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terça-feira, 9 de julho de 2013

ARQUIVAMENTO EM CASO DE DISPENSA DA PENA RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 19.06.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
765/11.4GDVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: ARQUIVAMENTO EM CASO DE DISPENSA DA PENA
RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA

Nº do Documento: RP20130619765/11.4GDVFR.P1
Data do Acordão: 19-06-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REJEITADOS OS RECURSOS
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: I – No âmbito do instituto processual do arquivamento em caso de dispensa da pena, do art. 280º do CPP, o juiz de instrução não profere decisão.
II – Como não cabe recurso dos despachos proferidos pelo M° Público, a única possibilidade de fiscalização ao dispor do assistente, caso entenda que não se verificam em concreto os pressupostos e requisitos materiais que determinaram o arquivamento do inquérito com dispensa de pena, é a reclamação hierárquica.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: Proc. nº 765/11.4GDVFR.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito dos autos de Inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira com o nº 765/11.4GDVFR, tendo obtido a concordância do Juiz de Instrução, o Mº Público determinou o arquivamento do inquérito ao abrigo do disposto no artº 280º nº 1 do C.P.P.
Inconformados, vieram o assistente B… e os denunciantes C… e D… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. No crime de ofensa à integridade física simples, a possibilidade de dispensa de pena, pressupõe a verificação cumulativa dos requisitos previstos nos artºs. 143º nº 3 e 74º nº 1 do CP;
2. In casu, não se encontram preenchidos todos os requisitos legais do instituto da dispensa de pena;
3. A reparação do dano, exigida pelo nº 1 al. b) do artº 74º do CP, não se encontra preenchida;
4. O recorrente C… sofreu lesões graves, que muito lhe dificultam a mobilidade do ombro direito, com possibilidade de ter que sofrer intervenção cirúrgica;
5. O que constitui danos patrimoniais e não patrimoniais relevantes que não foram por qualquer forma reparados;
6. Sendo, assim, manifesto que não estão verificados todos os requisitos da dispensa de pena;
7. O despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos artºs. 74º nº 1 al. b) e 143º nº 3 do CP.
Conclui pedindo se ordene a revogação do despacho recorrido e o prosseguimento do inquérito.
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Os arguidos E…, F… e G… responderam às motivações de recurso suscitando as questões prévias de falta de indicação da decisão objeto de recurso bem como da irrecorribilidade da decisão. Quanto ao mérito do recurso conclui pela respetiva improcedência.
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O Ministério Público na 1ª instância pugnou pela improcedência da motivação dos recorrentes.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, sendo que, relativamente à questão prévia de “inadmissibilidade de recurso”, alicerçando-se na jurisprudência e doutrina que indica, defende que a decisão de arquivamento ao abrigo do disposto no artº 280º do C.P.P., com a concordância do Sr. Juiz de Instrução, é recorrível uma vez que a discordância respeita à verificação dos seus requisitos.
Quanto ao mérito, entende que a decisão recorrida deve ser revogada por violar o disposto nos artºs. 277ºs 3 e 4, 285º do CPP e 186º do CP, para além de não estar demonstrado nos autos não haver danos a reparar.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., vieram os recorridos responder, alegando que o parecer emitido suscita questões que não constituem objeto do recurso, mantendo, quanto ao mais, o que já haviam alegado.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Encerrando o inquérito, a Magistrada do Ministério Público, proferiu o seguintes despacho [cfr. fls. 238 a 242]:
«Atentos o teor e a regularidade da prova produzida até aqui, e por se nos afigurar como virtualmente inútil quaisquer outras diligências probatórias, dá-se por naturalmente prejudicada a realização de ulteriores diligências, declarando-se concluído o presente inquérito.
B…, C… e D…, id. Nos autos, participaram criminalmente contra E…, G… e F…, imputando-lhes factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artº 143º nº 1 do Código Penal. B… ainda imputa a E… a prática de um crime de injúrias.
Mais denunciam a prática do crime de gravações ilícitas por parte daqueles, referindo que, no dia em apreço, ou seja, no dia 17 de Setembro de 2011, os denunciados procederam à gravação de imagem daqueles, sem o seu consentimento.
Foram, entretanto, apensados a estes autos os de inquérito com o nº 773/11.5GDVFR, em que F…, E… e G… participam criminalmente contra aqueles pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e, bem assim, no que a C… e a B… concerne, de crimes de injúrias.
Os factos denunciados ocorreram todos nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar.
Procedeu-se a Inquérito, com a realização das diligências de investigação tidas por úteis e pertinentes.
Compulsados os autos, e em face das diligências de investigação encetadas, resultam indiciados, em síntese, os seguintes factos:
B… é filho de C… e de D…, ofendidos/arguidos.
Por seu turno, F… e E… são filhos de G…, todos também ofendidos/arguidos.
Todos são familiares – G… e D… são irmãs. Estão, contudo, desavindos, por motivos que se desconhecem.
São todos vizinhos, residindo na Rua …, em …, área desta comarca.
No dia 17 de Setembro de 2011, pelas 09h30m, ofendidos/arguidos envolveram-se em mais uma discussão.
Nessa sequência, trocaram insultos mútuos, sendo que E… apelidou B… de “Filho da Puta” , por seu turno, este apelidou os demais de “Filhos da Puta, Ladrões, Parvalhões”. Todos iam respondendo aos insultos dos outros.
Acabaram todos por se envolver em agressões físicas com puxões de cabelos, arranhões, empurrões, pancadas com uma vassoura e um regador que se encontravam no local.
Todos sofreram lesões, sendo que nenhum correu perigo para a vida nem ficou com quaisquer sequelas que os desfigurem.
E… sofreu traumatismo na cabeça, devidamente suturado.
Por seu turno, C… sofreu traumatismo no ombro direito, com luxação, tendo, nessa sequência, sido imobilizado o membro superior direito. Sofreu, ainda, atrofia do músculo deltóide.
Todos os demais sofreram apenas hematomas/equimoses/escoriações.
Desconhece-se quem iniciou as agressões.
Desconhece-se quem iniciou os insultos.
Depois do sucedido, não existiram mais agressões entre aqueles.
*
Quanto aos factos denunciados suscetíveis de integrar o crime de gravações ilícitas p. e p. pelo artº 199º do Código Penal, desde já se refira que inexistem indícios da sua prática.
Na verdade, ninguém viu o que quer que fosse que corroborasse a versão dos factos apresentada por B…. Por outro lado, nem mesmo este soube esclarecer o que aqueles filmavam – se pessoas (elemento típico do crime em apreço), se apenas espaços (o que, como é sabido) não é punível criminalmente) – estamos, na verdade, perante um crime cujo bem jurídico protegido é a reserva da vida provada de cada um.
Acresce que ninguém afirmou sequer ter visto as ditas filmagens – sendo que B… apenas afirma que aqueles filmavam – nada mais se especificando.
Ou seja, não existem indícios da prática do aludido crime de gravações ilícitas p. e p. pelo artº 199º nº2 do Código Penal.
Assim, e em suma, determino o arquivamento dos autos, nos termos do artº 277º nº 2 do CPP, em virtude de inexistirem indícios da prática do aludido crime.
*
Resta-nos, então, apreciar a responsabilidade criminal dos arguidos, no que aos crimes de ofensa à integridade física simples e de injúria denunciados.
Os factos indiciariamente apurados resultam das declarações de ofendidos/arguidos, dos elementos médicos juntos, assim como das declarações da testemunha H…, inquirido a fls. 59, que referiu que, quando assomou ao local, todos se injuriavam mutuamente. Não presenciou agressões físicas entre aqueles, pese embora tenha presenciado os ofendidos/arguidos a queixar-se de dores (na sequência de agressões por parte dos outros).
Ora, face aos factos indiciariamente apurados e ao abrigo do disposto nos art. 143º nº 3 alínea a), 181º, 186º nºs 2 e 3, 74º nº 1, todos do Cód. Penal e 280º nº 1 do CPP, entendemos que deve ser de arquivar os presentes autos, por ser caso de dispensa de pena.
Com efeito, todos os arguidos se encontram em condições de beneficiar de tal arquivamento, em virtude de:
- A ilicitude e a culpa dos arguidos é diminuta – os arguidos encontravam-se desavindos, envolveram-se numa discussão, agredindo-se e injuriando-se mutuamente, respondendo às agressões e insultos do outro/outra;
- As lesões ocorridas não são, de todo, graves, não havendo incapacidade para o trabalho de ninguém (nem mesmo para C…, consoante se constata pela análise de fls. 237 verso);
- Não há notícia de outro episódio do género;
- Não se verificam, por isso, quaisquer exigências de prevenção geral e/ou especial que urja salvaguardar.
Pelos motivos expostos, justifica-se, in casu, um meio menos gravoso de atingir os fins para que tende o Direito Penal, pois existem boas razões para crer que se não justifica a sujeição dos arguidos a julgamento.
Na verdade, a intervenção penal e a dedução de acusação deve circunscrever-se àquelas situações em que se revele necessária e eficaz no combate ao crime, privilegiando-se as situações de consenso que permitam a não estigmatização dos seus agentes.
Ora, no caso dos autos, todos os intervenientes processuais são, simultaneamente ofendidos e arguidos, resultando dos autos que se agrediram e insultaram mutuamente.
E, como defendem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ainda que a propósito de uma dispensa de pena diferente, In Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, Áreas Editora, 2003, “a dispensa de pena não é uma medida de clemência. O que acontece é que a pena se apresenta como desnecessária, face à pequena gravidade do delito. Trata-se, pois, de uma sanção especial do Direito Penal, cuja peculiaridade consiste na condenação do réu pelo delito cometido, sem que se lhe imponha uma pena. Trata-se igualmente de uma medida alternativa à prisão e à multa, vocacionada para a resolução de bagatelas penais, quando, verificando-se embora todos os pressupostos da punibilidade, não se justificada a aplicação de uma sanção penal em termos de prevenção”.
Destarte, conclua os autos ao Mmo. Juiz em funções Instrutórias, com vista a obter-se a sua concordância ao arquivamento, nos moldes referidos no artº 280º nº 1 do CPP, 143º, 181º, 186º e 74º, todos do Código Penal.»
*
Foi então proferido despacho judicial com o seguinte teor: [cfr. fls. 245]
«Da dispensa de pena (cfr. fls. 238 e ss):
Tendo em consideração os fundamentos de facto e de direito vertidos no douto despacho do Ministério Público id. em epigrafe e visto o disposto, conjugadamente, nos arts. 143º, 181º, 186º e 74º nº 1 do CP e 280º nº 1 do CPP, dou a minha concordância ao arquivamento dos presentes autos com dispensa de pena, nos termos ali propostos, relativamente a todos os arguidos ali identificados.
Notifique (sendo os arguidos com cópia do despacho do Ministério Público de fls. 238 e ss).»
*
O Ministério Público proferiu então o despacho de fls. 247, com o seguinte teor:
«Uma vez que o Mmo. Juiz concordou, determino o arquivamento dos autos, nos termos do artº 280º do CPP.
Notifique todos os ofendidos/arguidos, quer do presente despacho, quer do despacho de fls. 238 a 242 e de fls. 245.»
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*
III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Antes de mais, porém, importa apreciar uma questão prévia que respeita à legitimidade dos recorrentes para o presente recurso.
Como resulta das motivações juntas a fls. 262 e segs. o recurso foi interposto por B…, C… e D….
Contudo, compulsados os autos verifica-se que, embora todos eles tenham apresentado queixa contra os arguidos, apenas o queixoso B… requereu a sua intervenção nos autos na qualidade processual de assistente e como tal foi admitido [cfr. fls. 136]. Os recorrentes C… e D… nunca requereram a sua constituição como assistentes, pelo que apenas detêm o estatuto processual de queixosos/denunciantes.
Ora, o queixoso não é sujeito processual enquanto não seja constituído assistente. A sua intervenção processual é muito restrita e os seus direitos limitam-se à formulação da queixa, à desistência dela e ao direito de se constituir assistente[3]. A lei não lhe reconhece legitimidade para recorrer das decisões que o afetem, contrariamente ao direito que atribui ao assistente (artºs. 69º nº 2 al. c) e 401º nº 1 al. b) do CPP).
Nestes termos, carecem os queixosos C… e D… de legitimidade para a interposição de recurso, sendo certo que a decisão proferida a fls. 285, que admitiu o recurso, não vincula este Tribunal – artº 414º nº 3 do C.P.P.
*
Cumpre, assim, apreciar o recurso interposto pelo assistente B…. Considerando, porém, que a eventual procedência das questões suscitadas pelos recorridos, poderá prejudicar o conhecimento do recurso, importa conhecer previamente das referidas questões.
Os recorridos E…, F… e G… na resposta à motivação suscitam a questão prévia da inadmissibilidade de recurso por falta de identificação da decisão de que se pretende recorrer e por irrecorribilidade da decisão.
Vejamos:
A interposição de recurso é a manifestação de vontade de recorrer da decisão que constitui o seu objeto, daí que se entenda que o requerimento de interposição de recurso é autónomo relativamente às motivações (artº 411º nº 3 do C.P.P.), nele devendo ser devidamente identificada a decisão de que se recorre.
No caso em apreço, efetivamente, os recorrentes não apresentaram requerimento autónomo. Contudo, do início das suas motivações é possível concluir que constitui objeto do presente recurso “o douto despacho de arquivamento proferido com dispensa de pena”. Ora, esse despacho só pode ser o que foi proferido pelo Mº Público a fls. 238 a 242, já que o Juiz de Instrução apenas deu a sua concordância ao arquivamento.
Improcede, assim, a primeira questão prévia suscitada pelos recorridos.
Porém, constituindo objeto de recurso “o douto despacho [proferido pelo Mº Pº], de arquivamento com dispensa de pena”, é manifesto que a decisão é insuscetível de impugnação por via da interposição de recurso ordinário.
Com efeito, os «recursos», na aceção comum de «recursos jurisdicionais» – que é a utilizada quer no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, quer no artigo 399.º do Código de Processo Penal –, consubstanciam, por natureza, a impugnação perante um tribunal (superior) de anterior decisão de outro tribunal (inferior), diversamente do que ocorre com o «recurso contencioso» (impugnação perante um tribunal de um ato da Administração) ou com o «recurso administrativo» (impugnação perante um órgão administrativo de um ato de outro órgão administrativo subalterno ou tutelado). Como refere Armindo Ribeiro Mendes[4], recursos, naquela aceção comum, são «os meios processuais destinados a submeter a uma nova apreciação jurisdicional certas decisões proferidas pelos tribunais». Quando o citado artigo 399.º proclama que «é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei» está a referir-se às três formas de «atos decisórios dos juízes» cuja utilização o artigo 97.º, n.º 1, do mesmo Código descreve do seguinte jeito: «a) Sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior; c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial».
Neste contexto, os despachos de arquivamento de inquérito, proferidos pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 280º do Código de Processo Penal não cabem na previsão do artigo 399.º do mesmo Código. Ao interessado in­conformado com tais despachos é legalmente facultada uma via de reação: suscitar a intervenção hierárquica prevista no artigo 278.º do C.P.P.
Aliás, o Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 397/2004[5], decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artº 280º nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, interpretada como não admitindo recurso para o Tribunal da Relação das decisões do Ministério Público de arquivamento de inquérito, em caso de dispensa de pena».
Conclui-se, assim, que tendo o presente recurso como objeto o despacho de arquivamento proferido pelo Mº Público – como expressamente refere o recorrente – não seja suscetível de recurso para o Tribunal da Relação.
*
De qualquer modo, sempre se dirá que não se pode entender que o recurso interposto tenha em vista o ato processual praticado pelo Juiz de Instrução.
E ainda que o tivesse, o recurso não poderia ser admitido por carecer de objeto.
Com efeito, o despacho proferido pelo Juiz de Instrução ao abrigo do disposto no artº 280º nº 1 do C.P.P. não é propriamente uma decisão; é acima de tudo um despacho de simples concordância; e, nos termos do artigo 280.º n.º 3 do CPP, a decisão de arquivamento do Ministério Público em conformidade com os números anteriores − e não a manifestação de concordância do juiz de instrução –, não é susceptível de impugnação.
No fundo, o único ato processual com virtualidade de afetar os interesses do assistente é o despacho de ar­quivamento do Ministério Público com o qual o juiz de instrução concordou, e não um despacho deste.
Procurando definir a natureza jurídica da denominada “concordância” judicial para aferir da respetiva recorribilidade, o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 16/2009[6] – pronunciando-se embora sobre a concordância do juiz de instrução para a suspensão provisória do processo (artº 281º do C.P.P.), mas cuja aplicação no caso em apreço se justifica dada a idêntica natureza do ato para efeitos do disposto no artº 280º do mesmo diploma –, refere que «dispõe o artigo 359º do Código de Processo Penal que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Existe uma relação linear e convergente entre este normativo e o complexo de atos que consubstanciam a atuação processual do juiz no processo penal, os quais o artigo 97º do mesmo diploma, cataloga e alberga sobre a designação de ato decisório.
Falamos, assim, dos atos do juiz que conhecem afinal do objeto do processo, e tomam a forma de sentença; que conhecem uma qualquer questão interlocutória; ou que põem termo ao processo e que tomam a forma de despacho.
A questão que então se coloca é de saber se a denominada “concordância” do juiz integra qualquer uma das hipóteses citada e assume, assim, a natureza de ato decisório e, como tal, é recorrível. Na verdade, nem todos os atos praticados pelo juiz no processo assumem a natureza de acto decisório e certamente que um daqueles que suscita mais perplexidade pela sua morfologia equívoca é a denominada “concordância” do juiz.
Efectivamente, como refere Roxin, os atos do juiz podem-se agrupar segundo a forma (sentenças ou despachos) e segundo o seu conteúdo, distinguindo-se entre aqueles que põem fim ao processo e aqueles que possibilitam a sua continuação.
Os atos do juiz reconduzem-se, assim, a uma de duas tipologias diferentes:- por um lado os atos que visam a ordenação, e impulso processual, e, por outro, os atos que visam a finalização do processo. Os primeiros visam a ordem do processo, adequando a tramitação do procedimento à lei adjetiva, e os segundos visam a resolução da questão substantiva, ou seja, o terminus da relação processual.
Assumam uma, ou outra natureza, os actos judiciais, para revestirem a natureza de um ato decisório, devem ter por finalidade ou o conhecimento, a final, do objeto processo, ou a sua finalização, ainda que sem tomar conhecimento do respetivo objeto. No caso da denominada “concordância” do Juiz de instrução, e excluída a possibilidade de assumir a integração categorial de despacho interlocutório, poderá afirmar-se que a mesma se define como ato decisório? […] a questão a equacionar no caso vertente é somente a de saber se a denominada “concordância” do Juiz de Instrução é uma decisão que põe fim á relação processual penal, podendo subsumir-se no conceito de acto decisório, nos termos e para os efeitos do citado artigo 97º do CPP. A resposta é, quanto a nós, manifestamente negativa, pois que o instituto da “concordância” judicial surge como um mero pressuposto da determinação do Ministério Público, essa sim sinalizando o fim daquela relação processual penal.
Como refere Anabela Rodrigues[7] a verdadeira decisão de suspensão compete ao Ministério Público. Mais adianta a mesma autora que a concordância do juiz é, assim uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público) prevista pelo legislador em nome da ideia que fundamenta o instituto. Não se trata assim de uma decisão de que se possa recorrer. É certo que, em termos formais-categoriais, a não concordância do juiz assume a forma de um “despacho” mas, em termos materiais, não é um ato decisório que assuma aquela força. Tratando-se, como se trata, de um controle da legalidade, nenhuma razão há para intervir -não faria sentido- uma 2ª instância quanto a essa fiscalização. Entendemos, assim, que o despacho judicial que consubstancia a denominada “concordância” do juiz na suspensão provisória do processo é um ato processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Público de suspensão do processo nos termos do nº1 do artigo 281 do Código de Processo Penal».
Acresce que o nº 3 do artº 280º do Cód. Proc. Penal refere expressamente que a decisão de arquivamento não é suscetível de impugnação, o que é uma concessão a exigências de celeridade processual. Assim, excluindo, como se exclui, a hipótese de o normativo se referir ao despacho de “concordância” judicial, é evidente que o seu objeto é a determinação do Ministério Público que suspende o processo. Pressupondo que o legislador se rege por critérios lógicos, e por uma articulação racional do sistema, não se vislumbra como se possa defender que a decisão que conforma o terminus da relação processual não admita impugnação de qualquer tipo e o despacho de “concordância” que é um pressuposto, e premissa daquela conclusão, já o admita.
Conclui-se, assim, que a atuação do juiz de instrução no arquivamento do inquérito com dispensa de pena redunda, formalmente, como ato processual, em declaração de concordância ou de não concordância, que não consubstancia, quer pela natureza, quer pela finalidade, ato decisório.
No âmbito do instituto processual do arquivamento do processo o juiz de instrução não profere decisão.
Inexistindo decisão, não pode haver recurso.
A declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução no arquivamento do processo é pois irrecorrível, como se depreende dos artºs 399º e 400º do CPP[8].
Feito este breve excurso pela natureza jurídica da “concordância” judicial a que alude o artº 280º nº 1 do C.P.P., e posto que não cabe recurso dos despachos proferidos pelo Mº Público, como atrás referimos, a única possibilidade de fiscalização ao dispor do assistente, caso entenda que não se verificam em concreto os pressupostos e requisitos materiais que determinaram o arquivamento do inquérito com dispensa de pena, seria a reclamação hierárquica[9].
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[10] “a decisão do Ministério Público de arquivamento do inquérito em caso de dispensa de pena é irrecorrível e essa irrecorribilidade não viola o direito constitucional do assistente de acesso aos tribunais. Mas se a decisão do MP de arquivamento nos termos do artº 280º nº 1, tiver sido ilegal, por desrespeito dos requisitos legais do arquivamento, o assistente pode reclamar hierarquicamente da mesma para o superior hierárquico do MP”.
Conclui-se assim pela rejeição dos recursos porque se verifica causa que devia ter determinado a sua não admissão, quanto aos recorrentes C… e D… por não terem as condições necessárias para recorrer e quanto ao recorrente B…, por se tratar de decisão irrecorrível – artºs. 420º nº 1 al. b) e 414º nº 2 do C.P.P.
*
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em rejeitar os recursos interpostos pelos recorrentes C…, D… e B….
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 3 UC’s, a que acresce a importância de 3 UC’s nos termos do artº 420º nº 3 do C.P.P.
*
Porto, 19 de Junho de 2013
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
_____________
[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Tomo I, 5ª ed., pág. 338.
[4] In Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1994, pág. 19.
[5] DR., I Série de 08 de Julho de 2004.
[6] Publicado no DR, I Série de 24.12.2009.
[7] In A relevância politico criminal da suspensão provisória do processo, pag 218.
[8] Em sentido contrário, ou seja de admissibilidade de recurso por parte do assistente, nos termos propugnados pelo Sr. PGA no seu douto parecer, v. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2009, pág. 128; Ac. Rel. Guimarães de 15.10.2005, Des. Maria Augusta, www.dgsi.pt; Ac. R. Évora de 2703.2012, Des. Sénio Alves, www.dgsi.pt; desta Relação do Porto de 31.03.2004, Des. Francisco Domingos, www.dgsi.pt e Decisão do Sr. Presidente da Rel. Coimbra de 16.02.2007, www.dgsi.pt.
[9] No sentido de que, neste caso, o assistente não pode requerer a abertura de instrução, v., Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edª., pág. 729; Ac. desta Relação do Porto de 27.06.2012, Des. Moisés Pereira da Silva, disponível em www.dgsi.pt; Ac.R.Porto de 27.01.1999, in CJ, XXVIII, tomo 4, pág. 204 e Ac. R.Lisboa de 29.06.2008, in CJ, XXXIII, tomo 3, pág. 134 e Ac. Desta Relação do Porto de 14.12.2005, Des. António Gama, www.dgsi.pt .
[10] In ob. e loc. citadas.

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/d616d821413cfe8e80257b9e00566c42?OpenDocument

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