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terça-feira, 15 de julho de 2014

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMUNICAÇÃO ELECTRÓNICA PERÍODO DE FIDELIZAÇÃO VENDA DE EQUIPAMENTOS - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 26.06.2014


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28496/12.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO LIMA COSTA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
COMUNICAÇÃO ELECTRÓNICA

Nº do Documento: RP2014062628496/12.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 26-06-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: 1- No caso de rescisão do contrato de acesso a redes públicas de comunicações electrónicas por parte do utente, ocorrida durante o período de fidelização, o Decreto-Lei 56/2010, de 1/6, proíbe que o operador de serviços de comunicações electrónicas cobre ao utente indemnização com valor superior ao preço corrente de equipamentos que tal operador tenha fornecido ao utente, preço corrente esse que poderá ser minorado pelo decurso do tempo, em conformidade com indexantes previstos nas três alíneas do nº 2 do art. 2 daquele diploma legal.
2- Se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou se foi praticada venda de equipamentos ao preço corrente de mercado, o utente não terá de indemnizar o operador pela rescisão ocorrida durante o período de fidelização.
3- A disciplina do Decreto-Lei 56/2010 não foi alterada ou derrogada pela entrada em vigor da Lei 51/2011, de 13/9.
4- O Decreto-Lei 56/2010 vigora para todos os assinantes de contratos de comunicações electrónicas, na acepção de “assinante” do art. 3 da Lei 5/2004, de 10/2, ou seja “a pessoa singular ou colectiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Processo 28496/12.0YIPRT
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Araújo Barros
Segundo Adjunto: Pedro Martins

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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No dia 17/2/2012, B…, Sociedade Anónima, instaurou contra C…, Limitada, a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, pedindo, no requerimento de injunção, que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 9.490,55€, desdobrada no capital de 9.169,82€, em juros de mora vencidos entre 27/9/2011 e 17/2/2012 de 117,77€, em despesas com diligências de cobrança no valor de 49,96€ e em taxa de justiça paga de 153€, acrescendo juros de mora vincendos.
Alega a autora:
A autora celebrou com a ré, sob proposta desta, no dia 7/8/2008, um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, cujo período se refere a 7/8/2008 a 29/12/2011;
No âmbito desse contrato, a autora obrigou-se a prestar o serviço no plano tarifário escolhido pela ré, obrigando-se esta a efectuar o pagamento tempestivo das facturas e a manter o contrato pelo tempo indicado na proposta, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à autora, a titulo de cláusula penal e nos termos fixados nas condições contratuais, do valor das mensalidades em falta, pela quebra do vínculo contratual;
Das facturas emitidas, permanecem em dívida as que seguidamente se indicam, incluindo o valor correspondente à cláusula penal, a qual foi reclamada pela autora com a rescisão do contrato: 484,95€ de 7/9/2011, 426,81€ de 8/10/2011, 426,81€ de 8/11/2011, 7.831,25€ de 9/12/2011, vencidas, respectivamente, em 27/9/2011, 28/10/2011, 28/11/2011 e 29/12/2011;
Enviadas à ré logo após a data de emissão e apesar das diligências da autora, não foram as mesmas pagas, constituindo-se a ré em mora e ficando devedora de juros legais desde o seu vencimento;
Ainda é a ré devedora de 49,96€ pelas despesas da autora em diligências de cobrança para evitar a injunção.
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A ré deduziu oposição, concluindo que deve ser absolvida do pedido.
Sumariamente, alega a ré:
A ré ainda não logrou obter junto da autora o exemplar escrito do contrato alegadamente celebrado entre as partes;
Pelo que a ré nega a existência da obrigação de manter o contrato pelo tempo indicado na proposta;
Se existiu algum contrato, o mesmo cessou em termos totalmente diversos daqueles que se depreendem do requerimento de injunção;
A cessação ocorreu por decisão da ré, a qual portou os respectivos números para outra operadora de serviços móveis;
A cessação foi efectivada em Agosto de 2011, carecendo de fundamento legal a emissão de facturas nos meses subsequentes;
A cessação ocorreu no quadro das regras aplicáveis à portabilidade nas redes telefónicas públicas previstas no Regulamento 58/2005, de 18/8;
A ré subscreveu a proposta de portabilidade dos serviços da autora para a operadora D… em 29/7/2011;
A D… solicitou à ré a portabilidade em 9/8/2011, tendo a ré e a D… acordado para a portabilidade as datas compreendidas entre 16 e 19 de Agosto de 2011;
A autora está proibida de exigir à ré qualquer pagamento pela portabilidade de número e está legalmente impedida de facturar a prestação de serviços associados aos números portados após estes terem sido portados, além de não poder exigir valores a título de cláusula penal;
Nos termos do Decreto-Lei 56/2010, de 1/7, a resolução do contrato no último ano do período de fidelização determina proibição de a autora cobrar à ré “não só qualquer contrapartida de valor superior a 50% do valor sem desconto, deduzido o valor já pago”, mas também qualquer outra contrapartida, a título indemnizatório ou compensatório, pela resolução do contrato durante o período de suposta fidelização.
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Realizou-se o julgamento.
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Na sentença decidiu-se julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 484,95€, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 28/9/2011 até integral e efectivo pagamento, calculados às sucessivas taxas legais.
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A autora apelou da sentença, a fim de a mesma ser revogada.
Sem numeração, a autora apresenta as seguintes conclusões:
Entendeu o tribunal a quo que a apelante não pode invocar a cláusula penal prevista no contrato de prestação de serviços constante dos autos, e dado como provado, por falta de factos que permitam aferir da sua validade à luz do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho (“Decreto-Lei n.º 56/2010”).
O Tribunal a quo alicerçou a decisão recorrida no entendimento de que “no sector (rectius sector das comunicações electrónicas) a estipulação de cláusulas penais só é válida… quando a celebração e contratos é acompanhada pela oferta de equipamentos ou com a sua entrega a preços especiais”.
O objectivo e o alcance do Decreto-Lei n.º 56/2010 são diametralmente opostos ao propugnado pelo Tribunal a quo, Decreto-Lei que é inaplicável à situação dos presentes autos, sendo a cláusula penal convencionada válida.
A primeira referência com que o intérprete se depara na leitura do Decreto-Lei n.º 56/2010, é, no início do seu preâmbulo, a invocação de um estudo levado a cabo pela Autoridade da Concorrência (“AdC”), denominado de “Mobilidade dos Consumidores no Sector das Comunicações Electrónicas” (“Estudo”), e divulgado em Fevereiro de 2010.
Nas palavras do legislador, e no que se refere às comunicações móveis, no Estudo são evidenciados dois tipos de custos que condicionam a mobilidade dos consumidores (possibilidade de os consumidores mudarem de operador/prestador de comunicações electrónicas): os custos contratuais e os custos de compatibilidade.
Atenta a relevância que o legislador expressamente confere ao Estudo, impõe-se ao intérprete a sua leitura e análise, pelo menos nas partes destacadas no preâmbulo do diploma, a saber os custos contratuais, os custos de compatibilidade e as soluções propostas para reduzir tais custos, tudo de harmonia com a tarefa de exegese determinada pelo artigo 9.º do Código Civil, para se alcançar o (verdadeiro) sentido da lei.
Os custos contratuais e de compatibilidade que foram relevados e atendidos aquando da redacção do Decreto-Lei n.º 56/2010, são categorias que integram o conceito de custos de mudança, sendo estes últimos aqueles em que o consumidor incorre “(…) sempre que este opte por aderir aos serviços de um operador ou prestador de serviços, num contexto de existência de uma relação contratual prévia com um outro fornecedor”.
Os custos contratuais resultam, nomeadamente, da existência de períodos de fidelização e de cláusulas associadas à cessação antecipada dos contratos, uma vez que, neste sector, é prática habitual – em benefício do próprio consumidor – a estipulação de uma obrigação de utilização do serviço contratado por um período de tempo mínimo e que tem como contrapartida a atribuição (ao consumidor), no momento de celebração do contrato ou durante a sua execução, de um conjunto alargado de ofertas, por exemplo, a atribuição de descontos na instalação do serviço ou no valor do tarifário subscrito, ou a entrega de equipamentos a um preço muito reduzido (e significativamente inferior ao preço normal de mercado).
Os custos de compatibilidade estão relacionados com uma questão concreta e que se prende com a aquisição de equipamentos que estão bloqueados a uma determinada rede, ou seja, o consumidor apenas poderá usufruir dos serviços fornecidos por determinado prestador de comunicações.
No âmbito das medidas e soluções direccionadas à redução dos custos contratuais, a AdC preconiza que os períodos de fidelização e as penalizações devem ser proporcionais e justificados, entendendo a proporcionalidade, neste contexto, como a adequação do benefício auferido pelo consumidor (e.g. aplicação de tarifários promocionais, entre outros) ao compromisso que assume (e.g. subscrição por um determinado período de tempo).
A AdC não sugere, portanto, como medida de promoção da mobilidade, a eliminação ou a exclusão das cláusulas de fidelização - porquanto as contrapartidas das mesmas constituem um benefício evidente para os consumidores -, mas propõe, em linha com as orientações da Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”), e com as regras gerais do Direito (maxime o Código Civil), a adequação das cláusulas penais aos benefícios efectivamente concedidos aos consumidores no momento da celebração dos contratos de prestação de serviços, conciliando os interesses das duas partes na relação contratual.
A medida preconizada pela AdC assegura a salvaguarda do consumidor, uma vez que a existência de períodos mínimos contratuais permite-lhe beneficiar de um conjunto alargado de ofertas que, se tal período não existisse, não lhe seriam atribuídas, reduzindo-se substancialmente, por esta via, o preço do serviço que contrata e, em última análise, aumentando a concorrência a competitividade entre os diversos operadores.
No que se refere às medidas e soluções direccionadas à diminuição dos custos de compatibilidade – relacionados com a aquisição de equipamentos bloqueados –, a AdC faz referência a uma publicação do Office of Telecommunications em que são identificadas as vantagens e as desvantagens associadas a uma eventual proibição do bloqueamento de telemóveis, sublinhando que esta entidade “não conseguiu concluir se os benefícios advenientes da proibição do bloqueamento de telemóveis seriam superiores aos custos, optando por não intervir directamente, mas, ao invés, promover a atenção dos consumidores relativamente a este tipo de prática”.
Por esta razão, e com base nas desvantagens enunciadas pelo regulador britânico, a AdC salientou que, “A proibição desta prática é, neste sentido, uma medida extrema, tendo adicionalmente em conta que é possível adquirir estes equipamentos desbloqueados por um preço superior e que a penetração de outros serviços que não a voz (e.g. acesso à Internet móvel) pode ser incrementada por via da aquisição de equipamentos subsidiados”.
E defende, como medidas de redução dos custos de compatibilidade, que: (i) após o término do período de fidelização não deverá ser cobrado qualquer valor pelo desbloqueamento do telemóvel; (ii) durante o período de fidelização o valor a cobrar pelo desbloqueamento deverá ter em consideração quer o preço da venda do equipamento sem qualquer tipo de subsidiação, quer o momento temporal em que o consumidor solicita o desbloqueamento.
O legislador entendeu dar corpo às medidas direccionadas aos custos de compatibilidade propostas pela AdC e foi publicado o Decreto-Lei n.º 56/2010.
Retomamos (e enfatizamos) aqui a explicação transmitida no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 56/2010 e que permite concluir que o objectivo fundamental do legislador foi diminuir os custos de compatibilidade - ou seja, os custos associados ao desbloqueamento dos equipamentos -, na medida em que: (a) proíbe-se a cobrança de contrapartidas pelo desbloqueamento de equipamentos findo o período de fidelização; (b) estabelecem-se limites ao valor pelo desbloqueamento cobrado durante o período de fidelização; e (c) estabelecem-se limites ao valor cobrado pelo desbloqueamento do equipamento no caso de não estar previsto um período de fidelização.
No artigo 2.º do diploma, e sob a epígrafe “Âmbito”, o legislador reproduz a solução que deixa enunciada no preâmbulo: (i) no n.º 1 estabelece-se a proibição de cobrança de qualquer contrapartida pelos serviços de desbloqueamento, findo o período de fidelização; (ii) no n.º 2 são estabelecidos limites ao montante cobrado pelo desbloqueamento durante o período de fidelização, limites estes que têm em conta quer o valor do equipamento sem subsidiação, quer o valor (eventualmente) já pago pelo consumidor, quer a data em que o desbloqueamento é solicitado pelo consumidor; (iii) no n.º 3 estabelece-se que durante o período de fidelização, a contrapartida a cobrar pela cessação antecipada do contrato se restringe aos valores aí previstos; (iv) no nº 4 é estabelecido um limite à quantia a ser cobrada pelo serviço de desbloqueamento do equipamento no caso de não existir um período de fidelização.
As restantes normas do diploma são instrumentais da disciplina que se fixa no artigo 2.º e incidem, fundamentalmente, sobre a questão do desbloqueamento do equipamento.
O legislador seguiu, pois, muito de perto as conclusões da AdC constantes do Estudo, tendo-se mostrado sensível aos argumentos explanados pela AdC e não proibiu o bloqueio de equipamentos, tendo optado, ao invés, pelas medidas intermédias apontadas por aquela entidade e que se traduziram, em concreto, na proibição de cobrança de contrapartidas pelo desbloqueamento de equipamentos e na definição de limites a essas contrapartidas.
Assim, o legislador não proíbe a existência de períodos de fidelização e de cláusulas penais associadas ao seu incumprimento; ao invés, e para promover a mobilidade dos consumidores, impôs limites aos custos de compatibilidade, garantindo que, caso sejam entregues equipamentos, e somente nessas situações, deverão ser observadas as regras e os limites decorrentes do Decreto-Lei n.º 56/2010.
Acresce que, e com apoio no elemento sistemático, verificamos que, ulteriormente, o legislador alterou a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro - Lei das Comunicações Electrónicas ou “LCE” - através da Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro (“Lei n.º 51/2011”), tendo aí incluído a questão dos custos contratuais - e que são, recorde-se, os que resultam, nomeadamente, da existência de períodos de fidelização e de cláusulas associadas à cessação antecipada dos contratos - que, por esta razão, não ficaram esquecidos.
Apesar de estarmos perante matérias que têm como objectivo comum a diminuição dos custos de mudança, o legislador separou a forma como tal objectivo seria atingido em relação a cada um dos custos específicos (contratuais e de compatibilidade), regulando-as em diplomas distintos e específicos: no Decreto-Lei n.º 56/2010 definiu medidas direccionadas aos custos de compatibilidade e estabeleceu regras concretas para reduzir tais custos; já na Lei n.º 51/2011 concretizou as alterações necessárias para combater os custos contratuais.
A Lei n.º 51/2011 procedeu à alteração da LCE, destacando-se, desde logo, o aditamento da alínea h) ao n.º 2 do artigo 2.º, nela se estabelecendo que: “O disposto na presente lei não prejudica: (…) h) o regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos previsto no Decreto-Lei nº 56/2010, de 1 de Junho”.
O legislador reconheceu – expressa e inequivocamente – que o Decreto-Lei n.º 56/2010 versa exclusivamente sobre a questão das quantias cobradas pelo desbloqueamento de equipamentos, ou seja, sobre os custos de compatibilidade.
Ainda por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 51/2011, foram aditados vários números ao artigo 48.º da LCE – com a epígrafe “Contratos” –, cujo teor e alcance corresponde, precisamente, às medidas destinadas a reduzir os custos contratuais indicadas no Estudo da AdC – veja-se, a título de exemplo, o disposto nos nºs 1 e 5 e que encontram grande semelhança com as medidas propostas no mencionado Estudo.
No que se refere aos custos contratuais, o legislador previu expressamente, no n.º 2 do artigo 48.º da LCE (alterado pela Lei n.º 51/2011), que (i) as operadoras podem estabelecer períodos contratuais mínimos e que (ii) em caso de cessação antecipada do contrato decorrente de vontade do consumidor, as operadoras podem cobrar os encargos decorrentes de tal cessação, nomeadamente os encargos não relacionados com o equipamento, como resulta da leitura a contrario sensu deste normativo: “A informação relativa à duração dos contratos deve incluir indicação da existência de períodos contratuais mínimos associados, designadamente, à oferta de condições promocionais, à subsidiação do custo de equipamentos terminais ou ao pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores, bem como indicar eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais.” (sublinhado e negrito nossos).
O legislador previu e aceitou expressamente - na LCE - a estipulação de períodos contratuais mínimos, bem como o pagamento de um montante, caso o contrato termine antecipadamente por vontade do consumidor, que compense os encargos (de todo o tipo e não apenas relacionados com equipamentos) que a operadora teve de suportar.
Este entendimento resulta, também, do disposto no n.º 5 do mesmo artigo 48.º da LCE (aditado pela Lei n.º 51/2011).
Conclui-se, assim, que o legislador reforça, por um lado, que podem ser estabelecidos períodos contratuais mínimos e, por outro lado, que podem ser definidas as condições a aplicar em caso de incumprimento desses períodos, desde que não sejam desproporcionadas ou excessivamente onerosas.
As alterações introduzidas à LCE através da Lei n.º 51/2011 tiveram como desiderato, portanto, aumentar a mobilidade dos consumidores mediante a definição de um conjunto de regras destinadas a reduzir os custos contratuais e não os custos de compatibilidade (que estão exclusivamente regulamentados pelo Decreto-Lei n.º 56/2010).
O âmbito de aplicação material do Decreto-Lei n.º 56/2010, por se tratar de um custo de compatibilidade, confina-se às situações em que a prestação de serviços de comunicações é acompanhada da entrega de equipamentos bloqueados aos consumidores.
Em todos os casos em que não tenham sido entregues equipamentos deverão ser aplicadas ao contrato celebrado entre o consumidor e o prestador do serviço as regras previstas na LCE, sendo inaplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 56/2010.
Pelo facto de existirem situações em que as ofertas para o consumidor não se traduzem na subsidiação de equipamentos, mas sim na atribuição de condições especiais - por exemplo a contratualização de preços muito atractivos e com contornos específicos muito benéficos (subsidiação de tarifários) -, o legislador prevê – no n.º 2 do artigo 48.º da LCE – a possibilidade de se verificar a “(…) oferta de condições promocionais (…)” e que incluem, para além da subsidiação de tarifários, a subsidiação dos custos de instalação e activação do serviço (e não do equipamento).
Considerando que o objectivo do Decreto-Lei n.º 56/2010 é assegurar a protecção dos consumidores, a interpretação sustentada pelo tribunal a quo introduziria uma limitação que: (i) impossibilita o aumento dos diversos tipos de produtos/serviços subsidiados disponibilizados aos clientes, situação que tem permitido, nos últimos anos, a massificação do consumo de produtos e serviços de comunicações electrónicas; (ii) impede as operadoras de se ressarcirem do esforço financeiro em que incorrem quando oferecem ao consumidor, por exemplo, tarifários promocionais, descontos nas comunicações, comunicações gratuitas para números da respectiva rede ou oferta de instalação/activação dos serviços; (iii) pode conduzir ao desaparecimento das ofertas de adesão, de instalação e de activação, aumentando os preços praticados – uma vez que os custos da instalação e de equipamentos são diluídos durante a permanência –, impossibilitando a recuperação do investimento e, em consequência, impedindo o consumidor de beneficiar de ofertas atractivas e acessíveis; (iv) limita ou impede a subsidiação das ofertas e dos serviços, o que se poderá traduzir num aumento das barreiras à entrada e, por esta razão, a penetração de produtos e serviços como a internet deixará de crescer aos ritmos actuais, podendo começar a aumentar o fosso relativamente ao resto da Europa.
Resulta, antes, da letra e do espírito da lei que o Decreto-Lei n.º 56/2010 é aplicável apenas quando esteja em causa a subsidiação de equipamentos, isto é, a entrega de telemóveis aos clientes, não sendo de aplicar em todas as outras (e múltiplas) situações em que estejamos perante uma subsidiação de tarifários ou de custos de instalação e activação.
No que se refere ao âmbito subjectivo do Decreto-Lei nº 56/2010, conjugando o teor do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 56/2010, com o teor do artigo 48.º, n.º 3 da LCE – que se refere expressamente a “consumidores” –, resulta claro que o mesmo aplica-se apenas a contratos com consumidores.
Da conjugação do teor do artigo 2.º, n.º 1 da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) com a definição de consumidor adoptada na LCE (artigo 3º, alínea j)), concluímos que neste sector consumidores são todos os que utilizem os serviços de comunicações para fins não profissionais.
No sector das comunicações electrónicas os contratos celebrados com profissionais, sejam eles empresas ou empresários em nome individual, são, na maioria das situações, negociados e contratualizados para servir os específicos interesses e concretos do assinante, conjugando uma grande diversidade de produtos, serviços e tarifários, não enquadráveis no Decreto-Lei n.º 56/2010, nomeadamente serviços de comunicações electrónicas e serviços de Sistemas de Informação/Tecnologias de Informação.
Assim, considerando a definição legal de consumidor - que exclui todos aqueles que usem os serviços para fins profissionais -, que o Estudo da AdC teve em conta a realidade dos particulares/consumidores em sentido estrito e não das empresas (na medida em que analisou os problema relativos à “mobilidade do consumidor” no sector das comunicações), e que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 56/2010 é feita, expressa e exclusivamente, menção a consumidor, não se poderá deixar de concluir que este diploma, e as regras nele previstas, não são aplicáveis a todos aqueles que utilizem os serviços para fins profissionais.
Partindo da letra da lei e tendo presente a mens legislatoris, em especial o Estudo da AdC e a evolução legislativa no sector das comunicações electrónicas após a sua publicação, a interpretação aponta para um âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 56/2010 (i) restrito a contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas em que esteja em causa o fornecimento de equipamentos bloqueados, (ii) desde que estes contratos tenham sido celebrados com aqueles que utilizem os serviços para fins não profissionais (apenas estes deverão ser considerados consumidores).
No caso dos autos e tendo presente a matéria de facto provada, nomeadamente que “(…) a ré incumpriu efectivamente o contrato celebrado com a autora no que concerne ao período de permanência”, resulta que a cláusula penal, constante das Condições Gerais do contrato, é válida à luz do nosso ordenamento jurídico.
Atenta a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, não poderá tal cláusula ser apreciada à luz do Decreto-Lei n.º 56/2010, uma vez que não cai no seu âmbito de aplicação.
Sem prescindir, sempre se dirá que o diploma não é aplicável, uma vez que a apelada não é, para os efeitos previstos Decreto-Lei n.º 56/2010, um consumidor.
Conforme resulta da matéria de facto provada, o contrato foi celebrado entre comerciantes (conforme a definição do artigo 13.º do Código Comercial).
Do teor do contrato elencado na factualidade provada, resulta inequivocamente, e a apelada não contestou, que foram vários os benefícios que lhe foram concedidos, benefícios estes que justificaram e fundamentaram os períodos de fidelização estipulados.
Em momento algum a apelada alegou e muito menos provou que as condições resultantes do contrato que celebrou com a aqui apelante, designadamente as obrigações que assumiu, foram desproporcionadas aos benefícios que retirou de tal contrato na prossecução do seu fim, leia-se o lucro, tendo presente o princípio da especialidade do fim que norteia a capacidade das sociedades comerciais (artigo 6º do CSC).
A apelada não é, de acordo com a acepção que decorre do Decreto-Lei n.º 56/2010, um consumidor, uma vez que se trata de uma pessoa colectiva e subscreveu o contrato no exercício da sua actividade, pelo que os serviços foram utilizados para fins profissionais.
O legislador não previu, e do Decreto-Lei n.º 56/2010 não resulta, em momento algum aliás, que a previsão de cláusulas penais só é válida quando os contratos são celebrados e há a oferta ou a entrega de equipamentos, uma vez que esta (entrega de equipamentos) não constituiu o único benefício atribuído pelos operadores, existindo diversas situações em que os consumidores têm direito a condições especiais.
A cláusula penal tem por objectivo compensar os operadores de todos os custos associados ao consumidor, custos estes que foram assumidos pelo operador porque este (consumidor) se obrigou a cumprir um determinado período de permanência e que seriam diluídos durante esse período.
Admitir que o valor devido pelo incumprimento do contrato pelo consumidor apenas é admissível quando tenham sido entregues equipamentos, traduzir-se-á num incentivo ao incumprimento sistemático dos contratos pelos consumidores, já que (i) nas situações em que o valor do incumprimento seja superior aos montantes máximos fixados no Decreto-Lei n.º 56/2010 haverá um incentivo ilegítimo ao incumprimento e (ii) nas situações em que não se verifica a entrega de equipamentos não poderá existir qualquer cláusula penal e o investimento efectuado pelo operador nunca será ressarcido.
Aliás, nesta segunda hipótese nem sequer faria sentido a existência de períodos de fidelização contratual, porque o consumidor poderia incumprir, a todo o tempo, o contrato, e o operador não tinha qualquer mecanismo para se proteger e ressarcir – maxime, através de uma cláusula penal – do investimento que efectuou (porquanto tal cláusula seria sempre, e em todos os casos, nula), o que constituiria uma limitação inadmissível do princípio da liberdade contratual e tornaria inúteis e vazias de conteúdo as normas da LCE que prevêem expressamente a existência de períodos de fidelização e o pagamento dos encargos em caso de cessação antecipada do contrato pelos clientes.
Estamos perante duas realidade distintas, que o legislador regulou em diplomas diferentes e com alcances diversos: no caso do desbloqueamento de equipamentos (previsto no Decreto-Lei n.º 56/2010 e que é distinto e independente da prestação do serviço) o legislador definiu limites máximos para o serviço prestado, limites estes que estão relacionados com o valor do equipamento e com o momento em que o consumidor solicita o desbloqueamento; no que se refere ao incumprimento do período de permanência (que resulta de um acordo do consumidor, que conhece e sabe as condições em que o serviço será prestado e está previsto na LCE), o legislador não definiu limites concretos, nem requisitos específicos, cabendo às partes, como corolário da liberdade contratual, concretizar os montantes devidos em caso de incumprimento desse período.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos violou o disposto nos artigos 9º, 405º e 810º todos do Código Civil e o artigo 48º da Lei nº 5/2004, de 10/2, na redacção dada pela Lei 51/2011, de 13/9, ao não aplicar a cláusula penal convencionada entre as partes e, consequentemente, absolver a ré da indemnização nela prevista e peticionada nos autos.
Deverá, pois, a decisão proferida ser substituída por outra que julgue a cláusula penal válida e em face dos factos dados como provados condene a ré na totalidade do pedido.
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Nas contra-alegações, a ré sustenta a confirmação da sentença e apresenta as seguintes conclusões:
A) A taxa de justiça autoliquidada pela apelante é insuficiente por corresponder a acção/recurso com o valor de acção de € 2.000,01 a € 8.000,00, ao invés de corresponder a acção/recurso com o valor de acção de € 8.000,01 a € 16.000,00;
B) Nos termos do artigo do nº 2 do artigo 150º-A do CPC, a junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante;
C) Pelo que, transposto para o caso, deve a apelação em apreço ser devolvida à apelante, com as demais consequências legais;
D) A Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, reiteradamente invocada pela apelante, não tem aplicação ao caso por ser vigência posterior à data dos factos, atento ao artigo 12º do Código Civil;
E) O DL nº 56/2010, de 1 de Junho, imperativo para os operadores de telecomunicações não introduzindo qualquer distinção em função do co-contratante ser uma pessoa singular ou ser uma pessoa colectiva, antes aplica-se-lhes sem qualquer distinção;
F) O DL nº 56/2010, de 1 de Junho, aplicável ao caso, sanciona com nulidade qualquer convenção ou disposição que contrarie ou exclua o previsto nas suas normas;
G) Nos termos do DL nº 56/2010, de 1 de Junho, só é válida a cláusula penal para incumprimento do contrato durante o período de fidelização apenas é válida se e quando a celebração do contrato for acompanhada pela oferta de equipamentos ou com a sua entrega a preços especiais;
H) Não tendo a apelante alegado nem provado a entrega de equipamentos nas condições referidas na alínea anterior, é, nos termos do artigo 8º do DL nº 56/2010, de 1 de Junho, nula a eventual existência de cláusula penal, cujos concretos termos, aliás, aquela também não alegou nem demonstrou.
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O juiz relator do Tribunal da Relação julgou improcedente a questão prévia suscitada pela ré quanto à insuficiência da taxa de justiça paga pela autora.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a dirimir prende-se com a validade da cláusula penal.
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Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
1- A autora e a ré, sob proposta desta, celebraram um acordo escrito com o número ………, conforme documentos juntos a fls. 80 a 97, cujo teor se dá por reproduzido.
2- Na sequência desse acordo, a autora iniciou a prestação dos seus serviços de telecomunicações, com efectiva utilização pela ré, tendo esta última usufruído de serviços.
3- Em 29/7/2011, a ré comunicou à autora o pedido de portabilidade de parte dos números de telefone referentes à conta número ………, bem como o pedido de cessação dos efeitos do acordo, conforme documento junto a fls. 21 e 22, cujo teor se dá por reproduzido.
4- Por referência ao acordo, a autora emitiu e remeteu à ré as facturas juntas a fls. 99 a 109, cujo teor se dá por reproduzido.
5- No âmbito do acordo e antes da concretização da portabilidade mencionada em 3, a autora prestou serviços à ré no montante global de 484,95€, conforme documento junto a fls. 99 a 104, cujo teor se dá por reproduzido.
Na sentença consideraram-se não provados os seguintes factos:
- que no âmbito do acordo a ré tenha efectuado chamadas telefónicas e usufruído de serviços, designadamente de internet, em data posterior a 19/8/2011;
- que a autora tenha despendido a quantia de 49,96€ com as diligências de cobrança da dívida, tendentes a evitar o recurso à presente acção.
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A autora terminou as suas alegações com a afirmação de que a ré deve ser condenada na totalidade do pedido.
Mas se se recuar ao início das alegações da apelação, constata-se que a autora só discorda da absolvição da ré na parte de 7.634€ e de 12,30€ que reclama na factura de 9/12/2011, conformando-se com a improcedência do pedido quanto aos capitais de 426,81€ e de 426,81€, reclamados nas facturas de 8/10/2011 e 8/11/2011, e conformando-se com a improcedência do pedido quanto ao montante de 184,95€ reclamado na supra referida factura de 9/12/2011.
A autora também se conforma com a improcedência do pedido quanto ao montante de 49,96€ que reclamava no requerimento de injunção a título de despesas em que incorreu para cobrar a dívida à ré.
As conclusões da apelação delimitam o respectivo objecto e tais conclusões só retratam a discordância da autora com a absolvição daqueles capitais de 7.634€ e de 12,30€, os quais corporizam a cláusula penal do contrato, tendo a autora alegado que essas duas verbas se relacionam com o valor das mensalidades em falta até ao fim do período de fidelização.
Por se entender como medianamente extenso e ser útil quase todo o texto, procede-se à transcrição quase integral do Decreto-Lei [DL] 56/2010, de 1/6.
””””””Artigo 1: Objecto.
O presente decreto-lei estabelece limites à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de comunicações electrónicas, bem como pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes nas comunicações electrónicas e promovendo uma maior concorrência neste sector.
Artigo 2: Âmbito.
1- É proibida a cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento dos equipamentos referidos no artigo anterior, findo o período de fidelização contratual.
2- Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a:
a) 100% do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no decurso dos primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
b) 80% do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, após os primeiros seis meses daquele período, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis;
c) 50% do valor do equipamento à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, no último ano do período de fidelização, deduzido do valor já pago pelo utente, bem como de eventual crédito do consumidor face ao operador de comunicações móveis.
3- É proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização.
4- Não existindo período de fidelização, pelo serviço de desbloqueamento do equipamento não pode ser cobrada uma quantia superior à diferença entre o valor do equipamento, à data da sua aquisição ou posse, sem qualquer desconto, abatimento ou subsidiação, e o valor já pago pelo utente.
5- Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por serviço de desbloqueamento o serviço prestado pelo operador ou prestador de serviços que consiste na descarga de um software que permite o acesso do equipamento a outros operadores ou prestadores de serviços.
Artigo 3: Operação de desbloqueamento.
A obrigação de proceder ao desbloqueamento do equipamento incumbe ao operador ou prestador de serviço que o bloqueou, devendo ser realizada no prazo máximo de cinco dias a contar do dia em que o utente solicitou a sua realização.
Artigo 4: Prazo máximo do período de fidelização.
O período de fidelização não pode ter duração superior a 24 meses.
Artigo 5: Dever de informação.
1- Sem prejuízo do disposto no artigo 47 da Lei 5/2004, de 10/2, o operador de comunicações móveis deve, previamente à celebração do contrato, informar por escrito o utente sobre as características do equipamento, nomeadamente sobre se este se encontra bloqueado, o preço e as condições do seu desbloqueamento, bem como sobre o preço do equipamento bloqueado e desbloqueado.
2- Em qualquer momento do período de fidelização, e a pedido do utente, deve o operador ou prestador de serviços informar sobre a data do termo desse período e do bloqueamento do aparelho, bem como sobre o valor que o utente tem de pagar em caso de resolução antecipada do contrato.
3- A prova do cumprimento do disposto no presente artigo cabe ao operador ou prestador de serviço.
Artigo 6: Fiscalização. […]
Artigo 7: Contra-ordenações. […]
Artigo 8: Carácter injuntivo.
É nula qualquer convenção ou disposição que contrarie ou exclua o disposto no presente decreto-lei.
Artigo 9: Disposições transitórias.
1- O presente decreto-lei aplica-se a todos os contratos em execução no momento da sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2- O disposto no artigo 4 aplica-se aos contratos celebrados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei.
Artigo 10: Entrada em vigor. […]”””””””.
O conceito de “utente nas comunicações electrónicas”, empregue no transcrito art. 1, não vem definido no art. 3 da Lei 5/2004, de 10/2 (Lei das Comunicações Electrónicas), seja na redacção original dessa lei, seja na redacção introduzida pelo art. 2 da Lei 51/2011, de 13/9.
Não se pode restringir a condição de “utente nas comunicações electrónicas”, na acepção do DL 56/2010, à definição de “consumidor” que vem enunciada naquele art. 3 da Lei 5/2004, o mesmo é dizer a “pessoa singular que utiliza um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público para fins não profissionais”, não obstante em cada uma das três alíneas do transcrito art. 2 nº 2 constar a expressão “consumidor”.
De outro modo, viria escrito no texto do art. 1 do DL 56/2010 a expressão “direitos dos consumidores nas comunicações electrónicas”, em vez do texto “direitos dos utentes nas comunicações electrónicas”.
No preâmbulo do DL 56/2010 tanto consta a expressão “consumidores” como a expressão “utilizadores”, a ponto de aí se referir que se trata de diploma legal que “visa garantir os direitos dos utilizadores”.
O DL 56/2010 vale para todos os assinantes de contratos de comunicações electrónicas, na acepção de “assinante” daquele art. 3 da Lei 5/2004, ou seja “a pessoa singular ou colectiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”.
A ré, sendo equiparada a pessoa colectiva e destinando o serviço em causa para fins profissionais, é “utente nas comunicações electrónicas” na acepção do DL 56/2010, não interessando que não seja “consumidor” à luz da definição do art. 3 da Lei 5/2004.
Improcede a objecção da autora no sentido de a disciplina do DL 56/2010 apenas ser aplicável a consumidores e não à ré, por esta não ter o estatuto de consumidor.
A autora reclama o pagamento da verba controvertida de 7.646,30€ na factura emitida em 9/12/2011.
Esta data é posterior ao dia de entrada em vigor da Lei 51/2011, o dia 14/9/2011, pelo que é pertinente discutir o assunto da apelação à luz das alterações legislativas decorrentes desse diploma legal.
O art. 2 da Lei 51/2011 introduziu a al. h) no nº 2 do art. 2 da Lei 5/2004, com o seguinte teor:
“2- O disposto na presente lei não prejudica: (…) h) o regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos, previsto no DL 56/2010, de 1/6”.
É certo que a disciplina do DL 56/2010 não se limita à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos, também abrangendo a proibição da cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato, durante o período de fidelização, cujo valor exceda indexante limitado pelo valor corrente de equipamentos cedidos ou vendidos.
Mas não se extrai da adição daquela h) ao texto do nº 2 do art. 2 da Lei 5/2004 qualquer derrogação ou alteração da disciplina do DL 56/2010 operada pela Lei 51/2011.
Afinando melhor o que se acaba de referir, entende-se que as alterações à Lei 5/2004 introduzidas pela Lei 51/2011, nem derrogam nem alteram a disciplina do DL 56/2010 ao proibir a cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato, durante o período de fidelização, cujo valor exceda indexante limitado pelo valor corrente total de equipamentos adquiridos, estando esse indexante regulado nas três alíneas do art. 2 nº 2 do DL 56/2010.
Discorda-se da afirmação da autora quanto ao entendimento de a Lei 51/2011 ser instrumento de reconhecimento pelo legislador de que o DL 56/2010 versa exclusivamente as quantias cobradas pelo desbloqueamento de equipamentos, antes se reiterando que a Lei 51/2011 nem derrogou nem alterou a disciplina do DL 56/2010.
Se a intenção do legislador fosse a de suprimir a disciplina do DL 56/2010 na matéria de proibição de cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato, durante o período de fidelização, cujo valor exceda indexante limitado pelo valor corrente total de equipamentos adquiridos, não teria aditado a transcrita al. h) ao art. 2 nº 2 da Lei 5/2004, antes tendo alterado, logo por via dessa mesma Lei 51/2011, o texto do DL 56/2010, nomeadamente o texto do corpo do art. 2 nº 2 e o texto do art. 2 nº 3, a exemplo das (únicas) alterações legislativas que a Lei 51/2011 operou, as da dita Lei 5/2004 e as do DL 177/99, de 21/5.
O paradigma de alteração do DL 56/2010 que sustentaria a tese da autora consistiria na supressão dos trechos que, em seguida, vão destacados a negrito, trechos esses que, ao invés, sustentam a tese da sentença, a qual se confirmará neste acórdão:
- supressão no artigo 1: O presente decreto-lei estabelece limites à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos destinados ao acesso a serviços de comunicações electrónicas, bem como pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, garantindo os direitos dos utentes nas comunicações electrónicas e promovendo uma maior concorrência neste sector;
- supressão no corpo do artigo 2 nº 2: Durante o período de fidelização, pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento do equipamento, é proibida a cobrança de qualquer contrapartida de valor superior a;
- supressão do artigo 2 nº 3: É proibida a cobrança de qualquer contrapartida, para além das referidas no número anterior, a título indemnizatório ou compensatório pela resolução do contrato durante o período de fidelização.
- supressão no artigo 5 nº 2: Em qualquer momento do período de fidelização, e a pedido do utente, deve o operador ou prestador de serviços informar sobre a data do termo desse período e do bloqueamento do aparelho, bem como sobre o valor que o utente tem de pagar em caso de resolução antecipada do contrato.
A alteração ao art. 48 da Lei 5/2004 introduzida pelo art. 2 da Lei 51/2011 é extensíssima, transcrevendo-se os números 2 e 5 a 7:
“2- A informação relativa à duração dos contratos deve incluir indicação da existência de períodos contratuais mínimos associados, designadamente, à oferta de condições promocionais, à subsidiação do custo de equipamentos terminais ou ao pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores, bem como indicar eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais.
5- Sem prejuízo da existência de períodos contratuais mínimos, nos termos do número anterior, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
6- Sempre que a empresa proceda a uma alteração de qualquer das condições contratuais referidas no número 1, deve comunicar por escrito aos assinantes a proposta de alteração, por forma adequada, com uma antecedência mínima de um mês, devendo simultaneamente informar os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer penalidade, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato.
7- O disposto no número anterior não se aplica às alterações contratuais em que seja possível identificar uma vantagem objectiva para o assinante, nem afasta o regime de contrapartidas previstas para a rescisão antecipada, pelos assinantes, dos contratos que estabelecem períodos contratuais mínimos”.
Os dispositivos do art. 48 ora transcritos têm disciplina jurídica difusa e parcialmente indeterminada, a qual não contende com a disciplina totalmente concreta e impositiva do corpo do art. 2 nº 2 e do art. 2 nº 3 do DL 56/2010 na parte em que proíbe a cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato, durante o período de fidelização, cujo valor exceda indexante limitado pelo valor corrente total de equipamentos adquiridos.
As transcritas normas do art. 48 centram-se em conceitos abertos, não podendo conceitos legislativos abertos alterar ou derrogar os conceitos legislativos fechados e sem margem de indefinição que constam naquele DL 56/2010, cuja vigência já se verificava.
Onde o DL 56/2010 proíbe, a transcrita nova redacção do art. 48 sugere e devaneia.
Aos conceitos fechados e índices fechados do DL 56/2010, a transcrita nova redacção do art. 48 não contrapõe outros conceitos fechados e outros índices fechados.
Não se verifica a “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes”, no sentido que o art. 7 nº 2 da Código Civil estabelece como título de derrogação da lei velha pela lei nova, tal como não existe sobreposição concretizável entre os conteúdos legislativos referidos, por indeterminação e fluidez da lei nova. Essencialmente não há sobreposição de conteúdos e ao que é denso, impositivo e concreto, opõe-se o que é incerto e, as mais das vezes, facultativo.
A referida disciplina do corpo do art. 2 nº 2 e do art. 2 nº 3 do DL 56/2010 estabelece uma proibição, empregando a expressão “é proibida”, sendo salvaguardada por ordenamento punitivo de natureza contra-ordenacional – trata-se de contra-ordenação grave, prevista e punida no art. 7 nº 1 do DL 56/2010 e no art. 7 nº 3 da Lei 99/2009, de 4/9 –, pelo que tal disciplina se impõe como verdadeira norma de ordem pública e se sobrepõe a conteúdos contratuais, não só os de contratos futuros, como os de contratos já existentes, conforme arts. 8 e 9 do DL 56/2010.
Entende-se que a disciplina de ordem pública do DL 56/2010 em nada é alterada ou derrogada pelas alterações à Lei 5/2004 introduzidas pela Lei 51/2011, antes reiterando esta última lei a total eficácia do DL 56/2010 – incluindo a específica proibição de cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato, durante o período de fidelização, cujo valor exceda indexante limitado pelo valor corrente total de equipamentos adquiridos – por via da nova al. h) do nº 2 do art. 2 da Lei 5/2004, cujo texto se repete: “2- O disposto na presente lei não prejudica: h) o regime jurídico aplicável à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos previsto no DL 56/2010, de 1/6”.
Se não tiver sido vendido, ou de outra forma fornecido, qualquer equipamento pelo operador da rede pública de comunicações electrónicas ao utente das comunicações electrónicas, aquelas normas do corpo do art. 2 nº 2 e do art. 2 nº 3 impedem que o operador cobre o que quer que seja pela resolução do contrato, resolução essa operada pelo utente durante o período de fidelização.
Dentro de contexto aproximado, também será esse o resultado de inexistência de compensação quando ocorreu venda do equipamento pelo operador ao utente pelo preço corrente que valeria numa venda normal entre um vendedor e um comprador não unidos por contrato de fornecimento de comunicações electrónicas.
É correcta a seguinte afirmação da sentença: “neste sector a estipulação de cláusulas penais só é válida – e com limites – quando a celebração de contratos é acompanhada pela oferta de equipamentos, ou com a sua entrega a preços especiais [especiais no sentido de preços inferiores aos preços correntes]”.
A autora reclamou à ré o pagamento dos capitais de 7.634€ e de 12,30€ na factura de 9/12/2011, mas tais verbas em nada se relacionam com equipamentos entregues pela autora à ré sem contrapartida monetária imediata, nem com equipamentos vendidos pela autora à ré a preço inferior ao preço corrente que valeriam numa venda normal entre um vendedor e um comprador não unidos por contrato de fornecimento de comunicações electrónicas.
A autora alegou que essas verbas de cláusula penal se relacionam com o valor das mensalidades em falta até ao fim do período de fidelização, desmentindo qualquer relação com equipamentos.
Sem aqueles equipamentos não se concretiza nenhum dos indexantes previstos nas três alíneas do art. 2 nº 2 do DL 56/2010, pelo que os capitais de 7.634€ e de 12,30€ não são devidos, nos termos do corpo do art. 2 nº 2 e do art. 2 nº 3 do DL 56/2010.
A apelação improcede.
Sumário previsto no art. 663 nº 7 do novo Código de Processo Civil:
1- No caso de rescisão do contrato de acesso a redes públicas de comunicações electrónicas por parte do utente, ocorrida durante o período de fidelização, o Decreto-Lei 56/2010, de 1/6, proíbe que o operador de serviços de comunicações electrónicas cobre ao utente indemnização com valor superior ao preço corrente de equipamentos que tal operador tenha fornecido ao utente, preço corrente esse que poderá ser minorado pelo decurso do tempo, em conformidade com indexantes previstos nas três alíneas do nº 2 do art. 2 daquele diploma legal.
2- Se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou se foi praticada venda de equipamentos ao preço corrente de mercado, o utente não terá de indemnizar o operador pela rescisão ocorrida durante o período de fidelização.
3- A disciplina do Decreto-Lei 56/2010 não foi alterada ou derrogada pela entrada em vigor da Lei 51/2011, de 13/9.
4- O Decreto-Lei 56/2010 vigora para todos os assinantes de contratos de comunicações electrónicas, na acepção de “assinante” do art. 3 da Lei 5/2004, de 10/2, ou seja “a pessoa singular ou colectiva que é parte num contrato com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público para o fornecimento desses serviços”.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar a apelação improcedente e confirmam a sentença.
Custas pela autora, com base no valor tributário de 7.646,30€.

Porto, 26/6/2014
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros
Pedro Martins

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7d46489d07c3a0d580257d0f005525d7?OpenDocument

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