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quinta-feira, 17 de março de 2011

Discurso do Bastonário na Abertura do Ano Judicial 2011 - OA

"Exmo. Senhor Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Exmo. Senhor Ministro da Justiça
Exmo. Senhor Procurador-Geral da República
Exmo. Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa
Exmos. Convidados
Exmos. Magistrados
Caros Colegas


Fiz questão de proferir este discurso sem o colar correspondente ao cargo de Bastonário da Ordem dos Advogados porque quero com este gesto simples simbolizar a minha solidariedade para com os simples e anónimos Advogados que de norte a sul do país, contra ventos e marés, defendem os direitos e os interesses legítimos dos cidadãos, dignificam o estado de direito e prestigiam a justiça e os tribunais de que, aliás, são um elemento essencial.

Por isso quem, nesta circunstância vos fala não é já o primus inter pares mas tão só mais um desses simples Advogados, munido apenas com a grande insígnia da Advocacia portuguesa que é esta Toga que tanto me honra e que eu sempre procurei honrar com a minha actividade profissional.

E, assim, legitimado apenas com a honradez desta velha Toga, quem vos fala agora é o Advogado anónimo que durante um ou mais anos patrocinou em tribunal um cidadão sem recursos para contratar um Advogado e cujo processo terminou em Outubro de 2010, mas que até hoje ainda não recebeu os 200 ou 300 euros correspondentes aos honorários que o estado se obrigara, por lei, a pagar-lhe até ao final de Novembro desse ano.

Quem vos fala é, pois, o Advogado que no âmbito do sistema de apoio judiciário realiza uma dimensão fundamental do Estado de Direito Democrático, mas a quem o estado português falta sistematicamente ao respeito, pois não cumpre para com ele os compromissos ínsitos nas leis que o próprio estado elaborou.

Note-se que vos falo dos processos que foram concluídos em Outubro, Novembro e Dezembro de 2010 e ainda em Janeiro de 2011, e cujos honorários o estado, violando a sua própria lei, até hoje ainda não pagou, apesar de, sistematicamente, ter sido instado a fazê-lo pela Ordem dos Advogados e por mim próprio.

Sublinhe-se ainda que falo de situações em que muitos Advogados adiantaram verbas do seus próprios bolsos para custear as despesas desses processos, verbas essas que o estado até hoje também ainda não reembolsou.

Mesmo assim, posso garantir aos cidadãos mais desfavorecidos deste país que os Advogados continuarão a patrociná-los e a defender os seus direitos e interesses legítimos.

Ao contrário de outros, os Advogados não colocam os seus interesses acima dos interesses das pessoas que patrocinam, bem pelo contrário.

Os Advogados portugueses não se movem por interesses egoístas - sindicais, profissionais ou corporativos -, mas unicamente pelos interesses legítimos dos seus constituintes ou patrocinados.

Perante Vossas Excelências – as mais altas figuras do estado português -, eu proclamo bem alto e com muito orgulho a dignidade e honradez da Advocacia portuguesa.

Os portugueses podem, pois, continuar a confiar nos Advogados, porque eles honram os seus compromissos perante os cidadãos, mas, lamentavelmente, e com muita mágoa o faço, não posso, por imperativo de consciência, dizer o mesmo do estado.

Mas não é só em nome dos Advogados que prestam apoio judiciário que ora falo.

Nesta circunstância, eu sou também aquela Advogada que, por motivo de parto, solicitou o adiamento de um julgamento numa comarca da Grande Lisboa, mas a quem o juiz, violando ostensivamente a legalidade, recusou esse adiamento porque entende que a lei expressamente publicada para esse efeito, não se aplica às Advogadas no âmbito do apoio judiciário.

Ou seja, para esse juiz as Advogadas que prestam patrocínio no âmbito do sistema de acesso ao direito não têm direito à maternidade como as restantes colegas, apesar de ainda há pouco tempo ter sido publicada uma lei bem clara a esse respeito.

Falo também em nome daqueles Advogados a quem juízes prepotentes e arrogantes recusam o acesso às actas das audiências de julgamento, inclusive para exercerem o direito de protesto.

Faço-o ainda em nome dos Advogados que são condenados por juízes - indignos do nome e da função - em taxas de justiça como se fossem partes no processo e não mandatários destas.


Exmo. Senhor Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Exmo. Senhor Ministro da Justiça

Sem o colar de Bastonário e apenas com a força moral desta velha Toga, eu exerço aqui e agora, como simples Advogado, o meu direito de protesto contra a falta de respeito do estado para com os Advogados que prestam patrocínio oficioso, consubstanciada na falta de pagamento dos parcos honorários que lhes são devidos há vários meses.

Exerço o meu direito de protesto contra o afastamento dos cidadãos dos tribunais, quer devido às usurárias custas judiciais que lhes são exigidas, quer pela remessa dos litígios para instâncias não soberanas, tais como, conservatórias, cartórios notariais, centros privados de mediação ou de arbitragem ou ainda os chamados julgados de paz.

O Estado tem o dever de administrar soberanamente a justiça e não pode recusar-se a fazê-lo e obrigar as partes em litígio a fazerem as pazes.

A justiça cível tem de ser administrada nos tribunais por Juízes e Advogados independentes e não fora deles por funcionários e burocratas.

O processo de desjudicialização da justiça já chegou a esta situação aberrante: o estado, através dos órgãos de soberania que são os tribunais, declara solenemente o direito de um cidadão ou de uma empresa e entrega-lhe a sentença que titula esse direito.

Todavia, em seguida manda-o procurar um profissional privado para que ele execute essa sentença.

O estado entrega a privados a execução das suas próprias decisões soberanas.

As decisões soberanas do estado, em matéria de justiça de cível, já não executadas pelos tribunais, mas sim por profissionais liberais muitos dos quais não possuem as necessárias qualificações jurídicas, pois nem sequer são licenciados em direito.

É imperioso que se ponha cobro à privatização do processo executivo e se proceda rapidamente à sua rejudicialização.

A acção executiva tem de voltar a ser tramitada nos tribunais sob a direcção de um juiz como aconteceu ao longo de séculos.

O mesmo se diga em relação ao processo de inventário, ou seja, ao processo judicial que maior densidade litigiosa comporta.

Quando os herdeiros estão de acordo nas partilhas das heranças, não há problemas nenhuns nem são precisos tribunais, nem magistrados, nem Advogados.

Porém, quando eles se não entendem, então são necessárias, mais do que em qualquer outro processo, a autoridade soberana dos tribunais e dos juízes para a boa administração da justiça e para a pacificação social.

O processo de desjudicialização da justiça impulsionado por reivindicações sindicais das magistraturas e pelo economicismo dos sucessivos governos, constitui um perigoso retrocesso civilizacional que ameaça os alicerces do próprio estado de direito e acarretará graves consequências para a paz social.

A desjudicialização da justiça tem duas consequências imediatas, qual delas a mais perversa: por um lado premeia os que têm contas a prestar à justiça e incentiva-os a prosseguir as condutas anti-jurídicas.

Mas, por outro lado, faz com que aqueles que procuram justiça desesperem e muitos deles acabem, não raro, tentados a fazê-la pelas suas próprias mãos.

É o que tem estado a acontecer, cada vez com mais frequência, um pouco por todo o país.

Ainda recentemente contabilizei através da comunicação social mais de uma dezena de pessoas presas por fazerem justiça pelas próprias mãos, sobretudo no domínio da cobrança de dívidas.

Quando os cidadãos não podem recorrer aos tribunais para resolverem os seus diferendos, quando o estado se demite de fazer justiça, outros a farão, com as consequências que todos temos o dever o conhecer.

Como é que poderá haver paz social numa sociedade onde os cidadãos e as empresas são impedidos de resolverem os seus diferendos nos tribunais porque não dispõem de recursos económicos para pagar as elevadas custas judiciais que lhes são exigidas ou então porque os próprios tribunais já não são os locais próprios para desempenhar essa função?

Que saúde poderá ter a economia de um país onde as empresas e os comerciantes não podem cobrar os seus créditos nos tribunais e onde há magistrados que apelidam os processos de cobranças de dívidas como lixo processual?

Hoje, a principal preocupação do estado, neste domínio, já não é a administração da justiça e a pacificação social que tal acarreta, mas sim pacificar os próprios tribunais e os magistrados.

«Aliviar» os tribunais, «descongestionar» os tribunais tornou-se o principal objectivo do estado na área da justiça, objectivo esse que é conseguido sempre á custa dos cidadãos e das empresas.

O estado português já não é capaz de cumprir um dos fins mais importantes da nossa ordem jurídica que é a administração da justiça nos tribunais.

A vertigem da desjudicialização já atingiu tal ponto que se subverteu totalmente um dos paradigmas fundamentais do estado de direito, qual seja, o de as soluções para problemas jurídicos terem de estar vertidos em normas gerais, objectivas e abstractas.

Agora, em Portugal, deixa-se aos juízes a escolha sobre se querem ou não decidir este ou aquele processo.

Com efeito, o direito de recurso para o STJ, em processo civil, já não está estabelecido de forma abstracta e objectiva na lei, antes depende da vontade casuística dos juízes.

Também por isso, quem aqui vos fala é, mais uma vez, o simples Advogado que, ao fim de mais de 25 anos de Advocacia, não pode informar os seus clientes se as suas causas cíveis admitem ou não recurso para o STJ.

É o Advogado que não pode dizer aos seus constituintes qual o tribunal que irá decidir em última instância a sua causa, porque isso deixou de estar na lei para estar unicamente na cabeça dos juízes.

A força normativa da lei foi substituída pela vontade dos juízes.

A opção pela famigerada «dupla conforme» ignora a quantidade de decisões deste Supremo Tribunal que revogaram acórdãos dos tribunais das relações em conformidade com as decisões da primeira instância.

Exmo. Senhor Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Exmo. Senhor Ministro da Justiça


Este é o quarto ano consecutivo que, por vontade dos Advogados portugueses, uso da palavra nesta solenidade.

Gostava, sinceramente, de poder proferir palavras elogiosas para o sistema judicial e para os magistrados portugueses, mas não.

Infelizmente, ainda não é desta vez. Bem, pelo contrário.

Que poderemos todos pensar de uma magistratura em cuja carreira se progride, agora, mais facilmente com graus académicos obtidos à pressa numa qualquer universidade do que com a qualidade das sentenças e das decisões proferidas nos tribunais?

Quase diariamente assistimos a intervenções de magistrados na comunicação social que em nada contribuem para a dignificação das suas funções nem para o prestígio e a respeitabilidade dos tribunais.

Que respeito se pode ter pelas magistraturas e pela justiça em geral quando há magistrados que desafiam, impunemente, a autoridade do próprio presidente deste Supremo Tribunal ínsita em decisões jurisdicionais por ele proferidas no âmbito das suas competências legais?

É certo que os juízes não têm hierarquia, mas os tribunais têm. Os tribunais inferiores devem respeitar e cumprir as decisões dos tribunais superiores e não discuti-las ou desafiá-las em público.

Ora, se há juízes que se desautorizam uns aos outros, publicamente, que credibilidade poderão ter todos eles perante os cidadãos e a sociedade em geral, sobretudo quando facilmente se intui que essas divergências só aparentemente assentam em causas estritamente jurídicas?

Que pode o cidadão comum pensar da justiça e dos tribunais quando vemos magistrados a insurgirem-se publicamente contra as leis da República a que devem obediência e que, exemplarmente, deveriam ser os primeiros a respeitar, até porque têm o dever funcional de as aplicar?

Que poderemos pensar dos juízes portugueses no seu conjunto quando um deles, através de actos de pura chicana na comunicação social, devolve o equipamento que lhe fora entregue para o exercício das suas funções?

Que poderá o povo português pensar daqueles que em seu nome administram a justiça quando um juiz afirma à comunicação social que foi alvo de escutas telefónicas ilegais no âmbito das suas funções soberanas sem que nada aconteça?

É que, das duas uma: ou isso é verdade e então deveria, imediatamente, cair o Carmo e a Trindade ou isso não é verdade e então o juiz em causa deveria ser afastado das funções por irresponsabilidade.

Assobiar para o lado como todos estão fazer não é, seguramente, a melhor atitude.

Que respeito se poderá ter pela judicatura no seu conjunto quando alguns juízes atacam abertamente outros órgãos de soberania com recurso à mais imprópria linguagem política?

Que respeito poderemos ter por um juiz, ainda por cima de um tribunal superior, que, falando à comunicação social em nome de toda classe, se refere aos colaboradores do Senhor Ministro da Justiça, alguns dos quais magistrados, tratando-os panfletariamente como «boys e girls»?

Que credibilidade pode ter a justiça portuguesa quando todos os dias vemos juízes, incluindo alguns deste supremo tribunal, travestidos de comentadores da actualidade nacional e internacional, nos jornais, nas rádios, nas televisões ou em blogues na internet?

Essa onda de vedetismo que assola a magistratura judicial, essa compulsiva necessidade de dar nas vistas, intervindo nos debates públicos, publicitando opiniões pessoais sobre os mais diversos acontecimentos da vida pública, são absolutamente incompatíveis com a reserva e sobriedade necessárias ao bom desempenho das funções jurisdicionais.

Nessa ânsia comentarista chegam a pronunciar-se publicamente sobre casos decididos ou a decidir por colegas ou então que eles próprios poderão vir a decidir no futuro.

É altura de dizer, aqui e agora, que aqueles que não são capazes de aceitar as exigências e os sacrifícios da função jurisdicional, então que procurem outras actividades.

Dir-se-á que esse vedetismo só atinge alguns juízes. É verdade, mas prejudica a imagem de todos porque descredibiliza a justiça e os tribunais no seu conjunto.

O juiz fala publicamente através das suas sentenças.

A situação já chegou a tal ponto que alguns juízes sentiram mesmo a necessidade de intervir nas últimas eleições realizadas na Ordem dos Advogados.

Alguns fizeram-no indirectamente, de forma mais ou menos velada, mas outros intervieram abertamente, diria mesmo, descaradamente.

Um deles, um juiz desembargador de Lisboa, chegou mesmo, sem qualquer pudor, a participar numa sessão pública de campanha eleitoral em benefício de um dos meus adversários.

Assim, é, de facto, muito difícil haver respeito pelos juízes, sobretudo, porque a primeira condição para eles serem respeitados é, como diz o nosso povo, darem-se ao respeito.

E isso não acontece quando alguns dos juízes portugueses, por vaidade e vedetismo, utilizam o seu estatuto funcional para a sua promoção pública.

Exmo. Senhor Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Exmo. Senhor Primeiro Ministro


Não é só na justiça que as coisas vão mal.

A generalidade dos cidadãos sente que o país vive um dos momentos mais difíceis da sua história e pode estar na iminência de ter de fazer sacrifícios colectivos sem precedentes na vida de mais de um século da nossa República.

Temos a sensação que o estado se dissolve e as instituições se desmoronam.

Ao longo dos anos a corrupção alastrou a todos os níveis do aparelho de estado.

Pessoas houve que acumularam fortunas gigantescas no exercício exclusivo das mais altas funções públicas, durante anos, á vista de toda a gente sem que, aparentemente, ninguém se apercebesse ou se incomodasse com isso.

Houve verdadeiros assaltos aos recursos públicos, sem quaisquer consequências visíveis, a não ser o enriquecimento obsceno dos seus autores.

Bancos foram saqueados em milhares de milhões de euros e os principais beneficiários continuam impunes, gozando obscenamente as delícias da sua audácia.

A democracia herdou da ditadura um estado riquíssimo com centenas de toneladas de ouro no Banco de Portugal e com um gigantesco património imobiliário.

O país recebeu desde meados dos anos oitenta, avultados recursos financeiros da Europa que se traduziram em milhares e milhares de milhões euros.

Porém, tudo isso desapareceu na voragem de um novo-riquismo consumista sem paralelo na nossa história ou então em negócios público-privados fomentados por redes de interesses obscuros.

Ao longo de décadas a nossa jovem democracia foi sendo minada nos seus alicerces morais pela acção de poderosas redes de corrupção e de tráfico de influências que asfixiaram e manietaram o estado democrático.

Nem na época do monopólio do comércio com a Índia ou no tempo da abundância gerada pelo ouro do Brasil se terão esbanjado tantos recursos.

Por herança do Estado Novo ou por transferência da Europa, Portugal dispôs nas últimas quatro décadas de recursos económicos vultuosíssimos que foram dissipados por nós todos sem sermos capazes de criar mecanismos sólidos de produção de riqueza ou de construir os alicerces de uma economia saudável.

Que é feito daqueles vultuosos recursos financeiros? Que é feito da nossa agricultura? Que é feito das nossas pescas? Que é feito da antiga excelência das nossas universidades?

Parece que tudo se dissipou de repente.

As universidades mercantilizaram-se e já não preparam adequadamente os jovens para as necessidades da economia e da sociedade.

Só lhes interessa o dinheiro das propinas ou das elevadas prestações que cobram aos estudantes.

Por isso vendem cursos, diplomas e graus académicos.

Muitos licenciados parecem analfabetos quando confrontados com as necessidades de um mercado cada vez mais exigente.


Durante muitos anos senti orgulho em pertencer a uma geração que lutou com coragem contra a ditadura e ajudou a construir a democracia com entusiasmo.

Foram tempos de confiança no futuro e de esperança num país que todos queríamos mais próspero e mais digno.

Confiança e esperança que ingenuamente transmiti às minhas filhas até que, subitamente, acordámos, em sobressalto, desse sonho. Afinal, a realidade era um pesadelo.

E hoje interrogo-me, aqui, publicamente: o que é que eu posso dizer ao meus filhos? Que é que a minha geração tem a deixar para os seus filhos e netos? Mais desemprego, mais pobreza, mais desigualdades, mais precariedade e dívidas para eles pagarem por aquilo que nós gastámos.

Mais de metade de todo o IRS cobrado aos portugueses é para pagar os juros das dívidas do estado.

Praticamente todas as semanas, o estado tem de pedir dinheiro emprestado para fazer face às suas despesas. Já estamos a pedir empréstimos para pagar dívidas.

Fizeram-se parcerias público-privadas em que os prejuízos são sempre para a parte pública e os lucros, quase sempre escandalosos, ficam sempre para a parte privada.

O estado utiliza todos os meios, incluindo os menos ortodoxos, para contornar as regras da contabilidade pública e já estendeu esses métodos às próprias autarquias, através das célebres empresas municipais.

O país e o povo empobrecem, enquanto outros enriquecem escandalosamente.

O Estado asfixia o povo com impostos, parte dos quais se destina a pagar os défices de empresas cujos gestores auferem principescas remunerações.

Alguns desses gestores recebem em cerca de um ano quantias que muitos portugueses não conseguem ganhar durante uma vida inteira de trabalho.

Mas, são os impostos e as taxas destes últimos que, em muitos casos, irão pagar as obscenas remunerações daqueles.

Os portugueses suportam das mais pesadas incidências de impostos, mas, mesmo assim, têm de pagar elevadas taxas quando precisam de recorrer à justiça, circular nas auto estradas, frequentar as universidades do estado ou mesmo tratar-se nos hospitais públicos.

O índice de atraso económico e social de um país não se mede tanto pelos baixos salários que paga aos seus trabalhadores mas sim pelos enormes vencimentos com que remunera as suas elites, nomeadamente os gestores das empresas do estado.

Mas, seja qual for o critério, Portugal é, sem dúvida, um dos países mais atrasados, pois aqui praticam-se algumas das mais baixas e algumas das mais altas remunerações do mundo.

A situação do país atingiu tal ponto que, hoje, todos temos de reconhecer publicamente esta evidência: as elites portuguesas falharam.

Falharam e conduziram o país à beira do caos económico e financeiro. E mais do que isso: perante o confrangedor aumento da pobreza de uns e a escandalosa acumulação de riqueza de outros, fica-nos a ideia que as nossas elites ou parte delas procederam a um verdadeiro saque do estado e dos recursos públicos do país.

E agora, como nos momentos mais difíceis da nossa história, será, mais uma vez, o povo português que terá de resolver a situação, suportando os sacrifícios, pagando as facturas dos erros e dos esbanjamentos de uns e ainda dos roubos de outros levados a cabo ao longo das últimas décadas.

Exmo. Senhor Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Exmo. Senhor Ministro da Justiça

No meio deste panorama cujas consequências não estão ainda totalmente diagnosticadas, quero deixar uma nota final para enaltecer o papel da Igreja Católica e, nomeadamente, realçar a acção altamente meritória que as várias organizações dela dependentes têm realizado um pouco por todo o país, atenuando as consequências mais dramáticas da pobreza que tem vindo a alastrar.

A ordem dos Advogados, que é uma entidade laica, e eu próprio, que não sou católico nem sequer religioso, queremos aqui louvar publicamente a acção humanitária levada a cabo por centenas ou milhares de católicos anónimos que, movidos apenas pelos impulsos mais generosos da sua fé, ajudam os seus semelhantes a suportar as agruras da miséria que se tem abatido sobre um número crescente de portugueses.

Por essa acção, aqui deixo, na pessoa de V. Exa., Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa, o meu

Muito obrigado.

Tenho dito.

A. Marinho e Pinto


16 de Março de 2011"

http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&ida=108676

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