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terça-feira, 14 de agosto de 2012

PENSÃO DE ALIMENTOS FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES LIMITES DA RESPONSABILIDADE - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 26/06/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1805/10.0TBGMR-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
LIMITES DA RESPONSABILIDADE

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 26-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário: 1 – A prestação alimentar assegurada pelo FGADM é uma prestação nova e diferente da devida pelo progenitor incumpridor, devendo ser encarada como uma “prestação social”, a ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19/11.
2 – Tal prestação está sujeita a um limite máximo mensal de 4 UCs por cada devedor/progenitor, independentemente do número de menores a que se destine.


Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Por apenso a processo de regulação do poder paternal, veio V… deduzir incidente de incumprimento por falta de pagamento, pelo requerido S…, das prestações alimentícias fixadas. Pediu que seja reconhecido e declarado o incumprimento das responsabilidades parentais pelo progenitor, nomeadamente no que diz respeito ao não pagamento das prestações alimentícias, que se profira decisão provisória de alimentos a cargo do Estado e que seja suportada pelo FGADM a pensão de alimentos, vencidas e vincendas, em montante não inferior à prestação alimentícia fixada e devida aos menores.
Foi fixado um regime provisório, tendo o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social informado os autos que iniciou o pagamento da prestação de alimentos fixada, no montante de € 363,75, em substituição do progenitor, no dia 21 de Setembro de 2011, com referência a 1 de Agosto de 2011.
Após instrução do processo, o MP pronunciou-se no sentido de que deveria ser fixado o montante de € 485,00 (€ 121,25 por cada criança), a suportar pelo FGADM.
Foi proferida sentença que determinou que as prestações de alimentos devidas aos quatro menores ficam a cargo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que assim se substituirá ao devedor, no pagamento da quantia de € 121,25 mensais para cada um.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes

Conclusões:
1° - A douta sentença recorrida interpretou e aplicou de forma errónea, ao caso sub judice, o artigo 1.º da Lei 75/98 de 19/11 e o art° 4° n°s 4 e 5 do Dec-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio;
2° - Com, efeito, o Tribunal ao fixar as prestações a atribuir ao FGADM não pode ultrapassar a limitação quantitativa imposta por Lei;
3° - Na fixação do montante da prestação, deve o Tribunal atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação fixada, às necessidades específicas do menor e não já às possibilidades de quem os deve pagar — art° 2° n°2 da Lei e art° 3° n° 3 do Dec-L.ei;
4° - Deve ter-se em conta, essencialmente “as necessidades específicas do menor, não ultrapassando o limite máximo de 4 UCs por cada devedor
5° - A responsabilidade do FGADM é subsidiária, surge em situação em que não é possível cobrar os alimentos do devedor
6° - A prestação a cargo do FGADM é autónoma e independente da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos, em que o valor desta constitui apenas um dos elementos a ponderar na fixação daquela.
7° - Não colhe também, o argumento de que o facto de a prestação a cargo do FGADM não poder ultrapassar o valor de 4 UCs, viola o Princípio da Igualdade.
8° - O art° 69° n° 1 da CRP “protege” as crianças de forma igual, mas dadas as diferentes situações em que se podem encontrar, deve o Estado e a sociedade adoptar medidas de discriminação positiva, com vista ao seu (de todas elas) desenvolvimento integral tendo por base, por um lado, a garantia da dignidade humana e, por outro, a consideração de que a criança é um ser em formação, “cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades”.
9.º - Recai sobre o Estado um dever de protecção da criança, com necessidades específicas, com vista ao seu desenvolvimento, de garantir a sua dignidade como pessoa em formação, que não prescinde da assistência alimentar para a satisfação das sua necessidades mais elementares, como decorrência mesmo do direito à vida. Em última instância, incumbe ao Estado garantir a satisfação “das prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao desenvolvimento e a uma vida digna da criança”.
10.º - Em execução desta norma programática, com vista à realização de urna prestação alimentar para a satisfação das necessidades básicas das crianças foi instituído o regime de garantia dos alimentos devidos a menores pela Lei 75/98 de 19/11 e pelo diploma que a regulamenta, o Dec-Lei n° 164/99 de 13/05.
11.º - Estes diplomas tiveram como objectivo da execução, princípios constitucionalmente consagrados.
12.º - E com esse propósito o art° 1.º da Lei determina os requisitos necessários para que o Estado assegure a prestação de alimentos.
13.º - E o art° 2° da mesma Lei dispõe que “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4UCs.
14.º - Não há qualquer violação à Lei Fundamental, nem aos princípios nela consagrados.
15.º - O limite máximo de 4 UCs de prestação social mensal por cada devedor dos alimentos em falta corresponde à fixação de uma prestação social equilibrada e razoável, tanto no contexto económico-financeiro do País, como no alcance das finalidades prosseguidas pela prestação social de garantia dos alimentos devidos a menores.
16.º - A referida decisão ao fixar o valor da prestação a cargo do FGADM em € 485,00, não teve, porém, em conta a limitação quantitativa desta prestação, consubstanciada na fixação legal de um limite máximo mensal por cada devedor;
17.º - Como muito bem se refere na douta declaração de voto do Acordão da Relação de Lisboa (6.ª secção) proferido no processo n.º 7448/08-6 “o texto dos diplomas legais, nomeadamente o n° 1 do art° 2° da Lei n° 75/98 de 19 de Novembro e o n° 3 do art° 3° do DL n° 164/99 de 13 de Maio, não identifica tal limite máximo das prestações por cada menor. Pelo contrário,
18.º - o uso da expressão devedor deve ser compreendido como uma referência ao sujeito passivo da obrigação de alimentos, designadamente, por efeito da aplicação da regra de interpretação legal plasmada no n° 2 do art° 9° do Código Civil”.
19.º - Resulta dos autos que, no caso em apreço, se está em presença de um único devedor: o progenitor dos quatro menores, judicialmente obrigado a prestar alimentos, que não cumpriu a referida obrigação.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra decisão, na qual o valor da prestação a cargo do FGADM do IGFSS não ultrapasse o limite máximo mensal de 4 UCs, imposto por lei.

A requerente contra alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
De igual modo, o MP apresentou resposta ao recurso, sustentando que deve ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão recorrida ou, caso assim não se entenda, deverá ser fixado o montante mensal de € 121,25 a suportar pelo FGADM, por cada uma das crianças, embora tal montante não possa exceder 4 UCs.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se o limite máximo definido por lei para pagamento de prestação alimentar pelo FGADM, se deve reportar a cada progenitor em falta ou a cada criança que a ela tem direito.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
1) Por sentença proferida no âmbito dos autos de regulação do exercício da responsabilidade parental (fls. 61 e 62), A…, nascido no dia 1 de Maio de 2008, B…, nascido no dia 10 de Agosto de 2003, C…, nascido no dia 1 de Março de 2005 e D…, nascido no dia 17 de Novembro de 2007, foram entregues à guarda da mãe V…, tendo o pai, S…, sido condenado a contribuir com a quantia mensal de € 100, 00 para as despesas com os alimentos com cada um dos filhos, devendo tal montante ser actualizado de acordo com a taxa de inflação verificada no ano anterior.
2) O progenitor não contribui com qualquer montante para as despesas com os alimentos dos filhos.
3) Para além do veículo automóvel de mercadorias de matrícula XT…, não são conhecidos quaisquer bens pertencentes ao requerido que possam ser penhorados.
4) A progenitora é empregada no sector têxtil, auferindo a quantia mensal de € 485,00.
5) Recebe ainda a quantia mensal de € 140,76, a título de prestações familiares (abono de família).
6) Recebe ainda do FGADM o montante de € 363,75, provisoriamente fixado.
7) Vive com os filhos A…, B…, C… e D….
8) As despesas mensais fixas ascendem a cerca de € 325,00, referentes à renda de casa e consumos de água energia eléctrica e gás e água.

Na sentença sob recurso fixou-se o montante de € 485,00 a suportar pelo IGFSS, considerando que este montante se deve dividir igualmente (€ 121,25) pelos quatro filhos menores da requerente e do progenitor condenado a pagar alimentos e que se encontra em incumprimento.
Aí se entendeu que, estando verificados os pressupostos da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, previstos na Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, no DL n.º 164/99 de 13 de Maio e no DL n.º 70/2010 de 16 de Junho, este Fundo deverá substituir-se ao devedor no pagamento dos alimentos no valor de € 121,25 por cada um dos quatro filhos menores, valor este que corresponde a ¼ da RMMG, usada como critério objectivo de referência.
Mais se considerou, na sentença sob recurso, que, apesar de ultrapassado o valor de 4 UC a que alude o artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 75/98 de 19/11, tal limite máximo deve ser referido a apenas uma criança, sob pena de a lei criar uma situação de desigualdade entre uma fratria de três, cinco ou mais crianças, só porque são filhas do mesmo progenitor incumpridor, e outra fratria que provenha de diferentes progenitores.
Como se viu, a recorrente insurge-se contra este entendimento, considerando que o limite máximo a que a lei se refere tem que ser referido a cada devedor e não a cada criança.
Vejamos.
O artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro determina que o Estado (através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores) deve assegurar os alimentos devidos a menores, quando a pessoa judicialmente obrigada a fazê-lo não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Esta Lei foi regulamentada pelo DL n.º 164/99, de 13 de Maio, cujo artigo 3.º determina, no seu n.º 1, que o FGADM assegura o pagamento das referidas prestações de alimentos quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida e o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
De acordo com o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 4.º deste DL n.º 164/99 o IGFSS deve, após a notificação da decisão proferida pelo tribunal, comunicá-la de imediato ao centro regional de segurança social da área de residência do alimentado, que inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
A fixação da prestação de alimentos é feita atendendo às condições actuais do menor e do seu agregado familiar, podendo ser diferente da anteriormente fixada.
Trata-se de uma prestação nova que não tem de ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor, e que deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 2.º da Lei n.º 75/98 de 19/11, com um montante máximo aí definido. Ou seja, é criada uma nova “prestação social”.
O Fundo de Garantia não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida a menor. Pelo contrário, reveste natureza subsidiária, sendo seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, através das formas previstas no artigo 189.º da OTM.
A obrigação de alimentos a cargo do Fundo é independente ou autónoma, conquanto subsidiária, da do primitivo obrigado, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas sim, a suportar os alimentos fixados ex novo. Ou seja, a prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto legitimador da intervenção subsidiária do Estado para satisfazer uma necessidade actual do menor.
O Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor originário não pague, ficando onerado com uma prestação nova, devendo ser reembolsado do que pagar – cfr. Remédio Marques, in «Algumas Notas sobre Alimentos (devidos a menores) versus o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em especial filhos menores)», Coimbra Editora, 2000, pág. 230.
O Estado garante um mecanismo legal para suprir a falta ou carência de meios de subsistência dos menores e do seu direito a alimentos, sendo certo que o garante através dos citados diplomas legais – Lei n.º 75/98 de 19/11 e DL n.º 164/99 de 13/05 – assegurando, assim, o direito das crianças à protecção e desenvolvimento integral, bem como o direito a alimentos, pressuposto do direito à vida, sendo certo que o faz de acordo com as possibilidades do Estado e consagrando aquele entendimento jurídico supra referido da independência e autonomia da prestação do FGADM, em relação ao incumprimento do progenitor faltoso.
De acordo com o disposto no art. 6.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 75/98 e no art. 2.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, o FGADM foi constituído, não para garantir o pagamento da prestação de alimentos que cabe à pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, mas tão só a de assegurar o pagamento de uma prestação social, a que aludem os arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, que visa suprir o incumprimento do obrigado e tem por fim satisfazer as necessidades básicas de subsistência e desenvolvimento do menor em matéria de alimentos. Finalidade que se contém no âmbito do direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado tendo em vista o seu desenvolvimento integral, consagrado no n.º 1 do art. 69.º da Constituição da República Portuguesa.
Neste contexto, a função do FGADM é a de cumprir a função constitucional que compete à sociedade e ao Estado de assegurar à criança, na falta de cumprimento do ou dos obrigados, a satisfação do direito a alimentos, que se traduz “no acesso a condições de subsistência mínimas” e na faculdade de requerer “as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna”, como é referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99. Deste modo, como já vimos, a prestação a cargo do FGADM é independente e autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos. Autonomia que se manifesta quer em relação aos requisitos de atribuição, quer em relação aos parâmetros de fixação, mas que assenta na valorização daqueles princípios constitucionais.
Dando como assentes as características de subsidiariedade, independência e autonomia desta obrigação do Fundo, analisemos a questão do seu limite máximo.
Sustenta o recorrente Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP que o valor da prestação a cargo do FGADM não pode ultrapassar o limite máximo mensal de 4 UC por devedor independentemente do número de menores a que a prestação se destine.
Quanto a esta questão a jurisprudência tem estado dividida, encontrando-se decisões no sentido propugnado pelo recorrente e decisões, como a ora recorrida, no sentido de que a aplicação do limite de 4 UC tem de ser entendido em relação a cada menor beneficiário, podendo ver-se, neste último sentido, o Ac do STJ de 4/6/2009 – Proc. 91/03.2TQPDL.S1, mas com voto de vencido (www.dgsi.pt).
As normas que estabelecem o limite de 4 UC são o art. 2º nº 1 da Lei 75/98 e o art. 3º nº 4 do DL 164/99. Ambas prescrevem que as prestações são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC.
A questão é a de saber como interpretar estes normativos.
O critério de interpretação da lei é o que consta do artigo 9.º do Código Civil, que dispõe:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
4. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
Ora, do nosso ponto de vista, não tem a mínima correspondência na letra da lei a interpretação de que aquele limite máximo é fixado por referência a cada menor, ou seja, o credor e não por referência ao devedor.
E como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º nº 3 do Código Civil), apenas se encontra utilidade na expressão «por cada devedor» se com ela se pretende fixar o limite máximo da prestação independentemente do número de menores que dela devem beneficiar. Se o legislador quisesse referir-se ao credor teria escrito «as prestações não podem exceder, mensalmente, por cada menor, o montante de 4 UC» - neste sentido, veja-se Ac. da Relação de Lisboa de 28/09/2012, in www.dgsi.pt.
Sobre esta questão, pondera Remédio Marques, in obra citada, pág 239/240: «Noutro enfoque, observar-se-ia que, tomando o legislador como bitola para a determinação do montante das prestações a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas do menor – repare-se na utilização no singular da palavra menor – o montante máximo previsto no citado art. 2º/1, haveria de ser aferido em função do binómio devedor de alimentos/menor credor único. (…) Todavia, só é lícito extrair um certo sentido ou alcance às normas contanto que esse mesmo sentido ou alcance tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (art. 9º/2 do CC); caso contrário não se interpreta a lei, outrossim se altera a lei por via jurisprudencial. Ora, por muito louvável que se mostre a posição acima exposta, ela só pode subsistir de lege ferenda, o que implicaria a alteração da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro».
Note-se, também, que o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 309/2009 de 22/6/2009 (DR II, nº 139, de 21/7/2009), decidiu não julgar inconstitucional a norma do nº 1 do art. 2º da Lei 75/98 com fundamento em violação do disposto nos art. 13º, 26º e 69º da Constituição, aí referindo, em síntese: «(…) a situação de desigualdade gerada pela limitação do montante da prestação social a 4 UC por cada devedor, quando se torne necessário efectuar o rateio desse valor máximo entre diversos menores que sejam filhos de um mesmo devedor (no confronto com quaisquer outros casos em que a um devedor corresponda um único credor) decorre da própria situação de vida concretamente considerada, e não propriamente de um critério normativo fixado legislativamente. O que poderia discutir-se é se é constitucionalmente aceitável o estabelecimento desse limite ou se o critério de determinação do montante máximo da prestação não deveria antes ter por base a pessoa do credor dos alimentos, e não a do devedor. Valem aqui, no entanto, as considerações já anteriormente expendidas sobre a tutela jurídico-constitucional dos direitos sociais. Estando em causa direitos a prestações, que, como tal, devem caracterizar-se como actuações positivas do Estado, a sua concretização, para além de um conteúdo mínimo que se torne determinável através dos próprios preceitos constitucionais depende de conformação político-legislativa e, em muitos casos de existência e disponibilidade de meios materiais, que, em qualquer caso, não pode ser objecto de reexame ou controlo jurisdicional. Não se vê, por outro lado, em que termos podem considerar-se violadas, no caso, as disposições dos artigos 26º e 69º da Constituição. (…) No caso, o Estado, através da Lei nº 75/98 e do seu diploma regulamentar, veio justamente instituir uma garantia dos alimentos devidos a menores, atribuindo uma prestação social destinada a suprir as situações de carência decorrentes do incumprimento por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, dando assim concretização prática ao direito de protecção às crianças que deriva daquele artigo 69º e, mediatamente, ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que alude também o citado artigo 26º.».
Também neste sentido vai o voto de vencido do Conselheiro Salvador da Costa no já referido Acórdão do STJ de 04/06/2009, onde se pode ler: «A lei reporta-se expressamente ao limite das prestações do Fundo de quatro unidades de conta por cada devedor, e o devedor é a pessoa obrigada, por virtude da concernente decisão judicial, a prestar alimentos a menores. Não se refere a lei à unidade de prestação, mas sim às prestações, expressão que constituiu o sujeito plural da previsão normativa, que deve constituir o ponto de partida da interpretação em causa. Os referidos preceitos legais não inserem, pois, o mínimo verbal que sustente a interpretação no sentido de o mencionado limite correspondente ao valor de quatro unidades de conta se reportar a cada devedor relativamente a cada menor, ou seja, em função da posição de credor de cada um deles. Perante tal base literal das referidas normas, não vemos elementos extra-literais que legitimem a conclusão interpretativa no sentido de o pensamento legislativo ser o que foi considerado no acórdão».
Assim, o sentido do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 da Lei n.º 75/98 de 19/11 e 3.º, n.º 4 do DL n.º 164/99, de 13/05 é o de que as prestações atribuídas nos termos dessa Lei não podem exceder mensalmente o valor equivalente a quatro unidades de conta, por cada devedor/progenitor, independentemente do número de menores a que se destinem.

Do que fica exposto resulta, portanto, a procedência das conclusões da alegação da apelante com a necessária revogação da sentença, nessa parte, e a sua substituição por outra que determine que as prestações de alimentos devidas aos menores A…, B…, C… e D…, no montante mensal de € 121,25 para cada um deles, ficam a cargo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, mas com o montante máximo de 4 UCs.

Sumário:
1 – A prestação alimentar assegurada pelo FGADM é uma prestação nova e diferente da devida pelo progenitor incumpridor, devendo ser encarada como uma “prestação social”, a ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19/11.
2 – Tal prestação está sujeita a um limite máximo mensal de 4 UCs por cada devedor/progenitor, independentemente do número de menores a que se destine.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente a sentença, na parte em que estabeleceu o montante de € 485,00 de prestação alimentar assegurada pelo FGADM, substituindo-se por outra que fixa esse montante, total, no máximo de 4 UCs (a dividir igualmente pelos menores, mantendo-se o montante individual de € 121,25, mas com aquele limite a suportar pelo FGADM).
Custas pela apelada.
***
Guimarães, 26 de Junho de 2012
Ana Cristina Duarte
Purificação Carvalho
Eduardo Azevedo


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