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quinta-feira, 7 de julho de 2011

COACÇÃO SEXUAL - Ac. do Tribunal da Relação do Porto - 15/06/2011

Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
887/09.1SLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: COACÇÃO SEXUAL
VIOLAÇÃO

Nº do Documento: RP20110615887/09.1SLPRT.P1
Data do Acordão: 15-06-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I - No capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, o crime de violação (164ºCP) aparece como uma especialização do crime de coacção sexual (163º CP), existindo um concurso aparente entre as duas normas.
II - Em tais crimes, o conceito de violência deve ser integrado não só de forma a incluir o uso da agressão física mas também o uso da agressão psíquica, abrangendo-se qualquer manifestação de uma conduta activa ou omissiva, adequada a obter o resultado pretendido, o qual é conseguido contra a vontade do sujeito passivo, anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-o numa situação de inferioridade que o impede de reagir como queria.
III - Poderá configurar-se violência mesmo que não haja reacção ou resistência por parte da vítima: o que importa é que sejam utilizados meios que impedem a formação da vontade ou a liberdade de determinação da vítima.
IV - Configura a prática de um crime de violação a conduta do agente que, após a recusa da vítima em ter relações sexuais com ele, lhe diz em tom sério e intimidatório que ou ela mantinha relações sexuais com ele ou desferia-lhe dois socos, assim tendo conseguido perturbar a liberdade de decisão e de acção da vítima e, desta forma, realizar cópula com ela.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: (proc. n º 887/09.1SLPRT.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. Na 1ª Vara Criminal do Porto, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº 887/09.1SLPRT.P1, foi proferido acórdão, em 13.1.2011 (fls. 494 a 514), constando do dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente, por provada, a douta acusação e, em conformidade:
Condenar o arguido B… pela prática, como autor material, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164º, nº 1, al. a) do C.P., na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
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Mais vai o arguido condenado no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Para efeitos de eventual revogação da pena de prisão suspensa na sua execução ali aplicada, remeta certidão do presente acórdão, com nota do oportuno trânsito em julgado, ao PCC nº 80/06.5TDPRT da Vara Criminal do Porto.
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Oportunamente, após trânsito em julgado da presente decisão, atento o concurso de crimes, e caso não haja notícia de condenação ulterior (uma vez que o arguido tem processos pendentes), será designada data para realização de audiência de cúmulo jurídico da pena aqui aplicada com a que foi fixada ao arguido no PCC 306/09.3SLPRT da 2ª Vara Criminal do Porto.
Envie cópia do presente acórdão ao predito processo.
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Comunique a presente decisão ao E.P. do Porto.
Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C..
Notifique.
Deposite.
(…)”
*
2. Não se conformando com esse acórdão, o arguido B… interpôs recurso (fls. 548 a 573), apresentando as seguintes conclusões:
………………………………………
………………………………………
………………………………………
Termina pedindo o provimento do recurso, a consequente revogação da sentença e a sua absolvição.

3. Na 1ª instância, o MºPº respondeu ao recurso (fls. 576 a 580), concluindo pelo seu não provimento e pela confirmação do acórdão recorrido.

4. Nesta Relação, o Sr. PGA emitiu parecer (fls. 587), concluindo pelo não provimento do recurso.

5. Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.

6. No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
………………………………………
………………………………………
………………………………………
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que apresentou (art. 412º, nº 1, do CPP).
Neste caso concreto, pretende o recorrente que sejam conhecidas as seguintes questões:
1ª- Averiguar se existe erro notório na apreciação da prova e violação dos princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova;
2ª- Verificar se ocorre erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (apesar de, neste aspecto, este erro de direito ter sido invocado muito sumária e abstractamente, apenas pela afirmação da não verificação dos respectivos pressupostos, com a retirada da conclusão da sua absolvição).
Passemos então a apreciar as questões colocadas no recurso em apreço.
1ª Questão
Após doutas considerações teóricas, argumenta o recorrente que existe erro na apreciação da prova por o tribunal a quo ter formado a sua convicção com base no depoimento da queixosa e nos antecedentes criminais do arguido.
Sobre o depoimento da queixosa, a partir do que consta da fundamentação de facto da sentença impugnada, faz o recorrente a sua apreciação dessa prova, concluindo que por a mesma, antes dos factos aqui em apreço, ter fumado um “charro” com o arguido, o ter enganado quanto à idade enquanto mantiveram relação de namoro entre Janeiro a Março de 2009 e ter tido posteriormente aos factos aqui em apreço cópula com o C…, suscitavam-se dúvidas insanáveis que o Colectivo não teria resolvido, violando os princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova.
Por outro lado, sustenta que perante os factos dados como não provados (essencialmente quanto à utilização de navalha para ameaçar a queixosa, quanto à utilização de força muscular para se colocar por cima dela e aí se manter, enquanto ela dizia não querer manter relações sexuais com ele e quanto a não ter referido que o arguido tivesse utilizado qualquer expressão intimidatória após a prática dos actos sexuais e antes de abandonar a casa) e face à prova pericial (que indica que a queixosa não apresentava lesões traumáticas recentes ou sequelas ao nível da superfície corporal como também na região perineal – ânus e vagina), que denota ausência de violência, deveria concluir-se que a cópula consumada foi consentida, havendo erro na apreciação da prova.
Acrescente-se que o recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
Comecemos por verificar se ocorrem os vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, particularmente o do erro notório na apreciação da prova invocado pelo recorrente.
Dispõe o art. 410º, nº 2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP) “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[1]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2, alínea b), do CPP) “é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[2]
Pois bem.
Como resulta da fundamentação (motivação) de facto do acórdão sob recurso, o Colectivo para formar a sua convicção quanto aos factos dados como provados (integradores do crime de violação pelo qual o arguido foi condenado) baseou-se na apreciação conjunta e articulada do depoimento prestado pela queixosa D…, nos relatórios periciais e ficha clínica que indicou (fls. 35 a 37, 206 a 208, 294 a 297 e 300 a 304), na certidão de nascimento da mesma D… (nascida em 27.7.1994 - como resulta de fls. 168 a 170) e, bem assim, no que se refere à circunstância da menor se encontrar fugida da instituição onde se encontrava internada à ordem do Tribunal de Família de Menores do Porto, no depoimento de E… (mãe da referida menor D…) e documentos de fls. 11, 204, 15 e 203.
Lendo essa motivação logo se alcança que (ao contrário do alegado pelo recorrente) a matéria dada como provada nos pontos 1 a 11 e 13 não se baseou nos antecedentes criminais do arguido.
O teor do CRC (fls. 403 a 414) do arguido (aliado à certidão de fls. 418 a 442) apenas permitiu ao Colectivo dar como provada a matéria constante do ponto 33.
Parte, assim, o recorrente de um pressuposto errado, quando invoca que os antecedentes criminais do arguido serviram para o Colectivo formar a sua convicção relativamente aos pontos 1 a 11 e 13 dados como provados.
Por outro lado, a avaliação que o Colectivo fez do depoimento da queixosa D…, não viola as regras da experiência comum, nem o disposto no art. 127º do CPP.
Não contesta o recorrente que a queixosa D… tivesse deposto nos termos indicados pelo Colectivo na motivação de facto do acórdão impugnado; o que se passa é que o recorrente quer impor a sua apreciação subjectiva desse depoimento, o que não pode ser.
O Colectivo expôs, de forma bem clara e lúcida, os motivos pelos quais acreditou na versão da testemunha D… (debruçando-se sobre o depoimento que esta prestou não só sobre os factos em questão, sobre antes da “violação” ter fumado conjuntamente com o arguido um “charro” da “branca”, ter sido ameaçada de agressão pelo arguido para manter cópula com ele, quando se recusara a tal, sobre a atitude posterior do arguido, após consumar a cópula, bem como sobre a relação de namoro que com ele tivera entre Janeiro e Março de 2009 - meses antes dos factos aqui em apreço – no decurso da qual mantiveram relações sexuais consentidas - quanto a o ter enganado relativamente à sua idade e, sobre posteriormente, horas depois de ter sido violada, ter mantido cópula consentida com o C…, de quem na altura gostava), nada impedindo que assentasse a sua convicção na avaliação que fez desse depoimento articulado com a demais prova (acima indicada) que também apreciou em concreto (concretamente relatórios periciais e ficha clínica acima indicados, bem como certidão de nascimento da menor, e informações relativas à menor estar institucionalizada, ter fugido e ser de novo entregue na respectiva instituição), indicando os aspectos mais relevantes que o convenceram, os quais também credibilizaram a versão da queixosa.
E que o arguido não utilizou violência física resulta desde logo da perícia efectuada e, bem assim, do próprio depoimento da testemunha D… (que também referiu que foi a ameaça de agressão que o arguido lhe fez que lhe provocou receio de ser alvo de agressão e, consequentemente não ofereceu resistência, apesar da sua recusa em manter relações sexuais com aquele).
Aliás, como bem diz o Ministério Público na 1ª instância, na resposta ao recurso, no relatório pericial, concretamente a fls. 297, salienta-se que “a ausência de vestígios físicos não significa que o abuso sexual não possa ter ocorrido, uma vez que num grande número destas situações não resultam vestígios.”
Nada impedia igualmente que o tribunal conferisse crédito, nos termos que indicou (e considerando o seu teor e respectivas conclusões), aos mesmos relatórios periciais.
Como a testemunha D… referiu, foi por ter sido ameaçada de agressão e ficar com medo que a mesma agressão se viesse a concretizar, que consequentemente não ofereceu resistência, apesar da sua recusa em manter relações sexuais com o arguido.
Por outro lado, nada impedia que a ofendida, apesar de ter sido violada pelo arguido, posteriormente mantivesse relações de sexo (cópula) com aquela pessoa de quem gostava (aliás, essas declarações prestadas pela ofendida foram também credibilizadas pelo teor das respectivas perícias, que o Colectivo ponderou).
Só por puro preconceito do recorrente é que se pode compreender as interrogações que coloca quanto à ofendida, após ter sido violada, ter mantido relações de sexo com terceiro (pessoa de quem gostava) e depois é que apresentou queixa contra quem a violara, ou seja, contra o arguido.
O facto de antes da violação a ofendida fumar com o arguido o dito “charro” (por ele disponibilizado) não lhe dava o direito de manter cópula com ela, mediante a ameaça de agressão apontada, meio que utilizou para “dobrar a vontade” da ofendida, que se recusara a ter relações de sexo com ele.
Mesmo que ainda se mantivesse a relação de namoro (a qual, como se provou, já tinha findado em Março de 2009), o arguido não podia, através de ameaça de agressão (dava-lhe dois socos), obrigar a ofendida a manter com ele cópula, como o fez, bem sabendo que ela anteriormente ao uso dessa ameaça de agressão, se recusara a praticar relações sexuais com ele.
Quanto ao facto de a ofendida ter admitido que enganara o arguido relativamente à idade, não significa que o arguido a não tivesse violado nos termos indicados (esse engano apenas releva para não lhe ser imputada a agravante da vítima ser menor de 16 anos de idade).
Nem é de estranhar esse facto (de enganar o arguido quanto à idade), sabendo que se está perante uma adolescente (sendo das regras da experiência comum que estas normalmente até querem passar por mais velhas), até com problemas que a levam a estar institucionalizada.
As interrogações que o recorrente coloca são, por isso, irrelevantes, apenas revelando a tentativa do mesmo querer impor a sua apreciação da prova (olhando só para o seu interesse pessoal), não sendo bastantes para integrar qualquer tipo de dúvidas que, aliás, o Colectivo, não teve, quando analisou imparcialmente toda a prova submetida à sua apreciação.
A conduta posterior à violação, que não se provou é irrelevante (é indiferente que não se tivesse provado que após a consumação da violação o arguido intimidasse a ofendida – se tal se tivesse provado poder-se-ia estar perante um crime autónomo de ameaça).
O facto de ter sido alegado na acusação, que o arguido ameaçou a ofendida com navalha e que usara da sua força muscular não foi sustentado pela ofendida (e, por isso, foi dado como não provado), o que até credibiliza o seu depoimento, mostrando que foi isenta (como diz o Colectivo) na descrição que fez.
A veracidade do seu depoimento também se mostra credibilizada quando a ofendida admite ter tido aquela relação de namoro anterior (nessa altura tendo relações sexuais voluntárias com o arguido), ter fumado o dito charro com o mesmo e quando admitiu que horas depois da violação teve cópula com o rapaz de quem gostava na altura.
De toda essa prova e avaliação feita pelo Colectivo fácil é concluir que não houve qualquer acordo ou consentimento da ofendida para aquela violação consumada pelo arguido em 25/11/2009, nas circunstâncias dadas como provadas.
O facto do arguido ter exercido o seu direito ao silêncio, não significa que o tribunal ficasse impedido de avaliar toda a prova produzida em julgamento (particularmente a que indicou) e conferisse crédito à versão da ofendida.
O privilégio contra a auto-incriminação e o direito de não prestar declarações fundamenta-se na ideia de que o arguido não é obrigado a incriminar-se e, por isso, não tem (ao menos nessa vertente) qualquer dever de colaborar com o Estado, enquanto titular do ius puniendi.
Não é por isso de estranhar que, em determinados casos, o legislador tenha prescindido de obter a prova em falta à custa do arguido (o que também está de acordo com a ideia de não transformar o arguido – que reconheceu como sujeito processual – em objecto de prova).
O arguido que exerce o seu direito ao silêncio (como diz Costa Andrade, citando Kühl), «renuncia (faculdade que lhe é reconhecida) a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o Tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo»[3], desde que tenham sido validamente obtidos.
Por isso, como já se disse, o facto do arguido se remeter ao silêncio não impede o tribunal de avaliar a prova produzida em julgamento, como o fez.
De resto, não se vê que o Colectivo tivesse usado de “pré-juízos” para avaliar a prova que indicou.
Tão pouco se detecta que o tribunal da 1ª instância tivesse presumido os factos dados como provados.
Por isso, não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada.
E, não se diga que estamos perante uma “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova” ou perante uma apreciação subjectiva do julgador, incontrolável ou imotivável ou, sequer desconforme com as regras da experiência.
Como sabido, na busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento, funciona (também) a regra básica (herdada do sistema da prova livre), consagrada no artigo 127º do CPP, da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas “excepções”, que se prendem com aspectos particulares da prova testemunhal, das declarações do arguido e das provas pericial e documental.
A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever»[4], assenta nas regras da experiência[5] e na livre convicção do julgador.
Esse critério de apreciação da prova implica que o julgador (aqui Colectivo) proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida.
E, foi isso o que foi feito pelo Tribunal da 1ª instância, como resulta da fundamentação de facto da decisão sob recurso, não se verificando qualquer violação do disposto no art. 127º do CPP.
Para além disso, verificado o texto e o contexto da decisão não se detecta o invocado vício do "erro notório na apreciação da prova" (art. 410º, nº 2, alínea c), do CPP).
A fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida conforma-se com as “regras da experiência comum”, sendo suportada pelas provas aí indicadas, apreciadas pelo julgador.
O acórdão sob recurso, sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre factos provados e não provados e com a respectiva fundamentação de facto – motivação –, não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Nessa decisão sob recurso não há distorções de ordem lógica e tão pouco foi feita qualquer apreciação que seja ilógica, arbitrária, incongruente ou insustentável.
E, o que é decisivo é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência e não as apreciações subjectivas do recorrente, que se revelam inconsequentes.
Das considerações feitas pelo recorrente decorre que o mesmo, no essencial, limita-se a contrapor a sua própria apreciação das provas àquela que foi a convicção do Colectivo, formada segundo o princípio da livre apreciação da prova e, quanto à prova pericial, de acordo com o disposto no art. 163º do CPP.
O recorrente quer substituir-se ao tribunal, quando pretende impor a sua própria apreciação (subjectiva e parcial) de parte da prova produzida em julgamento.
Isto é, o recorrente esqueceu o teor do art. 127º do CPP, sendo a sua divergência pessoal e subjectiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.
Invoca, ainda, o recorrente, que o tribunal da 1ª instância violou o princípio do in dubio pro reo.
Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
As provas indicadas pelo Colectivo são suficientes para sustentar, de forma objectiva, racional e com a necessária segurança, os factos que foram dados como provados.
E, uma vez que a decisão proferida pela 1ª instância se mostra sustentada na prova acima indicada, produzida em julgamento (tendo o Colectivo obtido, por essa via, a certeza dos factos dados como provados), apenas se pode concluir que também não foi afrontado o princípio da presunção de inocência.
Ora, não se verificando qualquer dos vícios aludidos no art. 410º, nº 2, do CPP, não tendo sido violados os princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo nem o da livre apreciação da prova e, não ocorrendo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão sobre a matéria de facto, acima transcrita, a qual se mostra devidamente sustentada e fundamentada.
Improcede, pois, nesta parte a argumentação do recorrente.
2ª Questão
Invoca, ainda, o recorrente que ocorre erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (apesar de, neste aspecto, este erro de direito ter sido invocado muito sumária e abstractamente, apenas pela afirmação da não verificação dos respectivos pressupostos, com a retirada da conclusão da sua absolvição).
Porém, não lhe assiste razão.
Perante os factos que foram dados como provados, não merece censura a qualificação jurídica feita pelo tribunal da 1ª instância e a conclusão de condenação do recorrente.
Vejamos.
Como sabido, a partir da entrada em vigor do CP na versão de 1982, o legislador português modificou a sua concepção (de negativa para positiva) da sexualidade, sendo mais concretamente após as alterações introduzidas em 1995 e em 1998, que esta nova atitude se tornou mais visível e clara, o que foi o resultado da preocupação de adaptação aos postulados do direito penal contemporâneo, com reforço, progressivo, do cariz liberal, tolerante e pluralista que deve nortear qualquer intervenção nesta área dos crimes sexuais.
Com a revisão do CP, aprovada pelo DL nº 48/95 de 15/3, foi modificada a inserção sistemática dos crimes sexuais, o desenho típico das singulares incriminações, sendo melhoradas as técnicas de intervenção, apresentando cada tipo legal uma nova configuração, por forma a melhor garantir, na sua descrição, a protecção do bem pessoal digno da tutela.
A exigência da clara definição do bem jurídico a proteger nos crimes sexuais, leva a conceber a liberdade e a autodeterminação da expressão sexual, como um dos vectores em que se analisa a liberdade da pessoa humana, enquanto concretização da «liberdade geral de acção» ou do «direito ao livre desenvolvimento da personalidade», sempre liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos[6], que se fundam no valor supremo da dignidade humana.
Atenta a natureza do bem jurídico em causa, apenas o respectivo portador individual (isto é, o portador concreto) – no pleno gozo da sua capacidade de autodeterminação – pode dispor livremente da sua sexualidade e exercê-la, mesmo que de forma «irracional», quando, com quem e como quiser, mas sempre sem prejuízo dos direitos de terceiros.
É à pessoa que, em exclusividade, está reservado o direito de dispor da sua sexualidade, o que mais não é do que a expressão da concreta autonomia pessoal.
Assim, o exercício da liberdade sexual de cada um apenas é limitado quando colide com «direito de idêntico conteúdo» de outro indivíduo[7].
A liberdade sexual – quer na sua dimensão negativa (nas palavras de Costa Andrade significando «resistir a imposições não queridas»), quer na sua dimensão positiva (no dizer do mesmo Autor expressando-se «pelo comprometimento livre e autêntico em formas de comunicação intersubjectiva»)[8] – é assim o único e específico bem jurídico que importa proteger e promover.
Dimensão negativa que podemos traduzir genericamente como a liberdade de não suportar condutas que agridam ou constranjam a esfera sexual da pessoa e, dimensão positiva como liberdade de interagir sexualmente sem restrições.
Estas duas vias de análise da liberdade sexual, são complementares e essenciais na concretização e na definição do bem jurídico tipicamente protegido[9], que desta forma ganhou autonomia no confronto com outros bens jurídicos de índole pessoal.
Porém, são «razões de técnica de tutela – como diz Costa Andrade[10] - que explicam que o direito penal intervenha, por princípio, na primeira das dimensões assinaladas».
Isto é, protege-se penalmente em princípio a dimensão negativa – porque mais carecida de protecção – mas, o legislador deve ter o cuidado de, ao maximizar a tutela do bem jurídico por essa via (negativa), não acabar por limitar ou restringir de forma excessiva a liberdade sexual na sua dimensão positiva[11].
No capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, o crime de violação (artigo 164º do CP) aparece como uma especialização do crime de coacção sexual (artigo 163º do CP)[12], existindo um concurso aparente entre as duas normas.
O bem jurídico protegido é o mesmo, ou seja, a liberdade da pessoa escolher o seu companheiro ou parceiro sexual e de dispor livremente do seu corpo.
A especialização consiste na circunstância do núcleo da conduta típica do crime de violação ser marcado por particulares actos sexuais, considerados os mais graves, cujo relevo é determinado e representa a mais importante limitação da liberdade sexual da vítima.
O alargamento do resultado da acção (ao lado da cópula e do coito anal aparece o coito oral) introduzido pela Lei nº 65/98 de 2/9 foi pelo mesmo diploma estendido, entre outros, aos tipos previstos nos artigos 165 (abuso sexual de pessoa incapaz de resistência), 166 (abuso sexual de pessoa internada) e 167 (fraude sexual) do Código Penal.
A mesma Lei nº 65/98 ampliou a área de tutela típica dos crimes de coacção sexual e de violação, através da alteração da sua configuração, prevendo novas formas ou meios de constrangimento da liberdade sexual (cf. nº 2 dos artigos 163 e 164), desse modo alargando o seu âmbito de aplicação.
Essas alterações visaram conferir uma protecção acrescida e, também mais eficaz, do bem jurídico-penal da liberdade e autodeterminação sexual e, ao mesmo tempo, intensificar a tutela das pessoas mais vulneráveis.
Por sua vez, a Lei nº 59/2007, de 4/9, veio alargar o conceito de “violação” previsto no artigo 164º do CP, uma vez que o tipo objectivo de ilícito foi ampliado quanto ao conteúdo da acção, com a previsão adicional do acto qualificado de “introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”.
Como sabido, o crime de violação é um crime de execução vinculada na medida em que o tipo exige, para a realização do evento que descreve, certos meios ou formas especificas de actuação.
No caso do nº 1 do art.164º do CP, que é o que aqui nos interessa, os meios de execução são a violência, a ameaça grave ou colocação da vitima em estado de inconsciência ou em situação de impossibilidade de resistir.
Os meios de execução que aqui importa abordar sumariamente são os da violência e da ameaça grave.
Classicamente, nesta área dos crimes sexuais, o conceito de “violência” é restringido ao uso de força física sobre a vítima, de modo a coagi-la à realização do acto pretendido.[13]
Modernamente o conceito de violência (mesmo nos crimes sexuais) deve ser integrado não só de forma a incluir o uso da agressão física mas também o uso da agressão psíquica, abrangendo-se qualquer manifestação de uma conduta activa ou omissiva[14], adequada a obter o resultado pretendido, o qual é conseguido contra a vontade do sujeito passivo (traduzindo-se numa pressão anímica exercida sobre a vítima), anulando, ainda que parcialmente, a sua vontade ou colocando-o numa situação de inferioridade que o impede de reagir como queria.[15]
Claro que se pode dizer que a agressão psicológica já é intimidação, ameaça. Mas, o entendimento de um conceito alargado de violência tem subjacente a lesão de direitos que estão garantidos à pessoa, na sua dimensão jurídica, devendo aqui ser aferida por referência ao bem jurídico em causa, que é a liberdade sexual da vitima, liberdade que, por aquele meio, é constrangida ou limitada de forma eficaz.[16]
Poderá, assim, configurar-se violência mesmo que não haja reacção ou resistência por parte da vítima – o que importa é que sejam utilizados meios que impedem a formação da vontade ou a liberdade de determinação da vítima.[17]
Sempre se deverá ter presente que, um conceito mais ou menos alargado de violência, não deve afastar o bem jurídico, isto é, há que ter em atenção que o direito penal apenas tem legitimidade para actuar, nesta área, relativamente a condutas coactivas da liberdade sexual da vitima por, aí, nessas situações, se tratar de uma lesão insuportável das condições comunitárias essenciais da livre auto-realização sexual.
Por seu turno, “ameaçar” é anunciar o propósito de fazer mal a alguém, sendo certo que a ameaça grave cria no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, injusto ou justo[18] capaz de, no caso concreto, paralisar a reacção.[19]
A ameaça[20] supõe também a coacção psicológica e traduz-se na perturbação da liberdade interior de decisão e da liberdade de acção da vítima.
A gravidade objectiva do mal radica na sua idoneidade para provocar na vítima um estado de temor tal, que seja induzida a escolher, como saída menos gravosa, a realização da cópula, coito anal ou coito oral pretendido pelo agente.[21]
No caso dos autos, perante os factos dados como provados não há dúvidas que o arguido dolosamente, através de ameaça grave (que consistiu precisamente em dizer-lhe - após a recusa da vítima em manter com o arguido relações sexuais - em tom sério e intimidatório, que ou ela mantinha relações sexuais com ele ou desferia-lhe dois socos) conseguiu perturbar a liberdade interior de decisão e de acção da vítima, agindo de forma idónea a provocar-lhe um estado de temor tal (precisamente porque tinha conhecimento do comportamento agressivo do arguido e temeu que aquele lhe batesse, como já acontecera noutras situações) que foi induzida a escolher a saída menos gravosa (acedendo então ao propósito do arguido), dessa forma conseguindo o arguido realizar cópula com ela.
Não fora essa ameaça, que foi grave, atenta a aptidão para afectar a vontade da vítima, e o arguido não conseguia realizar a dita cópula com a ofendida.
Perante as circunstâncias em que o arguido agiu sobre a vítima, não há dúvidas que a ameaça por ele usada foi grave e adequada a obter o resultado pretendido (cópula).
A paralisação da vítima, naquelas circunstâncias, ficou a dever-se ao temor com que ficou de ser efectivamente agredida (tanto mais que tinha conhecimento do comportamento agressivo do arguido), razão pela qual não se pode confundir essa atitude da ofendida com qualquer consentimento, como sustenta o recorrente.
Não há, por isso, qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa do arguido.
Verificam-se, pois, todos os pressupostos do crime de violação pelo qual o arguido foi condenado.
Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso aqui em apreço, sendo certo que não foram violadas as disposições legais citadas pela recorrente.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, mantendo o acórdão sob recurso.
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O recorrente vai condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94, nº 2, do CPP)
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Porto, 15-6-2011
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Luís Augusto Teixeira
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[1] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005 (consultado no site do ITIJ).
[2] Ibidem.
[3] MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as proibições de prova em processo penal, p. 129. Realça ainda (ob. cit., pp. 128 e 129) que «o silêncio deve, por isso, ser tomado como a ausência pura e simples de resposta, não podendo, enquanto tal, ser levado à livre apreciação de prova. E isto (…) quer se trate de silêncio total quer, na parte pertinente, de silêncio meramente parcial».
[4] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-89, p. 139, refere que «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo» (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)».
[5] Regra de experiência que, como diz PAOLO TONINI, A prova no processo penal italiano (trad. de Alexandra Martins e Daniela Mróz, de La prova penale, 4ª ed., publicado em Pádua, pela Cedam – Casa Editrice Dott. António Milani, em 2000 e posterior actualização de Setembro de 2001), São Paulo, Brasil: Editora Revista dos Tribunais LTDA, 2002, pp. 55 e 56, “expressa aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraída de casos similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio de tipo indutivo” e sucessivamente “um raciocínio dedutivo”.
[6] A este propósito, COSTA ANDRADE, Manuel, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, uma perspectiva jurídico-criminal, Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 155, refere-se ao «efeito-de-irradiação e ao consequente efeito-recíproco que (...) a nova compreensão jurídico-constitucional empresta aos direitos fundamentais em geral».
[7] SUÁREZ RODRÍGUEZ, Carlos, El delito de agresiones sexuales asociadas a la violación, Navarra: Aranzadi editorial, 1995, p. 50, defende que “o direito a conduzir-se sexualmente em liberdade, núcleo essencial da liberdade sexual, constitui o objecto de protecção jurídica nos crimes sexuais. Este direito compreende a faculdade de comportar-se na esfera sexual de uma maneira espontânea e autónoma, isenta de ingerências indesejadas. O direito de um indivíduo em conduzir-se sexualmente em liberdade só se vê limitado por um direito de idêntico conteúdo que possua outro indivíduo”.
[8] COSTA ANDRADE, Manuel, Consentimento e Acordo em Direito Penal (Contributo para a Fundamentação de um Paradigma Dualista), Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 395.
[9] Neste sentido, COSTA ANDRADE, ob. ult. cit., pp. 496-497.
[10] COSTA ANDRADE, ob. ult. cit., p. 395.
[11] Ibidem.
[12] Ambos os crimes (violação e coacção sexual), supõem a lesão do bem jurídico da liberdade sexual mediante coacção. Atente-se, ainda, na aproximação da redacção dos mencionados artigos 163 e 164 após a alteração introduzida pela cit. Lei nº 65/98.
[13] Assim se entendia no domínio do CP 1886 (cf. art. 393), onde se fazia referência expressa à violência física. Ensinava BELEZA DOS SANTOS, RLJ, nº 2271, p.370, que, essa “violência física” ou coacção física, tinha de ser exercida directamente sobre a vitima, traduzindo-se na subjugação pela força, obrigando a vitima a suportar a cópula que ela não queria consentir. Porém, com o CP de 1982, abandonou-se a expressão "violência física". Poderá, por isso, defender-se que o legislador preocupou-se mais com a importância da "energia" que recai sobre a vitima, do que propriamente com a sua origem.
[14] Uma conduta omissiva integradora do conceito de violência (violência psíquica) será, por exp., o caso de não se fornecer alimentos enquanto não for feito o que se exige.
[15] Ver, a propósito da desmaterialização do conceito de agressão como vis phisica (violência física), AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, A legitima defesa, pp.223 e 224.
[16] A violência é relevante quando se concluir que, na ausência da violência, o acto sexual de relevo em causa não teria sido realizado.
[17] Aliás a doutrina também costuma distinguir, pelos efeitos psicológicos provocados no sujeito passivo, dois tipos de violência: a vis compulsiva (quando o coagido é capaz de tomar uma decisão segundo a sua própria vontade, apesar dessa vontade ser pressionada) e a vis absoluta (quando o coagido não é capaz de opor resistência à acção do sujeito activo).
[18] É elemento essencial da ameaça que o mal futuro anunciado dependa da vontade do agente (ameaçante). "Faltando este requisito, não há ameaça, mas advertência, aviso" – AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, "Os crimes de extorsão", p.393. No caso do art.164 nº1 o constrangimento decorre de uma modalidade especifica de ameaça, a "ameaça grave", enquanto no nº2 do art.164, o constrangimento decorre da ameaça simples. Também aqui o problema da "conexão meio-fim" (isto é, entre o meio utilizado como ameaça e a finalidade que o ameaçante visa obter com o recurso futuro a esse meio) é fundamental para delimitar o sentido jurídico-criminal de “constrangimento”. Refira-se que, na Alemanha, Engelhard (com origem em autores como Goldschmidt e Frank), defende que a conduta será ilegítima, ainda que o mal com que se ameaça seja lícito, quando não haja uma "relação entre o meio e o fim propugnado pelo agente". Segundo a teoria da relação, a licitude ou ilicitude da condição dependerá da existência da dita relação com o mal. A propósito de ameaça grave com mal lícito, recorde-se o exp. dado por MUÑOZ CONDE, ob. cit., pág.184, do caso do agente, que tem provas da infidelidade matrimonial de uma pessoa, e que a ameaça, dizendo-lhe que as revela ao cônjuge, se não acede a ter cópula. Ver também JEAN PRADEL, Droit Pénal Spécial, p.487, apontando como exp. de ameaça, a violação realizada por um indivíduo que ameaça abandonar a sua vitima ao frio, durante a noite, em local longe de qualquer habitação (crim. 11/2/92, Dr. Pén.1992, nº174).
[19] Como diz VEGA RUIZ, La violación en la doctrina y en la jurisprudencia, p.83, "dentro do contexto de uma ameaça é evidente que a pessoa atacada responde animicamente de acordo com os seus mais íntimos reflexos e de acordo com as suas mais íntimas fraquezas e medos."
[20] Pode-se defender, como o faz CARLOS SUÁREZ RODRÍGUEZ, El delito de agresiones sexuales asociadas a la violación, pp.165 e 166, que "ameaçar" é dar a entender com actos ou palavras que se quer fazer algum mal a outro (refere-se só à acção), enquanto a "intimidação" é causar ou incutir medo (refere-se à acção e ao efeito).
[21] CARLOS SUÁREZ RODRÍGUEZ, ob. cit., p.195, escreve que " constitui intimidação típica toda a prolacção de uma mensagem intimidatória intensa, mediante a qual o sujeito ameaça o outro de causar-lhe um mal grave, futuro e verosímil em qualquer dos seus interesses, se não acede ao trato ou contacto sexual".

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