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terça-feira, 20 de maio de 2014

PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO CREDITO TRIBUTÁRIO PLANO DE RECUPERAÇÃO INEFICÁCIA - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 08.05.2014


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7965/13.0T2SNT.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDITO TRIBUTÁRIO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
INEFICÁCIA

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 08-05-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDENCIA

Sumário: 1. Por força do disposto no nº3 do artigo 30º da LGT, introduzido pelo artigo 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos processos especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.
2. A homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no artigo 30º, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar, sem a necessária aprovação, designadamente a concessão do pagamento a prestações do crédito do Estado e um perdão parcial de juros, é ineficaz relativamente a este credor, não produzindo quanto a ele quaisquer efeitos.
Decisão Texto Parcial: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO


A com sede na Rua …., veio instaurar processo especial de revitalização, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2 e 17º-A a 17º-I, todos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril.
Alegou, em suma, estar em situação económica difícil, reunindo, porém, as condições necessárias para a sua recuperação e requereu a nomeação do administrador judicial que indicou.
O processo foi instruído com uma declaração escrita da requerente e de um dos seus credores, no sentido de encetar negociações, tendo em vista a aprovação de um plano de recuperação (artigos 17º-A e 17º-C, n.º 1 do CIRE).
Foram apresentados os documentos elencados no artigo 24º, n.º 1 do CIRE.
Por despacho de 03.04.2013 foi nomeado Administrador Judicial Provisório, em conformidade com o disposto no artigo 17.°-C, n.° 1, alínea a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), dando-se início ao processo especial de revitalização.

Por requerimento datado de 8.05.2013, o administrador judicial provisório apresentou lista provisória de créditos, de acordo com o nº 3 do artigo 17º-D do CIRE, da qual consta que o total dos créditos reclamados ascende a € 267.981,17 e os créditos reconhecidos a €222.603,37 ( fls. 123).

Foram apresentadas impugnações à lista provisória de créditos ( fls. 143 a 186).

O administrador judicial provisório apresentou, em 26.07.2013, declaração subscrita pelo próprio e pela devedora, nos termos do nº 5 do artigo 17º-D do CIRE, declararam: (…) vez que não foi possível, até à data, concluir as negociações com vista à aprovação do plano de revitalização conducente à revitalização da devedora, pretendem prorrogar as mesmas pelo período de um mês ( fls. 188-189).

Por requerimento apresentado em Tribunal, em 07.08.2013, o administrador judicial provisório, reconheceu os créditos dos credores impugnantes, que não haviam reclamado os créditos no prazo fixado para o efeito ( fls. 191 a 238).


Em 03.09.2013, foi proferido o seguinte despacho:

Notifique o Sr. Administrador para juntar lista definitiva com a inclusão dos credores referidos ( fls. 239).

Em 06.09.2013, o administrador judicial provisório, referindo que o prazo para as negociações havia terminado, solicitou prorrogação do prazo para conclusão das negociações e apresentação do resultado da votação do plano, por mais 15 dia, o que foi deferido, por despacho de 10.09.2013 ( fls. 240-243).

O administrador judicial provisório apresentou, em 23.09.2013, lista definitiva de créditos, da qual consta que o total dos créditos reclamados ascende a € 267.981,17 e os créditos reconhecidos a € 1.147.966,94 ( fls. 244-246).

Em 11.10.2013, o administrador judicial provisório veio juntar aos autos o Plano de Recuperação apresentado pelo devedor, do qual consta, designadamente:
(…)
6. Viabilidade Estratégica
Não obstante a crise que se instalou nos diversos sectores de actividade, notar em particular na Europa, e apesar dos factores apresentados e condicionantes da actual situação da A se reflectirem negativamente na sua actividade, a verdade é que, como qualquer ciclo conjuntural, o ajustamento do mercado provocado pela crise leva necessariamente à reorganização dos seus intervenientes e ao surgimento de novas oportunidades.
6.1. Da Viabilidade Económica
A sociedade tem que fazer a gestão dos seus recursos de forma a obter uma estrutura de custos flexível.
Adoptando um conjunto de pressupostos, numa perspectiva da evolução da economia portuguesa e europeia prevista para os próximos anos, conjugados com os pressupostos retirados da prática empresarial da Rampa de Sucesso, sendo estas condições satisfeitas, a EMPRESA É ECONOMICAMENTE VIÁVEL,


podendo libertar os meios suficientes para liquidar as suas dívidas, nas condições definidas nas medidas propostas.
A evolução previsível do Cash-flow da empresa, durante o período em análise, é demonstrativa dessa situação.
6.2. Análise dos proveitos Previsionais
As receitas da empresa estão fortemente ligadas à evolução da conjuntura económica, pelo, que, caso se verifique o cenário de início da retoma, ainda que ligeira, a partir de 2015, então podemos esperar uma variação positiva mais acentuada das suas taxas de crescimento (a preços constantes).
6.3. Análise de Custos Previsionais
A diminuição do financiamento bancário vai permitir uma redução dos encargos financeiros, note-se que a empresa neste momento não tem dívidas a Instituições de crédito, dado os esforço destes dois anos.
Estas medidas são adequadas ao aumento da rendibilidade, dando um significativo contributo para que a empresa alcance resultados positivos.
6.4. Análise dos Resultados Previsionais
Os resultados líquidos previsionais estão em linha com as necessidades de libertação de meios financeiros suficientes para fazer face ao que está previsto no plano.
7. Viabilidade Financeira
A transformação da dívida de curto e médio prazo em dívida de médio e longo prazo, tem uma influência muito positiva na Liquidez da empresa.
Os Fluxos de tesouraria líquida evidenciam que com esta estrutura de dívida, a empresa será capaz de honrar os seus compromissos.
Impacto expectável das alterações propostas em comparação com ausência de Plano de Recuperação:
Caso não fosse apresentado o Plano de Recuperação, a requerente apenas poderia pagar aos seus credores o montante resultante da venda dos bens onerados, cujo valor seria seguramente inferior ao montante do passivo, até pela desvalorização dos mesmos face ao contexto actual.
Conclusão:
Considerando a análise já efectuada, a situação comercial e a evolução do negócio da empresa, assim como o diagnóstico traçado, a análise dos dados de exploração previsionais, elaborados com base em critérios de prudência e


razoabilidade objectiva, a VIABILIDADE da empresa Rampa de Sucesso, será POSSÍVEL, caso seja aprovado o Plano de Recuperação proposto.
8. Medida Proposta
O Plano de Recuperação deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da devedora porquanto, e analisada a viabilidade económica da empresa e o seu equilíbrio financeiro, temos por bem propor:
1) — Redução dos créditos por perdão e moratória, nos seguintes termos:
A) Estado:
A.1) Instituto da Segurança Social
· Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza, em 115 prestações mensais, iguais, e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
· Dispensa de garantia;
· Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pelo Instituto da Segurança Social, IP nos termos legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
· Consolidação das dívidas a 31 de Agosto de 2013;
· As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
A.2) Fazenda Nacional
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;


• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança de dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
B) Restantes Credores (Fornecedores)
• Pagamento de 55% do capital com as seguintes prorrogativas: Dívidas até € 1.000,00 pagamento em 4 prestações mensais, dividas entre os € 1.001,00 e € 3.500.,00 pagamento em 8 prestações mensais, dívidas entre €3.501,00 e € 5.500,00 pagamento em 10 prestações mensais, dívidas entre os € 5.501,00 e € 10.000,00 pagamento em 16 prestações mensais e dividas superiores a € 10.000,00 pagamento em 24 prestações mensais, prestações mensais iguais e sucessivas, a primeira com vencimento nos 180 dias seguintes ao despacho de homologação do plano;
• Perdão total de juros vencidos e vincendos e Perdão de 45% do capital em dívida.
II) –Âmbito:
As alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação produzir-se-ão independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (n.° 1 do artigo 217.° do CIRE).
Nos termos do artigo 209º, n.° 3 do CIRE, o Plano de Recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem.

III) Impacto expectável das alterações propostas:
O Plano de Recuperação apresentado pela administração da devedora, tem por finalidade expor as condições em que esta e os credores definem a continuidade da empresa, sob administração da devedora, e nomeadamente os termos em que serão feitos os reembolsos dos créditos sobre a devedora.



Mas considerando o volume de créditos reconhecidos e os valores estimados para os activos e, principalmente a sua natureza, nomeadamente nos termos de grau de liquidez, não se vislumbra alternativa que não seja um programa de continuidade da empresa com uma estrutura de custos reduzida e adaptada à nova realidade de mercado, conforme supra melhor exposto, permitindo libertar os meios que sejam necessários para satisfazer os créditos sobre a devedora.
Na ausência do apoio dos credores ao Plano de Recuperação, tornar-se-á como certo o Cenário de Liquidação abrupta dos activos da empresa a revitalizar.
Este cenário caracterizar-se-á exclusivamente pela venda dos activos. E, como também se depreende, o cenário de não Recuperação não deixará de acarretar perdas substanciais para os credores.
Estima-se no cenário de não Recuperação que os credores comuns – nomeadamente Fornecedores e Restantes Credores – receberão uma percentagem REDUZIDA OU MESMO NULA DOS SEUS CRÉDITOS; nomeadamente, atenta a existência de credores privilegiados (Estado) e credores garantidos e, sobretudo, considerando a conjuntura actual.
Em alternativa, com a aprovação do plano, teremos a garantia de pagamento das obrigações assumidas perante todos os credores nos termos supra expostos.
De referir que se mostra imprescindível assegurar os períodos de carência supra apresentados, porquanto a empresa necessita desse período temporal para estabilizar a sua tesouraria, por forma a conseguir manter a sua actividade corrente dentro dos parâmetros que lhe permitam projectar a sua actividade, sendo certo que, pelo menos numa fase inicial, certamente não lhe serão concedidas facilidades de crédito. Terminado o período de carência e tendo em conta as previsões constantes deste plano, a empresa terá condições de tesouraria que lhe permitirão cumprir o que aqui está estabelecido.
Assim, atendendo-se ao supra exposto, a aprovação do plano de recuperação afigura-se claramente mais vantajosa.

IV) Preceitos legais derrogados:
Âmbitos das derrogações ao CIRE
Com o presente plano foram derrogados os seguintes preceitos legais do CIRE que importa esclarecer:
• Foi derrogado õ princípio da igualdade (art.° 194.° do CIRE) relativamente aos créditos do Estado, na medida em que está previsto o pagamento da totalidade do crédito, por força do enquadramento legal que rege os pagamentos à Fazenda e Segurança Social (princípio da indisponibilidade dos créditos tributários).
• Foi derrogado o princípio da igualdade (art.° 194.° do CIRE) relativamente aos créditos garantidos, estando previsto um pagamento em termos percentuais superior aos créditos comuns, em virtude das garantias que lhes assistem.
V) Execução do plano de recuperação e seus efeitos:
Com o despacho de homologação, além dos demais efeitos legais, produzem-se as alterações dos créditos sobre a devedora introduzidas pelo plano de recuperação, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (artigos 17.°-D, 17.°-F e 217.° do CIRE).
(…)

E, consta do requerimento então apresentado pelo Administrador Judicial Provisório, o seguinte:
(…)
tendo concluído as negociações nos presentes autos, considerando que o Plano de Recuperação foi aprovado, nos termos do disposto nos arts. 17° -F, n ° 3 e 212°, ambos do C.I.R.E., vem, muito respeitosamente, junto de V. Exa., requerer a junção aos presentes autos do documento informativo relativamente aos resultados obtidos da votação daquele Plano de Recuperação, tal como exige o disposto no art. 17° -F; n.° 4, do C.I.R.E., tal como se junta sob o Doc. n.° 1.
O plano entrará em vigor quando transitar em julgado a sentença da sua homologação
A) Estado:
A.1) Instituto da Segurança Social
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza, em 115 prestações mensais, iguais, e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;

• Dispensa de garantia;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pelo Instituto da Segurança Social, IP nos termos, legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
• Consolidação das dívidas a 31 de Agosto de 2013;
• As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
A.2) Fazenda Nacional
• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do CIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
B) Restantes Credores (Fornecedores)
• Pagamento de 55% do capital com as seguintes prerrogativas: Dívidas até € 1.000,00 pagamento em 4 prestações mensais, dívidas entre os € 1.001,00 e € 3.500,00 pagamento em 8 prestações mensais, dívidas entre € 3.501,00 e € 5.500,00 pagamento em 10 prestações mensais, dívidas entre os € 5.501,00 e €10.000,00 pagamento em 16 prestações mensais e dívidas superiores a €10.000,00 pagamento em 24 prestações mensais, prestações mensais iguais e sucessivas, a primeira com vencimento nos 180 dias seguintes ao despacho de homologação do plano;

• Perdão total de juros vencidos e vincendos e Perdão de 45% do capital em dívida.
O presente plano de pagamento vincula todos os credores quer tenham ou não, reclamado créditos e inclui e prevê o pagamento dos respectivos créditos desde que os mesmos constem de Acordo de Reconhecimento e Regularização de Dívida por parte da Requerente, sendo que, neste último, caso conferirão direito de voto aos seus credores;

Ø Nota: A proposta da Autoridade Tributária que consta no Plano Especial de Revitalização da empresa não será aplicado, uma vez que a empresa já liquidou os créditos por esta reclamados.

Pelo Administrador Judicial Provisório foi junta a “Acta da abertura dos votos A” da qual consta o seguinte:

Iniciada a reunião, o Senhor Administrador Judicial Provisório foi constatado que os credores reclamantes e que aderiram às negociações, perfazem a maioria exigida na parte inicial do nº 1 do art. 212º ex vi art. 17º-F nº 3, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, concretamente, tal valor é superior a um terço do total dos crédtios com direito a voto.
De seguida, pelos mesmos foram analisados os votos remetidos pelos credores reclamantes e reconhecidos, pelo que, considerando a totalidade de votos emitidos, verificou-se que os votos favoráveis perfazem a proporção de 97,09% da totalidade dos créditos (Doc. 1), tendo sido elaborado os documentos em cumprimento do disposto no nº 4 do art. 17º-F do C.I.R.E, que se junto em anexo sob o nº 1
Desta forma, considerando o disposto no art. 212º, nº 1, aplicável por força do n.° 3, do art. 17°-F, ambos do C.I.R.E., a proposta de plano apresentada aos credores pela Devedora nos presentes autos, pela verificação da maioria qualificada de votos emitidos pelos credores reclamantes encontra-se aprovada (fls. 254-255).
Em 15.10.2013 foi proferido o seguinte despacho ( fls. 290):
Verifica-se que o plano foi aprovado.
Dê publicidade – artigo 213º, do CIRE.

Em 27.11.2013 foi proferida a seguinte decisão ( fls. 297):
A, apresentou-se a processo especial de revitalização.
Foi apresentado e votado plano de recuperação.
O Plano foi aprovado.
Foi feita a publicação a que alude o artigo 213.°, do Cire. Decorreu o prazo a que alude o artigo 214.°, do Cire.
Não se verificam quaisquer situações que determinem a recusa oficiosa de homologação do plano de insolvência - artigo 215.°, do Cire.
Nestes termos, homologo o plano apresentado por A
Registe e notifique, nos termos do disposto nos artigos 17.°-F, n.° 6, 37.° e 38.°, do Cire.
Custas pela requerente.

Foi junta aos autos, pelo Magistrado do Ministério Público, a comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentada em 13.12.2013, nos seguintes termos:
(…)
Mais se informa que a devedora não pagou a dívida reclamada no PER - que ascende ao valor total de € 3.743,53, sendo que € 3.651,76 constituem quantia exequenda (capital).

Inconformado, o Ministério Público, em representação do Estado – Fazenda Nacional - veio interpor recurso de apelação relativamente à sentença homologatória, datada de 27.11.2013.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: (…)

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***


II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO


Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:


i) A HOMOLOGAÇÃO DA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA DE CREDORES QUE APROVOU, EM PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO, O PLANO DE RECUPERAÇÃO, E A VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE REGRAS PROCEDIMENTAIS PREVISTA NO Nº 1 DO ARTIGO 215º APLICÁVEL ex. vi. DO ARTIGO 17º-F, Nº 5 DO CIRE.


ii) A VIOLAÇÃO DE REGRAS IMPERATIVAS CONSTANTES DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, E DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA IMPLICA A REJEIÇÃO DA DELIBERAÇÃO PELO TRIBUNAL, AINDA QUE OFICIOSAMENTE, OU PODERÁ SER HOMOLOGADA, COM A RESSALVA DE QUE O APROVADO PLANO É INEFICAZ RELATIVAMENTE AOS CRÉDITOS FISCAIS.



***



III . FUNDAMENTAÇÃO


A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A finalidade do processo especial de revitalização, criado pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, mostra-se definida no nº 1 do artigo 17º-A, que estatui: O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.

Para que o processo de revitalização possa ter lugar, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos:

i) Que o devedor, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente;
ii) Que ainda seja susceptível de recuperação.
Com a regulamentação no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, do processo especial de revitalização, visou-se a promoção da recuperação das empresas, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que, evidentemente, a sua recuperação se mostre viável.

Os artigos 17º-A a 17º-H do CIRE destinam-se a estabelecer negociações entre devedor e credores para a conclusão de acordo de revitalização, visando também o processo de revitalização, nos termos previstos no artigo 17º-I, a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa.

Considera-se no artigo 17º-B do CIRE em situação económica difícil, o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente, por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

Todavia, tal dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já em situação de insolvência.

Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.

O requerimento a comunicar que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, deverá ser entregue pelo devedor no tribunal competente para declarar a insolvência respectiva e dirigida ao juiz, juntando a declaração ali mencionada.


Recebido o requerimento, o juiz, de harmonia com a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, procede à nomeação do administrador
judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.

Tal despacho, que é notificado ao devedor e publicado no portal Citius, tem efeitos processuais, efeitos sobre o devedor e efeitos em relação aos credores.

Relativamente ao devedor, nos termos do nº 1 do artigo 17º-D do CIRE, logo que receba a notificação do despacho a nomear o administrador judicial provisório, deverá aquele comunicar aos credores que não subscreveram a declaração escrita, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso.

Com a prolação do despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida, por parte do administrador judicial provisório

Estatui o nº 7 do artigo 17º-D do CIRE que os credores que decidam participar nas negociações devem apresentar declaração ao devedor, por carta registada. E podem fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.

Em relação aos credores, o despacho com a nomeação do administrador judicial provisório implica que começa a correr, a partir da sua publicação no Citius, o prazo de 20 dias para que qualquer credor reclame os seus créditos, incluindo os credores que assinaram a


declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no nº 1 do art. 17º-C do CIRE.

Considerando que a lei não prevê um modo particular de impugnação da lista provisória de créditos para o processo especial de revitalização, a impugnação pelos credores interessados será realizada como no processo de insolvência comum, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o nº 1 do artigo 130º do CIRE.

As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que tem um prazo de 5 dias para elaborar uma lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, será publicada no portal Citius. Após a publicação, a lista pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, conforme decorre dos nºs 2 a 4 do artigo 17º-D do CIRE.

Terminado o prazo para as impugnações, as mesmas serão apreciadas pelo juiz, estabelecendo o nº 5 do artigo 17º-D do CIRE um outro prazo de dois meses para que os declarantes concluam as negociações encetadas, prazo esse que pode ser prorrogado verificadas certas circunstâncias.

Mas, como antes ficou dito, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório tem ainda outros efeitos processuais, já que a publicação daquele despacho no Citius tem como efeito a suspensão de processos de insolvência em curso contra o devedor «desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência», conforme decorre do nº 6 do artigo 17º-E do CIRE.




As negociações encetadas no âmbito do processo de revitalização podem conduzir à aprovação unânime de um plano de recuperação conducente à revitalização do devedor em que intervenham todos os credores, mas também podem tais negociações terminar com a aprovação do plano sem unanimidade ou sem a intervenção de todos os credores.

O plano de recuperação considera-se aprovado quando reúne a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE - uma maioria de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como
tal as abstenções - sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Pode suceder que, no decurso das negociações, o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente que não é possível
alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D, o administrador judicial provisório deve comunicar o encerramento do processo negocial ao tribunal, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do CIRE, tendo o administrador judicial provisório de verificar previamente se o devedor já está em situação de insolvência e, após ouvir o devedor e os credores, e requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º do citado diploma, com as necessárias adaptações, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

Mas, pode também suceder que as negociações terminem com a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do


devedor, com unanimidade e com intervenção de todos os credores ou sem que tal unanimidade seja obtida, mas observados que sejam os requisitos cumulativos previstos para a participação e votação.

Aprovado o plano de recuperação deverá este ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Ora, no caso vertente, as negociações terminaram com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, pelos credores que representavam 97,09% da totalidade dos créditos, o que acarretou a homologação do plano apresentado pela devedora.

Mas, defende, em suma, o apelante, que o Tribunal a quo, ao homologar o Plano de Pagamentos violou o disposto nos artigos 17º-F, nº 5 e 215º do CIRE, postergando normas tributárias de carácter imperativo, como são as dos artigos 30º, nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária e artigo 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Como acima ficou dito, após a aprovação do plano de recuperação este será remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.

Com efeito, o CIRE confere ao juiz, mesmo contra a vontade unânime dos credores, o dever de recusar a homologação do plano conducente à revitalização, caso verifique, designadamente, a ocorrência de uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.

Trata-se de um poder/dever que o julgador dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, apenas em situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois como salienta MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência 2ª ed., 291, as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.

Normas procedimentais são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram apresentadas.

Normas relativas ao conteúdo são, por sua vez, as respeitantes à parte dispositiva do plano e aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.

Acresce que, como esclarecem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 118-120, são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem ser afastadas com o consentimento do protegido.

Estatui ainda o artigo 217º do CIRE que: “Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido ou não, reclamados ou verificados...”.

Da evidenciada consagração da regra geral da tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros, reveste de particular relevância a regra ínsita no nº 2 do artigo 192º, da qual decorre que, quer os credores, quer os terceiros, só podem ser atingidos se se verificar um dos seguintes requisitos:

i. se houver consentimento do próprio visado, ou,
ii. quando a afectação for expressamente autorizada pelas normas legais integradas no título IX do CIRE.

Por outro lado, dispõe o artigo 194º n.º 1 do CIRE que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. E, por sua vez, o n.º 2 refere que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
Defendem LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 46, que “O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afectação traduz, por isso, seja qual foi a perspectiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis”.

Infere-se, assim, do citado normativo que está vedado no plano, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas, sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação.

É certo que, mesmo entre credores inseridos na mesma classe, não se poderá afastar a possibilidade de existirem diferenciações, se estas assentarem em circunstâncias objectivas que justifiquem um tratamento diferenciado.

O consentimento dos credores pode ser dado de forma expressa ou tácita, configurando-se como consentimento tácito o voto favorável à aprovação do plano pelo credor lesado. Mas o voto contrário é suficiente para preencher a manifestação de desacordo pelo credor lesado.

Se, porventura, o Plano de Insolvência afecta, parcial ou totalmente, as garantias dos credores, em situação de igualdade, não estabelecendo qualquer diferença entre eles, há que concluir que o mesmo vincula também os que não aderiram ao mesmo, desde que aprovado pela maioria exigida.

A este propósito, referem os supra citados autores, CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, ob. cit., 55 que: “a dispensa da exigência do acordo de cada um dos credores que perca garantias ou privilégios, bastando a observação da maioria comum, constitui um importante instrumento de facilitação da aprovação de planos de insolvência”.

Na verdade, se não se consagrasse a dispensa da concordância do credor para que o plano o vinculasse, facilitando deste modo a aprovação dos planos de insolvência ou de recuperação, seriam frequentes os obstáculos a tal aprovação, contribuindo para o inêxito do objectivo para o qual se propôs o CIRE.

In casu, invoca o recorrente Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, a violação de normas tributárias de carácter imperativo, pelo que se impunha a recusa de homologação do Plano. Por seu turno, pese embora a recorrida invoque o pagamento do crédito reclamado pela Fazenda Nacional - o que não está demonstrado – defende também que, no que concerne às consequências do voto desfavorável da Fazenda Nacional, a aprovação do plano não lhe será oponível, não produzindo quanto à Fazenda Nacional qualquer efeitos.


Vejamos,

No caso em apreciação verifica-se que consta no Plano de Recuperação, em relação aos créditos da Fazenda Nacional, a seguinte proposta:

• Pagamento de 100% dos créditos de capital, coimas, multas, custas ou outras quantias da mesma natureza em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a 1ª prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.° 5 do art.° 17.°-D do GIRE;
• Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT, e do n° 1 do art. 170° do CPPT;
• Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
• As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança de dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.

Decorre do artigo 1°, nº 1 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/98 de 17/12 e sucessivamente alterada, que a mesma “regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna ou em legislação especial”.

No nº 2 desse preceito dispõe-se que “para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estes”.


Resulta do artigo 30º, nº 1, alínea a) da LGT, que integram a relação tributária o crédito e a dívida tributária. E, no nº 2 desse mesmo normativo, determina-se que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade”.

Dispõe o artigo 36° da LGT que a relação jurídica tributária se constitui com o facto tributário (nº 1), e que os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados pela vontade das partes (nº 2). E, o nº 3 estatui que “a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.

Salienta o nº 5 do mesmo artigo 36º que a administração tributária pode subordinar a atribuição de benefícios fiscais ou a aplicação de regimes fiscais de natureza especial, que não sejam de concessão inteiramente vinculada, ao cumprimento de condições por parte do sujeito passivo, inclusivamente, nos casos previstos na lei, por meio de contratos fiscais.

Estabelece também o artigo 42º, nº 1 da LGT que “ o devedor que não possa cumprir integralmente e de uma só vez a dívida tributária pode requerer o pagamento em prestações, nos termos que a lei fixar”.

Por sua vez, o artigo 196° do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que: “As dívidas exigíveis em processo executivo poderão ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, no prazo da oposição, ao órgão da execução fiscal” (nº 1).
“É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas (...) desde que se preveja a substituição dos administradores e gerentes responsáveis pela não entrega das prestações tributárias em causa” (nº 3) (…).


Estabelece-se ainda no artigo 199°, n° 1 do C.P.P.T., que: “Caso não se demonstre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado
oferecer garantia idónea, a qual consistirá garantia bancária, caução, seguro caução, ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, resultando do nº 8 deste preceito que “É competente para apreciar as garantias bancárias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações”.

As elencadas normas têm, é certo, um carácter público e imperativo, impondo-se essa imperatividade à administração tributária, não se podendo aplicar um regime de excepção a um sujeito passivo tributário, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, como resulta do nº 5 do citado artigo.

Até à alteração introduzida no nº 3 do artigo 30º do LGT, pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12, defendia alguma jurisprudência que a evidenciada natureza especial do processo de insolvência e o relevo que nele assumem o princípio da igualdade dos credores a que alude o artigo 194º do CIRE, bem como o princípio da auto-regulação da insolvência pelos credores, consagrado no artigo 192º, nº 1 do mesmo diploma, implicava o entendimento de que, na fase executória da insolvência, o pagamento das dívidas fiscais e da segurança social do insolvente ficaria sujeito ao regime do CIRE, já que essas dívidas seriam reguladas consoante o previsto neste diploma legal.

O regime consagrado na LGT e no CPPT teria o seu campo de aplicação na relação tributária, respeitando ao processo de pagamento das obrigações tributárias, no âmbito da execução fiscal, não encontrando apoio no processo de insolvência, onde o Estado e a Segurança Social também teriam de intervir numa ampla perspectiva de auto-regulação.

Com efeito, como se defendeu, designadamente, no Ac. STJ de 13.01.2009 (Pº 08A3763), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., “a invocação destas normas e do seu carácter indisponível encontram o seu

fundamento no princípio da legalidade da administração tributária, nas suas relações com os devedores, mas do que se trata é de saber se, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores do insolvente, devem ser invocados de modo a postergar a auto-regulação dos credores, plasmada na faculdade de aprovação maioritária do plano da insolvência, mesmo derrogando aquelas prerrogativas do Estado enquanto credor privilegiado (…)”.

Mais se referindo no citado aresto que: A manterem-se os privilégios que assistem aos seus créditos (créditos do Estado e de outras entidades, como a Segurança Social), todo o esforço de recuperação da insolvente ficaria a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que teriam de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se colocava numa posição de jus imperii num processo em que só, excepcionalmente, poderá ter tratamento diferenciado.

Ademais, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas se mostravam excepcionados da afectação pelo Plano, no nº 2 do seu artigo 196º, alguns credores, entre outros, o Banco Central Europeu e os bancos centrais dos Estados membros da EU.

E, por não se ter incluído neste diploma qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado ou instituições de Segurança Social, não se desconhecendo a natureza destes créditos, defendia-se na jurisprudência que se fosse essa a intenção do legislador, não deixariam tais credores de estar englobados nas excepções previstas no CIRE (art. 9 CC) – v. neste sentido Ac. STJ de 04.06.2009 (Pº 464/07.1), acessível no mesmo sítio da Internet.

Tudo se modificou com a publicação da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011) que, no que à


Lei Geral Tributária concerne, introduziu alterações, aplicáveis ao caso dos autos porque a sentença homologatória do plano de recuperação e o próprio processo de revitalização são já de 2013.

Dispõe agora o nº 3 do artigo 30º da L.G.T, introduzido pela referida Lei no Orçamento de Estado que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.

E, decorre do artigo 125º da referida Lei do Orçamento do Estado sob a epígrafe “Disposições transitórias no âmbito da LGT” que: O disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.

Com essas normas o legislador, por Lei do Orçamento do Estado (que prevalece sobre qualquer decreto-lei anterior), derrogou, implicitamente, as disposições do CIRE (aprovado por Decreto-Lei) quanto aos princípios de igualdade dos credores e de liberdade e fixação do conteúdo, quer do Plano de Insolvência, quer do Plano de Recuperação no âmbito do PER, comprometendo, de modo expresso, a viabilidade na grande maior parte destes Planos, já que inexiste, em regra, qualquer processo de insolvência, ou processo de revitalização que não envolva créditos tributários.

Neste sentido se pronunciaram diversos arestos do Supremo Tribunal da Justiça, disponíveis no mesmo sítio da Internet e citados no Ac.R.L. de 14.02.2013 (6734/12.0T2SNT-C.L1) de que a presente relatora foi ali adjunta.
No Ac. STJ de 10-05-2012 (Pº 368/10.0TBPVL-D.G1.S1) refere-se que: A homologação do plano de insolvência, aprovado pela assembleia de credores com voto contra do Estado por inobservância do regime previsto nos arts. 1.º e 2.º do DL n.º 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz relativamente à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social I.P.
E, salienta-se no Ac. STJ de 14-06-2012 (Pº 506/10.3TBPNF-E.P1.S1) que:
“- Face ao que consta no artigo 125º da Lei 55/2010, de 31.12 e independentemente de quaisquer interpretações das normas estabelecias nos nº 2 e 3 do artigo 30º da Lei Geral Tributária, parece não poder haver quaisquer dúvidas que o legislador só poderia querer dizer que os créditos tributários eram indisponíveis, mesmo em processos de insolvência, melhor dizendo, mesmo aquando da elaboração do plano de insolvência referidos nos artigos 192º, 195º e 196º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
- Dito doutro modo, não podia resultar da interpretação de qualquer disposição deste Código que os créditos tributários eram disponíveis.
- Mais concretamente, não podia ser homologado um plano de insolvência em que estivesse incluído um perdão ou qualquer redução de um crédito tributário.
- E mesmo que houvesse dúvidas, o citado dispositivo legal não poderia ser interpretado de outro modo, uma vez que não encontraria na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa” – cfr. nº2 do artigo 9º do Código Civil.
- O princípio da confiança, intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito, tem como finalidade proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nascem no cidadão, que confiou na postura e no vínculo criado através das normas prescritas no ordenamento jurídico.
- A aprovação de um plano de insolvência baseado na “recuperação da empresa compreendida na massa insolvente” em assembleia credores, nos termos do disposto no artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a sua admissão por parte do Tribunal, nos


termos do artigo 207º “a contrario” do mesmo diploma, não tem como consequência necessária a sua homologação por parte do Tribunal.
- Aquando da aprovação do plano de insolvência os credores que votaram a favor não poderiam ter a confiança que, aquando da intervenção do Tribunal para o efeito de homologar ou não o referido plano, a decisão seria de aceitar que os créditos tributários poderiam ser afastados por esse plano, uma vez que a questão era controvertida”.

E, refere-se no Ac. STJ de 15.12.2011 (Pº 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1):

“A Lei n.º 55-A/2010 de 31-12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011 e veio dar nova redação ao art.º 30.º da Lei Geral Tributária (art.º 123.º), retomou validade dos princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção ou redução dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado”.

Sucede, porém, que começa a esboçar-se, ao nível dos Tribunais da Relação, alguma alteração nesta matéria, admitindo-se que um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto nas leis tributárias, possa ser homologado, mas não em toda a sua extensão, já que o mesmo não poderá produzir efeitos relativamente aos créditos do Estado ou de Segurança Social, que não hajam por estes sido aprovados ou obtida a competente e necessária autorização – v. Acs. R.G. de 18.06.2013 (Pº 402/12.2TBGMR.G1) e de 15.10.2013 (Pº 8604/12.2TBBRG.G1) e Ac. R.P. de 26.11.2013 (Pº 1071/12.2TYVNG.P1), todos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Igual entendimento tem sido evidenciado, mais recentemente, ao nível da jurisprudência da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça (secção agora especializada para decidir sobre matérias de natureza comercial – artigo 42º, nº 2 da LOFTJ).

Com efeito, sobre esta temática se pronunciaram os recentes Ac. STJ de 18.02.2014 (Pº 1786/12.5TBTNV.C2.S1), de 25.03.2014 (Pº 730/12.4TBPFR-D.P1.S1) e de 01.04.2014 (Pº 185/13.6TBCHV-A.P1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt. dos quais se citam os seguintes excertos que consideramos mais significativos desta inflexão jurisprudencial:
(…)

Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que só, excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.
Seria transformar uma excepção, ditada por razões de ordem pública, em regra, assim, afrontando o princípio da proporcionalidade, apesar da peculiar natureza e finalidade dos tributos que o Estado arrecada.

(…)
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

(…)

não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.

Ora, como resulta da citada jurisprudência - a que aderimos - estando o Plano de Recuperação consubstanciado numa ampla liberdade de estipulação dos credores da requerente do processo de revitalização, o mesmo constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia.

Daí que, tendo sido aprovado o Plano de Recuperação da empresa “A”, sem que a Fazendo Nacional o haja aprovado ou haja anuído quanto à modificação do seu crédito e, pese embora o seu montante seja pouco significativo, tal Plano não lhe é oponível, pelo que a decisão que o homologou deverá manter-se, com a ressalva que o plano de recuperação da empresa “A” é ineficaz em relação ao credor Fazenda Nacional.

Conclui-se, consequentemente, pela procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, razão pela qual se revoga parcialmente a decisão recorrida, mantendo-se a homologação do Plano, com a ressalva que o mesmo é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, não produzindo aquele qualquer efeito quanto a este crédito.

***


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, razão pela qual se revoga parcialmente a decisão recorrida, mantendo-se a homologação do Plano, com a ressalva que o mesmo é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, não produzindo aquele qualquer efeito quanto a este crédito.

Sem custas.


Lisboa, 8 de Maio de 2014
Odina Carmo Alves - Relatora

Eduardo José Oliveira Azevedo

Olindo dos Santos Geraldes

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b6fe339e060e1a9480257cde003138ed?OpenDocument


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