sua presença em julgamento, o que não aconteceu. Verificando-se que a arguida não se encontrava presente, fez-se constar tal facto da acta, nada tendo sido requerido (nomeadamente pela sua defensora) - cfr Acta de fls. 348 : “Iniciada a audiência à hora designada para o efeito, todos os presentes foram notificados do teor da certidão negativa junta aos autos a fls. 344, tendo dito nada terem a requerer”.

Verifica-se assim que foram cumpridas todas as formalidades legais que permitem a realização do julgamento na ausência do arguido, nos termos previstos no artigo 333º do CPP, não tendo sido cometida a nulidade insanável prevista no art. 119º, c) do CPP, pelo que se impõe negar provimento ao recurso.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela arguida, fixando a taxa de justiça em 4 UC.

Porto, 13/11/2013
Élia São Pedro
Donas Botto

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