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terça-feira, 26 de julho de 2011

PROCESSO DISCIPLINAR,SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE PENA,REINCIDÊNCIA - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte - 22-06-2011

dãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo: 01119/07.2BEPRT

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo


Data do Acordão: 22-06-2011

Tribunal: TAF do Porto

Relator: José Augusto Araújo Veloso

Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE PENA
REINCIDÊNCIA

Sumário: I. A suspensão de execução de pena disciplinar não constitui ela própria uma pena, mas antes medida disciplinar de conteúdo pedagógico e reeducativo, pelo que só deve ser aplicada quando se concluir, face ao grau de culpabilidade e comportamento do arguido, e às circunstâncias da infracção, que essa medida bastará para afastá-lo de novas infracções;
II. A reincidência, como agravante especial, pretende repercutir na pena disciplinar concreta, por uma nova infracção, a censura dirigida ao arguido pela sua insensibilidade ao cumprimento de anterior pena;
III. Ao fixar o termo inicial da contagem do prazo de um ano, relevante para efeitos de reincidência, no dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de infracção anterior, pretendeu-se afastar o termo da mera ameaça de cumprimento de pena disciplinar, consubstanciada na suspensão de execução de pena.*
* Sumário elaborado pelo Relator


Data de Entrada: 20-10-2010
Recorrente: Município do Porto
Recorrido 1: Sindicato...
Votação: Unanimidade


Meio Processual: Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão: Concedido parcial provimento ao recurso


Aditamento:
Parecer Ministério Publico: Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Município do Porto [MP] interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 04.05.2010 – que anulou a decisão camarária que aplicou a pena de multa de 200,00€ ao seu funcionário N…, e que o condenou a restituir a este a quantia de 200,00€ acrescida de juros legais, à taxa de 4%, vencidos desde a retenção dessa quantia e até seu integral pagamento – o acórdão recorrido culmina a acção administrativa especial em que o Sindicato… [S…], representando o seu associado N…, demanda o MP formulando ao TAF precisamente o pedido que foi procedente.
Termina assim as suas alegações:
1- Recorre-se do acórdão que julgou procedente a acção especial e consequentemente anulou o despacho do Presidente da Câmara Municipal do Porto, ratificado através da deliberação camarária de 17.07.2007 e que aplicou a pena de multa na quantia de 200,00€;
2- Verifica-se, no caso, erro de julgamento quanto à valoração das circunstâncias agravantes, com violação do artigo 31º nº1 b) e c) e nº2 do ED, porque, por infracção disciplinar anterior, foi aplicado ao associado do autor pena de multa no valor de 200,00€, pena essa que foi suspensa por um prazo de 18 meses, terminando tal suspensão em 26.01.2006;
3- De acordo com o nº3 do artigo 33º do ED [em vigor à data], verifica-se que há reincidência - aferida em função da data de cometimento da nova infracção - quando é cometida uma nova infracção antes de passar um ano sobre o cumprimento da medida anterior;
4- A pena anteriormente aplicada ao associado do autor, apenas foi cumprida em 26.01.2006, pelo que, a infracção praticada no âmbito deste processo disciplinar [Março de 2006], foi praticada quando ainda não tinha decorrido um ano sobre a data em que findou o cumprimento da pena anteriormente aplicada [esta só se considera cumprida em 26.01.2006];
5- Na verdade, o facto do aqui recorrido ter cometido, novamente, uma infracção disciplinar, ainda que a anterior lhe tivesse sido suspensa [à data por se tratar da primeira infracção], significa que reincidiu;
6- A circunstância agravante da reincidência foi, assim, correctamente ponderada não padecendo pois de qualquer vício ou ilegalidade;
7- A pena aplicada, de multa, foi correctamente determinada com base nos factos provados, com fundamento nas infracções descritas nos autos;
8- Acresce que ao contrário do que vem vertido no douto acórdão, da leitura dos depoimentos, da acusação, e ainda do relatório final, não se vislumbram dúvidas que pudessem levar a outra decisão no âmbito do processo disciplinar que não aquela que foi proferida;
9- Na verdade, o associado do aqui recorrido não deu cumprimento à ordem que lhe fora transmitida pelo superior hierárquico. Outrossim, foi sempre afirmando que o cilindro se encontrava na oficina, acabando por confessar que o havia deitado ao lixo quando lhe foi solicitado que o apresentasse;
10- O associado do recorrido tinha como obrigação, decorrente do exercício das suas funções, informar os seus superiores hierárquicos do estado dos materiais antes de os enviar para o lixo, o que não sucedeu;
11- Os factos do relatório final, que foram considerados provados e que fundamentaram o acto em causa, são os mesmos que constam da acusação, sendo que a conduta do arguido violou os deveres gerais de zelo, lealdade e obediência e foi por essa violação que lhe foi aplicada a sanção disciplinar em causa;
12- Não se verifica incumprimento dos pressupostos que levaram à aplicação da referida pena disciplinar, considerando que resultou, bem claro, quer para o associado do aqui recorrido, quer para a instrutora do processo, quer ainda para quem deliberou a aplicação da pena disciplinar quais os factos subjacentes à acusação.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, e as legais consequências.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados no acórdão recorrido:
1- O representado do autor é funcionário do Município do Porto [MP], tendo sido alvo de processo disciplinar, por factos ocorridos em Março de 2006, no âmbito do qual lhe foi aplicada a pena de multa de 200,00€, por decisão do Vereador dos Recursos Humanos tomada a 05.01.07 e notificada ao arguido em 14.02.07;
2- Ao representado do autor, N…, foi aplicada em 27.07.04 a pena de multa suspensa por dezoito meses;
3- A acusação, na parte referente ao cilindro, é do seguinte teor:
[…]
8º- Outra situação relaciona-se com uma ordem dada ao arguido, pelo Engenheiro N…, em data que não foi possível determinar, mas que ocorreu no mês de Março de 2006, no sentido de desligar, retirar e guardar na oficina um cilindro de alta pressão que se encontrava no armazém da Domus Social, EM.
9º- O arguido cumpriu essa ordem, porém, o cilindro desapareceu do armazém, pois aquele arguido alega tê-lo desmontado e verificado o seu estado geral, após o que refere ter verificado que o cilindro era de ferro e que, por isso o deitou fora.
10º- O arguido tomou essa decisão, por si, sem que tivesse recebido ordens nesse sentido ou que tivesse exposto a situação ao Encarregado-Geral - Senhor B….
11º- Aliás, o arguido só disse ao Encarregado-Geral que havia deitado fora o cilindro, quando este lho pediu, pois até essa altura, disse que o cilindro estava na oficina […];
4- O Relatório Final da instrutora, deu como provados os seguintes factos:
1º- Foi dada ordem ao arguido, pelo Engenheiro N…, em data que não foi possível determinar, mas que ocorreu no mês de Março de 2006, no sentido de desligar, retirar e guardar na oficina um cilindro de alta pressão que se encontrava no armazém de arquivo da EMHM, actual Domus Social, EM.
2º- O arguido cumpriu a ordem de desligar e retirar o cilindro do armazém, porém, não o guardou na oficina, por, alegadamente, o ter deitado fora.
3º- O arguido tomou essa decisão, por si, sem que tivesse recebido ordens nesse sentido ou que tivesse exposto a situação ao Encarregado-Geral - Senhor B….
4º- Aliás, o arguido só disse ao Encarregado-Geral que havia deitado fora o cilindro, quando este lho pediu, pois até essa altura, disse que o cilindro estava na oficina.
5º- Com a conduta descrita, o arguido violou o disposto nos nºs 6, 7 e 8 do artigo 3° [deveres gerais de zelo, obediência e lealdade], a que corresponde a pena de Multa, nos termos do artigo 23°, todos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, sendo competente para aplicar a dita pena o Senhor Presidente da Câmara Municipal.
Não se conhecem circunstâncias atenuantes que militem a favor do arguido N….
Há, no entanto, circunstância agravante contra si - a reincidência - prevista no artigo 31º, nº1, alínea f) e nº3 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, dado que, em 29.01.2006 terminou o prazo de suspensão de uma pena de multa que lhe fora aplicada em 27.07.04, e que, por isso, esta infracção foi cometida antes de decorrido um ano sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de infracção anterior.
Embora fosse prática deitar fora os cilindros de ferro, porque, contrariamente aos de cobre, normalmente estavam deteriorados e sem arranjo, tal decisão era da competência dos superiores hierárquicos do arguido, os quais, no caso em apreço, por o cilindro ter sido, alegadamente, deitado fora pelo arguido, desconhecem se o cilindro era ou não de ferro e se estava ou não em mau estado.
Na formação da convicção da instrutora, influiu o declarado pelas testemunhas afectas à área da canalização, bem como dos dois superiores hierárquicos do arguido.
Por tudo e o exposto e tendo em atenção que:
A- O arguido é um funcionário com bastantes anos de serviço na carreira de canalizador - desde 28 de Fevereiro de 1984 - pelo que, se torna pouco desculpável o facto de o mesmo desconhecer os deveres funcionais a que estava vinculado;
B- Existem, contra si, circunstâncias agravantes, proponho a aplicação ao arguido N…, funcionário com o número mecanográfico 3…, a pena de multa, caracterizada e prevista nos artigos 12º nº2 e 23º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, respectivamente, pela quantia de 200€ [duzentos euros].
No valor da multa proposto, foi ponderado o facto de o arguido ser reincidente e ainda o de que o valor do cilindro que foi colocado no balneário de T… - que poderia não teria sido necessário caso aquele que o arguido enviou para o lixo estivesse em bom estado ou pudesse ser reparado - orçou em 175€ [cento e setenta e cinco euros].
5- Em reunião da Câmara Municipal do Porto [CMP] de 17.07.2007, foi deliberado que fossem aproveitados todos os actos instrutórios, respectiva nota de culpa e relatório final, constante do processo disciplinar em que é arguido o funcionário aqui representado do autor e em consequência aplicar-lhe, com os fundamentos de facto e direito insertos no relatório final, a sanção disciplinar em causa.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. O sindicato autor, em representação do seu associado N…, funcionário do Município do Porto, pediu ao TAF a anulação da deliberação camarária que lhe aplicou pena de multa de 200,00€ e a condenação do réu a restituir-lhe essa quantia retida, mas acrescida de juros de mora desde a respectiva retenção.
Para tanto, alega que a decisão punitiva viola os artigos 31º nº3 e 28º do ED [Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº24/84, de 16.01], porque na determinação concreta da respectiva pena atendeu a uma circunstância agravante especial que não se verifica [reincidência], e pondera indevidamente um facto que não consta da acusação [o valor do cilindro colocado no Balneário T…– que poderia não ter sido necessário caso o que o arguido enviou para o lixo estivesse em bom estado ou pudesse ser reparado – orçou em 175,00€].
O TAF julgou procedentes as apontadas causas de violação de lei, e, nessa conformidade, anulou a decisão punitiva e condenou o réu a restituir a quantia retida a título de multa, com juros.
Deste acórdão discorda o réu, Município do Porto, que, enquanto recorrente, lhe imputa erro de julgamento de direito.
À apreciação deste erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto do presente recurso jurisdicional.

III. O artigo 31º, nº1 alínea f), do ED, prevê como circunstância agravante especial da infracção disciplinar a reincidência, a qual, diz no seu nº3, se dá quando a infracção é cometida antes de decorrido um ano sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de infracção anterior.
O artigo 28º do ED, sobre a medida e graduação das penas, estipula que na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigo 22º a 27º, à natureza do serviço, à categoria do funcionário ou agente, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido.
Para concluir pela verificação da violação do artigo 31º, nº3, do ED, o TAF arrazoou deste modo:
[…] Refere o arguido que não podia ter sido ponderada agravante referente ao não decurso de um ano após aplicação de pena anterior, uma vez que foi notificado mais de um ano após o termo da suspensão da pena anteriormente aplicada.
Sobre este aspecto há que referir que o prazo de um ano se conta desde o fim do cumprimento da pena imposta em virtude de infracção anterior, até à prática da nova infracção que origina o processo disciplinar mais recente, e não da data da decisão deste último processo disciplinar – ver nº3 do artigo 31º do Estatuto Disciplinar de 1984.
Não obstante, no caso dos autos não se verificou uma situação dessas, uma vez que, havendo suspensão de pena e não tendo sido esta revogada [e, consequentemente, ordenado o seu cumprimento efectivo], não se pode considerar ter havido cumprimento da pena.
Ora, o instituto da reincidência apenas pode funcionar quando haja cumprimento de pena efectiva, o que não foi o caso. Assim, nunca poderia ter sido considerada a agravante que foi levada em conta na decisão final.
Em caso de reincidência, para as situações de penas suspensas, funciona o instituto da caducidade da suspensão [nº4 do artigo 33º do ED], ficando o agente sujeito à punição que estava suspensa.
Desta forma, não era admissível a ponderação como circunstância agravante da forma como foi realizada na decisão final.
Razão pela qual o acto impugnado padece do vício de violação de lei, pelo que deve ser anulado.
E, para concluir pela outra alegada violação de lei, argumentou assim:
[…] Alega o autor que no valor da pena aplicada foi ponderado facto não constante da acusação: “o valor do cilindro colocado no Balneário T… - que poderia não ter sido necessário caso aquele que o arguido enviou para o lixo estivesse em bom estado ou pudesse ser reparado”, e que foi punido com base em suposições e não em factos reais, concluindo pela verificação de nulidade insuprível.
A questão em apreço reporta-se a saber se esta situação determina, ou não, uma alteração dos factos de que o autor estava acusado e se existem factos concretos apurados para aplicação da pena em apreço.
Na realidade, conforme acima se transcreve, a decisão teve em consideração diversas condicionantes, a saber: se o cilindro estivesse em bom estado, se o cilindro pudesse ser reparado, se o cilindro fosse de cobre, se não fosse de ferro, se estivesse ou não em mau estado, se estivesse em bom estado, poderia não ter sido necessário colocar outro cilindro.
São muitas dúvidas para uma decisão que não deve ser duvidosa.
Assim, ficam dúvidas se o cilindro podia ou não ter sido colocado noutro local, uma vez que não se sabe se estaria ou não em bom estado, se seria ou não de ferro ou de cobre. Sendo que na acusação, nada se diz a este respeito, ou melhor, relata-se a versão do arguido de que é de ferro.
Por outro lado, realmente em momento algum da acusação é referido o valor do cilindro, seja do que foi deitado fora, seja do que foi colocado no Balneário T, bem assim como em momento algum da acusação se refere que o mesmo seria reaproveitado, daí o prejuízo para a entidade empregadora.
Assim, restam dúvidas sobre a qualidade do cilindro que o arguido desmontou e deitou fora, assim como ficam dúvidas se poderia ter sido colocado ou não no balneário em apreço.
A decisão disciplinar não pode basear-se em dúvidas, mas em certezas. Havendo dúvidas deve funcionar a regra geral «in dubio pro reo», e não a inversa.
Razão pela qual a decisão deve ser anulada, por incumprimento dos pressupostos básicos de uma decisão condenatória, os quais a condenação por factos acusados, a certeza sobre os factos e a aplicação do princípio «na dúvida a favor do arguido». […]
É destes julgamentos que discorda o Município do Porto, os quais reputa de errados em ambas as vertentes.
Vejamos.
As penas aplicáveis aos funcionários e agentes abrangidos pelo ED em causa são a repreensão escrita, a multa, a suspensão, a inactividade, a aposentação compulsiva e a demissão [artigo 11º nº1 do ED].
As penas de multa, de suspensão e de inactividade podem ser suspensas na respectiva execução, ponderados o grau de culpabilidade e o comportamento do arguido, bem como as circunstâncias da infracção cometida, sendo que o período temporal de suspensão não pode ser inferior a um ano nem superior a três, conta-se desde a data de notificação ao arguido da respectiva decisão, e caducará se ele vier a ser, no seu decurso, condenado novamente em virtude de processo disciplinar [artigo 33º, nº1 nº2 e nº4, do ED].
Como resulta claro e inequívoco da lei, a suspensão de execução de pena disciplinar não constitui ela própria uma pena, mas antes medida disciplinar de conteúdo pedagógico e reeducativo, pelo que só deve ser aplicada quando a entidade com poder sancionador concluir, em face do grau de culpabilidade e comportamento do arguido, e das circunstâncias da infracção, que essa medida bastará para afastá-lo de novas infracções.
A suspensão de execução de pena disciplinar suspende, pois, o cumprimento efectivo da respectiva pena disciplinar [de multa, de suspensão e de inactividade], ficando a pairar sobre o arguido apenas a ameaça do seu cumprimento. Esta ameaça, levando em conta a pessoa do arguido e as circunstâncias da infracção será, em princípio, bastante para o afastar da indisciplina. Mas caso a suspensão não venha a caducar [33º nº4 ED], a pena de multa, de suspensão ou inactividade que lhe foi aplicada, extinguir-se-á [artigo 57º nº1 do CP ex vi 9º do ED].
Isto dito, temos que no caso concreto não poderá ser valorada, como circunstância agravante especial, nos termos do artigo 31º nº1 alínea f) do ED, a reincidência.
Na verdade, com esta agravante especial pretende-se repercutir na pena disciplinar concreta por nova infracção, a censura dirigida ao arguido pela sua insensibilidade ao cumprimento da anterior pena. É, pois, a falta de repercussão, na conduta do arguido, do cumprimento da pena disciplinar anterior, que é censurado pela reincidência.
Ao fixar o termo a quo da contagem do prazo de um ano [artigo 31º nº3 ED], relevante para efeitos de reincidência, no dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de infracção anterior, pretendeu-se afastar, para tal efeito, o termo da mera ameaça de cumprimento de pena disciplinar, consubstanciada na suspensão de execução de pena.
Assim, não tendo havido, no caso em apreço, cumprimento da anterior pena de multa, que se extinguiu pelo decurso do período de suspensão de execução, não podia a CMP ter ponderado a agravante especial da reincidência na determinação da pena concreta a aplicar ao arguido, aqui representado pelo sindicato recorrido.
Na medida em que assim decidiu, o TAF decidiu bem.
E também decidiu bem, cremos, na medida em que considerou que o facto que consta do relatório final e não da acusação deveria ter sido sujeito ao indispensável contraditório [esse facto em causa é o seguinte: o valor do cilindro colocado no Balneário T… orçou em 175,00€].
Constata-se, na verdade, que embora da acusação nada conste acerca da compra de outro cilindro destinado a substituir aquele que foi deitado fora pelo arguido, e muito menos o preço que custou, certo é que isso consta do relatório final e foi assumido pela deliberação da CMP que o puniu.
Foi assumido, juntamente com a agravante da reincidência, como facto relevante na determinação do valor da multa. Ou seja, após ter seleccionado a natureza da pena disciplinar a aplicar à infracção dos deveres gerais de zelo, obediência e lealdade, a CMP concretizou o valor da multa em 200,00€ lançando mão, também, desse facto omitido na acusação.
Não resta qualquer dúvida de que não o poderia fazer, pois que se trata de facto não comunicado ao arguido, e sobre o qual ele não teve a oportunidade, indispensável, de se pronunciar, o que configura nulidade insuprível [artigo 42º nº1 do ED].
Note-se, porém, que esta nulidade insuprível apenas terá como consequência a desconsideração absoluta desse facto que foi aditado ao relatório final, uma vez que ele não contende, minimamente, com a integração dos elementos necessários ao preenchimento do tipo de infracção disciplinar em causa, mas apenas com os factores a ponderar para a determinação do valor concreto da pena de multa.
Sublinhamos, a respeito, que tanto a acusação como o relatório final do instrutor contêm todos os elementos factuais necessários ao preenchimento da infracção disciplinar que é imputada ao aí arguido. Aliás, nem as partes neste recurso jurisdicional discutem tal assunto.
Discordamos, pois, da conclusão favorável ao arguido que o TAF extrai de algumas dúvidas que elencou. Essas dúvidas [ou seja: se o cilindro estava em bom estado, se podia ser reparado, se era de cobre ou ferro] nada têm a ver com os elementos típicos da infracção, que consistem em o aí arguido ter decidido, por si mesmo, e ao arrepio do que lhe tinha sido ordenado, não guardar o cilindro de alta pressão que ele desligou e que retirou do armazém, antes o tendo deitado fora.
Assim, apesar da CMP não poder ter em consideração, aquando da determinação da pena disciplinar concreta a aplicar ao aí arguido, nem a agravante especial da reincidência, nem esse facto aditado no relatório final pelo instrutor, o certo é que remanesce apurada a sua infracção disciplinar, que ninguém põe em causa.
Deverá pois a entidade competente para punir disciplinarmente, que não o tribunal, refazer o juízo determinativo da pena concreta a aplicar no caso, sem ter em conta aquela agravante e este facto.
E só no caso de não vir a ser fixada pena de multa, ou esta ser fixada em quantia inferior à de 200,00€, é que, nessa medida, deverá ser restituído na sua totalidade ou em parte esse valor já retido, com os seus respectivos juros vencidos desde a respectiva retenção.
Nesta conformidade, o recurso jurisdicional deverá obter parcial provimento, mantendo-se o acórdão recorrido apenas na medida em que considera ilegal a relevância dada à reincidência e ao facto novo aditado no relatório final, e revogando-se quanto ao restante.
Por seu turno, a acção especial deverá obter, também, apenas parcial procedência, ou seja, a anulação deve ser limitada à concreta determinação da pena pela entidade competente para o fazer, o que envolve a reformulação desse juízo sem levar em conta os elementos considerados ilegais.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, o seguinte:
- Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido em tudo o que excede a procedência da ilegal relevância dada à reincidência e ao facto novo aditado no relatório final;
- Julgar parcialmente procedente a acção especial, e, nessa conformidade, anular a determinação concreta da pena a aplicar à infracção disciplinar apurada, devendo ser restituída ao arguido a quantia retida, no todo ou em parte, e com juros de mora desde a retenção, à taxa legal, na exacta medida em que isso resultar da reformulação do juízo sobre a determinação concreta da pena.
Custas pelo recorrente, em ambas as instâncias, e sempre na proporção de ½, com taxa de justiça relativa à 1ª instância fixada em 3 UC’s, e com taxa de justiça reduzida a metade nesta instância. O recorrido não paga a outra ½, que lhe caberia, por beneficiar de isenção legal – artigos 476º do CPC, 189º do CPTA, 73º-A, 73º-D nº3, 73º-E nº1 alíneas a) e b), e 4º nº3 do DL nº84/99 de 19.03.
D.N.
Porto, 22.06.2011
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/5835b2c9d2128204802578bf0037a033?OpenDocument

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