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quinta-feira, 4 de abril de 2013

RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MAGISTRADOS PRISÃO PREVENTIVA EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 04/02/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
397/09.7TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MAGISTRADOS
PRISÃO PREVENTIVA
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR

Nº do Documento: RP20130204397/09.7TVPRT.P1
Data do Acordão: 04-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 225º DO CPP
ARTº 22º CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Sumário:
Reclamações: I – Se a prisão preventiva se não mostrar manifestamente ilegal e nem injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependa, não comporta virtualidade para poder gerar crédito de indemnização em favor da pessoa que a suportou, ainda que esta venha, no final, a ver julgado extinto o procedimento criminal contra si promovido (artigo 225º do Código de Processo Penal, na redacção pretérita à da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto);
II – O artigo 225º do Código de Processo Penal ancora-se no artigo 27º, nº 5, da Constituição da República;
III – Não sendo a fluorescência de danos o único critério a condicionar o nascimento da obrigação de indemnizar, não é de reconhecer ao artigo 22º da Constituição a virtualidade, só por si, de fazer gerar um tal vínculo; em particular estando em causa matérias que, na lei constitucional e na ordinária, se acham sujeitas e especial e ponderada regulação, como é o caso das relativas à privação da liberdade e às condições da responsabilidade quando cause prejuízo.

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo nº 397/09.7TVPRT.P1
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. Apelante
- B…, residente na Rua … nº ., .º dt.º, em Santarém;
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. Apelado
- O Estado Português.
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SUMÁRIO:
I – Se a prisão preventiva se não mostrar manifestamente ilegal e nem injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependa, não comporta virtualidade para poder gerar crédito de indemnização em favor da pessoa que a suportou, ainda que esta venha, no final, a ver julgado extinto o procedimento criminal contra si promovido (artigo 225º do Código de Processo Penal, na redacção pretérita à da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto);
II – O artigo 225º do Código de Processo Penal ancora-se no artigo 27º, nº 5, da Constituição da República;
III – Não sendo a fluorescência de danos o único critério a condicionar o nascimento da obrigação de indemnizar, não é de reconhecer ao artigo 22º da Constituição a virtualidade, só por si, de fazer gerar um tal vínculo; em particular estando em causa matérias que, na lei constitucional e na ordinária, se acham sujeitas e especial e ponderada regulação, como é o caso das relativas à privação da liberdade e às condições da responsabilidade quando cause prejuízo.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. A instância da acção.
1.1. B… propôs acção declarativa contra o Estado Português pedindo a condenação do réu a ressarci-lo « nos termos do artigo 225º nº 1 do Código de Processo Penal dos danos causados no valor de 1.000.000,00 € (um milhão de euros) ».
Diz que foi arguido em processo-crime, acusado de burla, falsificação de documento, fraude fiscal, associação criminosa e concorrência desleal; sendo-lhe aplicadas como medidas de coacção o termo de identidade e residência e caução. Foi pronunciado por associação criminosa, fraude fiscal e concorrência desleal; e condenado, em cúmulo e 1ª instância, na pena de 4 anos de prisão; em 2ª instância, em 3 anos e 6 meses; pena mais tarde ainda reduzida para 3 anos.
Acrescenta que foi arguido noutro processo-crime; neste acusado de burla, falsificação de documento, fraude fiscal, associação criminosa e concorrência desleal; e foi preso preventivamente, por se considerar perigo de fuga, de continuação da actividade criminosa, perturbação do inquérito e perigo para a preservação da prova; condições que, porém, assentaram em erro grosseiro de apreciação dos pressupostos de facto; e contribuindo apenas para agravar o seu frágil estado de saúde e situação económica. É que foi pronunciado apenas por fraude fiscal, concorrência desleal e associação criminosa; requereu, por causa do seu estado de saúde, a revisão da medida de coacção, sem êxito; voltou a requerer a substituição da prisão, outra vez sem sucesso. Entretanto, foi condenado pela associação criminosa e prática continuada de fraude fiscal, em 1ª instância, na pena cumulada de 4 anos e 3 meses. Recorreu da manutenção da prisão preventiva, sem êxito; requereu a revogação desta, sem sucesso. E só decorridos 3 anos, 4 meses e 25 dias de prisão foi libertado, por decisão do tribunal da Relação; período em que a saúde se lhe agravou consideravelmente. Ademais, recorreu da decisão condenatória com fundamento em violação do princípio “ne bis in idem” e o tribunal da Relação acolheu o recurso, declarando extinto o procedimento criminal; decisão que o Supremo Tribunal confirmou.
Isto é, viu o autor reconhecido que os factos do processo pelo qual esteve preventivamente preso eram os mesmos pelos quais foi também julgado em processo onde se lhe aplicaram mais atenuadas medidas coactivas; não se percebendo porque é que, nas mesmas circunstâncias factuais, ali foi imposta a privação da liberdade, quando aqui se não mostrou essa necessidade; sendo aqui condenado sem sujeição a um único dia de prisão; e ali visto extinto o procedimento criminal e privado de liberdade por mais de 3 anos. Com a consequência de ter ficado sem posses económicas e dependente financeiramente dos filhos e com um estado de saúde agravado; o que teria sido evitado não fosse a aplicação da máxima medida coactiva, mesmo inexistindo o perigo de fuga, de continuação do crime ou de perturbação da investigação.
A aplicação da prisão «assentou num erro grosseiro de apreciação dos pressupostos de facto de que dependia» (artigo 225º do Código de Processo Penal); tem natureza excepcional (artigo 28º da Constituição da República). E, no caso, gerou danos graves ao autor, sobretudo quanto ao seu estado de saúde e precária situação económica.
Além disso, ainda que se entenda que não houve erro grosseiro; a simples injustiça da privação da liberdade, a afectação lícita deste valor, quando se venha a demonstrar injustificada ab initio, por mais tarde se vir apurar afinal lhe não corresponder factualidade de relevo, é capaz de assumir, em princípio, carácter de gravidade, penosidade e anormalidade merecedor da tutela do direito para fins indemnizatórios; hipótese em que a norma atributiva do direito se contém no artigo 22º da Constituição.
Em qualquer dos casos, está concretizada a obrigação de indemnizar do réu; desde logo, enquanto o juízo de culpabilidade provisória que sustenta a decisão da prisão preventiva se não puder sobrepor, sem reparação de dano, ao juízo definitivo da absolvição do arguido.

1.2. O réu contestou; e concluiu pela improcedência da acção.
Enquadra a pretensão do autor primordialmente nos artigos 27º, nº 5, da constituição, e 225º, nº 1, alínea b), do código de processo; subsidiariamente no artigo 22º da constituição. Ocorre é que, na hipótese, houve sucessivas decisões, em 1ª e 2ª instâncias, a ordenar e manter licitamente a prisão preventiva; de modo adequado e na devida proporcionalidade. Desde logo, a prisão foi decretada por se entender verificado, em concreto, perigo de fuga e de continuação do crime e perigo de perturbação de inquérito; como fundadamente se exarou no despacho, já que o arguido violara as obrigações decorrentes da prestação de t.i.r.. No recurso que o arguido interpôs, a 2ª instância, fundamentadamente, com apelo a factos a isso adequadamente conducentes, manteve a prisão preventiva. Esta foi sendo sucessivamente mantida. E só foi revogada, estando pendente recurso de decisão condenatória do processo-crime, por se constatar a iminência da sua extinção; se bem que se mantendo os respectivos pressupostos fácticos. E é nesse recurso que, por considerar violado o “ne bis in idem”, o tribunal da Relação extingue o procedimento criminal; com confirmação no Supremo. Isto é; tratou-se de solucionar um assunto jurídico controverso; não merecendo estranheza a não sujeição a prisão no processo-crime em que foi condenado; autónomo daquele em que esteve efectivamente preso; cada qual com tramitação própria e desfecho diverso; à partida, imprevisível. E ademais tratando-se de conduta criminosa continuada seguro é que não houve absolvição mas com todo alcance condenação pela prática dos factos integradores das infracções pronunciadas.
Seja como for, não houve erro grosseiro ou temerário, em face dos factos e circunstâncias que se apurou ocorriam na altura em que a prisão foi decretada e mantida. Além disso, ao autor incumbia alegar e provar a existência do dano e, também, o nexo causal; o que ele nem sequer esboçou. Por fim; a quantia pedida acha-se aleatoriamente indicada, sem alicerce algum; e sempre em termos exagerados, sem ligação alguma aos habitualmente arbitrados. Ao autor, em suma, não assiste o direito à indemnização que peticiona.

2. A instância declaratória desenvolveu-se; e foi proferido despacho saneador que conheceu do mérito da causa.

Essencialmente, nele se considerou que « à matéria aqui em causa, … é aplicável o regime da lei ordinária que vigorava ao tempo dos factos, ou seja, é aplicável a redacção do artigo 225º do C.P.P., antes da alteração introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto ».
A seguir, ser « insofismável que a prisão preventiva do autor não pode, de forma alguma, ser qualificada como ilegal e, muito menos, como manifestamente ilegal ».
Por fim, que a doutrina que alarga a responsabilidade civil a casos de prisão preventiva lícita e justificada, se bem que geradora de danos, não é a correntemente seguida na jurisprudência do Supremo; antes, a que reconhece a relação de especialidade do artigo 27º, nº 5, da Constituição (e do decorrente artigo 225º do código de processo), para a situação da privação de liberdade, relativamente ao artigo 22º da mesma lei fundamental, para a responsabilidade em geral do Estado; por isso, que arreda da hipótese específica o quadro normativo geral.

A decisão final, portanto, a de que, improcedente a acção, absolvido foi «o réu Estado Português do pedido contra ele formulado pelo autor B…».

3. A instância do recurso.

3.1. O autor inconformou-se; e interpôs recurso de apelação.
Formulou alegação; que fez findar com as seguintes conclusões:

a) O presente recurso incidirá sobre a decisão judicial que não deu provimento ao pedido indemnizatório formulado contra o Estado Português, ao abrigo do disposto no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa;
b) A discórdia quanto ao teor da decisão de que se recorre assenta, sobre-tudo, numa questão de direito, uma vez que a matéria de facto provada assenta, toda ela, em prova documental decorrente de certidões judiciais extraídas dos processos nº 447/99.3TDPRT-A, que correu termos na 2ª vara criminal do Porto e nº 6041/07.6TDPRT, que também correu termos na 2'ª vara criminal do Porto;
c) Em suma, o recorrente entende, com base na factualidade dada como provada, para cujo teor se remete e se dá por reproduzido, que o Estado Português deveria indemnizá-lo;

d) Para uma melhor compreensão e de forma sucinta cumpre dizer que o pedido de indemnização tem origem nos seguintes factos:
O autor foi arguido em dois processos-crime nos quais se apreciavam os mesmos factos.
No processo nº 447/99.3TDPRT-A o autor foi sujeito a TIR e caução económica.
No processo nº 6041/07.6TDPRT o autor foi sujeito a prisão preventiva.

e) Curiosamente, no âmbito do processo nº 447/99.3TDPRT-A o autor foi condenado e, no âmbito do processo nº 6041/07.6TDPRT viu o procedimento criminal extinto, por violação do princípio ne bis in idem;
f) Ou seja, o arguido estava, em dois processos diferentes, a ser julgado pelos mesmos factos. Por mais que o tribunal “a quo” tente disfarçar na sua fundamentação o conceito de “ne bis in idem”, a verdade é que o significado é só um: “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos”;
g) Foi precisamente o que sucedeu no âmbito do processo em que o autor estava sujeito a prisão preventiva e por isso foi, forçosamente, libertado;
h) Em suma, o autor perante a mesma factualidade, em dois processos diferentes viu-lhe ser aplicada uma medida de coacção não privativa da liberdade em processo que acabou condenado e a medida de coação mais grave num processo que culminou com a extinção do procedimento criminal por violação de um princípio importantíssimo tanto a nível Penal como Constitucional;

Quid juris?

i) Entende o recorrente que, in casu, a decisão do tribunal “a quo” viola o disposto no artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, porquanto:

“ao nível da doutrina há muito quem sustente, de resto, com opinião amplamente avalizada nestes domínios, a admissibilidade de fundamentar um direito de indemnização em todos estes casos na simples injustiça da privação da liberdade”;

j) Como afirma o próprio Professor Gomes Canotilho:

“ninguém compreenderá a justiça de um sistema pronto a reconhecer o direito à indemnização por danos causados à sua propriedade imobiliária, ao seu comércio e indústria, ao seu automóvel, mas reticente em aceitar o dever ressarcitório do Estado por danos emergentes da liberdade individual”

l) Aliás, como também o próprio Supremo Tribunal de Justiça já referiu:

“Ainda que não se descortine erro grosseiro aquando do decretamento da medida de prisão preventiva e/ou que não se apure erro no lapso de tempo porque se manteve a situação do prisão preventiva, mesmo assim a simples subsistência por um longo período de privação da liberdade que, afinal, se veio a revelar injustificada ab initio assume, em principio um carácter de gravidade penosidade e anormalidade merecedor da tutela do direito para fins indemnizatórios”;

m) Também no acórdão do Supremo de 12 Out 2000 pode ler-se:

“o artigo 225º do CPP ancora-se no artigo 27º, nº 5, da Lei Fundamental e reporta-se conforme se sublinhou, à responsabilidade por facto ilícito e por erro grosseiro; mas é bem possível conceber casos que constituem o Estado no dever de indemnizar quando estão em causa graves efeitos danosos por factos lícitos advenientes da função jurisdicional através da qual se decretou uma prisão preventiva legal sem erro grosseiro (…)
Com a aplicação analógica sustentada pelas normas similares do DL nº 48051, de 22.11.67, ou com a aplicação directa dos princípios gerais de direito que responsabilizam a administração e seus órgãos e fixam critérios indemnizatórios de ressarcimento dos danos, o certo é que nos casos referidos (prisão preventiva ordenada sem qualquer erro) a norma matriz que alicerça o direito indemnizatório do lesado é a do artigo 22º da Lei Fundamental e não a do artigo 27º, nº 5”;

n) O raciocínio plasmado na doutrina e jurisprudência referidas é claro e absolutamente pertinente para a resolução do caso concreto em apreço;
o) Ainda que da factualidade dada como provada resulte que não existiu erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva ao autor, a verdade é que, tal decisão, o privou da liberdade por mais de 3 anos para, a final, se concluir que o autor já tinha sido julgado pelos mesmos factos, em processo diferente e mais grave, não foi sujeito a qualquer medida de coacção privativa da liberdade;
p) Assim e ao contrário do entendimento do tribunal recorrido, o Estado português deve indemnizar o autor, conforme peticionado, por uma decisão do tribunal que o privou da liberdade injustamente, em cumprimento do comando legal ínsito no artigo 22º da CRP.

Em suma; deve revogar-se a sentença recorrida e o réu ser condenado a indemnizar o autor.

3.2. O réu respondeu; e na contra-alegação formulou as conclusões:

a) Resulta dos factos assentes que a conduta e o modo de actuação não coincidem nem no tempo nem no espaço em ambos os processos criminais;
b) Não ocorrendo por conseguinte violação do princípio “ne bis in idem” nem “a fortiori”se verificando invocadas excepções de caso julgado ou de litispendência;
c) Pelo que as medidas coactivas aplicadas ao recorrente em cada um dos processos criminais se reportam a enquadramentos fáctico-jurídicos diversos;
d) Não se percepciona, nesse contexto, que tenha havido ilegalidade ou erro na aplicação do direito através dos actos jurisdicionais ali praticados;
e) O que compromete deveras a sustentabilidade do pedido indemnizatório formulado pelo apelante;
f) Sendo certo que a actividade interpretativa das normas jurídicas e a valoração ético-jurídica dos factos bem como a validação probatória se situam no núcleo da função jurisdicional;
g) Sendo a pedra basilar e angular da livre formação da convicção judicial e da independência dos tribunais pelo que e em conformidade necessariamente insindicáveis;

Em suma; deve improver o recurso e confirmar-se a sentença.

4. Delimitação do objecto do recurso.

As conclusões da alegação circunscrevem o exacto objecto do recurso (artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil); e, nessa óptica, para a hipótese concreta, é a seguinte a (única) questão decidenda a indagar:

Saber se, em face dos factos, se mostra gerada uma obrigação de indemnizar, a encargo do réu e a crédito do autor; em particular, concedida pela norma jurídica (atributiva) contida no artigo 22º da Constituição da República.

II – Fundamentos

1. A narrativa dos factos.
1.1. O tribunal “a quo” para sustentar o enquadramento normativo discriminou o seguinte acervo de factos que considerou assentes:

i. No âmbito do processo comum colectivo nº 447/99.3TDPRT-A (anterior processo nº 171/2000), que correu termos na 2ª vara criminal do Porto, o Ministério Público deduziu acusação, em 6.1.2000, contra o autor, na qualidade de arguido – juntamente com outros co-arguidos pessoas singulares, entre eles o arguido C..., e pessoas colectivas –, imputando-lhe a prática dos crimes de burla, falsificação de documento, fraude fiscal, associação criminosa e concorrência desleal (doc fls. 1761 a 1844);
ii. Nesse mesmo dia 6.1.2000, a magistrada do Ministério Público que dirigia a investigação do aludido processo criminal nº 447/99.3TDPRT-A emitiu um mandado para notificação do autor de que tinha sido proferido contra ele, em 6.1.2000, despacho de acusação (fls. 1144);
iii. Em cumprimento desse mandado, não foi possível proceder à notificação do autor, por este não residir na morada constante do termo de identidade e residência que havia prestado, sendo certo que a respectiva certidão negativa reproduzia as declarações prestadas, nesse acto, pela ex-mulher do autor, a qual «informou que a sua morada é na Rua ..., não sabendo o número, em Peniche» (doc fls. 1145);
iv. Na sequência desta informação, no dia 10.1.2000, o agente D..., da directoria do Porto da polícia judiciária, oficiou àquele processo-crime nº 447/99.3TDPRT-A, dando conhecimento da «violação de obrigações impostas por TIR e continuação da actividade criminosa» por parte do autor, informando que o mesmo não tinha fornecido «a sua morada verdadeira para o TIR a que foi sujeito» e que tinha violado uma das obrigações impostas, ao não «comunicar o lugar onde possa ser encontrado», tendo juntado, ainda, aos autos extractos de intercepções telefónicas comprovativas de que aquele «continuou a actividade delituosa», mesmo depois da sua constituição como arguido e de ter prestado TIR (doc fls. 1146);
v. No processo-crime nº 447/99.3TDPRT-A, por despacho de 13.4.2000, foram aplicadas ao autor as medidas de coacção de TIR e de prestação de caução no valor de 3.000.000$00, medidas de coacção essas que, posteriormente, foram mantidas por despacho de 30.8.2000 (docs fls. 2491 a 2496);
vi. Nesse mesmo processo-crime, foi requerida a abertura da instrução, tendo, a final, sido proferida decisão instrutória, em 13.4.2000, que pronunciou o autor pela prática de um crime de associação criminosa, um crime de fraude fiscal e um crime de concorrência desleal (doc fls. 2201 a 2245);
vii. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 26.7.2001, pela 2ª vara criminal do Porto, que condenou o autor, pela prática de um crime de associação criminosa e de um crime de fraude fiscal, na pena única de 4 anos de prisão (doc fls. 1848 a 2021);
viii. Tendo sido interposto recurso desse acórdão, a Relação do Porto, por acórdão de 29.5.2002, transitado em julgado em 6.4.2006, veio a condenar o autor, pela prática de um crime de concorrência desleal e de um crime de fraude fiscal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão (doc fls. 2022 a 2178);
ix. Posteriormente, por decisão de 4.10.2005 da 2ª vara criminal do Porto, foi declarada «cessada a execução da pena imposta» ao autor «por força da descriminalização do crime de concorrência desleal», tendo-se determinado que permanecia «a pena de 3 anos de prisão resultado da condenação pela prática de crime de fraude fiscal»; paralelamente, nessa mesma decisão, foi indeferido o pedido, formulado pelo autor naquele processo crime nº 447/99.3TDPRT-A, de desconto da prisão preventiva que havia cumprido no processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT (docs fls. 2491 a 2500);
x. No âmbito do processo criminal nº 447/99.3TDPRT-A, o autor nunca foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, nem cumpriu qualquer dia de prisão efectiva;
xi. No processo de inquérito nº 6041/07.6TDPRT-EE, posteriormente processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT, que correu termos na 2ª vara criminal do Porto, a magistrada do Ministério Público responsável pela investigação, por despacho de 11.1.2000 (fotocopiado a fls. 56 a 58), ordenou a passagem de mandados de detenção relativamente ao autor, a fim de o fazer apresentar no dia 12.1.2000, no tribunal de instrução criminal do Porto, para 1º interrogatório judicial, por existirem indícios da prática, pelo mesmo, de um crime de associação criminosa, constituída para a prática de crimes de fraude fiscal, burla qualificada e falsificação de documentos, sendo certo que, uma vez que qualquer dos referidos ilícitos «é punido com pena de prisão superior a três anos e é manifesto o perigo de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação do decurso do inquérito e perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova», mostrava-se «inadequada e insuficiente qualquer outra medida de coação» que não fosse «a prisão preventiva» (doc fls. 1148);
xii. Nessa sequência, o autor veio a ser detido no dia 11.1.2000, pelas 22h35 (doc fls. 1149), tendo sido apresentado, para 1º interrogatório judicial, à juíza do tribunal de instrução criminal do Porto, no dia 12.1.2000 (doc fls. 59 a 66);
xiii. No âmbito desse 1º interrogatório judicial, a magistrada do Ministério Público promoveu a aplicação ao autor da medida de coacção de prisão preventiva (doc. fls. 62 a 64), tendo, para o efeito, invocado, designadamente, os seguintes fundamentos:
«A firma E..., Ldª, constituída em 1996 para o exercício do comércio de ouro, teve uma cisão de que resultou a criação de dois grupos organizados de pessoas, que constituíram empresas para a prática dos crimes de infracções fiscais não aduaneiras e burlas»
«Um deles, liderado pelos arguidos C... e F..., corresponde à investigação levada a cabo no inquérito nº 447/99.3TDPRT, onde foi deduzida acusação no dia 6.1.2000, contra aqueles e outros arguidos, entre os quais» o autor.
«O outro grupo iniciado e liderado pelos arguidos G..., H... e I... », que «arregimentaram para esse grupo » o autor, « a quem explicaram os fins a que o mesmo grupo se destinava e ao qual o mesmo aderiu, apoiando-os, constituindo assim um elemento fundamental e essencial à organização do grupo (…)».
O autor «como sócio das firmas atrás mencionadas ( J... e K...), criadas apenas para efectuarem levantamento do ouro e emitir facturas de compensação, facturas estas fictícias, por não corresponderem a quaisquer transacções reais de ouro, e cuja existência era fundamental para efectuar o equilíbrio contabilístico de outras empresas, com vista a ludibriar o fisco e sonegar à fazenda nacional o pagamento do IVA que era devido».
«Desta forma, todos os arguidos», incluindo o autor, «conseguiram arrecadar larga vantagem patrimonial, sonegando as respectivas importâncias ao Estado e que lhe eram devidas».
O autor, « apesar de constituído arguido e interrogado como tal, em Março de 1999, no inquérito nº 447/99.3 e de aí ter prestado TIR, por colaborar com o grupo liderado pelo C..., além de colaborar em simultâneo com este grupo, continuou mesmo a colaborar com ele após o seu interrogatório, tendo indicado no referido inquérito uma residência onde não vivia de facto, tendo em vista ludibriar as autoridades judiciárias, conforme o demonstraram a informação de serviço e os documentos juntos».
«Os fortes indícios em que assentam as imputações efectuadas» ao autor « baseiam-se nas próprias declarações por ele prestadas, nas declarações prestadas» pelos restantes arguidos nos interrogatórios a que foram submetidos, «no depoimento das testemunhas L... e M... e na documentação apreendida nas buscas e intercepções telefónicas já juntas aos autos por apenso».
«Encontra-se assim» o autor « incurso na prática de um crime de associação criminosa», constituída para a prática de crimes de fraude fiscal, burla qualificada e falsificação de documentos.
«Uma vez que qualquer destes ilícitos é punido com pena de prisão superior a 3 anos e é manifesto o perigo de continuação da actividade criminosa, atenta a natureza das própias infracções e o facto de» o autor, «mesmo depois de interrogado em processo de idêntica natureza, ter continuado a sua actividade e a colaborar nesta organização, verificando-se ainda o perigo de perturbação do decurso do inquérito e de perigo para aquisição, conservação e veracidade da prova, existindo também o perigo de fuga, conforme resulta da certidão negativa», «mostra-se inadequada e insuficiente qualquer outra medida de coação que não seja a de prisão preventiva»:
xiv. Por despacho de 12.1.2000 (doc fls. 64 a 66), a juíza do tribunal de instrução criminal do Porto decretou a prisão preventiva do autor, sendo que, nessa decisão, foram ponderados, nomeadamente, os seguintes fundamentos:
« Indiciam fortemente os autos a prática » pelo autor « do crime de associação criminosa, associação essa constituída para a prática de crimes de fraude fiscal, burla qualificada e falsificação de documentos».
«No caso dos autos, a nossa convicção é sem dúvida de uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição ».
«Com efeito », o próprio autor « disse que sabia que o negócio era ilegal » e « confessa mesmo que, a partir de certa altura, pensou que poderia ser preso».
«Para além da confissão parcial » do autor, « a sua implicação nos ilícitos indicados resulta, também, dos depoimentos dos demais arguidos».
«Os crimes indiciados são de enorme gravidade, propiciam lucros elevadíssimos e foram cometidos durante um longo período de tempo».
«Verifica-se em concreto perigo de fuga, pois é de prever, com razoável grau de certeza, uma ulterior condenação em prisão efectiva».
«Dada a complexidade e especificidade dos crimes em análise, é extremamente difícil a investigação. É pois evidente que, se» o autor «fosse colocado em liberdade, perturbaria a investigação referida. Há pois perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova, referindo-se para ilustrar este aspecto o facto de os arguidos terem mudado as instalações para Gondomar, aquando da detenção de um deles, num outro grupo».
«Atentos os elevadíssimos lucros propiciados pela actividade ilícita» do autor, «verifica-se, também, em concreto, perigo de continuação da actividade criminosa»;
xv. Na sequência de requerimento apresentado pelo autor a solicitar a revo-gação da prisão preventiva, sob o pretexto, designadamente, de que os elementos de prova contra si aduzidos não consubstanciavam indícios fortes justificativos da conti-nuação da privação da sua liberdade e de que se encontrava doente (doc fls. 67 a 69), por despacho de 20.3.2000 do tribunal de instrução criminal do Porto (doc fls. 72 a 74), foi indeferido esse requerimento e determinado que o autor aguardasse os ulteriores termos processuais na situação de prisão preventiva em que se encontrava, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, os seguintes fundamentos:
«O despacho que decretou a prisão só pode ser modificado, no que toca à medida de coacção ali ordenada, se ocorrerem algumas das circunstâncias referidas nos arts. 211º, nº 1, 2ª parte, e 213º, ambos do C.P.P.».
«No caso em apreço, constata-se, compulsados os autos, que não se verifica qualquer atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação daquela medida. Aliás, mantêm-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que presidiram ao despacho que a determinou».
« Como já se disse, o Minº Pubº, titular da acção penal e dominus da investigação, pronunciou-se no sentido da manutenção daquela medida, apesar da situação alegada » pelo autor. « Refere, e bem, que a situação de saúde descrita pelo arguido tem vindo a ser devidamente acompanhada pelos serviços prisionais ».
«É manifesta a consistência dos indícios da prática do crime, razão pela qual se aplicou ao requerente a prisão preventiva, sendo certo que, em sede de primeiro interrogatório, o mesmo confessou totalmente os factos e carreou para os autos novos elementos de prova relevantes»;
xvi. Por despacho de 10.4.2000 (doc fls. 75), do juiz do tribunal de instrução criminal do Porto, proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que autor se encontrava sujeito, foi decidido manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte:
« Compulsados os presentes autos (…), verifica-se que se mantêm inalterados os fundamentos de facto e de direito que levaram à decretação da prisão preventiva aplicada » ao autor e que « fundamentaram » o correspondente despacho.
«Assim, por subsistência daqueles pressupostos», «determino que o arguido se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontra»;
xvii. Em 15.6.2000, no âmbito do já referido processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT, o Ministério Público deduziu acusação contra o autor – juntamente com outros co-arguidos pessoas singulares, entre eles o arguido C..., e pessoas colectivas –, imputando-lhe a prática de um crime de associação criminosa, em concurso real com um crime de fraude fiscal, um crime de burla qualificada, um crime de falsificação de documento e um crime de concorrência desleal (doc fls. 1150 a 1694);
xviii. Em 7.7.2000, o autor, invocando que as circunstâncias que levaram à aplicação da medida de prisão preventiva se tinham alterado significativamente e razões de saúde, requereu a substituição dessa medida de coacção por outra menos gravosa e adequada à sua situação (doc fls. 59 a 64), sendo que, por despacho de 20.7.2000 (doc fls. 134), tal pretensão foi indeferida, tendo sido determinado que o arguido continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontrava;
xix. Nesse despacho de 20.7.2000, escreveu-se, nomeadamente:
«Apesar dos factos alegados pelo arguido », « o certo é que, compulsados os autos, constata-se não se verificar qualquer atenuação das exigências cautelares que determinaram aplicar-lhe aquela medida».
«Aliás, constata-se que se mantêm inalterados os fundamentos de facto e de direito que fundamentaram » o despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva».
«Em face do exposto, por subsistência daqueles pressupostos », « determino » que o autor « se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontra» ;
xx. Desse despacho de 20.7.2000, o autor interpôs recurso para o tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 25.10.2000 (doc fls. 463 a 467), negou provimento ao recurso e manteve a decisão que ordenou a sua prisão preventiva;
xxi. Da fundamentação do aludido acórdão do tribunal da Relação do Porto consta, nomeadamente :
«Não impugna o recorrente a existência de fortes indícios da prática dos crimes que lhe são imputados na acusação».
«O que ele impugna é que ainda se mantenham as necessidades cautelares que fundamentaram a decretação da prisão preventiva na fase de inquérito».
«Quanto ao perigo de perturbação da investigação, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova », « tanto na fase de instrução (sendo ela requerida), como na própria fase de julgamento, ainda é possível aos arguidos perturbar a aquisição de prova, designadamente, influenciando possíveis testemunhas (por exemplo, levando-as a tornarem-se dificilmente contactáveis pelo tribunal, a destruírem documentos a que tenham acesso, etc.)».
«E o facto de o arguido ter sido colaborante no inquérito não permite concluir que não perturbará a aquisição de prova se tiver a oportunidade de o fazer».
«Em todo o caso, apesar de já ter sido ultrapassada a fase de inquérito, o perigo de perturbação da investigação não deixou de existir por completo».
«Quanto ao perigo de continuação da actividade criminosa», «não obstante conhecidos os meandros do ouro, não é seguro que, em liberdade, o arguido não se sinta tentado a regressar às práticas que determinaram a instauração do presente processo».
«Quanto ao perigo de fuga», «não é pelo facto de a saúde do arguido ser precário que este perigo deixou de existir».
«É que, o arguido manifestou disposição para se furtar à acção da justiça ao indicar, no primeiro interrogatório e no termo de identidade e residência, a morada da ex-esposa como seu domicílio, quando o seu paradeiro era outro ».
«Ora, a experiência comum mostra que, desde que um arguido consiga arranjar um paradeiro desconhecido das autoridades, a sua localização torna-se muito difícil e só demoradas investigações, com alguma sorte, conseguem essa localização».
«No caso concreto», o autor «mostrou disposição de se furtar à acção da justiça, o que leva a recear que volte a procurar ficar incontactável se tiver oportunidade de o fazer».
«Assim, no caso concreto, existe e mantém-se o perigo de fuga».
«Quanto à alegada dualidade de critérios», «o recorrente teve um comportamento processual desleal ao indicar um domicílio que não era realmente o seu, indicando claramente o propósito de se furtar à acção da justiça. O que justifica uma medida cautelar mais eficaz do que os co-arguidos que não tiveram comportamentos processuais desleais».
«Quanto ao estado crítico de saúde» do autor, «o sistema prisional dispõe mesmo de um hospital prisional onde o recorrente pode ter uma assistência idêntica à que teria se estivesse em liberdade. Assim, não será a dificuldade de obter assistência médica e hospitalar em ambiente prisional que justificará a revogação da prisão preventiva»;
xxii. No âmbito do processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT, depois de deduzida, pelo Ministério Público, a acusação pública aludida em xvii., os arguidos vieram requerer a abertura da instrução, no âmbito da qual um dos arguidos – o arguido C... – suscitou a questão da violação do princípio ne bis in idem, sob o pretexto de que a acusação formulada contra si e outros no processo comum colectivo nº 447/99.3TDPRT-A, referido em i., lhe imputava os mesmos factos e crimes em discus-são naquele processo nº 6041/07.6TDPRT;
xxiii. Na decisão instrutória, proferida em 12.10.2000, o juiz do tribunal de instrução criminal do Porto, apreciou expressamente tal questão, tendo decidido, com base nos fundamentos jurídicos e no entendimento consignados na decisão certificada a fls. 2253 a 2471, que inexistia violação do princípio ne bis in idem, porquanto, nos referidos processos, as modalidades de actuação do referido arguido C... eram diferentes, o mesmo acontecendo quanto ao seu espaço temporal;
xxiv. A final, o autor veio a ser pronunciado pela prática dos crimes de as-sociação criminosa, fraude fiscal e concorrência desleal (doc fls. 2253 a 2471);
xxv. Por despacho de 11.7.2000 (doc fls. 130), do juiz do tribunal de instru-ção criminal do Porto, proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito, foi decidido manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte :
«Compulsados os presentes autos (…), verifica-se que se mantêm inalterados os fundamentos de facto e de direito que levaram à decretação da prisão preventiva aplicada» ao autor e que «fundamentaram» o correspondente despacho.
«Assim, por subsistência daqueles pressupostos», «determino que o arguido se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontra»;
xxvi. Tendo o autor requerido, de novo, a substituição da medida de coacção preventiva a que se encontrava sujeito por outra medida menos gravosa, por despacho de 4.1.2001 (doc fls. 143 a 145), o juiz do tribunal de instrução criminal indeferiu o requerido, com base, designadamente, nos seguintes fundamentos :
«(…) compulsados os autos, constata-se que se mantêm inalterados os fundamentos de facto e de direito que fundamentaram a aplicação ao arguido da referida medida de coação, sendo certo que não foram alegados quaisquer factos novos ou que ponham em causa aqueles fundamentos».
«(…) o arguido padece de doença crónica que já existia antes de ser preso, não correndo risco de vida», sendo certo que « a manutenção do arguido em situação de prisão preventiva não lhe acarreta agravamento do seu estado de saúde ou risco de vida».
«Por outro lado, ao contrário do alegado pelo arguido, não se verifica a excepção de litispendência, pois quer nos presentes autos, quer no processo nº 171/2000, a correr termos na 2ª vara criminal do Porto, os factos imputados ao arguido são diversos, sendo certo que o crime só deve considerar-se o mesmo, para efeitos de se concluir pela violação do princípio constitucional do ne bis in idem, consagrado no art. 29º, nº 5 da C.R.P., quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, págs. 36 e segs.). No caso dos autos, não existe nenhum caso já julgado por decisão transitada, uma vez que o proc. nº 171/2000 encontra-se ainda pendente na 2ª vara criminal do Porto, não tendo ainda sido nele proferida decisão. Por outro lado, os factos imputados ao arguido em ambos os processos são diversos, pois que no proc. nº 171/2000 o arguido era membro de uma associação criminosa totalmente diversa das dos presentes autos, liderada aquela por C... e F..., tendo praticado os factos em momento temporais distintos, pese embora ser a mesma a respectiva qualificação jurídico-penal»;
xxvii. Por despacho de 11.1.2001 (doc fls. 146), do juiz do tribunal de instrução criminal do Porto, proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito, foi decidido manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte:
«Compulsados os presentes autos (…), verifica-se que se mantêm inalterados os fundamentos de facto e de direito que levaram à decretação da prisão preventiva aplicada» ao autor e que «fundamentaram o despacho proferido aquando do 1º interrogatório judicial».
«Assim, por subsistência daqueles pressupostos», «determino que o arguido se mantenha a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de prisão preventiva em que se encontra»;
xxviii. Terminada a fase instrutória, o processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT foi remetido, para audiência de discussão e julgamento, à 2ª vara criminal do Porto, sendo que, em 1.2.2001, aí foi designada dia para realização da mesma e determinado, designadamente, que o autor aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, « uma vez que não se alteraram os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação » de tal medida (doc fls. 154 a 157);
xxix. Em 6.2.2001 (doc fls. 158 a 160), o autor requereu, junto da 2ª vara criminal do Porto, a substituição da medida de prisão preventiva por outra menos gravosa, invocando, designadamente, o agravamento do seu estado de saúde, que o perigo de perturbação da investigação ou perigo para a aquisição, conservação e veracidade da prova diminuiu consideravelmente, encontrando-se mesmo excluído, uma vez que sem-pre colaborou na descoberta da verdade e atenta a fase processo em que se encontra o processo a prova já está arrolada a compilada, que o perigo de continuação da actividade criminosa já se encontra afastado e que o perigo de fuga também se encontra consideravelmente diminuído;
xxx. Por decisão de 30.4.2001 (doc fls. 173 a 175), a 2ª vara criminal do Porto indeferiu aquele requerimento e determinou que o autor continuasse sujeito à medida de prisão preventiva, por ter considerado que não se verificava «uma alteração dos pressupostos que determinaram a aplicação» dessa medida, tendo, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte :
«(…) o arguido encontra-se compensado e está a ser vigiado clinicamente, sendo que a sua situação prisional não acarreta por si risco de vida ou agravamento do estado de saúde ».
«Não se verifica assim o circunstancialismo previsto no art. 211º do C.P.P. que, a ocorrer, justificaria a suspensão da prisão preventiva».
«Quanto aos pressupostos que determinaram a aplicação da medida de prisão preventiva, não se verifica a sua alteração».
«Com efeito, no que se refere ao requisito do art. 204º, alín b), do C.P.P., não obstante já ter sido proferido o despacho de pronúncia, quando a lei refere instrução do processo pretende abranger toda a actividade instrutória que decorre na fase de inquérito, na instrução propriamente dita, no julgamento e nos recursos».
«Por outro lado, mantém-se o perigo de continuação da actividade criminosa, dado que induzem os autos que o negócio paralelo do ouro continuou a existir».
«Existe ainda perigo de fuga, atenta a natureza dos ilícitos indiciados, os quais proporcionavam lucros avultados, estando facilitada a deslocação para outro país ou parte incerta do território nacional, sendo que não se pode esquecer que o arguido indicou uma morada na qual já não residia há anos, mostrando assim procurar furtar-se à acção da justiça»;
xxxi. Por despacho de 27.7.2001 (doc fls. 177), proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito, a 2ª vara criminal do Porto decidiu manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte:
«(…) porque se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da prisão preventiva » ao autor, continua o mesmo «sujeito à referida medida de coacção»;
xxxii. Por despacho de 26.10.2001 (doc fls. 178), proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito, a 2ª vara criminal do Porto decidiu manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte:
«(…) dado que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da prisão preventiva» ao autor, continua o mesmo «sujeito à referida medida de coacção»;
xxxiii. Em 29.11.2001 (doc fls. 1695 a 1697), o autor requereu, junto da 2ª vara criminal do Porto, a substituição da medida de prisão preventiva por outra menos gravosa, invocando, designadamente, que se mostram alterados e substancialmente minorados os fundamentos que estiveram na base da aplicação daquela medida e subse-quente manutenção da mesma, uma vez que da prova pericial já produzida e da decisão proferida no processo nº 171/2000 resulta que a sua participação nos factos será uma continuidade dos factos por que foi condenado e, mesmo assim, uma participação insignificante, lateral, em todo o seu conjunto, sendo certo que nunca foi sua intenção furtar-se à acção da justiça e não tem qualquer intenção de alterar ou perturbar a prova que ainda resta produzir, nem tal seria do interesse da defesa;
xxxiv. Por decisão de 30.11.2001 (doc fls. 179), a 2ª vara criminal do Porto indeferiu aquele requerimento, por ter considerado que não se verificava a alteração dos pressupostos que determinaram a aplicação ao autor da medida de prisão preventiva, tendo sido ponderado, designadamente, o seguinte :
«O julgamento está a correr termos, sendo que ainda há prova a produzir para além da pericial, salientando-se que a prova testemunhal ainda se mostra sem início».
«Por outro lado, aquando da revisão dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do art. 213º do C.P.P., que teve lugar em 26.10.2001, já estavam efectuados os esclarecimentos pelos srs peritos, não tendo tal circunstância levado à alteração da medida de coacção imposta ao arguido»;
xxxv. Por despacho de 25.1.2002 (doc fls. 180), proferido, nos termos do art. 213º do C.P.P., aquando do reexame dos pressupostos da medida de coação de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito, a 2ª vara criminal do Porto decidiu manter essa medida de coacção, tendo-se, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte :
«(…) uma vez que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da prisão preventiva » ao autor, continua o mesmo « sujeito à referida medida de coacção»;
xxxvi. Por acórdão de 11.4.2002 (doc fls. 181 a 380), proferido no processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT, a 2ª vara criminal do Porto condenou o autor, pela prática, em co-autoria, de um crime continuado de associação criminosa e de um crime continuado de fraude fiscal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão;
xxxvii. Nesse acórdão, tendo sido suscitada, pelo aí também arguido C..., na respectiva contestação, a questão da violação do princípio ne bis in idem, a 2ª vara criminal do Porto, debruçando-se, especificadamente, sobre tal questão, considerou não ocorrer a invocada violação daquele princípio, tendo, para o efeito, ponderado, designadamente, os seguintes argumentos:
«Na decisão instrutória foi apreciada expressamente tal questão, tendo sido decidido inexistir a alegada violação do princípio ne bis in idem, com fundamento em que, nos referidos processos, as modalidades de actuação do arguido C... são diferentes, o mesmo acontecendo quanto ao seu espaço temporal ».
«Não foi interposto recurso desta decisão pelo arguido C..., pelo que a mesma transitou em julgado».
«Uma vez transitada em julgado, não pode agora o tribunal colectivo reapreciar a mesma questão».
De todo em modo, sempre se dirá que «é fundamento da continuação criminosa que a culpa do agente se mostre consideravelmente diminuída em virtude de uma situação exterior que facilite ao agente a prática dos actos delituosos e impele à sua reiteração».
«Nesta conformidade, e no que respeita ao crime de associação criminosa, as formas de actuação nos mencionados dois processos são diferentes, pois nos presentes autos ao arguido C... é apenas imputada a colaboração num grupo que se constituiu visando a prática de crimes comuns e fiscais e já no processo nº 171/2000 foi o mesmo arguido acusado por, ele próprio, ter constituído outro grupo, visando a prática dos mesmos fins e do qual era um dos líderes. São, pois, actuações distintas, em que não existe a necessária homogeneidade de comportamento para se falar de crime continuado».
«Mas ainda que assim não se entenda e se admita que estamos perante uma situação de crime continuado, a pretensão do arguido C... não tem fundamento. Com efeito, tem sido entendimento uniforme da jurisprudência que, tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime continuado, nada impede que, submetido a julgamento em que são apreciadas novas parcelas da continuação criminosa não abrangida pela decisão do tribunal do anterior julgamento, por elas venha a ser condenado sem violação do caso julgado. O princípio ne bis in idem só se aplica em relação aos factos que já tenham sido julgados (cfr., neste sentido, entre outros, Ac STJ de 24.9.92, BMJ 419/469)».
«Ocorrendo nova condenação no âmbito da mesma continuação criminosa, caberá proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas».
«Por todo o exposto, não ocorre a invocada violação do princípio ne bis in idem»;
xxxviii. Já depois da prolação do acórdão de xxxvi., o autor requereu, junto da 2ª vara criminal do Porto, a substituição da medida de coacção de prisão preventiva por outra medida menos gravosa, invocando, em síntese, que houve uma atenuação das exigências cautelares que o caso requeria, uma vez que os pressupostos do art. 204º, alins b) e c) do C.P.P. deixaram de existir e o perigo de fuga é muito menor face à circunstância de já ter cumprido cerca de metade da pena em que foi condenado (doc fls. 381vº);
xxxix. Por decisão de 16.4.2002 (doc fls. 381 a 382), a 2ª vara criminal do Porto indeferiu aquele requerimento, tendo, para o efeito, ponderado, nomeadamente, o seguinte:
O autor foi condenado « pelos crimes de associação criminosa e fraude fiscal».
«Pese embora estejam afastados, nesta fase processual, os pressupostos a que alude o art. 204º, alíns b) e c) do C.P.P., o perigo de fuga a que se reporta a alín c) do mencionado dispositivo legal mostra-se reforçado, face à condenação sofrida» pelo autor, o qual tem «conhecimento» de que lhe foi aplicada pena de prisão efectiva.
«E tal receio de fuga é tanto maior quanto é certo» que o autor é pessoa que «tem condições» para se ausentar, sendo que «a tal não obsta o facto de ter família e uma vida económica organizada».
Invoca o arguido «que face ao tempo da prisão preventiva já cumprido» estão «preenchidos os pressupostos para a concessão da liberdade condicional».
Esquece-se, porém, o arguido que «a liberdade condicional só tem aplicação após o trânsito em julgado da decisão e quando os arguidos se encontrarem em cumprimento de pena».
«Pelo exposto, uma vez que o perigo de fuga se mostra reforçado face à condenação proferida», o autor continua « sujeito à medida de prisão preventiva»;
xl. O autor interpôs recurso, em 30.4.2002 (doc fls. 2472 a 2476), para o tribunal da Relação do Porto, da decisão de 16.4.2002 mencionada na alín xxxix.;
xli. Por acórdão de 23.7.2002 (doc fls. 2477 a 2481), o tribunal da Relação do Porto negou provimento a tal recurso e confirmou aquela decisão de 16.4.2002, sendo que, nesse acórdão, escreveu-se, designadamente:
«(…) tal como entendeu a srª juíza “a quo”, afigura-se-nos que o perigo de fuga, reconhecido como existente à data da prolação do despacho judicial (transitado) que decretou a prisão preventiva do arguido / recorrente, se acentuou com o conhecimento de que impende sobre si uma condenação em prisão efectiva, imposta por decisão ainda não transitada em julgado».
«Argumenta, ainda, o arguido que o tribunal “a quo” é contraditório quando, apesar de defender que o perigo de fuga se encontra reforçado face à sua condenação em prisão efectiva, não decretou, todavia, a prisão preventiva para outros arguidos que se encontram em liberdade e que foram condenados também em prisão preventiva. A verdade, porém, é que não está demonstrado nestes autos que a situação processual dos mencionados co-arguidos seja idêntica à do recorrente…».
«Em suma, face à manutenção do justificado receio de fuga, apenas a medida de coacção de prisão preventiva se mostra adequada e suficiente a acautelar tal perigo, sendo ainda proporcional à gravidade dos crimes imputados ao arguido / recorrente».
«Por tudo o exposto, a srª juíza não podia deixar de decidir não alterar a medida de coacção imposta ao recorrente»;
xlii. O autor interpôs recurso, para o tribunal da Relação do Porto, do acórdão da 2ª vara criminal do Porto de 11.4.2002 mencionado na alín xxxvi., sendo que, nas respectivas alegações de recurso, invocou, designadamente, a violação do princípio ne bis in idem, sob o pretexto de que os factos pelos quais foi julgado e condenado no processo comum colectivo nº 447/99.3TDPRT-A, referido em i., são os mesmos pelos quais foi julgado e condenado no processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT (doc fls. 418 a 438);
xliii. Tendo os autos subido, em recurso, ao tribunal da Relação do Porto, o desembargador-relator, por decisão de 16.7.2002 (doc fls. 383), determinou, aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, que o autor continuasse sujeito a essa medida de coacção, em virtude de ter considerado que não ocorriam «circunstâncias que hajam modificado os pressupostos que determinaram a imposição dessa medida» e que se mantinham tais pressupostos;
xliv. Em 16.1.2003 (doc fls. 388), o desembargador-relator, aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ordenou a manutenção do autor na situação de prisão preventiva, por ter considerado que os autos « não mostram que tenha havido alteração das circunstâncias que serviram de pressuposto à imposição » dessa medida, «mantendo-se», assim, «os pressupostos que determinaram a imposição» da mesma;
xlv. Em 22.1.2003, o autor requereu, junto do tribunal da Relação do Porto, a revogação da medida de prisão preventiva, alegando que tinham deixado de «subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação», nos termos do art. 212º, nºs 1, alín b) e 4, do C.P.P. (doc fls. 389 a 394);
xlvi. Por decisão de 15.4.2003 (doc fls. 440 a 441), o desembargador-relator indeferiu o aludido requerimento e decidiu «não alterar a medida de coacção» a que o autor se encontrava sujeito, tendo, para o efeito, ponderado, designadamente, o seguinte:
«Nos termos do art. 212º, nº 1, do C.P.P. as medidas de coacção são imediatamente revogadas se se verificar que foram aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei ou que deixaram de se verificar as circunstâncias que justificaram a sua aplicação».
«(…) não se mostra que tenha havido uma evidente alteração das circunstâncias que existiam ao tempo em que foi decretada a prisão preventiva e que, manifestamente, já não se mantenham os pressupostos que serviram de fundamento a tal decisão».
«Por outro lado, a prisão preventiva foi imposta nos termos e nas condições previstas na lei»;
xlvii. Em 15.4.2003 (doc fls. 441), o desembargador-relator, aquando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ordenou a manutenção do autor na situação de prisão preventiva, por ter considerado que, «compulsados os autos», não se via que tivesse «havido alteração das circunstâncias que fundamentaram a imposição» dessa medida, pelo que, mantendo-se «os pressupostos que determinaram a imposição da prisão preventiva», determinou a respectiva manutenção;
xlviii. O autor interpôs recurso da decisão aludida em xlvi. (doc fls. 442 a 453), o qual, porém, não foi admitido por despacho do desembargador-relator de 15.5.2003 (doc fls. 454 a 455);
xlix. Em 4.6.2003, foi realizada, no tribunal da Relação do Porto, a audiên-cia de julgamento respeitante aos recursos interpostos do acórdão da 2ª vara criminal do Porto de 11.4.2002 (doc fls. 456 a 459), sendo que, no âmbito dessa audiência, o magistrado do Ministério Público promoveu a revogação da medida de coacção de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito e a sua imediata restituição à liberdade com os seguintes fundamentos:
«O prazo máximo da prisão preventiva a que se encontram sujeitos 4 dos arguidos esgotar-se-á em data posterior à do trânsito em julgado do acórdão a proferir, em 9.6.2003, pelo tribunal da Relação do Porto, «com a consequente extinção da medida».
«Estando eminente a extinção da prisão preventiva» daqueles 4 arguidos, «os mais responsáveis em termos factuais e do quantum da pena sofrida, entendo que, devendo eles ser postos em liberdade, não se justifica, por razões de justiça relativa, de equidade, que os restantes arguidos», entre eles o autor, «continuem privados da liberdade».
«Mas também entendo que em relação a todos os arguidos continua presente o perigo de fuga e, especialmente, o da continuação da actividade criminosa», pelo que «requeiro» que eles sejam sujeitos às medidas de coacção de caução e de obrigação de apresentação semanal, às segundas feiras, junto do Ministério Público;
l. Por decisão de 5.6.2003 (doc fls. 460 a 461), o desembargador-relator, concordando «inteiramente com os fundamentos expostos» pelo Ministério Público «para entender que deve ser desde já ordenada a cessação da prisão preventiva dos argui-dos que se encontram sujeitos a essa medida de coacção», determinou a revogação, designadamente, da medida de coacção de prisão preventiva a que o autor se encontrava sujeito e a sua imediata libertação.
Paralelamente, no que concerne «às medidas de coacção em substituição da prisão preventiva» requeridas pelo Ministério Público, o mesmo desembargador-relator ordenou a notificação dos arguidos para se pronunciarem, tendo decidido, ainda, que os mesmos ficavam sujeitos a termo de identidade e residência que deveriam «prestar ou renovar» nos autos «no prazo de 15 dias»;
li. Na sequência da decisão de l., o autor veio a ser restituído à liberdade em 5.6.2003 (doc fls. 462);
lii. Por acórdão de 9.6.2003 (doc fls. 468 a 898), o tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso interposto pelo autor, relativamente ao qual julgou « extinto o procedimento criminal», por ter considerado que, perante o princípio ne bis in idem, não podia o arguido ser julgado nesse processo comum colectivo nº 6041/07.6TDPRT «por factos integradores do mesmo crime continuado» por que tinha sido julgado no processo comum colectivo nº 447/99.3TDPRT-A, referido em i..
Para o efeito, foi ponderado, designadamente, o seguinte :
«Diz o recorrente que os factos objecto dos presentes autos são os mesmos » do processo comum colectivo nº 171/2000, que correu termos na 2ª vara criminal do Porto.
«(…) entendemos que o que releva para o caso não é a circunstância de serem distintos os factos descritos em cada um dos processos; o que é relevante é os factos integrarem ou não uma continuação criminosa nos termos do art. 30º, nº 2 do C.P.».
«Ora a descrita conduta do arguido revela uma homogeneidade de actuações, uma continuidade temporal, sempre tendo em vista obter proventos ilicitamente lesando o Estado, agindo mediante a utilização de diversas sociedades e colaboradores, sempre motivado pelo facto de ter tido êxito no início e tal êxito continuar ao longo do tempo sem ser detectado pela máquina inspectiva do fisco».
«Julgamos assim que os factos imputados» ao autor «neste e no processo nº 171/2000 da 2ª vara criminal integram um crime continuado».
«Seguindo a lição do Prof. Eduardo Correia (…), entendemos que, tendo o recorrente sido já julgado no processo nº 171/2000 da 2ª vara por um segmento da sua conduta que integra um crime continuado, já não pode ser julgado por outro segmento da sua conduta que integra o mesmo crime continuado e que não foi conhecido pelo tribunal no anterior processo».
«Com efeito, embora tal solução possa acarretar injustiça (que pode mesmo ser chocante), por o tribunal que julgou a conduta do recorrente não ter conhecido da totalidade e a inteira gravidade dessa conduta, tal desvantagem não carece de remédio, pois é compensada pela vantagem que a excepção do caso julgado consegue para a paz e segurança jurídica. E o valor da paz e da segurança jurídica é, pelo menos, idêntico ao valor da justiça relativa».
«Acresce que o regime de punição do crime continuado é o que estabelece o art. 79º do C.P.».
«Ora, se o juiz do segundo processo fosse julgar a conduta que integra o crime continuado e que não foi conhecida no primeiro processo, teria de anular o primeiro julgamento e aplicar ao arguido uma pena nos termos do art. 79º do C.P. com referência à totalidade da conduta do arguido que integra a unidade criminosa. Mas a lei de processo não atribui competência ao juiz do segundo processo para anular o primeiro julgamento».
«Por outro lado, o juiz do segundo processo não pode julgar a conduta que integra o crime continuado como se fosse um crime distinto e proceder ao cúmulo jurídico com a pena aplicada no primeiro processo já que tal solução violaria o princípio da legalidade. É que, a lei prevê a punição do crime continuado nos termos do art. 79º do C.P. e não nos termos em que é punido o concurso de infracções».
«Entendemos assim que o recorrente não pode ser julgado novamente neste processo».
«O que se diz quanto ao crime continuado de fraude fiscal vale inteiramente quanto aos crimes continuados de associação criminosa e de concorrência desleal por que foi julgado na primeira instância ».
«Pelo que precede (…), terá de se declarar extinto o procedimento criminal» contra o autor;
liii. O acórdão da Relação do Porto referido em lii. veio a ser confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.4.2008, transitado em julgado em 5.5.2008 (doc fls. 965 a 1143).

1.2. A sentença recorrida contém, ainda, o seguinte segmento:

«Para fundamentar a sua pretensão, o autor alegou, ainda, com relevância, a seguinte matéria fáctica :
a) nunca houve perigo de fuga, já que tinha uma vida familiar, social e profissional estável em Portugal, colaborou na investigação e foi julgado, ao mesmo tempo, no processo nº 447/99.3TDPRT-A, tendo comparecido a todas as diligências;
b) durante o período em que esteve a cumprir a prisão preventiva, o seu estado de saúde agravou-se consideravelmente, tendo, em consequência, ficado sem posses económicas, estando, hoje, dependente financeiramente dos filhos e apresentando um grave estado de saúde.»

2. O mérito do recurso.

2.1. O assunto decidendo primordial, na hipótese, é o de saber se o autor é titular de um direito indemnizatório gerado pela circunstância de ter estado preventivamente preso no período entre 12 Jan 2000 e 5 Jun 2003,[1] tendo particularmente em conta que, no processo à ordem do qual o esteve, veio a ser julgado extinto o procedimento criminal (factos xiv. e li. a liii.).
O tribunal “a quo”, em despacho saneador com valor de sentença, por se julgar imediatamente habilitado, sem necessidade de mais provas, mediante uma exaustiva e esclarecedora fundamentação, entendeu-o pela negativa. Cremos que acertadamente; não nos parecendo, aliás, que a decisão que proferiu, solidamente sustentada no quadro jurídico aplicável e nas correntes maioritárias da jurisprudência, em particular do Supremo Tribunal, deixe margem de divergência.

2.2. Vejamos então.

O apelante, na petição, centrara os alicerces do seu pedido no reconhecimento de pretenso erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da sua privação de liberdade; vindo a decisão recorrida (e muito bem, em face do tempo do cometimento dos factos) a direccionar o enquadramento normativo do assim propugnado à norma concedente do artigo 225º, nº 2, do Código de Processo Penal, mas na redacção pretérita à introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto; ao mesmo tempo, e enquanto preceito concretizador da norma constitucional do artigo 27º, nº 5, da lei fundamental, rejeitando o seu enquadramento.

O assunto ficou assim resolvido, já que arredado do objecto circunscrito do recurso interposto (artigo 684º, nº 3, do cód proc civil); podendo assentar-se em que, para lá de não ter sido ilegal (artigo 225º, nº 1, do cód proc penal), também a prisão preventiva suportada pelo apelante não foi injustificada por erro grosseiro de avaliação fáctica (cit artigo 225º, nº 2).

Isto dito; remanesce a demais hipótese aventada, logo na petição (se bem que aí com cariz algo complementar da precedente); e agora retomada, em apelação (aqui já como única e primacial questão decidenda).
Exactamente a de saber se, à margem da ilegalidade e da injustificação da detenção e da prisão (preventiva), ainda é concebível um quadro concedente de responsabilidade civil extracontratual do Estado, gerador da obrigação de indemnizar; hipótese apenas imaginável em quadro de acto lícito, ajustado e idóneo; por conseguinte, conforme às normas aplicáveis e ao qual a ordem jurídica não aponte juízo algum de reprovação ou censura. Quer dizer, cometimento de acção e procedimento, em adequada realização da função jurisdicional estadual mas que, ainda assim, faça florescer um vínculo reparador.

A questão não é inédita; mas ao mesmo tempo não isenta de dificuldades. Ela constitui assunto de muito particular melindre, desde logo porque, no campo da privação de liberdade, raríssimos serão os casos que não envolva constrangimento e compressão da esfera jurídica da pessoa a ela sujeita; por conseguinte, dano e perda, ao menos de carisma moral, a atingir a dimensão da personalidade; e, por isso, desse ponto de vista, capaz de preencher – só por si ou em combinação com outros concretos factores, conforme a óptica –, pelos menos por princípio, um substrato jurídico creditório para o compensar.
Certo que, neste escrutínio, se impõe a descoberta de norma jurídica de direito material concedente do crédito indemnizatório. E é aí que se reflecte a dificuldade do problema; ilustrado pelo dissenso das posições jurídicas que é possível, sobre a matéria, encontrar.
Pois bem.
Na hipótese concreta, em face do momento de ocorrência dos factos, a norma material concedente da responsabilidade, a existir, apenas se poderá encontrar no artigo 22º da Constituição e desenvolvido no artigo 9ºdo Decreto-Lei nº 48.051, de 21 de Novembro de 1967;[2] e, precisamente assim, dirão uns, estar encontrado o quadro normativo bastante e concedente, ao passo que outros, não servirem tais normativos para a situação.

Antes, porém, de avançar nessa análise rememoremos os factos evidenciadores da privação da liberdade do apelante e, bem assim, das respectivas condicionantes. É que o tema é, não obstante a delimitação do recurso, aventado neste, outra vez; e em moldes que se nos não afiguram totalmente rigorosos.

O apelante, sob este aspecto, sublinha e enfatiza, por um lado, que foi julgado e condenado (em 1ª instância), nos dois processos em causa (proc.º nº 447/99 e proc.º nº 6041/07), pelos mesmos factos, em preterição do princípio de direito criminal do “ne bis in idem”; por outro lado, que foi por isso que foi forçosamente libertado.
Pois bem; perscrutados os factos nesta matéria não se revela que as coisas houvessem tido esta singeleza; nem que assim rigorosamente fosse.

Notemos isto. Ao que se infere, a questão do “ne bis in idem” foi avaliada, em 1ª instância, no proc.º nº 6041/07, à ordem do qual foi o apelante sujeito a preventiva; e da análise que, então, se fez resulta que os comportamentos concretos, objecto do proc.º nº 447/99, e daqueles, objecto do proc.º nº 6041/07, são diferenciados, constituindo condutas autónomas na sua materialidade e realizadas em momentos temporais diversos (factos xxxvi. e xxxvii.).
Historicamente portanto não há identidade.
A realidade é, então, outra; e estritamente jurídica.
Sendo, o que se infere nesta matéria, que, embora condutas distintas e parceladas no tempo, elas teriam, isso sim, a virtualidade de comportar a natureza de crime continuado; sendo, pelo menos, isso o que acabou por ser entendido pelo tribunal da Relação, no contexto do recurso, interposto pelo apelante, do acórdão condenatório no processo onde era preso preventivo; e seguidamente também pelo Supremo (factos xlii., lii. e liii.).
Pois bem. A respeito do crime continuado sempre fôra controversa, no quadro jurídico-penal precedente à Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro,[3] a situação dos factos integradores da continuação criminosa que, arredados do objecto de um processo-crime, por não serem conhecidos, viessem posteriormente a ser descobertos; entendendo alguns que o caso julgado constituído acerca daqueles primeiros consumia e precludia a possibilidade de julgamento dos segundos; mas entendendo outros que o efeito consuntivo ou preclusivo não era passível de ocorre, com a consequência de os segundos factos poderem, logo que descobertos, serem também eles investigados e julgados.
É conhecida a tese de EDUARDO CORREIA sobre este assunto, a defender que “apreciado qualquer facto do crime continuado, tudo fica de uma vez por todas resolvido” e que “contra a promoção de qualquer novo processo se pode sempre invocar a excepção de caso julgado”.[4]
Mas na jurisprudência o assunto era efectivamente controverso; sendo maioritária, em particular no Supremo Tribunal, a tese contrária; precisamente aquela que negava o efeito preclusivo do caso julgado, desde que novas parcelas ou segmentos de factos (mesmo integrados na continuidade criminosa) fossem entretanto noticiados e descobertos.
Ora, na hipótese, foi exactamente a corrente minoritária a que se assumiu; reconhecendo efeito consuntivo ao objecto do proc.º nº 447/99 e, por consequência, julgando extinto o procedimento criminal do proc.º nº 6041/07.
Entendimento que, não obstante, não era consensual; e que aliás veio a ser arredado, entretanto, da lei criminal pela indicada Lei nº 59/2007 mediante o aditamento de um nº 2, ao artigo 79º do Código Penal, de onde resulta que “a condenação por crime continuado não faz caso julgado, devendo ser reapreciada em novo julgamento a pertença do facto novo à continuação criminosa anteriormente julgada”.[5]

Que queremos, então, dizer? Isto: que não é reconhecível, com o ênfase e significado propugnados pelo apelante, que estivesse “em dois processos diferentes, a ser julgado pelos mesmos factos”; que a questão era estritamente jurídica, capaz de enquadramentos jurídico-penais distintos, embora plausíveis; e que, desse ponto de vista, motivo não havia para crítica ou censura (ao menos pela aventada razão de preterição ou violação do “ne bis in idem” ou do caso julga-o) acerca da medida de coacção escolhida aplicar em qualquer dos processos.

Por outro lado; é importante lembrar também que não foi algum tipo evidente de causa extintiva do procedimento criminal a correr contra o apelante a que justificou “forçosamente” a sua libertação. Essa causa evidente não existia. E a causa imediata da libertação, ao invés, foi a da iminência de se estar a atingir o prazo máximo admissível de duração da preventiva; como, isso sim, evidenciam os factos narrados e provados (factos xlix. a li.).

Seja como for.
O que é inequívoco é que o apelante é libertado no dia 5 Jun 2003, depois de ter sido detido em 11 Jan 2000 e estar preso preventivamente desde 12 Jan 2000; tudo à ordem do proc.º criminal com o nº 6041/07. Ainda que; este proc.º criminal acaba por ser julgado extinto.

Comporta-se, aí, um quadro de virtualidade ressarcitória?

Vejamos então.
A Constituição da República na parte relativa aos direitos e deveres fundamentais, e sob o 1º título, dedicado aos respectivos princípios gerais, contém o já mencionado artigo 22º cuja redacção é a seguinte:
«Artigo 22º
Responsabilidade das entidades públicas
O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. »

Adiante, sob o 2º título, dedicado aos direitos, liberdades e garantias, e particularmente no capítulo I, relativo aos direitos, liberdades e garantias pessoais, contém o artigo 27º que, sob a epígrafe “direito à liberdade e à segurança”, estabelece assim no seu nº 5:

«A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer. »

Por fim, era do seguinte teor o artigo 9º do Decreto-Lei nº 48.051:

«1. O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
2. (...)»

Não é consensual, como dissemos, o alcance destas disposições.

Será possível nelas encontrar o alicerce para fazer germinar um crédito indemnizatório àquele que, tendo estado preso preventivo, de uma forma perfeitamente ajustada e lícita, na óptica jurídica-penal, vem depois a ver extinto o procedimento criminal que contra si fôra desencadeado?

Temos dificuldade em o descortinar.

O problema, no fundo, radica no reconhecimento do alcance da amplitude do universo de responsabilidade do Estado pelo exercício a função jurisdicional, na óptica particular privativa da liberdade; saber se qualquer hipótese geradora de constrangimentos ou compressão na esfera jurídica da pessoa é vocacionada a sustentar responsabilidade, esticando ao máximo a elasticidade do vínculo; ou se há limitação que permite comportar tais constrangimentos ou compressão desacompanhados da necessidade de reposição ou dever de indemnizar, atenuando aqui a respectiva dimensão.
Vejamos. Ter como único ou primordial critério o de que a produção de qualquer constrangimento ou prejuízo, ainda que gerado num quadro de perfeita justeza e ajustamento jurídico e procedimental, com toda a adequação, como latente ao primeiro dos enunciados entendimentos, não se nos afigura razoável e nem imposto por princípios estruturantes da ordem jurídica. Esta contém segmentos que permitem comprimir certo tipo de direitos em função da expansão de outros. E sem imposição ressarcitória. A própria Constituição não arreda uma certa relatividade dos próprios direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 16º, nºs 2 e 3).
No limite, em tema do que vimos tratando, seria possibilitada a indemnização ao preso preventivo que, uma vez condenado em prisão efectiva, a viesse reclamar com o argumento de ter tomado prejuízos por, naquele período estar privado da liberdade, quando os não teria se apenas dela fosse privado subsequentemente ao trânsito da decisão que o condenou.
Isto é; não pode ser o critério de compressão, de prejuízo, o único a fixar o florescimento do crédito reparatório. Há valores (cautelares), típicos e próprios, na preventiva, que sustentam a respectiva justeza; e permitem, na óptica que seguimos, só por si, arredar qualquer vínculo de responsabilidade.
Não vemos, então, o artigo 22º da Constituição desenquadrado daquilo que se contém no restante ordenamento jurídico; se o Estado é civilmente responsável, é-o, como não pode deixar de ser, nos termos gerais daquilo que é o quadro da responsabilidade civil, sem que o possa ultrapassar (o que configuraria situação de desfavor, que cremos inaceitável); isto é, num recorte de um exercício de tarefa envolvido, em princípio, dos pressupostos da culpa, da ilicitude e do nexo causal – numa palavra, de uma reprovação ou censura da ordem jurídica.[6]

A privação da liberdade em conformidade com o disposto na Constituição e na lei está, obviamente, excluída da previsão normativa do artigo 27º, nº 5, antes transcrito. Mas, do nosso ponto de vista, também o está do artigo 22º.
É que as normas constitucionais comportam, além de tudo, o alcance atributivo ao legislador ordinário de certa margem de liberdade na conformação dos institutos, salvaguardado que seja o mínimo de conteúdo garantido; mínimo que se não vê preterido se actos lícitos houver que embora geradores de danos se possam justificar por outros interesses juridicamente atendíveis; e como tal excludentes de indemnização.

Nota-se que a prisão preventiva constitui um instituto jurídico-penal que conhece, quer da Constituição, quer da lei ordinária, uma primordial atenção de pormenor na sua regulação e sistematização; como, aliás, nem podia deixar de ser, considerado o seu melindre e os interesses estritamente relevantes da pessoa que atinge. Ora, até por aqui, se permite dizer que, se fôra intenção do legislador (até do constitucional), numa matéria de tal importância, fazer carregar ao Estado um vínculo reparador sempre que, adequada e lícita a sua aplicação, fosse porém geradora de prejuízos e perdas àquele que a suportou, não teria deixado, com toda a probabilidade, de o evidenciar com outra clareza (artigo 9º, nº 3, final, do Código Civil).

Não será consensual a opção interpretativa que propugnamos; e, que no fundo, tem o significado excludente das previsões normativas dos artigos 22º da Constituição e 9º do Decreto-Lei nº 48.051,[7] da situação em que, sujeito alguém a uma prisão preventiva, lícita e justificada, vem a ver o procedimento criminal promovido entretanto julgado extinto. E será, até, assunto fracturante.[8]
Mas a verdade é que ela corresponde à jurisprudência dominante, em particular, do Supremo Tribunal de Justiça, ao longo dos anos por este propugnada, com geral consenso;[9] e só pontuais divergências.[10] Foi a ela que a decisão recorrida aderiu. E que, agora, em recurso, se não vê razão de fundo para alterar.

Em suma; apenas a prisão preventiva que se identifique como ilegal (e manifestamente) ou, então, como injustificada por erro grosseiro na avaliação dos factos de sustentação, tem a virtualidade geradora da obrigação de indemnizar a pessoa a ela, nessas condições, sujeita; e no quadro normativo dos artigos 27º, nº 5, da Constituição, e 225º do Código de Processo Penal – por ser esse, e apenas esse, aquele (e único) que na melindrosa e concreta matéria o legislador (constitucional ordinário) entendeu formular.
Não tendo vocação para viabilizar uma tal obrigação, em qualquer caso, a prisão preventiva que, sendo legal, se revele também adequada e justificada nas circunstâncias do caso.

O recurso de apelação interposto não merece portanto ser provido.

3. Responsabilidade tributária.
A distribuição do encargo de custas é, no geral, condicionada pela proporção do decaimento (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de processo civil); e nesse sentido deveria suportá-las o apelante, que sucumbe no recurso. Vimos porém entendendo, para a hipótese de ao responsável haver sido concedido o benefício do apoio judiciário sob a modalidade da sua dispensa, como é a hipótese (v fls. 21), que não haverá motivo legal para, então, ser condenado no respectivo pa-gamento (artigos 10º, nº 1, 13º, nº 1 e nº 3, 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto).[11]
A decisão tributária reflectirá estas condicionantes.

4. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

I – Se a prisão preventiva se não mostrar manifestamente ilegal e nem injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependa, não comporta virtualidade para poder gerar crédito de indemnização em favor da pessoa que a suportou, ainda que esta venha, no final, a ver julgado extinto o procedimento criminal contra si promovido (artigo 225º do Código de Processo Penal, na redacção pretérita à da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto);
II – O artigo 225º do Código de Processo Penal ancora-se no artigo 27º, nº 5, da Constituição da República;
III – Não sendo a fluorescência de danos o único critério a condicionar o nascimento da obrigação de indemnizar, não é de reconhecer ao artigo 22º da Constituição a virtualidade, só por si, de fazer gerar um tal vínculo; em particular estando em causa matérias que, na lei constitucional e na ordinária, se acham sujeitas e especial e ponderada regulação, como é o caso das relativas à privação da liberdade e às condições da responsabilidade quando cause prejuízo.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação improcedente e em confirmar inteiramente a bem sustentada sentença recorrida.
O apelante, embora responsável, não suportará custas (por delas estar dispensado a coberto do apoio judiciário, e na modalidade que lhe foi concedida).

Porto, 4 de Fevereiro de 2013
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
_____________
[1] O apelante foi, além do mais, detido no dia 11 Jan 2000, pelas 22h35m (facto xii.).
[2] Este diploma foi revogado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, que precisamente aprovou o novo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas
[3] Diploma que introduziu importantes alterações ao Código Penal.
[4] “A Teoria do Concurso em Direito Criminal (I – unidade e pluralidade de infracções; II – caso julgado e poderes de cognição do juiz)”, 1983, página 273.
[5] Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2ª edição, página 290.
[6] Notam Gomes Canotilho e Vital Moreira ser, em geral, duvidoso que o enunciado normativo do artigo 22º alcance a responsabilidade por actos lícitos (“Constituição da República Portuguesa anotada”, 4ª edição, página 431).
[7] Se bem que noutra temática, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2007 exclui expressamente a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 48.051 à responsabilidade civil do Estado, por actos lícitos ou ilícitos, no exercício da função jurisdicional (Colectânea de Jurisprudência (STJ) ano XV, tomo I, páginas 89 a 93).
[8] Defende uma elasticidade abrangente da responsabilidade civil do Estado, pela reparação de uma preventiva lícita suportada por quem, depois, vem a ser ilibado, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição, página 644. Em outra óptica, na defesa de que a opção do legislador, no caso da privação da liberdade, foi a de estabelecer os requisitos de admissibilidade da indemnização através do mecanismo do artigo 225º do Código de Processo Penal, se pronuncia José Mouraz Lopes, “A responsabilidade civil do Estado pela privação da liberdade decorrente da prisão preventiva” na Revista do Ministério Público nº 88, ano 22 (Out/Dez 2001), página 97.
[9] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2004 e de 22 de Março de 20011 na Colectanea de Jurisprudência (STJ), respectivamente, ano XII, tomo II, páginas 80 a 83, e ano XIX, tomo I, páginas 139 a 147; ainda, do mesmo Supremo Tribunal, os Acórdãos de 27 de Novembro de 2003, proc.º nº 03B3341, de 22 de Janeiro de 2008, proc.º nº 07A2381, e de 11 de Setembro de 2008, proc.º nº 08B1747, estes em www.dgsi.pt.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 2003 na Colectânea de Jurisprudência (STJ) ano XXVIII, tomo I, páginas 116 a 122.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003, proc.º 03B1371, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, em www.dgsi.pt. Ademais, afigura-se-nos que o novo regime do artigo 29º, nº 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 1 de Fevereiro, permite corroborar este sentido interpretativo.
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/569f50a00590b4ae80257b1f005172d1?OpenDocument&Highlight=0,burla

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