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quarta-feira, 6 de março de 2013

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça



Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3327/10.0TBSTS-D.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
FUNDAMENTOS
FACTO CONSTITUTIVO
FACTO IMPEDITIVO
ÓNUS DA PROVA
CONTAGEM DOS JUROS

Data do Acordão: 14-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / PROVAS.
DIREITO DE INSOLVÊNCIA - PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - MASSA INSOLVENTE E INTERVENIENTES NO PROCESSO - LIQUIDAÇÃO - EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, 2005, 168.
- Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 25, 138/140.
- Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª edição, 1970, 236 e ss..
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Reimpressão, Quid Juris, 2009, 72, 784.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 130.
- Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 5ª edição, 2009, Almedina, 241.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, I, 2011, 76 e 77; Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 356 e 357.
- Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo 1º, 1946, 196.
- Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 42 e 46.
Legislação Nacional:
CIRE: - ARTIGOS 2.º, 5.º, 14.º, N.º1, 18.º, N.ºS1 E 2, 27.º, Nº 1, A) E B), 48.º, N.º1, AL. B), 162.º, 236.º, N.ºS1 E 3, 237.º, 238.º, N.ºS 1 E 2, 243.º, 244.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, N.º2, 342.º, N.º2.
CÓDIGO COMERCIAL (C.COM.): - ARTIGO 13.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, Nº 2, 661.º, 664.º, 684.º, Nº 3, 685.º-A, 726.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6-7-2011, Pº Nº 7295/08.OTBBRG.G1.S1; STJ, DE 21-10-2010, Pº Nº 3850/09.9TBVLG.-D.P1.S1, WWW.DGSI.PT ;
-DE 24-1-2012, Pº Nº 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, WWW.DGSI.PT .

Sumário :
I - Não ocorrendo qualquer uma das circunstâncias aludidas na al. d), do n.º 1, do art. 238.º, do CIRE, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido de exoneração do passivo restante ser, liminarmente, admitido.
II - O despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração.

III - Os fundamentos que constam das várias alíneas do art. 238.º, n.º 1, do CIRE, com excepção do disposto na al. a), não assumem uma feição, estritamente, processual, mas antes têm natureza substantiva, referindo-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão do benefício da exoneração do passivo restante, o que não significa a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto tem que ser produzida prova desses factos, e a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui apenas requisito de admissibilidade da exoneração.

IV - E, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, são susceptíveis de obstar a que o mesmo se tenha constituído, validamente, competindo, por isso, aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração.

V - Cabe ainda aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o art. 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE, que se não presume, não decorrendo, sem mais, da apresentação tardia pelo insolvente do pedido de exoneração do passivo restante, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora.


Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:



AA, em 23 de Julho de 2010, requereu a declaração da sua de insolvência e, bem assim como, a exoneração do passivo restante, alegando preencher todos os requisitos, legalmente, exigidos, e obrigando-se a observar as condições decorrentes dos artigos 237º e seguintes, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Por decisão de 28 de Maio de 2010, foi declarada a insolvência do ora requerente.

O administrador da insolvência emitiu parecer, no sentido do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

O Tribunal de 1ª instância indeferiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento no disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, porquanto o ora requerente não se apresentou à insolvência, nos seis meses subsequentes ao conhecimento da sua situação, com prejuízo para os seus credores.

Desta decisão, o ora requerente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, determinando o prosseguimento do incidente para apreciação dos pressupostos da concessão efectiva da requerida exoneração do passivo restante, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.

Do acórdão da Relação do Porto, o credor “Banco BB, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (i), revogando-se o mesmo e, bem assim como, determinando-se que não seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante (ii), formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:

1ª – O presente recurso foi interposto do douto acórdão proferido pelos M°s Juízes Desembargadores, a fls. do processo, que deferiu o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo recorrido por considerar que não existe motivo para indeferimento liminar do mesmo.

2ª - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.

3ª - O recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

4ª - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de que ora se recorre, julgou o recurso de apelação procedente, revogando a decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial de Santo Tirso.

5ª - Pelo que, não fosse a última parte da redacção do artigo 14° do CIRE, o recorrente estaria impossibilitado de sindicar o acórdão recorrido.

6ª - No entanto, previu o legislador, que se for demonstrado que "o Acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não haja sido proferido Acórdão de uniformização de Jurisprudência" é admitido recurso de revista excepcional (cfr. art. 14° e 17º do CIRE e 721°-A, n°1, al. c) do CPC).

7ª - A contradição de julgados manifesta-se, no caso concreto, entre o acórdão recorrido e quatro outros Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto de, respectivamente, 03 de Fevereiro de 2012, 3a Secção, processo n.°3326/10.1 TBSTS-D.P1; ii) 18 de Janeiro de 2012, 2a Secção, processo n.°3323/10.7 TBSTS-E.P1; iii) 23 de Maio de 2012, 2a Secção, processo n.° 3325/10.3 TBSTS-F.P1 e iv) 10 de Outubro de 2012, 2a Secção, processo n.° 3324/10.5 TBSTS-1.P1.

8ª - Os citados Acórdãos estão em contradição com o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto sobre a questão de saber se estão preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

9ª - Mais, os Doutos Acórdãos foram proferidos no âmbito dos processos de insolvência dos irmãos do aqui recorrido/insolvente que i) são responsáveis pelas mesmas dívidas junto do B BB, SA e dos demais credores e ii) revelam a semelhante e dolosa forma de actuação do "clã CC".

10ª - No cumprimento da formalidade exigida no artigo 721°- A, n.°1, al. c) do C.P.C., junta-se cópia dos acórdãos referidos.

11ª - A nulidade prevista na 1a parte da al. d) do n.°1 do artigo 668° do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n° 2 do art. 660° do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação...".

12ª - Acontece que, o Acórdão recorrido apenas apreciou a questão de saber se estão ou não verificadas as situações enunciadas no artigo 238° n.°1 al. d) do CIRE, não se pronunciando sobre os factos carreados para os autos e que integram a previsão da alínea e).

13ª - Ou seja, existe omissão de pronúncia do Juiz Desembargador, uma vez que, o Acórdão Recorrido por si redigido deixou de se manifestar sobre uma questão temática central que lhe foi colocada, como é o caso de constarem do processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.

14ª - O Juiz relator do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto deveria ter emitido um parecer sobre a existência de negócios dolosos celebrados pelo Recorrido, que contribuíram sobremaneira para a sua situação de insolvência e, consequentemente, obstam à concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

15ª - Pelo que, suprimindo tal juízo, verificou-se, assim, uma nítida omissão do dever de pronúncia.

16ª - A consequência é a nulidade do Acórdão, nos termos do art. 668 n.°1 al. d) e art. 716° n.°1 ambos do CPC.

17ª - Nulidade que desde já se invoca.

18ª - O Recorrido nunca poderá ver o seu pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente deferido por violação do disposto nas alíneas d) e e) do n.°1 do artigo 238.°, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE).

19ª - O montante dos créditos reclamados ascende a Eur. 28.781.171,08 (vinte e oito milhões setecentos e oitenta e um mil cento e setenta e um euros e oito cêntimos).

20ª - O referido valor resulta, na sua maioria, de diversas operações financeiras avalizadas pessoalmente pelo Recorrido enquanto sócio e/ou gerente das sociedades "DD, LDA.", "EE, LDA.,", "FF. S.A.,", "GG, LDA.", "HH, SA." e "II, SA.".

21ª - Aliás, quatro das referidas sociedades foram declaradas Recorridos nos seguintes processos judiciais: DD, LDA - Recorrido nos autos n.° 2252/10.9TBSTS do 2o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso; EE, LDA. - Recorrido nos autos n.° 1160/10.8TJVNF do 4°Juízo Cível do Tribunal de Judicial de Vila Nova de Famalicão; GG, LDA - Recorrido nos autos n.º 772/10.4 do 2°Juízo Cível do Tribunal Judicial de Alcobaça; II, SA. - Recorrido nos autos n.° 3913/10.8TJVNF do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.

22ª - De facto, nos termos dos n°s2 (a contrario) e 3 do artigo 18° do CIRE, sendo o devedor titular de uma empresa, mantém-se, quanto a este, o dever de apresentação à insolvência, no prazo de 60 dias após o conhecimento da situação de insolvência.

23ª - Com efeito, o devedor, enquanto sócio gerente das referidas empresas, estava obrigado a apresentar-se à insolvência, no prazo de 60 dias, face à citada disposição legal.

24ª - Enquanto sócio, gerente, avalista e, de um modo geral, garante das obrigações financeiras das citadas empresas, o devedor tinha plena consciência de que, também ele, se encontrava em situação de insolvência, pois bem sabia que o seu património sempre seria solidariamente responsabilizado por todas as operações financeiras que o próprio avalizou e que, no que ao aqui Requerente dizem respeito, ascendem a Eur.18.449.993,82 (dezoito milhões quatrocentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) cujo vencimento data de Dezembro de 2009.

25ª - Uma vez que, os montantes reclamados se encontram vencidos e que o Recorrido responde por esses valores pessoal e solidariamente, este não poderia ignorar que se encontrava em indubitável situação de insolvência, até porque os seus principais rendimentos provinham da actividade exercida nas mencionadas sociedades.

26ª - Ao assumir pessoal e solidariamente as referidas operações, o devedor deveria, de acordo com a ponderação de um homem médio, ter tomado conhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos.

27ª - O Recorrido, face ao colossal passivo de que era (e é) devedor, não podia, pois, ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhe permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.

28ª - Ao falar em perspectiva séria o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do Recorrido, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.

29ª - Atente-se que, ao avalizar diversas operações de crédito, o Recorrido assumiu-se como devedor principal e solidário das responsabilidades das sociedades que administrava, não gozando, por isso, de qualquer benefício de excussão prévia do património das mesmas.

30ª - Nem tão pouco procede a ideia de que a condição financeira do Devedor, enquanto pessoa singular, nada tinha que ver com a das pessoas colectivas que geria, pois a sua situação económica estava ligada umbilicalmente à das citadas empresas, que enquanto gerente tinha a obrigação de conhecer.

31ª - Pelo que, conhecendo a sua situação de garante e as dificuldades sentidas pelas empresas que administrava não podia deixar de supor que lhe caberia honrar os compromissos assumidos.

32ª - É, pois, inequívoco que, por um lado, se vislumbra uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações por parte do Recorrido que o mesmo não podia ignorar, por outro, não existe qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

33ª - Por outro lado, é inquestionável que esta omissão causou prejuízo aos seus credores, que viram os seus créditos aumentar - designadamente através da contínua contagem de juros moratórios das obrigações vencidas e incumpridas - e cuja recuperação se vai tornado cada vez mais difícil.

34ª - De facto, a não apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores.

35ª - O Recorrido não se apresentando à insolvência, no prazo legal estabelecido, violou os requisitos impostos por Lei para que possa beneficiar da exoneração do passivo restante.

36ª - Nos termos do Aviso n°3/95 do Banco de Portugal, é obrigatória a constituição de provisões para o crédito vencido, sendo criadas, para o efeito, classes de risco que, consoante a amplitude do mesmo, implicam um maior ou menor provisionamento.

37ª - As classes de risco são estruturadas em função do período decorrido após o respectivo vencimento, obrigando ao provisionamento de uma maior percentagem do crédito vencido, quanto maior for o tempo decorrido após o vencimento.

38ª - Em resultado do regime de provisionamento previsto no Aviso 3/95, quanto mais tempo decorrer entre a interrupção dos pagamentos por parte de um mutuário e a regularização da dívida (por pagamento ou execução das garantias), maior será o volume de provisões que a Instituição de Crédito (IC) será obrigada a reconhecer nas suas demonstrações financeiras. Ou seja, qualquer atraso provocado pelo devedor no processo de regularização da dívida irá aumentar a antiguidade da mesma e, em consequência, incrementar as provisões/prejuízos da IC (para além dos juros sobre a dívida).

39ª - A não apresentação à insolvência no momento em que o Recorrido teve conhecimento da impossibilidade de fazer face aos compromissos financeiros assumidos consubstanciou-se num inequívoco prejuízo para os credores, com o aumento da percentagem relativamente ao crédito vencido que teve de provisionar.

40ª - Para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante, e no que se reporta ao "ónus probandi", a decisão singular do Tribunal da Relação do Porto de 6/09/2010, proc. 560/09.0TJPRT-A.P1, proferida pelo Juiz Relator Rui António Correia Moura, refere o seguinte: "É ao devedor-requerente que cabe alegar e provar o conjunto de declarações, circunstâncias e factos constitutivos do direito alegado - artigo 342.°, n.° 1 do C. Civil. (...) Os credores não ficam obrigados a provar a versão dos factos trazida eventualmente à oposição.

41ª - É ao devedor-requerente que compete alegar a inexistência de prejuízo causado aos credores pelo atraso na sua apresentação à insolvência, (...). Não é aos credores que cabe alegar e provar que de facto tiveram prejuízo com a eventual apresentação tardia do devedor à insolvência.

42ª - Também não poderia ser deferido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Recorridos por flagrante violação do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 238.° do CIRE.

43ª - Nos termos da alínea e), do n° 1, do artigo 238.° do CIRE, o pedido de exoneração do passivo restante é liminarmente indeferido se: "constarem já do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º ".

44ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 6 de Abril de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o Recorrente/Recorrido AA vendeu a KK, pelo preço declarado de Eur.70.041,63, a fracção designada pela letra "B", correspondente a uma habitação, no prédio urbano sito no Lugar ..., da freguesia de ..., concelho da ..., descrito na C. R. Predial da ... sob o n° …, e inscrita na matriz sob o artigo ….

45ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 25 de Junho de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o referido KK, vendeu pelo preço declarado de Eur. 70.041,63, a referida fracção "B", à sociedade "LL, S.A.", com sede na Rua do ..., n° …, Lugar de ..., na ..., cujo actual Administrador Único é MM, o qual é sobrinho de NN, "ex-mulher" do Recorrido OO, pois é filho da irmã dela.

46ª - A sede desta sociedade é na residência de OO, irmão do aqui Recorrente e que, também, foi declarado Insolvente.

47ª - Tal como se alcança do parecer emitido pela Sra. Administradora de Insolvência junto aos autos, não obstante as referidas vendas, o Recorrido jamais deixou de habitar e de usufruir da referida fracção, actualmente, com um contrato de arrendamento, onde se incluem os bens móveis que sempre foram seus!

48ª - Assim sendo, é óbvio que estamos perante uma actuação dolosa, em claro prejuízo dos credores, para além de reveladora de má fé e consubstanciar actos resolúveis em benefício da Massa Recorrida, nos termos do CIRE, é patente que agravou a situação de insolvência, e que se enquadra no disposto no artigo 186° do CIRE.

49ª - Por escritura celebrada no dia 4 de Maio de 2010, no Cartório Notarial do Licenciado PP, na ..., o Recorrido AA, bem como os Insolventes/Irmãos OO, QQ, RR e SS cederam, pelo preço de Eur.5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças liquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais TT e UU.

50ª - Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos na freguesia de ..., inscritos na matriz sob os artigos …. e …, respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo …, da referida freguesia.

51ª - Consequentemente, torna-se evidente e de fácil demonstração que a actuação do devedor consubstanciou um agravamento da sua situação de insolvência, com manifesto prejuízo para todos os credores.

52ª - Os bens alienados representam a totalidade do acervo patrimonial do devedor, traduzindo-se num esvaziamento integral do seu património.

53ª - Porque os elementos factuais supra referidos indiciam a existência de culpa do devedor no agravamento da situação de insolvência, deve - também por este motivo - ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante (neste sentido vide parecer da Sr.a Administradora de Insolvência).

54ª - A disposição de bens em proveito próprio ou de terceiros materializa uma conduta do devedor pautada pela má-fé e, nos termos das alíneas a) e d) do n.°2 do artigo 186°, por remissão da alínea e) do n°1 do artigo 238°, ambos do CIRE, culposa, que obsta ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

55ª - Todos os referidos negócios que, repete-se, foram devidamente provados, enquadram-se na alínea d) do n.°2 do artigo 186° do CIRE, uma vez que foram actos de disposição de bens em proveito de terceiros, neste caso especialmente relacionados com o Recorrido.

56ª - Assim, manda o n.° 4 do supracitado artigo que se apliquem também à actuação das pessoas singulares Recorridos os n°s 2 e 3.

57ª - Em síntese, o Recorrido não cumpriu o i) dever legal de se apresentar à Insolvência, no prazo legalmente consignado, ii) com prejuízo para os seus credores, iii) sabendo não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua condição económica e iv) não se coibiu da prática de actos que indiciam com toda a probabilidade a existência de culpa no agravamento da sua situação de insolvência, pelo que deve ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.

58ª - Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante do Insolvente, ora Recorrido.

59ª - Desta forma, o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que indefira liminarmente a concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao Insolvente.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. O devedor apresentou-se à insolvência, em 23 de Julho de 2010, tendo, desde logo, requerido a exoneração do passivo restante.

2. O crédito reclamado pelo “Banco BB, SA”, ascende a €28.449.993,82.

3. O citado crédito decorre de avais prestados pelo insolvente, a favor das sociedades “DD, Lda.”, “EE, Lda.”, “HH, SA”, “FF, SA”, e “GG Lda.”, das quais o insolvente era sócio-gerente.

4. O passivo do insolvente ascende a €28.781,171,08.

5. O incumprimento ao “B BB, SA”, data de Dezembro de 2009.

6. Por escritura de compra e venda, outorgada em 6 de Abril de 2010, o insolvente vendeu a KK, pelo preço declarado de €70.041,63, a fracção designada pela letra B, correspondente a uma habitação, no prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº …, e inscrito na matriz, sob o artigo ….

7. Por escritura de compra e venda, outorgada em 25 de Junho de 2010, KK vendeu, pelo preço declarado de €70.041,63, a dita fracção, à sociedade “LL, S.A.”, com sede na Rua ..., nº …, Lugar de ..., ..., cujo actual e único administrador, MM, é sobrinho de NN, ex-mulher de VV, irmão do insolvente.

8. Por escritura celebrada, no dia 4 de Maio de 2010, o insolvente AA, bem como os seus irmãos, também eles, insolventes, OO, QQ, RR e SS, cederam, pelo preço de €5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças abertas por óbito de seus pais.

9. Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos, na freguesia de ..., inscritos na matriz, sob os artigos ... e ..., respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz, sob o artigo ..., da referida freguesia.

10. O insolvente alienou ainda os veículos, de matrícula -CL-, marca Mercedes, e …-XC, marca Citroen.

11. Do certificado do registo criminal do insolvente nada consta.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

Com efeito, quando o recurso de revista apenas for recebido, em virtude da excepção consagrada pelo artigo 14º, nº 1, do CIRE, como acontece, no caso em apreço, o seu objecto restringe-se à apreciação da matéria que justificou a sua admissão, sendo, por conseguinte, vedado o conhecimento de questões estranhas a esse «thema decidendum», não obstante no corpo alegatório e nas respectivas conclusões da revista, as mesmas virem a ser levantadas.

Assim sendo, a única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que a respectiva matéria a decidir é a estabelecida pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber a quem incumbe o ónus da prova, no âmbito do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

DO ÓNUS DA PROVA EM MATÉRIA DE INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO DE EXONERAÇÃ DO PASSIVO RESTANTE

I. 1. O acórdão recorrido admitiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, determinando o prosseguimento do respectivo incidente para apreciação dos pressupostos da sua concessão efectiva, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.

Preceitua o artigo 236º, nº 1, do CIRE, que “o pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio”, prosseguindo o respectivo nº 3, ao afirmar que o devedor, pessoa singular, tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos”, para que o pedido não seja indeferido, liminarmente.

Por seu turno, estatui o artigo 238º, do CIRE, no seu nº 1, que “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora de prazo;
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227º a 229º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência”.

Com excepção do disposto na alínea a), os restantes fundamentos que constam das demais alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão da exoneração.

Estas alíneas definem, embora pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende a exoneração, podendo reconduzir-se a comportamentos do devedor que contribuíram ou, de algum modo, agravaram a situação de insolvência [b), d) e e)], a situações ligadas ao passado do insolvente que, no critério do legislador, justificam a não atribuição do benefício da exoneração do passivo restante [c) e f)] ou a condutas adoptadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência [g)][2].

Mas, se é compreensível que nestes casos não seja concedido ao devedor o benefício da exoneração do passivo restante, já não se entenderia a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto é manifesto que terá de ser produzida prova desses factos, conforme resulta do estipulado pelo artigo 238º, nº 2, do CIRE[3], sendo certo que a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui requisito de admissibilidade da exoneração.

O Juiz averigua, então, se existe algum facto impeditivo da procedência do pedido da exoneração do passivo restante, designadamente, se o devedor contribuiu para que a declaração de insolvência tivesse ocorrido em momento posterior aquele em que deveria ter sucedido.

E, mesmo fundando a sua decisão na verificação de qualquer uma dessas causas de indeferimento, o Juiz deve sustentar-se em factos demonstrados.

A verificação do estipulado pela alínea d), isto é, se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”, afasta a concessão do benefício da exoneração, determinando o indeferimento liminar do pedido, ou seja, quando o devedor-requerente omita ou abstenha de se apresentar à insolvência, nos seis meses seguintes à verificação desta situação, que desse atraso resulte prejuízo para os credores e que o requerente soubesse, ou não pudesse ignorar, sem culpa grave, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Mas, não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido ser, liminarmente, admitido.

I. 2. Dispõe o artigo 18º, nº 1, do CIRE, na redacção anterior à estabelecida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, aplicável, que “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la”, com excepção, segundo o estabelecido no seu nº 2, das “…pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência”.

Os actuais sujeitos passivos da declaração de insolvência, atento o disposto pelo artigo 2º, do CIRE, são as pessoas singulares, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos, sendo certo que a empresa só é por tal abrangida se tiver personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, pois que, caso contrário, é o seu titular que será declarado insolvente[4].

Por seu turno, o artigo 5º, do CIRE, estatui que, “para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer actividade económica”.

Prevalece, assim, a concepção de empresa como organização, próxima do sentido subjectivo do termo, ou seja, a empresa é o próprio empresário ou o comerciante, mas com algo de objectivo, como decorre do preceituado pelos artigos 18º, nº 2 e 162º, do CIRE[5].

Por outro lado, nos termos do preceituado pelo artigo 13º, do Código Comercial, a lei só reconhece duas espécies de comerciantes, ou seja, os comerciantes em nome individual e as sociedades comerciais[6], não sendo, assim, os sócios comerciantes, uma vez que a sociedade representa uma individualidade jurídica, distinta e autónoma, da sociedade, sendo os actos de comércio praticados pelos sócios, enquanto sócios, actos da pessoa jurídica sociedade e não daqueles, em nome próprio[7].

Deste modo, podendo ser titulares de empresas comerciais as sociedades e os comerciantes individuais, e sendo certo que, na linguagem jurídica, os comerciantes têm vindo, gradualmente, a ser equiparados a empresários e as suas organizações produtivas, uniformemente, designadas como empresas[8], resta concluir que o requerente da insolvênci, “na qualidade de ????representantes e sócios/accionistas de várias sociedades comerciais”, como ficou demonstrado, não são «titulares de uma empresa», nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 18º, nº 2, do CIRE.

I. 3. Não sendo o requerido «titular de uma empresa», como já se disse, a omissão de apresentação à insolvência, durante seis meses, com prejuízo para os credores, desde que conhecido ou que não pudesse ser ignorado, sem culpa grave, pelo devedor, determina, igualmente, a exclusão da faculdade deste requerer a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), parte final, do CIRE.

Por outro lado, a existência do elemento «prejuízo» para os credores, não decorre, automaticamente, como resulta, de forma manifesta, do teor literal da citada alínea d), até porque se trata de pressupostos independentes[9], da tardia apresentação do pedido de insolvência, sendo certo, outrossim, que a verificação de prejuízos insignificantes, não sensíveis, não é fundamento suficiente para a recusa liminar do pedido.

O prejuízo, a que se refere o artigo 238º, nº1, d) do CIRE, deve ser irreversível e grave, como acontece com aquele que resulta da contracção de dívidas, estando já o devedor em estado de insolvência, da ocultação do seu património ou de actos de dissipação dolosa, constituindo um patente agravamento da situação dos credores, de modo a onerá-los pela atitude culposa do devedor insolvente, evidenciando que este não merece o benefício da segunda oportunidade («fresh start»), pressuposta pela nova concepção ideológica do CIRE.

Contudo, tal não significa que o insolvente deva, sem mais, arcar com as consequências da lei, ficando privado do benefício da exoneração, pela simples consideração do facto objectivo, em si mesmo, atendendo à supramencionada finalidade do instituto, onde prevalece um juízo de equidade e de proporcionalidade que a lei justa deve contemplar[10].

Ao invés, o atraso na apresentação à insolvência, para além do prazo legal subsequente à sua verificação, constitui o devedor em mora, com a obrigação de pagamento de juros, sendo certo que, para que se possa considerar haver prejuízo para os credores, urge que o mesmo seja, concretamente, apurado, em cada caso, com afastamento terminante de qualquer tipo de presunção de prejuízo, que carece sempre de demonstração efectiva.

Porém, ao contrário do que acontecia com o regime estabelecido no artigo 151º, nº 2, 1ª parte, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estatuía a cessação da contagem dos juros, “na data da sentença da declaração de falência”, os juros passaram agora a ser considerados créditos subordinados, nos termos do preceituado pelo artigo 48º, nº 1, b), do CIRE, o que significa que, actualmente, os créditos continuam a vencer juros, após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta nunca ocasionaria, a este respeito, qualquer prejuízo para os credores, que, consequentemente, continuam a ter direito aos juros, com a inerente irrelevância do retardamento da apresentação à insolvência no avolumar da divida.

I. 4. A aplicação da norma que contém este apontado fundamento do indeferimento liminar, a que alude a alínea d), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, impõe a existência de um nexo de causalidade entre a não apresentação atempada à insolvência e o prejuízo daí adveniente para os credores, por um lado, e o conhecimento ou desconhecimento, com culpa grave, por parte do devedor, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, por outro[11].

Está aqui em causa, apenas, a questão de saber se a não apresentação do devedor à insolvência se pode justificar por ele estar, razoavelmente, convicto de que a sua situação económica pode melhorar, em termos de se não tornar necessária a declaração de insolvência.

O que, verdadeiramente, releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência do obrigado em continuar a cumprir a generalidade dos seus compromissos[12].

E o despacho que, nos termos do preceituado pelo artigo 238º, nº 1, admita, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração, atento o disposto pelos artigos 243º e 244º, todos do CIRE.

Claro está que o Juiz goza sempre da faculdade de indeferir, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, quando o mesmo seja, manifestamente, improcedente ou quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer, oficiosamente, ou de conceder ao requerente, sob pena de indeferimento, prazo para corrigir os vícios sanáveis do pedido, designadamente quando este careça de requisitos legais ou não venha acompanhado dos documentos que hajam de instrui-lo, nos casos em que tal falta não seja, devidamente, justificada, face ao disposto no artigo 27º, nº 1, a) e b), do CIRE, aplicável, analogicamente, por procederem, na hipótese em apreço, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, de acordo com o preceituado pelo artigo 10º, nº 2, do Código Civil.

I. 5. Diz o acórdão recorrido, neste particular, que não é ao devedor que compete fazer a prova dos requisitos mencionados no nº 1, do artigo 238º, do CIRE, mas antes aos credores e ao administrador da insolvência efectuar a sua demonstração.

Com efeito, as diversas alíneas do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, com excepção do disposto na alínea a), como já se disse, ao estabelecerem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar, não assumem uma feição, estritamente, processual, uma vez que contendem com a ponderação de requisitos substantivos, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, razão pela qual compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração, atento o preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil.

Tratando-se de factos que, de acordo com a norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes, se destinam a inviabilizar o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor-insolvente, são susceptíveis de obstar a que o direito deste se tenha constituído, validamente[13], cabendo, assim, aos credores ou ao administrador da insolvência demonstrar a sua existência, sendo certo, a este propósito, que “o devedor pessoa singular tem o direito potestativo a que o pedido seja admitido e submetido à assembleia de apreciação do relatório, momento em que os credores e administrador da insolvência se podem pronunciar sobre o requerimento, em conformidade com o preceituado pelo artigo 236º, nºs 1 e 4, do CIRE”[14].

Aliás, a hipótese legal de indeferimento liminar, consagrada pela alínea e), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, ou seja, “constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º”, significa já um afloramento deste entendimento[15].

Por tudo quanto já se disse, a apresentação tardia pelo insolvente-requerente do pedido de exoneração do passivo restante não constitui presunção de prejuízo para os credores, nos termos do disposto pelo artigo 238º, nº1, d), do CIRE, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora, competindo antes aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova de um efectivo prejuízo, que, seguramente, se não presume.

Como assim, compete aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus de prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, que se não presume.

Na verdade, nada se provou quanto à existência de prejuízo para os credores, não tendo sido invocado qualquer comportamento indiciador de que o atraso do devedor na apresentação à insolvência tenha acabado por prejudicar os credores, bem como nada revela que aquele sabia inexistirem perspectivas de melhoria da sua situação económica e que, com culpa grave, ainda assim, se haja abstido de concretizar essa apresentação.

Outras questões suscitadas nesta revista exorbitam do tema da decisão que constitui o seu objecto, atendendo ao fundamento exceptivo por que foi recebida, como já foi referido, sendo, em sede de apelação, que deveriam ter sido, terminantemente, esgotadas.

CONCLUSÕES:

I - Não ocorrendo qualquer uma das circunstâncias aludidas na alínea d), do nº 1, do artigo 238º, do CIRE, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido de exoneração do passivo restante ser, liminarmente, admitido.

II - O despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, apenas assegura o prosseguimento desta instância, sem constituir efeito de caso julgado quanto à consistência substancial do mérito da pretensão, que culminará com a prolação da decisão de cessação antecipada do procedimento ou do despacho final de exoneração.

III – Os fundamentos que constam das várias alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, com excepção do disposto na alínea a), não assumem uma feição, estritamente, processual, mas antes têm natureza substantiva, referindo-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão do benefício da exoneração do passivo restante, o que não significa a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto tem que ser produzida prova desses factos, e a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui apenas requisito de admissibilidade da exoneração.

IV – E, não se traduzindo em factos constitutivos do direito do devedor pedir a exoneração do passivo restante, mas antes em factos impeditivos desse direito, são susceptíveis de obstar a que o mesmo se tenha constituído, validamente, competindo, por isso, aos credores e ao administrador da insolvência a sua demonstração.

V – Cabe ainda aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus da prova do efectivo prejuízo, a que se reporta o artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, que se não presume, não decorrendo, sem mais, da apresentação tardia pelo insolvente do pedido de exoneração do passivo restante, pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora.


DECISÃO[16]:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do credor “Banco BB, SA”, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

*

Custas da revista, a cargo do credor “Banco BB, SA”.

*

Notifique.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013


Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

_______________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Reimpressão, Quid Juris, 2009, 784.
[3] Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 5ª edição, 2009, Almedina, 241.
[4] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 25.
[5] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, I, 2011, 76 e 77; Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 356 e 357.
[6] Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª edição, 1970, 236 e ss.
[7] Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo 1º, 1946, 196.
[8] Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e actualizada, 2007, 42 e 46.
[9] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 138 e 139.
[10] STJ, de 24-1-2012, Pº nº 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, www.dgsi.pt
[11] Catarina CC, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 140.
[12] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Quid Juris, reimpressão, 2009, 72.
[13] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revista e actualizada por Herculano Esteves, 1976, 130.
[14] Assunção Cristas, Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Themis, 2005, 168.
[15] STJ, de 6-7-2011, Pº nº 7295/08.OTBBRG.G1.S1; STJ, de 21-10-2010, Pº nº 3850/09.9TBVLG.-D.P1.S1, www.dgsi.pt
[16] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/af3ea32d43e934d980257b19003fab33?OpenDocument

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