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quinta-feira, 10 de março de 2011

Contrato de Prestação de Serviços Vs Contrato de Trabalho - Acórdão do STJ

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
146/08.7TTABT.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE TRABALHO
EDP

Data do Acordão: 02-03-2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - DIREITO CIVIL
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 1152.º, 1154.º
DECRETO-LEI N.º 49.408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGO 1.º
LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO, QUE APROVOU O CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 8.º, 12.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 8.10.2008, PROCESSO N.º 1328/08, 4.ª SECÇÃO.

Sumário : É de qualificar como contrato de prestação de serviço, a relação contratual firmada entre os autores e a ré CC, nos termos da qual competia àqueles proceder às leituras dos contadores de consumo de energia eléctrica e às cobranças que lhes fossem indicadas pela ré, sem sujeição a horário de trabalho, utilizando meios de transporte próprios, auferindo uma remuneração que era fixada em função do número de leituras que realizavam e, até determinado momento, das cobranças que efectuavam, podendo desempenhar outra actividade profissional e não estando sujeitos ao poder disciplinar da ré.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 26 de Junho de 2008, no Tribunal do Trabalho de Abrantes, AA e BB intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CC – SOLUÇÕES COMERCIAIS, S. A., na qual pedem que se declare «que os AA. e as empresas integradas ou pertencentes ao grupo CC para as quais trabalharam, estiveram vinculados por um contrato de trabalho», que a ré fosse condenada a readmiti-los ao serviço e a integrá-los no respectivo quadro de pessoal, «o AA, com antiguidade reportada a 1 de Março de 1984 e o BB a Agosto de 1983», ou a pagar-lhes uma indemnização por despedimento ilícito, «a calcular à data da decisão que vier a transitar — conforme opção a final», e, em qualquer das hipóteses, a pagar-lhes, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, € 14.755, a título de subsídios de Natal, € 15.940, relativos a férias, e igual montante atinente a subsídio de férias, e, ainda, caso optem pela indemnização em substituição da reintegração, a pagar, a cada um deles, € 592, referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais ao trabalho prestado em 2008.

A acção, contestada pela ré, foi julgada procedente, tendo a sentença da 1.ª instância declarado que os autores e as empresas integradas ou pertencentes ao grupo CC, para as quais trabalharam, estiveram vinculados por um contrato de trabalho, e condenado a ré a readmitir os autores ao serviço e a integrá-los no quadro de pessoal, nos termos peticionados, e, bem assim, a pagar-lhes as quantias respeitantes a férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, pertinentes aos anos de 1985 a 2008, em montante a apurar em incidente de liquidação.
2. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, sendo que o Tribunal da Relação de Évora decidiu «julgar a apelação procedente, assim revogando a sentença recorrida, e, em consequência, absolvendo a R. dos pedidos contra ela deduzidos pelos AA», sendo contra aquela decisão que os autores agora se insurgem, mediante recurso de revista, em que requereram o julgamento ampliado da revista, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, para uniformização da jurisprudência, tendo formulado as conclusões seguintes:

«1ª- A subordinação jurídica é o elemento típico do contrato de trabalho que o distingue dos contratos afins.
2ª- São sinais dessa subordinação o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato em causa; o fornecimento de meios para a execução do trabalho, sem ajuda, ou entreajuda de outrem; definição do lugar e tempo de trabalho pelo empregador, que também fornece instrumentos de trabalho; a não existência de assalariados por conta do trabalhador e a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade.
3ª- Esses sinais revelam-se nos seguintes factos:
a) Os AA. foram contratados para exercer funções de leitores-cobradores efectuando as leituras dos contadores que a Ré lhes indicava, registavam os consumos de electricidade de cada consumidor da forma ordenada pela Ré e prestavam informações sobre locais de cobrança e factos anómalos verificados nos contadores — ver resposta positiva aos artigos 2.º, 5.º, 8.º e 9.º da base instrutória.
b) Os locais onde os AA. efectuaram as leituras e cobranças foram sempre decididos pela Ré, tal como os dias e locais de entrega dos registos de leituras — ver resposta positiva ao art. 7.º da base instrutória.
c) Inicialmente, o autor BB trabalhou somente no concelho de Vila de Rei e a partir de 1992 passou a executar as suas funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha, por ordens da Ré (resposta positiva [ao] artigo 10.º da base instrutória).
d) A partir de 1992, o autor AA, também por ordens da Ré, passou a executar as suas funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha (resposta positiva ao art. 12.º da base instrutória).
e) Os AA., desde a sua admissão ao serviço da Ré, trabalharam exclusivamente para esta (resposta positiva ao artigo 13.º da base instrutória).
f) Os AA. sempre estiveram sujeitos a um prazo para executar o trabalho que a Ré lhes destinava, pois o trabalho que lhes era destinado num dia tinha de ser executado no prazo de 48 horas, isto a partir do momento em que passaram a utilizar o TFL e quando a leitura era efectuada com cartões iam diariamente às instalações da Ré entregar e levantar cartões (ver resposta positiva aos artigos 14.º e 15.º da base instrutória).
g) A Ré foi sempre quem estipulou a remuneração dos autores, a forma e prazos de pagamento.
h) A Ré determinava o trabalho a realizar pelos autores, mediante a entrega de listagens dos consumidores, e determinava o período em que a leitura deveria ser efectuada. A ordem da leitura era determinada pela Ré que fixava o itinerário e inscrevia os consumidores (ver resposta[s] positivas aos artigos 17.º e 18.º da base instrutória).
i) Pelo menos até ao início de 2006, diariamente, os AA., de segunda a sexta-feira, dirigiam-se às instalações da Ré para ir buscar os seus instrumentos e elementos de trabalho, que eram organizados e de propriedade da Ré (TPL, roteiro e postais para deixar aos clientes da Ré quando as leituras não eram conseguidas) — ver resposta positiva ao art. 17.º da base instrutória.
j) Pelo menos até ao início de 2006, os AA. procediam à leitura que registavam e descarregavam o consumidor no roteiro, entregavam diariamente os recibos, cartões ou TPL e roteiro e recebiam-nos para o dia seguinte (resposta positiva ao art. 20.º da base instrutória).
l) Depois desta data os AA. [deixaram] de se deslocar às instalações da Ré, uma vez que os novos aparelhos TPL permitem a transmissão de dados através de meios electrónicos, pelo que os resultados das leituras passaram a ser enviados por essa forma (resposta positiva ao art. 53.º da base instrutória).
m) Os roteiros semestrais efectuados pela Ré nem sempre coincidiam, sendo determinados pela Ré — ver resposta positiva ao art. 22.º da base instrutória.
n) Existiam leitores que faziam parte do quadro de pessoal da Ré e que executavam, para além de outras, as mesmas funções que faziam os AA. — ver resposta positiva ao art. 23.º da base instrutória.
o) A Ré foi quem ensinou os AA. a trabalhar com os TPL (s), fornecendo-lhes formação adequada à correcta operação dos equipamentos. Este equipamento controlava o local onde os AA. estiveram e o tempo de trabalho que executavam, ocupando-os a tempo inteiro (resposta positiva aos artigos 25.º, 26.º e 34.º da base instrutória).
p) Até 1991/1992, os AA. obrigaram-se a executar o serviço de leituras de contadores e cobrança dos recibos de energia eléctrica, emitidos por empresas do grupo CC, respeitantes a consumidores de determinadas áreas geográficas e comprometeram-se a comunicar à CC eventuais avarias ou irregularidades que detectassem nas instalações dos consumidores que visitassem. Até esta altura as leituras eram efectuadas por impressos fornecidos pela Ré para garantir que a informação recolhida fosse toda ela coerente e uniforme, sendo pela mesma razão fornecidos os postais de auto-consumo, que eram deixados nos locais de consumo sempre que a leitura não era possível por ausência do cliente.
Depois dos anos 1991/1992, os AA. passaram a efectuar o serviço de leituras em Terminais Portáteis de Leitura (TPL), que lhes foram fornecidos pela CC (ver respostas positivas aos artigos 31.º a 33.º da base instrutória).
q) Os A.A. não obtiveram o resultado do seu trabalho em regime de autonomia — respostas aos art.s 5.º, 7.º, 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º e 26.º da B.I.
r) Os A.A. estavam sujeitos a um horário de trabalho — art.s 14.º, 15.º e 21.º da B.I.
s) O local da execução da prestação de trabalho era definido pelo empregador — art.s 7.º, 10.º, 12.º, 17.º, 21.º, 22.º e 26.º da B.I.
t) O modo como era prestado o trabalho era controlado pelo empregador — art.s 5.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 25.º da BI.
u) Esses mesmos factos revelam que havia uma obediência a ordens do empregador.
v) Não há factos que revelem que o incumprimento de ordens não seria sancionado.
x) Os instrumentos de trabalho eram do empregador — art. 17.º da B.I.
z) A remuneração foi estipulada pelo empregador e fixada em função do tempo de trabalho: os A.A. tinham que trabalhar de 2.ª a 6.ª feira, porque tinham prazos para proceder às leituras e só se as fizessem receberiam o valor contratado — art.s 14.º, 15.º e 16.º da B.I.
4ª- Estes factos são elementos indiciários e reveladores da existência de subordinação jurídica, que é o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho.
5ª- A vontade das partes, num contrato em que a supremacia de uma sobre a outra é manifesta, não se revela na forma e conteúdo do contrato e menos ainda no “nomem juris”. Por alguma razão abundam os direitos indisponíveis nos contratos de trabalho.
6ª- Além de que a qualificação de um contrato resulta das efectivas cláusulas que o regem.
Um contrato será regulado em função do regime que resulta daquelas cláusulas que o moldaram e não do título que lhe foi dado por quem o redigiu.
7ª- Os A.A. cumpriram o art. 342.º, n.º 1, do C.C.
8ª- Não se ignora que foram provados factos que indiciariam a existência de um contrato de prestação de serviços.
9ª- Indiciá-lo-iam se não se tivessem provado os factos supra realçados.
10ª- Por fim, não será que, se dúvidas subsistissem, na análise dos factos e caracterização da natureza jurídica do vínculo existente entre as partes, não deverá prevalecer o princípio, que vigora no direito do trabalho, do favorecimento do trabalhador?
11ª- Deverá, assim, ser revogada a douta decisão recorrida, concluindo-se que os contratos que vincularam as partes foram contratos sujeitos ao regime dos contratos de trabalho,
12ª- Pelo que deverá a Ré ser condenada nos exactos termos em que foi condenada na 1.ª instância.»

A ré contra-alegou, tendo sustentado que devia ser indeferido o julgamento ampliado requerido e, doutra parte, que o recurso de revista devia improceder.

Na sequência do exame preliminar, e após emissão de parecer pelo relator, o Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal indeferiu o julgamento ampliado da revista.

Subsequentemente, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista devia ser negada, visto que os autores não lograram provar a existência do contrato de trabalho que invocaram, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, coloca-se a questão de saber qual a natureza jurídica da relação firmada entre os autores, contratados para exercerem a actividade de leitores de contadores e cobradores de energia eléctrica, e a ré CC.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:
1) A distribuição de energia eléctrica é feita pelas casas e estabelecimentos comerciais e industriais dos clientes da Ré e demais empresas do grupo CC, esse fornecimento de energia é pago pelos clientes e para apurar o valor a pagar é colocado em casa ou no estabelecimento de cada cliente um contador de energia eléctrica [alínea A) dos factos assentes];
2) A leitura desses contadores é efectuada por pessoas ou empresas contratadas actualmente pela Ré e anteriormente contratadas por outras empresas do grupo CC [alínea B) dos factos assentes];
3) A leitura dos contadores, quando os autores começaram a fazer leituras de contadores, era anotada no «canhoto» do recibo, que lhes era entregue pelas empresas contratantes, mais tarde passou a sê-lo nos cartões que também lhes eram entregues, respeitantes a cada contador, e a partir de 1992 passaram a fazê-lo com um terminal portátil de leitura (TPL), entregue pela Ré [alínea C) dos factos assentes);
4) O Autor AA foi admitido ao serviço em 1 de Março de 1984, com contrato de trabalho a prazo, para executar as funções de Caixa I [alínea D) dos factos assentes];
5) A leitura dos contadores era efectuada em documentos emitidos e entregues pela Ré e o autor AA efectuava a cobrança dos recibos dos consumos facturados, que lhe eram entregues pela Ré, efectuava a conferência e entrega dos valores cobrados em numerário ou cheques e anotava reclamações dos consumidores [alínea E) dos factos assentes];
6) O pagamento ao Autor AA passou a ser efectuado em função do número de leituras e do número de cobranças [alínea F) dos factos assentes];
7) Em Janeiro de 1996, o A. AA assinou um contrato denominado de prestação de serviços com a Ré, obrigando-se o Autor AA a recolher e transmitir à Ré todas as informações que melhorassem a eficácia dos roteiros de leitura e a entregar aos clientes da Ré postais de auto-leitura no caso de não ter efectuado a leitura [alínea G) dos factos assentes];
8) Em 1 de Setembro de 2001, [o] A. AA e [a] Ré voltaram a assinar um outro documento denominado de contrato de prestação de serviços [alínea H) dos factos assentes];
9) Os contratos que vigoravam entre os AA. e a Ré cessaram em 29 de Fevereiro de 2008, por decisão unilateral desta [alínea I) dos factos assentes];
10) O autor BB nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal, o mesmo sucedendo com o autor AA pelo menos desde Setembro de 1985 [alínea J) dos factos assentes];
11) Os AA. recebiam reclamações quanto a leituras e avarias do contador, que entregavam à Ré [alínea L) dos factos assentes];
12) A Ré teve, pelo menos até 2006, ao seu serviço leitores que faziam parte do seu quadro de pessoal [alínea O) dos factos assentes];
13) À data de admissão dos AA. vigorava na Ré o Acordo de Empresa publicado no BTE, n.º 14, de 15 de Abril de 1982 [alínea P) dos factos assentes];
14) Através de protocolo celebrado em 27 de Setembro de 1984, a Câmara Municipal de Vila de Rei e a CC acordaram na transferência para esta última das responsabilidades da distribuição de energia eléctrica, que estavam anteriormente a cargo da Federação de Município do Ribatejo, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 344-B/82, de 1 de Setembro [alínea Q) dos factos assentes];
15) Neste contexto, foi acordado entre as partes que a posição de empregador que era assumida pelos Municípios que integravam a aludida Federação relativamente aos trabalhadores alocados a esta área foi transmitida para a CC e todos os trabalhadores que foram integrados na CC, mantiveram este estatuto, passando a ser enquadrados como trabalhadores da CC, conferindo as partes à relação os sinais próprios da sua natureza laboral [alínea R) dos factos assentes];
16) No ano de 2008, o 1.º Autor recebeu da Ré, pelo menos, o montante global de € 2.962,08 (€ 1.608,57 + € 1.353,51) e o 2.º Autor recebeu da Ré, pelo menos, o montante global de € 3.164,08 (€ 1.673,99 + € 1.490,09) [alínea S) dos factos assentes];
17) A Ré tem também como actividade a leitura de consumos de energia eléctrica (resposta positiva ao art. 1.º da base instrutória);
18) O 1.º A. foi contratado para executar funções de leitor-cobrador, pelo DD, S. A., e o 2.º pela Federação de Municípios do Ribatejo cujos trabalhadores foram integrados na CC e empresas do Grupo (resposta positiva ao art. 2.º da base instrutória);
19) Em 2 de Setembro de 1985, a CC mudou o A. AA de funções, tendo este passado a desempenhar tarefas de leitor-cobrador (resposta positiva ao art. 3.º da base instrutória);
20) O Autor AA passou a efectuar a leitura dos contadores que a Ré lhe indicava, a registar os consumos de electricidade de cada consumidor da forma ordenada pela Ré e a prestar informações sobre locais de cobrança e factos anómalos verificados nos contadores (resposta positiva ao art. 5.º da base instrutória);
21) Os locais onde os AA. efectuaram as leituras e cobranças foram sempre decididos pela Ré, tal como os dias e locais de entrega dos registos de leituras (resposta positiva ao art. 7.º da base instrutória);
22) O A. BB foi contratado para exercer as funções de leitor cobrador pela Federação dos Municípios do Ribatejo, que foi integrada na Ré, em Outubro de 1984 (resposta positiva ao art. 8.º da base instrutória);
23) Nas mesmas condições que o A. AA o fez a partir de Setembro de 1985 (resposta positiva ao art. 9.º da base instrutória);
24) Inicialmente, o A. BB trabalhou somente no concelho de Vila de Rei e, a partir de 1992, passou a executar as suas funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha, por ordens da Ré (resposta positiva ao art. 10.º da base instrutória);
25) A partir de 1992, o A. AA também passou a executar as suas funções nos concelhos Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha, por ordem da Ré (resposta positiva ao art. 12.º da base instrutória);
26) Os AA., desde a sua admissão ao serviço da Ré, trabalharam exclusivamente para esta (resposta positiva ao art. 13.º da base instrutória);
27) Os AA. sempre estiveram sujeitos a um prazo para executar o trabalho que a Ré lhes destinava (resposta positiva ao art. 14.º da base instrutória);
28) O trabalho que lhes era destinado num dia tinha de ser executado no prazo de 48 horas, isto a partir do momento em que passaram a efectuar as leituras através do TPL e quando a leitura era feita com cartões e iam diariamente à Ré entregar e levantar cartões (resposta positiva ao art. 15.º da base instrutória);
29) Foi sempre a Ré quem estipulou a remuneração, forma e prazos de pagamento (resposta positiva ao art. 16.º da base instrutória);
30) Pelo menos até ao início de 2006, diariamente, de segunda a sexta-feira, os AA. dirigiam-se às instalações da Ré para ir buscar os seus instrumentos e elementos de trabalho, que eram elaborados, organizados e de propriedade da Ré (resposta positiva ao art. 17.º da base instrutória);
31) Esta determinava o trabalho a realizar mediante a entrega de listagem dos consumidores e determinava o período em que a leitura deveria ser efectuada (resposta positiva ao art. 18.º da base instrutória);
32) A ordem da leitura era determinada pela Ré, que fixava o itinerário e inscrevia os consumidores (resposta positiva ao art. 19.º da base instrutória);
33) Pelo menos até ao início de 2006, os AA. procediam à leitura que registavam e descarregavam o consumidor no roteiro, entregavam diariamente os recibos, cartões ou TPL e roteiro e recebiam-nos para o dia seguinte (resposta positiva ao art. 20.º da base instrutória);
34) A partir da utilização dos TPL, a Ré organizava os roteiros, que introduzia naquele, de modo a que as leituras se fizessem todas, em todos os concelhos, durante seis meses, de modo a efectuarem duas leituras por ano a cada um dos consumidores (resposta positiva ao art. 21.º da base instrutória);
35) No segundo semestre, o roteiro nem sempre coincidia com o do primeiro, sendo ambos determinados pela Ré (resposta positiva ao art. 22.º da base instrutória);
36) Os leitores que faziam parte do quadro de pessoal da Ré executavam, para além de outras, as mesmas funções que faziam os AA. (resposta positiva ao art. 23.º da base instrutória);
37) Inicialmente, o Autor AA deslocou-se várias vezes em viatura da Ré, para fazer as leituras (resposta positiva ao art. 24.º da base instrutória);
38) Foi a Ré que ensinou os AA. a trabalhar com os TPL(s) (resposta positiva ao art. 25.º da base instrutória);
39) Os TPL(s) controlavam o local onde os AA. estiveram e o tempo de trabalho que executavam, ocupando-os a tempo inteiro (resposta positiva ao art. 26.º da base instrutória);
40) Até 1991/1992, os AA. obrigaram-se a executar o serviço de leituras dos contadores e cobrança dos recibos de energia eléctrica, emitidos por empresa do grupo CC, respeitantes a consumidores de determinadas áreas geográficas e comprometeram-se a comunicar à CC eventuais avarias ou irregularidades que detectassem nas instalações dos consumidores que visitassem (resposta positiva ao art. 29.º da base instrutória);
41) Durante o período até 1991/1992, as leituras eram efectuadas em impressos fornecidos pela R., para garantir que a informação recolhida fosse toda ela coerente e uniforme (resposta positiva ao art. 31.º da base instrutória);
42) Pela mesma razão, eram fornecidos os postais de auto-consumo, que eram deixados nos locais de consumo sempre que a leitura não era possível por ausência do cliente (resposta positiva ao art. 32.º da base instrutória)
43) Com a informatização dos serviços de leitura e cobrança de energia eléctrica da R., a partir dos anos de 1991/1992, os AA. passaram a efectuar o serviço de leituras em Terminais Portáteis de Leitura (TPL’s), que lhes foram fornecidos pela CC (resposta positiva ao art. 33.º da base instrutória);
44) A Ré disponibilizou aos AA. formação adequada à correcta operação dos equipamentos (resposta positiva ao art. 34.º da base instrutória);
45) Outros instrumentos de trabalho necessários ao desenvolvimento da actividade pelos AA. (meios de transporte, indumentária, meios de comunicação, entre outros), pelo menos a partir dos anos 1991/1992, eram da propriedade destes últimos (resposta positiva ao art. 35.º da base instrutória);
46) No que respeita aos roteiros, os AA., segundo o seu critério e conveniência pessoal, podiam realizá-los total ou parcialmente, ou dentro do mesmo roteiro realizar outro percurso, sendo certo que o que importava à Ré eram os resultados das leituras (resposta positiva ao art. 36.º da base instrutória);
47) Estes roteiros serviam para identificar os locais onde existiam contadores (resposta positiva ao art. 37.º da base instrutória);
48) Se os AA. não entregassem os resultados das leituras dentro do prazo e o fizessem em momento posterior, nem por isso a R. deixava de aceitar aqueles resultados, não havendo qualquer consequência por tal facto (resposta positiva ao art. 38.º da base instrutória);
49) O prazo de 48 horas era meramente indicativo, podendo os AA. entregarem, ou não, os resultados das leituras dentro ou fora deste espaço temporal (resposta positiva ao art. 39.º da base instrutória);
50) Aos AA. assistia a faculdade de decidir unilateralmente se realizavam ou não, leituras num determinado dia, podendo também, segundo o seu exclusivo critério e conveniência, interromper tal tarefa a meio de um dia, sem que para tal tivessem que informar a R. ou apresentar qualquer justificação (resposta positiva ao art. 40.º da base instrutória);
51) O que importava para a R. eram os resultados das leituras, sendo irrelevante para este objectivo se as leituras eram feitas em dias úteis ou não úteis, de dia ou de noite (resposta positiva ao art. 41.º da base instrutória);
52) Sempre que realizavam contagens, para as entregar os resultados à CC, os AA. tinham de se deslocar às instalações desta, por ausência, ao tempo, de outros meios que permitissem o envio dos resultados de forma diversa (resposta positiva ao art. 42.º da base instrutória);
53) Desde o início de 2006 que os AA. não mais se deslocaram às instalações da R, uma vez que os novos aparelhos TPL permitem a transmissão de dados através de meios electrónicos, pelo que os resultados das leituras passaram a ser enviados por essa forma (resposta positiva ao art. 43.º da base instrutória);
54) Os trabalhadores leitores estavam sujeitos a um horário de trabalho, tendo que realizar picagem de ponto, os trabalhadores leitores tinham de permanecer nas instalações da Ré se não tivessem a realizar contagens fora da empresa ou se já as tivessem concluído, tinham que justificar as ausências, tinham férias, utilizavam viaturas da Ré e o seu salário era fixo (resposta positiva ao art. 44.º da base instrutória);
55) Os AA. recebiam honorários em função dos resultados que obtinham, ou seja, das leituras que realizavam e, até determinado momento, das cobranças que efectuavam (resposta positiva ao art. 45.º da base instrutória);
56) O contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Autor AA cessou no dia 31 de Agosto de 1985, em virtude de não subsistir a necessidade temporária de trabalho que justificou a sua contratação (resposta positiva ao art. 46.º da base instrutória);
57) Através de acordo estabelecido com a CC, o 1.º A. aceitou realizar leituras, sem estar sujeito ao cumprimento de qualquer horário, recebendo honorários em função dos resultados de leitura que realizava e das cobranças que efectuava, organizando o seu tempo e o seu trabalho em função das suas conveniências, sempre dentro dos princípios acordados com a CC, podendo exercer outra actividade profissional (resposta positiva ao art. 47.º da base instrutória);
58) Os AA. passaram a executar funções nos concelhos de Abrantes, Vila de Rei, Sardoal, Mação, Entroncamento, Constância e Vila Nova da Barquinha (resposta positiva ao art. 48.º da base instrutória);
59) O protocolo celebrado entre a CC e a Federação de Municípios do Ribatejo produziu efeitos apenas em 1 de Outubro de 1984 (resposta positiva ao art. 49.º da base instrutória);
60) O 2.º A. não constava em qualquer listagem como trabalhador de qualquer Município ou da Federação de Municípios do Ribatejo (resposta positiva ao art. 50.º da base instrutória);
61) No ano de 2000, o 1.º A. recebeu da Ré a importância global de 2.417.477$00 (€ 12.058,32) — resposta positiva ao art. 52.º da base instrutória;
62) E o 2.º A. recebeu 3.565.317$00 (€ 17.783,72) — resposta positiva ao art. 53.º da base instrutória;
63) No ano de 2001, o 1.º A. recebeu da Ré a importância global de 3.091.447$00 (€ 15.420,07) — resposta positiva ao art. 54.º da base instrutória;
64) E o 2.º A. recebeu 3.524.569$00 — resposta positiva ao art. 55.º da base instrutória;
65) No ano de 2002, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 15.356,12 — resposta positiva ao art. 56.º da base instrutória;
66) O 2.º A. recebeu € 17.562,14 — resposta positiva ao art. 57.º da base instrutória;
67) No ano de 2003, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 17.324,98 — resposta positiva ao art. 58.º da base instrutória;
68) O 2.º A. recebeu € 18.585,70 — resposta positiva ao art. 59.º da base instrutória;
69) No ano de 2004, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 17.231,43 — resposta positiva ao art. 60.º da base instrutória;
70) O 2.º A. recebeu € 19.021,06 — resposta positiva ao art. 61.º da base instrutória;
71) No ano de 2005, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 18.172,28 — resposta positiva ao art. 62.º da base instrutória;
72) O 2.º A. recebeu € 21.688,03 — resposta positiva ao art. 63.º da base instrutória);
73) No ano de 2006, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 19.462,51 — resposta positiva ao art. 64.º da base instrutória;
74) O 2.º A. recebeu € 18.447,58 — resposta positiva ao art. 65.º da base instrutória;
75) No ano de 2007, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 20.427,24 — resposta positiva ao art. 66.º da base instrutória;
76) O 2.º A. recebeu € 20.955,48 — resposta positiva ao art. 67.º da base instrutória;
77) Até à data da cessação do contrato, no ano de 2008, o 1.º A. recebeu da Ré o montante global de € 5.344,09 — resposta positiva ao art. 68.º da base instrutória;
78) Com referência ao mesmo período, o 2.º A. recebeu € 5.440,36 — resposta positiva ao art. 69.º da base instrutória.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. Importa, então, ajuizar qual a natureza jurídica da relação firmada entre os autores, contratados para exercerem a actividade de leitores de contadores e cobradores de energia eléctrica, e a ré CC, sendo que resulta da matéria de facto provada que os vínculos contratuais estabelecidos entre as partes tiveram início antes de 1 de Dezembro de 2003 e cessaram em 29 de Fevereiro de 2008 [factos provados 4), 7), 8), 9), 14), 15), 19), 22), 23), 40), 56), 59) e 61) a 78)].

Esta questão é idêntica à que foi decidida por este Supremo Tribunal no acórdão de 25 de Novembro de 2009, Processo n.º 25/06.2TTEVR.S1, da 4.ª Secção.

Escreveu-se no sobredito acórdão:

«[…] por força da regra geral de aplicação da lei no tempo, contida no art. 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho (CT), o regime jurídico vertido neste corpo de leis passou a ser aplicável aos contratos de trabalho existentes à data da sua entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 2003.
Porém e conforme tem sido entendido por este Supremo Tribunal, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas antes da entrada em vigor daquele CT e da operatividade da presunção estabelecida no seu art. 12.º, deve entender-se que o CT só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após a sua entrada em vigor. Só assim não será, se a relação contratual tiver sofrido substanciais alterações a partir da entrada em vigor do citado Código, não constando da matéria de facto provada que, no caso em apreço, tal tenha sucedido.
Deste modo, a qualificação da relação contratual estabelecida entre as partes há-de ser aferida à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), por ser o que estava em vigor à data em [que] a relação teve o seu início.
E, como é sabido, o que realmente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviço é o facto de, no primeiro, uma das partes estar juridicamente subordinada à outra.
Efectivamente, confrontando as noções legais dos dois contratos (contidas, respectivamente nos art.os 1.º da LCT e 1152.º do C.C. e o art. 1154.º do C.C.) verifica-se que os elementos que essencialmente os distinguem são o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Assim, enquanto que o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder que o empregador tem de, através de ordens, directivas e instruções, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou, o contrato de prestação de serviço visa apenas a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte.
Em muitas situações, o critério do objecto do contrato, ou seja, o critério da natureza da prestação acordada, não permite distinguir as duas figuras contratuais, por serem muitas as situações em que é difícil saber o que realmente se prometeu, se a actividade em si ou se o seu resultado, uma vez que, em regra, toda a actividade conduz a um resultado e todo o resultado pressupõe o desenvolvimento de alguma actividade.
É por isso que o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia) acaba por ser o critério que, em última análise, acaba por ser decisivo para distinguir os dois tipos de contrato.
A subordinação jurídica é, assim, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e na correspondente sujeição do prestador da actividade (trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A subordinação jurídica, sendo um conceito jurídico, não pode ser directamente apreendida e, por isso, a jurisprudência e a doutrina têm preconizado o recurso ao chamado método tipológico que se traduz na recolha e interpretação de indícios, extraídos da situação real, que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado.
E como elementos indiciários de carácter interno, reveladores da existência de subordinação jurídica ou, pelo menos, de forte presunção nesse sentido, costumam-se indicar a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo sobre o modo como a prestação do trabalho é efectuada, a obediência às ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador, a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador, a remuneração em função do tempo de trabalho e a integração do prestador da actividade na estrutura organizativa do empregador:
E, como indícios de carácter externo à relação, são ainda referidos a observância do regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.
Além disso, como este Supremo tem afirmado, quando o contrato tenha sido reduzido a escrito, como no caso em apreço sucedeu, há que levar em conta também quer o “nomen juris” que as partes lhe deram, quer as próprias cláusulas, uma vez que tais indícios, apesar de não serem decisivos para a qualificação do contrato, pois o que releva realmente não é a denominação escolhida pelas partes nem os termos em que foi redigido, mas sim os termos em que o mesmo foi executado, assumem importância para ajuizar da vontade das partes no que diz respeito ao regime jurídico que elegeram para regular a relação (acórdão STJ de 8.10.2008, processo n.º 1328/08, 4.ª Secção).
Por outro lado, importa referir que os indícios recolhidos não podem ser isoladamente considerados, mas sopesados antes no seu conjunto, na sua globalidade, e importa notar que cabe ao autor/trabalhador alegar e provar, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C., os factos que se mostrem suficientes para, em termos de razoabilidade, convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume, realmente, a natureza de contrato individual de trabalho, sendo que a dúvida bastará para que a sua pretensão seja julgada improcedente.
Revertendo ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada, na parte que releva para a qualificação do contrato, o seguinte:
- O Autor trabalhou para a Ré desde 1 de Maio de 1983 até 28 de Fevereiro de 2005, mediante a sucessiva celebração de contratos escritos designados como de prestação de serviços;
- As funções inicialmente desempenhadas pelo Autor consistiam em proceder à vistoria mensal das redes de baixa e média tensão da área a seu cargo; receber e expedir para a Ré documentação e reclamações apresentadas pelos utentes; proceder à leitura de contadores, anotando manualmente os consumos de energia, recebendo as quantias correspondentes aos consumos, emitindo recibos aos consumidores e depositando todas as quantias recebidas destes numa conta da Ré à qual entregava os talões dos depósitos efectuados; organizar roteiros e moradas de clientes; fiscalizar os contadores e disjuntores;
- A partir de Julho de 2001, data em que a Ré informatizou os serviços de leitura e cobrança de energia na área da rede Alentejo, o Autor passou, por ordem da Ré, a trabalhar com “Terminais Portáteis de Leitura”;
- O Autor dirigia-se diariamente às instalações da Ré onde esta lhe entregava um terminal portátil de leitura (TPL), no qual constavam todos os consumidores que deviam ser visitados nesse dia e cuja leitura do contador devia ser efectuada;
- Com esse terminal era-lhe entregue também um itinerário escrito, designado “roteiro”, com identificação dos consumidores a visitar nesse dia, sendo a Ré que procedia ao registo dos consumidores, quer nos TLP, quer no referido roteiro;
- O Autor efectuava também a recepção das reclamações dos consumidores que depois encaminhava para a Ré;
- Depois de efectuadas as leituras ou a entrega de postais de auto-leitura aos consumidores que constavam do TLP, o Autor regressava à empresa onde entregava o TLP e o roteiro, e recebia novo TLP e novo roteiro para as leituras a efectuar no dia seguinte;
- Era a Ré que distribuía as funções que o Autor desempenhava, funções que o Autor cumpria em obediência às ordens superiormente emanadas e no seu estrito cumprimento;
- A Ré apenas disponibilizou ao Autor — numa primeira fase — os impressos necessários para o registo de leituras e, posteriormente, os TLP;
- Todos os restantes instrumentos necessários ao desenvolvimento da actividade do Autor, designadamente, meios de transporte, a indumentária e os meios de comunicação, eram propriedade do Autor;
- O Autor desenvolveu a sua actividade em várias localidades e, a partir de 11 de Julho de 2001, o local de trabalho do Autor passou a ser, por determinação da Ré, as localidades dos Concelhos de Estremoz, Vila Viçosa, Alandroal e Borba,
- O Autor era remunerado em função das leituras de contadores que efectuava, quer por unidade, quer por conjuntos de unidades que integravam um roteiro ou TLP;
- A Ré nunca concedeu nem pagou ao Autor férias, subsídios de férias e de Natal, anuidades, prémio por avaliação de desempenho, subsídio de alimentação e subsídio de estudo por descendente;
- Os leitores do quadro da Ré estavam sujeitos ao cumprimento de um horário de trabalho, em regime de picagem de ponto e tinham que se deslocar diariamente às instalações da empresa;
- O Autor era livre de desenvolver a sua actividade às horas que melhor entendesse, podendo acordar com o seu colega FF, também prestador de serviços, substituírem-se um ao outro nos serviços de contagem, como por vezes sucedeu;
- A actividade do Autor poderia ser organizada sem que fossem necessárias deslocações diárias às instalações da empresa;
- O Autor, ao longo do período de tempo em que trabalhou para a Ré, exerceu, a título particular, a actividade remunerada de electricista, tendo procedido a diversas instalações eléctricas a clientes seus, assinando os respectivos termos de responsabilidade.
Perante esta factualidade, como bem diz a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, constata-se que o Autor recebia indicações da Ré sobre o trabalho a efectuar, pois era esta que lhe indicava, através do registo que ela efectuava no TLP e no itinerário escrito que diariamente eram entregues ao Autor nas instalações da empresa, quais os consumidores que deviam ser visitados nesse dia para a leitura do respectivo contador e qual o itinerário a percorrer para esse efeito.
À primeira vista, esta factualidade parece indiciar que a Ré tinha o poder de determinar o modo de realização da actividade do Autor, fornecendo-lhe, para tanto, pelo menos um dos instrumentos do trabalho — o TLP —, e definindo-lhe o local da prestação do trabalho.
Todavia, numa análise mais atenta, os referidos indícios não são decisivos, só por si, para a qualificação do contrato, não só porque o contrato de prestação de serviços não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço deve ser prestado, mas também porque a natureza da actividade do Autor sempre implicaria a sua realização nos referidos moldes, quer se tratasse de contrato de trabalho, quer se tratasse de contrato de prestação de serviço.
Com efeito, tendo a Ré procedido à informatização dos serviços de leitura e de cobrança de energia, é evidente que só ela poderia proceder à identificação e registo diário nos TLP e no “roteiro” dos consumidores cujos contadores tinham que ser objecto de leitura, sendo esses os consumidores que tinham de ser “visitados” nesse dia e não quaisquer outros.
Por sua vez, no que respeita à contrapartida da prestação de actividade, os valores que eram pagos ao Autor não eram fixos, variando de acordo com o número de leituras de contador efectivamente realizadas, sendo que esta modalidade de retribuição, em que avulta a correspectividade entre a retribuição e o resultado do trabalho efectivamente prestado, está mais de acordo com o tipo negocial da prestação de serviços do que com o contrato de trabalho, dado que a fixação da remuneração em função das leituras de contadores que fossem feitas evidencia que o que à ré verdadeiramente interessava era o resultado da actividade prestada pelo autor e não a actividade em si mesma ou a mera faculdade de dela dispor.
No que concerne ao tempo de trabalho, provou-se que o autor não estava sujeito a um horário de trabalho, ao contrário do que sucedia com os leitores que pertenciam ao quadro do pessoal da ré, os quais estavam sujeitos ao cumprimento de um horário de trabalho em regime de picagem de ponto e tinham que se deslocar diariamente às instalações da empresa e de aí permanecer, se não tivessem que realizar leituras de contadores fora das instalações da empresa, ao passo que o Autor era livre de desenvolver a sua actividade às horas que melhor entendesse, podendo organizar a sua actividade por forma a evitar deslocações diárias às instalações da empresa, assim como podia fazer-se substituir nos serviços de contagem por um seu colega, também prestador de serviço, factualidade esta que é mais consentânea com a existência de um contrato de prestação de serviço do que com um contrato de trabalho.
Por outro lado, no que toca aos instrumentos de trabalho, ficou provado que o TLP utilizado pelo Autor pertencia à Ré, mas também ficou provado que todos os restantes instrumentos de trabalho necessários ao desempenho da actividade do Autor, como sejam os meios de comunicação, o meio de transporte e a indumentária, eram sua propriedade, o que revela a existência de trabalho autónomo.
Da factualidade provada resulta também que o Autor não estava impedido de desenvolver actividades concorrentes com a da Ré, pois, como provado ficou, durante o período de tempo em que prestou a sua actividade à Ré, o Autor trabalhou por conta própria, como electricista, tendo procedido a diversas instalações eléctricas a clientes seus, assinando os respectivos termos de responsabilidade, situação esta que, em termos indiciários, não é muito compatível com a existência de um contrato de trabalho.
Finalmente, no âmbito dos índices externos, não ficou demonstrado que o Autor estivesse sujeito nos regimes fiscal e de Segurança Social próprios do trabalho por conta de outrem.
Em face da matéria de facto apurada, globalmente considerada, não podemos deixar de concluir que os indícios nela contidos estão longe de abonar a tese da existência do contrato de trabalho. Pelo contrário, favorecem antes a tese da ré, de que o vínculo contratual estabelecido entre as partes revestia a natureza de contrato de prestação de serviço.
Acresce que nada ficou provado acerca da sujeição do autor ao poder disciplinar da ré, sendo que a prova desse facto seria altamente relevante para a tese do autor, uma vez que a sujeição ao poder disciplinar do empregador é um índice altamente revelador da integração do trabalhador na empresa.
E acresce, ainda, como índice desfavorável à tese do autor, a denominação (contrato de prestação de serviço) que as partes atribuíram aos diversos contratos que entre si celebraram, ao longo dos anos e o facto de o clausulado neles aposto ser condizente com a denominação que lhes deram, sem que da matéria de facto conste a existência de qualquer reclamação por parte do autor, relativamente às condições e ao regime de trabalho em que a sua prestação se processava, apesar da mesma se ter mantido durante quase 22 anos.»

Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação, e confirma-se o julgado no aresto recorrido, na medida em que, perante a matéria de facto dada como provada [factos provados 6) a 10), 20), 21), 26) a 55) e 57)], não se pode deixar de concluir que os recorrentes não lograram provar, como lhes competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho.

Apenas se acrescentará que, embora se tenha provado que «[o]s AA., desde a sua admissão ao serviço da Ré, trabalharam exclusivamente para esta [facto provado 26)], o certo é que também se provou que «[a]través de acordo estabelecido com a CC, o 1.º A. aceitou realizar leituras, sem estar sujeito ao cumprimento de qualquer horário, recebendo honorários em função dos resultados de leitura que realizava e das cobranças que efectuava, organizando o seu tempo e o seu trabalho em função das suas conveniências, sempre dentro dos princípios acordados com a CC, podendo exercer outra actividade profissional» [facto provado 57)], e que o autor BB, «[n]as mesmas condições que o A. AA o fez a partir de Setembro de 1985» [facto provado 23)].

Ademais, apurou-se que os autores não estavam sujeitos ao poder disciplinar da ré, porquanto, «[s]e os AA. não entregassem os resultados das leituras dentro do prazo e o fizessem em momento posterior, nem por isso a R. deixava de aceitar aqueles resultados, não havendo qualquer consequência por tal facto», assistindo aos autores «a faculdade de decidir unilateralmente se realizavam ou não, leituras num determinado dia, podendo também, segundo o seu exclusivo critério e conveniência, interromper tal tarefa a meio de um dia, sem que para tal tivessem que informar a R. ou apresentar qualquer justificação», já que «[o] que importava para a R. eram os resultados das leituras, sendo irrelevante para este objectivo se as leituras eram feitas em dias úteis ou não úteis, de dia ou de noite» [factos provados 48), 50) e 51)].

Releva, ainda, no concreto dos autos, que se tenha provado que «[o]s AA. recebiam honorários em função dos resultados que obtinham, ou seja, das leituras que realizavam e, até determinado momento, das cobranças que efectuavam» [facto provado 55)], que «[o]utros instrumentos de trabalho necessários ao desenvolvimento da actividade pelos AA. (meios de transporte, indumentária, meios de comunicação, entre outros), pelo menos a partir dos anos 1991/1992, eram da propriedade destes últimos» [facto provado 45)], e que, «[d]esde o início de 2006 que os AA. não mais se deslocaram às instalações da R, uma vez que os novos aparelhos TPL, permitem a transmissão de dados através de meios electrónicos, pelo que os resultados das leituras passaram a ser enviados por essa forma» [facto provado 53)], desempenho profissional bem distinto do protagonizado pelos leitores que faziam parte do quadro de pessoal da ré, os quais, como bem resulta do facto provado 54), «estavam sujeitos a um horário de trabalho, tendo que realizar picagem de ponto, […] tinham de permanecer nas instalações da Ré se não tivessem a realizar contagens fora da empresa ou se já as tivessem concluído, tinham que justificar as ausências, tinham férias, utilizavam viaturas da Ré e o seu salário era fixo».

Nesta conformidade, não há motivo para alterar o julgado.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo dos recorrentes.
Anexa-se o sumário do acórdão, nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Lisboa, 2 de Março de 2011

Pinto Hespanhol (Relator)
Fernandes da Silva
Gonçalves Rocha

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f00e9774af0ca1788025784800382dd1?OpenDocument

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