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quarta-feira, 30 de março de 2011

Tranferência de Trabalhador - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 02-12-2009

Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
411-07.0TTSNT.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
PREJUÍZO SÉRIO

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02-12-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO

Sumário: Tendo ficado provado que a mudança de local de trabalho da autora de Sintra para Alcochete lhe acarretaria prejuízos graves na sua vida pessoal, atento ao acréscimo significativo dos tempos de deslocação, com consequências directas na sua vida familiar, deverão tais prejuízos ser reputados como sérios, conferindo à autora o direito à rescisão do contrato, com a indemnização prevista no n.º1 do art.º443 do CT, nos termos do n.º 4 do art.º315 do mesmo Código.
(sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A…, residente na Rua… intentou a presente acção declarativa com processo comum contra:
B…., com sede na Rua…, pede:
A condenação da ré no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 34.812,57, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.

Para o efeito alegou que trabalhou por conta da ré, desde Janeiro de 1984, tendo acompanhado as sucessivas transferências de local da mesma; em Março de 2007 recebeu uma carta da ré comunicando a mudança de local de trabalho para Alcochete; residindo em Abrunheira, a alteração faria com que tivesse que se levantar as 06:OOh, deixasse de poder ficar a trabalhar até mais tarde, teria que suportar os custos da utilização de transportes públicos ou próprios, haveria um aumento do seu cansaço, com prejuízo para a sua saúde física e psicológica, os seus filhos deixariam de passar tempo de qualidade consigo e deixaria de poder apoiar a sua sogra; por essa razão, resolveu o contrato de trabalho com a ré, invocando prejuízo sério.

Na contestação a ré invoca as condições oferecidas a todos os trabalhadores na sequência da transferência do local de trabalho, sublinhando que a autora jamais comunicou a resolução do contrato ou invocou factos passíveis de serem subsumidos ao conceito de "prejuízo sério", impugnando, no mais, a matéria de facto pessoal que a autora invocou em sede de petição inicial concluindo pela improcedência da acção e o reconhecimento de um abuso do direito à indemnização.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu a ré dos pedidos formulados pela autora.

A autora, inconformada, interpôs recurso, tendo para o efeito formulado as a seguir transcritas
Conclusões:
(…)
Nas contra-alegações a recorrida pugnou pela manutenção da decisão recorrida, tendo o Exmº Procurador-geral-adjunto dado o seu parecer.

Colhidos os vistos legais.


Cumpre apreciar e decidir

I – A questão suscitada é relativa à licitude da resolução do contrato pela autora, com a invocação do prejuízo sério, face à mudança do local de trabalho imposta pela ré.

II. Fundamentos de facto

Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 19 de Janeiro de 1984 a Autora foi admitida ao serviço da C…, por contrato de trabalho, para sob suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de 3ª escriturária.
2. Em 1 de Janeiro de 1987, a Autora ascendeu à categoria de 1.a escriturária.
3. A partir de 1 de Fevereiro de 2004 a ora Ré passou a denominar-se B… S.A.
4. No ano de admissão, em 1984, a Autora tinha o seu local de trabalho na Rua D…, Sacavém.
5. Em 1995 a Ré mudou o seu estabelecimento e transferiu o local de trabalho da Autora para Cabo Ruivo.
6. Em 1998 a Ré voltou a mudar o seu estabelecimento e a transferir o local de trabalho da Autora para Ranholas, concelho de Sintra.
7. A Autora trabalhava, habitualmente, entre as seguintes horas: de Segunda-feira a Quinta-feira, das 08h30 às 12h30 e das 13h15 às 17h30, Sexta-feira das 08h30 às 12h30 e das 13h00 às 16h00.
8. A Autora auferia € 1.009,06 de retribuição base, exercendo a categoria de Chefe de Secção, com isenção de horário, a que acrescia o valor de € 262,46, mensalmente.
9. Em Novembro de 2006, a ré entregou aos seus trabalhadores, incluindo à Autora, uma carta com o seguinte teor: «Exmo (o) Senhor(a), Como será do seu conhecimento, as empresas do grupo L… irão mudar das suas actuais instalações, em Sintra, para novas instalações actualmente em construção, situadas em Alcochete. A mudança está prevista para o mês de Abril de 2007. Essa mudança implicará, naturalmente, a transferência de todos os trabalhadores. Pretendendo-se efectuar um planeamento atempado e correcto e porque desejamos continuar a contar com a sua colaboração, solicitamos que manifeste a sua aceitação da transferência para o novo local, a partir da data em que ocorrer a mudança que, corno se referiu, se estima para Abril de 2007 (..,)».
10. A maioria dos trabalhadores manifestou logo a sua aceitação à transferência do local de trabalho para as novas instalações.
11. Aceitaram a transferência do local de trabalho trabalhadores da Ré residentes em Magoito, Venda do Pinheiro, Lourinhã, Cascais e Torres Vedras.
12. Na sequência da comunicação referida em 9, alguns trabalhadores invocaram "prejuízos sérios", tendo a ré pedido a esses trabalhadores que indicassem quais as condições pretendidas para aceitarem a mudança do local de trabalho.
13. Na sequência do processo de consulta dos trabalhadores a ré decidiu assegurar-lhes transporte de ida e volta para as novas instalações, nos termos expostos na comunicação de Março de 2007.
14. Em relação a alguns trabalhadores, e por iniciativa destes, a ré acordou condições adicionais, como aumento no vencimento, atribuição de ajudas de custo ou de um subsídio de transporte.
15. A Autora remeteu-se ao silêncio no que tange aos aspectos especificados em 14.
16. Em finais de Novembro de 2006, a ré solicitou à Autora que manifestasse qual a sua intenção relativamente à mudança de instalações e a indicação de quais os possíveis prejuízos que a mudança de local de trabalho poderia acarretar-lhe.
17. Em 5 de Março de 2007, a autora recebeu uma carta da ré com o seguinte teor: «Nos termos do artigo 317.° do Cód. Trabalho, e na sequência da nossa comunicação do passado mês de Novembro sobre o assunto, vimos pela presente informar que, com efeitos a partir de 2 de Abril de 2007, inclusive, o seu novo local de trabalho passará a ser nas novas instalações desta empresa sitas em Alcochete. A alteração de local de trabalho tem por fundamento a mudança de instalações desta empresa em Sintra, onde V. Exa. exerce a sua actividade, para as referidas novas instalações. Confirmamos que o transporte de ida e volta para as novas instalações será de acordo com o seguinte: Ida de 2. a a 6. a feira Estação de comboios de Mem Martins/Alcochete (chegada autocarro 7:15h partida 7:30 (...) Regresso de 2. a a 5.a feira Alcochete/Estação de comboios de Mem Martins (chegada autocarro 17.15h partida 17.30h) (...) Regresso 6." feira Alcochete/ Estação de comboios de Mem Martins (chegada autocarro 16.00h partida 16.15h) ( ..)» .
18. Em 9 de Março de 2007, a mandatária da autora enviou à ré uma carta com o seguinte teor: «Exmo. Senhor Director Geral Incumbiu-nos a nossa constituinte e trabalhadora da entidade patronal que V. Exa. dirige, na sequência da comunicação recebida a 5 de Março de 2007, referente a mudança de estabelecimento/Local de trabalho, de expor e requerer o seguinte: - A trabalhadora foi admitida por contrato a termo em 19 de Janeiro de 1984; - Em 19 de Janeiro de 1985, foi-lhe renovado o contrato em seis meses; - Em 19 de Julho de 1985 a trabalhadora passou a contrato definitivo; - A trabalhadora iniciou as suas funções laborais em 1984, em Sacavém, onde a entidade patronal possuía as suas instalações; - Em 1995 a trabalhadora foi transferida para Cabo Ruivo, em virtude da entidade patronal ter mudado o seu local de estabelecimento; - Em 1998 e mais uma vez a entidade patronal procedeu à mudança do seu estabelecimento, tendo a trabalhadora passado o seu local de trabalho para Ranholas, concelho de Sintra; - Em 2007 e novamente em virtude de mudança de estabelecimento da entidade patronal, é comunicado à trabalhadora que o local de trabalho passará a partir de 02 de Abril, inclusive, a ser em Alcochete; - A trabalhadora possui à data 23 anos de serviço e 44 anos de idade. - Aquando da mudança para Ranholas, concelho de Sintra, a trabalhadora adquiriu casa e organizou toda a sua vida pessoal e familiar, à data, o seu primeiro filho contava com 6 anos de idade o que lhe permitiu programar a sua entrada na escola já no concelho de Sintra; -Desde então para cá e volvidos que se encontram 9 anos, a trabalhadora tem toda a sua vida organizada, de forma a acompanhar os seus dois filhos, o mais velho com 15 anos de idade e a mais nova com 6 anos de idade; - Para além disso a trabalhadora tem a sua sogra a viver em sua casa, a qual necessita de apoio e cuidados de saúde, os quais são prestados pela trabalhadora e o seu marido; - Ao longo dos anos que trabalhou para a sua entidade patronal, a trabalhadora foi assídua, competente, responsável, uma trabalhadora exemplar, abdicando um pouco da sua vida pessoal e familiar, dedicando-se mais ao seu trabalho. - Tanto assim foi, que o seu primeiro filho, nos primeiros anos de vida, terá sentido por vezes a ausência da mãe. - Tendo a trabalhadora consciência, daquilo que perdeu nos primeiros anos de vida do seu filho em detrimento do seu trabalho e, tendo a sua filha mais nova 6 anos de idade, é imprescindível o acompanhamento dos seus dois filhos, um na adolescência e outro a iniciar a sua vida escolar. - A trabalhadora desde finais do ano passado e quando começaram os rumores que a entidade patronal iria mudar de instalações, iniciou um processo de depressão, o seu sistema nervoso alterou-se de tal forma que está a ter consequências ao nível hormonal e tiróide, encontrando-se de momento a tomar medicação incluindo anti-depressivos. - Por outro lado, os horários de saída de casa pela manhã e de entrada, alteram-se significativamente, reduzindo o seu tempo de auto-disponibilidade, provocando-lhe consideráveis prejuízos familiares. - O simples acréscimo de tempo de viagem de ida e volta que a trabalhadora teria com a mudança do local de trabalho seria mais que um mero incómodo. - A própria expectativa da mudança de local de trabalho deixou a trabalhadora abatida e com uma depressão. - Constata-se à evidência que a mudança do local de trabalho acarreta para a trabalhadora não só a alteração dos hábitos de vida - com o aumento de tempo de transporte e uma diminuição de descanso, mas sobretudo reflecte-se no seu estado de saúde. - Com a mudança do local de trabalho, a trabalhadora passa a ter o que habitualmente se denomina "qualidade de vida" claramente afectada negativamente, seja em termos pessoais e familiares, seja por virtude do seu próprio estado de saúde. O binómio, características da alteração do local de trabalho (distância, condições concretas do novo local) e as condições de vida da trabalhadora, deve ser entendido como todo o dano que produza uma alteração substancial do plano de vida daquele e que não lhe seja exigível ter de o suportar. A não-aceitação por parte da trabalhadora, da alteração do local de trabalho resulta de uma análise das suas condições concretas, da organização da sua vida, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade. Pelo exposto, a nossa constituinte e vossa trabalhadora, pretende rescindir o contrato de trabalho com direito à indemnização no termos previstos no art° 443°, nº 1 do Código do Trabalho. Manifesta-se desde já a nossa disponibilidade, caso entendam pertinente, o agendamento de uma reunião. Os nossos cumprimentos.».
20. Em resposta, em 21 de Março de 2007, a ré enviou à mandatária da autora uma comunicação com o seguinte teor: «Exma. Senhora Dra., Acusamos a recepção da sua comunicação identificada em epígrafe, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Analisada a mesma temos a informar que não vemos em que consiste o invocado prejuízo. Aliás, da comunicação que V. Exa nos enviou retiramos apenas que a nossa trabalhadora em epígrafe poderá eventualmente sofrer algum incómodo com a transferência de local de trabalho, mas em caso algum um prejuízo sério, sendo insólita a alegação que a mencionada trabalhadora sofre agora de uma depressão por causa da própria expectativa da mudança. Não obstante, vimos solicitar que nos informem em que consiste o invocado prejuízo sério, uma vez que na sua falta não pode esta empresa pronunciar-se sobre o mesmo. Com os melhores cumprimentos, subscreve-se
21. Na sequência, em 2 de Abril de 2007, a mandatária da Autora remeteu à Ré uma comunicação com o seguinte teor: «Acusamos a recepção da v/ comunicação supra mencionada e em resposta à mesma vimos transmitir que o teor da exposição apresentada pela nossa constituinte e vossa trabalhadora, com vista à resolução do contrato de trabalho em consequência da mudança do estabelecimento da entidade patronal, é bem explícita, referindo alguns dos motivos pessoais, profissionais, familiares e económicos, que implicam prejuízo sério na sua esfera jurídica e concomitantemente uma alteração significativa na sua vida de tal forma que não lhe é exigível que a suporte. Nos termos do artigo 315. 0, n.° 2 e 4, do C. T., não cabe ao trabalhador provar o prejuízo sério, decorrente da mudança de estabelecimento da entidade empregadora, o qual se presume, cabendo sim à entidade empregadora elidir essa presunção. Pelo que, se reitera a resolução do contrato com justa causa e direito à indemnização, com efeitos a partir da data da mudança do estabelecimento da empregadora (...)».
22. No dia 10 de Abril de 2007, a Ré enviou à autora uma comunicação com o seguinte teor: «Na sequência da comunicação datada de 9 de Março de 2007, subscrita pela sua advogada. Dra. T…, invocando prejuízo sério para V. Ex. a decorrente da mudança de estabelecimento e subsequente alteração do local de trabalho, enviámos uma comunicação a solicitar informação adicional sobre o que consistiria esse prejuízo sério. Tal era e é absolutamente essencial para esta empresa se pronunciar sobre o mesmo, nomeadamente analisar eventuais condições que lhe poderiam ser fornecidas em ordem a eliminar ou reduzir o prejuízo. Em 3 de Abril recebemos, em resposta, uma segunda comunicação da Dra. T…, não tendo sido prestada qualquer informação adicional sobre o que consistiria esse prejuízo sério Por esse motivo vimos informar que, por não terem sido prestados os esclarecimentos prestados, não tem esta empresa outra alternativa senão considerar que a alteração do local de trabalho de V Ex.a, decorrente da mudança do estabelecimento, não lhe irá causar qualquer prejuízo sério. Com os melhores cumprimentos (...)».
23. Nem a autora nem a sua mandatária responderam a essa comunicação.
24. No caso do departamento de Controlo de Crédito, ao qual a autora estava afecta, a mudança ocorreu em 16 de Abril de 2007 e não na data inicialmente comunicada (2 de Abril de 2007).
25. A alteração da data foi comunicada a todos os trabalhadores, incluindo à autora.
26. Desde o dia 16 de Abril de 2007, inclusive, que a autora não comparece ao serviço.
27. A autora tinha conhecimento há alguns anos que a ré pretendia mudar-se para Alcochete.
28. Quando a autora laborava nas instalações de Sintra as suas viagens da residência para o local de trabalho demoravam entre 10 e 15 minutos.
29. A autora levantava-se às 07h00 e saia de casa às 08:15h, chegando ao seu local de trabalho às 08:30h.
30. No final da jornada de trabalho a autora passava pela escola para ir buscar a filha mais nova, que saía às 18:00h.
31. A autora tem dois filhos menores que, à data da interposição da acção, tinham 15 e 6 anos de idade.
32. Desde Fevereiro de 2006, que a autora vive com a sua sogra, que, por ter partido uma perna, em data não apurada, necessitou de cuidados médicos entre datas não apuradas.
33. Era a autora quem prestava à sua sogra os cuidados médicos.
34. A autora ia, por vezes, almoçar a casa, com a sua sogra.
35. Por vezes, o seu filho de 15 anos de idade ia almoçar a casa.
36. Nas suas deslocações a casa à hora do almoço era a Autora quem confeccionava as refeições para a sua sogra e filho de 15 anos de idade.
37. Em Março de 2007, a autora foi medicada com anti-depressivos, o que já ocorria desde 2003.
38. Entre Novembro de 2006 e Abril de 2007, a autora em momento algum se ausentou do serviço por motivo de doença.
39. A autora reside na Abrunheira, concelho de Sintra, sendo-lhe mais conveniente o autocarro que partiria às 07:30, em Mem Martins.
40. No final da jornada de trabalho a hora de partida do autocarro de Alcochete ocorria às 17h30 de Segunda-feira a Quinta-feira.
41. A ré assegura o transporte de todos os trabalhadores que permaneçam ao serviço para além das 17:15h de segunda a quinta-feira e das 16:00h à sexta-feira.
42. A transferência para Alcochete implicaria que a autora passasse a almoçar naquela localidade.
43. Nas instalações da Ré existe um refeitório, onde os seus trabalhadores podem tomar as refeições.
44. Nesse refeitório, uma refeição completa (pão, sopa, prato, sobremesa e bebida) custa € 4,25, enquanto o valor do subsídio de refeição é, actualmente, de € 4,75/dia.
45. Nesse refeitório existem ainda microondas à disposição dos trabalhadores, para aquecerem as respectivas refeições, sem prejuízo do subsídio de refeição.

III. Fundamentos de direito

Como acima se assinalou, a questão suscitada é a de saber se a autora/recorrente tem direito a uma indemnização pela rescisão do contrato decorrente da mudança das instalações da ré.
Sobre «Mobilidade geográfica» dispõe o Código do Trabalho/2003, no seu o art. 315, que:
“ 1- Que o empregador pode, quando o interessa da empresa o justifique transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador.
2 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço.
4 – No caso previsto no n.º2, o trabalhador pode resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo nesse caso direito à indemnização prevista no n.º1 do art. 443º.”
Da conjugação dos nºs 1 e 2 deste dispositivo legal resulta de forma clara a previsão de um tratamento diverso consoante se trate de uma transferência individual do trabalhador ou a transferência resulte de uma mudança total ou parcial do estabelecimento, consubstanciando neste caso uma transferência colectiva.
Na primeira hipótese – transferência individual – é legítimo ao empregador transferir o trabalhador desde que observe os requisitos enunciados no n.º1:
- Existência de um interesse legítimo do empregador;
- Inexistência de prejuízos sérios para o trabalhador.
Assim, a par de um interesse legítimo do empregador na transferência do trabalhador, a inexistência de prejuízo sério para este é igualmente um pressuposto do exercício do poder do empregador, cabendo-lhe por isso a prova da sua utilização legítima, face ao disposto no art.º342 do CCivil, este entendimento é hoje pacífico na doutrina, cf. Código do Trabalho, Anotado de Pedro Romano Martinez e outros pág. 538; Direito do Trabalho, de Maria do Rosário Palma Ramalho, Parte II, págs. 413 e sgts; e “Direito do Trabalho”, de Júlio Vieira Gomes págs., 641 e sgts.
Todavia, na segunda situação prevista – transferência resultante da mudança total ou parcial do estabelecimento – o Código do Trabalho estatui que o trabalhador tem direito a resolver o contrato se houver prejuízo sério, tendo neste caso direito à indemnização prevista no n.º1 do art.º443 do CT., como refere a Prof.ª Maria do Rosário Ramalho, na obra citada, pág. 421, “…a mudança colectiva do local de trabalho é incondicional, porque se reconduz a uma projecção de uma decisão de gestão que ultrapassa a dimensão do próprio contrato de trabalho, mas que se impõe ao acordo contratual em nome do princípio da prevalência dos interesses de gestão.”
Decorre assim que, nesta situação, o requisito do prejuízo sério configura um requisito para a resolução do contrato pelo trabalhador e não um requisito da modificação do local de trabalho e por isso, face à regra do artigo 342º do Código Civil, caberá aqui ao trabalhador o ónus de alegar e provar os factos que integram esse prejuízo sério, a fim de invocar o direito à resolução do contrato com o direito à indemnização.
Ora, no caso em apreço, a transferência do local de trabalho da autora deveu-se à mudança total do estabelecimento onde prestava serviço, em Ranholas (Sintra) para Alcochete (margem sul).
Assim, como se referiu, e porque se trata de um mudança total de estabelecimento, ao abrigo do n.º4 do art.º315 do CT, a autora tem direito à resolução do contrato com direito a indemnização quando prove factos que consubstanciem para si um prejuízo sério decorrente da alteração do seu local de trabalho.
A autora, na carta de 9 de Maio, alega os prejuízos decorrentes da mudança do seu local de trabalho – facto n.º 19. O que importa apurar é se os prejuízos sérios invocados pela autora, face a matéria de facto provada, integram aquela exigência.
O conceito de “prejuízo sério”, dada o seu carácter indeterminado tem sido analisado pela jurisprudência em face dos casos concretos que lhe são presentes, no entanto, tendo vindo a entender que: “... deve consubstanciar um dano relevante, que determine a alteração substancial das condições de organização de vida do trabalhador, que afecte de forma gravosa a vida pessoal e familiar do trabalhador,...” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2006, relatado no processo n.º 05S2135, ir www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido se manifesta a doutrina, cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª edição, pág. 370, onde pode ler-se que “ (...) é necessário que este (prejuízo) seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um “incómodo” ou de um “transtorno” suportáveis.”.
Trata-se assim de um requisito a verificar no caso concreto, ainda que a ideia geral subjacente aponte para a exigência de uma modificação significativa da vida do trabalhador em razão da mudança do local de trabalho.
Dos fundamentos invocados na carta de rescisão enviada pela autora resultaram provados os factos descritos nos pontos 39 a 48 da matéria de facto. Destes decorre que, da residência ao local de trabalho nas instalações em Ranholas, a autora demorava entre 10 e 15 minutos. Para Alcochete, embora não se tenha apurado, em concreto, qual a distância e o tempo, o que não teria sido difícil com uma maior exigência no apuramento da prova produzida, é do conhecimento da geografia dos Concelhos em causa que a autora para se deslocar de Sintra a Alcochete teria de, depois de percorrer a IC19 desde Sintra, atravessar Lisboa seguir à margem sul, atravessando a ponte, com todo o movimento que estes locais apresentam diariamente, como é do conhecimento público.
Ora, é precisamente por causa desta distância, muito maior entre a residência da autora e as novas instalações da ré, que lhe advém todos os invocados prejuízos. Ainda que a ré tenha posto à disposição dos trabalhadores meios de transporte, que evitam acréscimo de despesas, não diminuem a distância, o tempo e a penosidade da deslocação.
É, precisamente, este aumento significativo nas viagens de ida e volta para o trabalho (autora sairia de casa às 7h. e só regressaria depois das 18h.) que se reflecte no quotidiano da vida autora de modo a afectá-lo directamente nos apoios que dava a família, designadamente impedindo-a de prestar assistência e cuidados à sogra que deles carecia, de dificultar o convívio e assistência aos seus filhos menores, impedindo as suas deslocações a casa à hora do almoço, era a autora quem confeccionava as refeições para a sogra e filho de 15 anos de idade quando necessário, e de impedir a autora de ir buscar a sua filha à escola pelas 18 horas; tendo-se ainda agravado a sua doença, num quadro clínico de depressão.
De uma forma geral incide, ainda hoje, sobre as mulheres a generalidade das tarefas de assistência à família, como se provou ser o caso dos autos, pelo que o aumento significativo do tempo das deslocações da autora para o novo local do estabelecimento da ré prejudicaria gravemente a sua vida pessoal em detrimento da vida profissional.
A constituição consagra um princípio geral de protecção à conciliação da vida profissional e pessoal, artigo 67º da Constituição, que o Código do Trabalho se propôs garantir, designadamente com os dispositivos relativos à protecção da maternidade da paternidade, propondo-se, ainda, garantir condições de igualdade nos direitos nele consagrados, nomeadamente nas condições do trabalho e corrigir situações factuais de desigualdade que persistam na vida social, como resulta do disposto no art.º25 do CT.
Deste modo, tendo ficado provado que a mudança de local de trabalho da autora de Sintra para Alcochete lhe acarretaria prejuízos graves na sua vida pessoal, atento ao acréscimo significativo dos tempos de deslocação, com consequências directas na sua vida familiar, afigura-se-nos que tais prejuízos só se podem reputar como sérios, conferindo à autora o direito à rescisão do contrato, com a indemnização prevista no n.º1 do art.º443 do CT, nos termos do n.º 4 do art.º315 do mesmo Código, ou seja, a uma indemnização, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Assim, estando a autora ao serviço da ré há 23 anos, tendo acompanhado esta em várias outras mudanças de instalações (factos 4 a 6), que se fixaram em 1998 em Ranholas, Sintra, onde a autora construiu a sua vida pessoal, mas atento à licitude da mudança das instalações por parte da ré, julgamos adequado e proporcionado às razões das partes, fixar um indemnização correspondente a 30 dias de retribuição-base por cada ano de antiguidade autora, o que corresponde a 23 anos X 1009,06, retribuição, num valor de total de 23 208,38€, (vinte e três mil, duzentos e oito euros e trinta e oito cêntimos).

IV. Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revoga-se a sentença recorrida, e condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 23.208,38€, (vinte e três mil, duzentos e oito euros e trinta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se a ré do restante pedido.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2009.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena Carvalho

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9864750f439465e2802576a10034de4c?OpenDocument&Highlight=0,RETRIBUI%C3%87%C3%83O

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