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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO SUBSTITUIÇÃO - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 06/02/2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
281/11.4GAALJ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO

Nº do Documento: RP20130206281/11.4GAALJ.P1
Data do Acordão: 06-02-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .

Sumário: O requerimento de abertura de instrução pode ser substituído por outro conquanto que seja apresentado dentro do prazo de abertura da instrução.
Reclamações:

Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 281/11.4GAALJ.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 6 de fevereiro de 2013, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. Nos Autos de Instrução n.º 281/11.4GAALJ, do Tribunal Judicial da Comarca de Alijó, em que é assistente B… e é arguido C…, a Exma. juíza de instrução criminal proferiu o seguinte despacho [fls. 90-92]:
«(…) Não se conformando com o arquivamento formulado nos autos, veio a assistente B…, a fls. 49-57, requerer abertura de instrução a fim de que, a final seja proferido despacho a pronunciar o arguido C… pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2, al. e), do CP.
Posteriormente, por requerimento de fls. 70-80, veio a assistente apresentar “aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução apresentado em juízo em 16 de Janeiro último”.
Vejamos.
O fim da instrução é a de comprovação judicial da decisão da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, nº1, do CPP), isto é, da comprovação da existência de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente (artigo 283º, nº1, do CPP).
No caso concreto, porém, quanto ao requerimento de abertura instrução deduzido pelo assistente, exige a lei especiais particularidades.
Com efeito, nesse caso, para além das de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem assim, como sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, deverá ainda o requerimento do assistente atender ao preceituado nas alíneas b) e c) do nº3 do artigo 283º do CPP (cf. artigo 287º, nº2, do mesmo diploma legal).
A remissão das normas relativas à instrução quando requerida pelo assistente para os preceitos acabados de mencionar conduzem à conclusão de que o requerimento de abertura de instrução do assistente deverá configurar, ademais uma verdadeira acusação, assim fixando o objecto doravante, sendo que no âmbito da mesma deverão constar factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação de que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Em processo penal vigora o princípio da vinculação temática. Isto é, o juiz de instrução está limitado pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução. Se esta não existe, legalmente não pode existir instrução. Não pode o juiz suprir essa falta.
Oficiosamente o juiz só pode suprir as nulidades e as irregularidades nos termos dos arts. 119º e ss. do C. P. Penal. Mas não pode, de todo, substituir-se aos participantes processuais e praticar os actos que só a eles pertencem e podem praticar.
Aceitar o contrário seria inverter os deveres processuais. Estar-se-ia a determinar ao juiz a dedução de factos que só ao assistente compete.
Só relativamente a factos há instrução, e esta apenas e só sobre eles se debruça, tendo em vista uma decisão judicial de comprovação da decisão de deduzir deduzir acusação ou de arquivar o inquérito -arts. 286º, nº 1 e 287º nº 1 do C. P. Penal.
Vertendo ao caso concreto, constata-se que no, RAI apresentado pela assistente a fls. 49-57, esta se limita a expor as razões de discordância com o arquivamento, não descrevendo quaisquer factos indiciadores, modo e circunstâncias, que preencham os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado pelo qual pretende ver pronunciado o C…, à semelhança de uma verdadeira acusação.
O juiz só pode decidir sobre factos, sendo a decisão o resultado ou corolário de um conjunto de factos. Partindo-se de factos, como premissas, tira-se uma conclusão: a decisão "stricto sensu".
Foi o que o legislador quis e pretendeu ao regulamentar tal matéria nos termos dos normativos referidos.
O assistente tem de alegar os factos que hão-de ser atendidos para a decisão e, consequentemente, para as diligências de investigação, atento o princípio da acusação da suficiência, da legalidade, da objectividade e do contraditório.
Não havendo alegação de factos, presumindo-se, teriam estes de resultar da decisão a qual, assim, seria nula, por alteração substancial dos factos (cf. artigo 309º, nº1, do CPP).
O juiz não acusa, pronuncia, o que é muito diferente.
Assim, entendendo que outra interpretação não é possível face aos normativos constantes dos artigos 287º, nº 1 e 2, 283º, nº 3, al. b) e c), 307º, nº 1 e 309º, nº 1, todos do CPP, e pelos princípios da acusação, do contraditório e da vinculação temática que norteiam o processo penal, sempre haveria que determinar, ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº3, do CPP, a rejeição do requerimento de abertura de instrução de fls. 49-57, por legalmente impossível.
Vejamos, todavia, se é de admitir o já supra referido articulado de “aperfeiçoamento” do RAI.
Ora, neste âmbito, refira-se como pacífico que, nesta sede, não pode o tribunal efectuar qualquer convite ao assistente a aperfeiçoar o seu requerimento, não apenas por tal hipótese não encontrar cobertura na lei processual penal, mas também porque tal violaria os princípio da imparcialidade e eventuais garantias de defesa, perigando, aliás, a estrutura acusatória do processo e o princípio do contraditório (neste sentido, vd. Acórdãos da Relação do Porto de 14.01.2004, de 31.03.2004, de 05.05.2004, de 16.06.2004, de 23.06.2004, de 15.12.2004 e de 05.01.2005, todos consultados em www.dgsi.pt. e Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 12.05.2005, publicado no Diário da República – I Série -A, de 04.11.2005; solução que não contende de todo com os princípios constitucionalmente consagrados; cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº27/2001, de 30 de Janeiro de 2001, consultado em www.tribunalconstitucional.pt.)
Nessa conformidade, entendemos nós que, não podendo o tribunal dirigir ao assistente qualquer convite ao aperfeiçoamento do RAI, por maioria de razão também não poderá admitir um articulado de aperfeiçoamento espontaneamente apresentado por aquele, sob pena total de subversão de todos os princípios supra elencados.
Assim, e nesta conformidade, e pelos motivos expostos considero também legalmente inadmissível o aperfeiçoamento de fls. 70 e ss. apresentado pelo assistente ao seu RAI de fls. 49-57, assim o rejeitando nos mesmos termos. Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (artigo 8º, nº2, do RCP).
Notifique.
(…)»
2. Inconformado, a assistente recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 101-104]:
«1 - A assistente concorda com a primeira parte da decisão proferida pelo meritíssimo juiz a quo, isto é, concorda que o RAI, tal qual foi apresentado a fls. 49 a 57 não obedece ao figurino legal. E tanto concorda que disso de dando conta, o veio aperfeiçoar a folhas 70 e seguintes.
2 – O que não aceita a assistente é a não admissão, pelo tribunal recorrido, do requerimento de aperfeiçoamento. É que tal requerimento deveria ter sido admitido, assim sendo admitida a própria Instrução.
3 – Isto porque a assistente apresentou espontaneamente (sem qualquer convite para o efeito portanto) um requerimento de aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, nele dando cumprimento a todos os requisitos exigidos pelo artigo 287º do CPP (e outros para as quais este remete).
4 – E fê-lo dentro do prazo de que dispunha para apresentação em juízo do próprio RAI “tout court”.
5 – E este aperfeiçoamento, reitera-se espontâneo e tempestivo, não viola os princípios da imparcialidade e eventuais garantias de defesa nem periga a estrutura acusatória do processo e o princípio do contraditório.
6 – Violar-se-iam tais princípios (designadamente o da estrutura acusatória do processo penal consagrado no artigo 32º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa) se o tribunal tivesse convidado a assistente a apresentar novo requerimento para abertura de instrução (ou aperfeiçoamento do inicialmente apresentado). E sobretudo se o tivesse feito findo o prazo legal para abertura de instrução. Porque tal consubstanciaria o exercício pelo juiz de instrução de uma faculdade inquisitória e de exercício de ação penal que no atual quadro legal processual não lhe assiste. Nada disso acontece no caso em recurso.
7 – As decisões dos tribunais superiores citadas pelo meritíssimo juiz a quo foram proferidas a despeito de situações diferentes da dos presentes autos. O que nelas estava em causa, muito sinteticamente, era saber se o Tribunal poderia, de per si, dirigir ao assistente qualquer convite ao aperfeiçoamento do RAI que não obedecesse a todo o figurino legal. Em neles foi decidido que não. E bem. Porque aí sim, se tal acontecesse, o Tribunal violaria os princípios da imparcialidade e eventuais garantias de defesa.
8 – Mas o caso dos autos é, como se deixou dito, diferente. A assistente apresentou espontaneamente um requerimento de aperfeiçoamento do RAI. E fê-lo em tempo em que poderia ter apresentado o próprio RAI, isto é, dentro do prazo de que legalmente dispunha para requerer a abertura de instrução.
9 – A assistente (ainda na qualidade de mera denunciante e ofendida) foi notificada em 19 de dezembro de 2011 (carta postal simples depositada na sua caixa de correio a 14 de Dezembro) do despacho do Ministério Público que determinou o arquivamento dos autos. Poderia pois requerer a abertura de instrução em qualquer momento até ao dia 23 de janeiro de 2012. E aperfeiçoou (espontaneamente) o seu requerimento, conformando-o aos legais requisitos, em 18 do mesmo mês e ano. Sem qualquer convite para o efeito.
10 – Denegando a abertura de instrução, pelas razões aduzidas, o tribunal recorrido violou, a um só tempo, os artigos 286º, nº 1 e 287º, nº 2, ambos do Código do Processo Penal.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada, e em seu lugar outra produzida, admitindo a abertura de instrução nos moldes requeridos no RAI de folhas 49- 57 aperfeiçoado no requerimento de folhas 70-80.
Decidindo assim, Vªs Exªs farão, como sempre, acostumada JUSTIÇA!
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 109-120].
4. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto realça que a “repetição da apresentação de um requerimento, ainda que de abertura de instrução, dentro do prazo que é concedido pela lei para o fazer, constitui ainda um direito de quem o subscreve e não contende com qualquer direito adquirido pela parte contrária, no caso, pelo arguido.” Como tal, e uma vez que “[N]enhuma disposição legal impede esta reposição de um requerimento que o seu autor acha imperfeito ou que deva melhorar, desde que cumpra o prazo estabelecido para o fazer”, emite parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso [fls. 128, vº].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. Face às conclusões formuladas, que delimitam o objeto do recurso, importa decidir se é legal a substituição do requerimento para abertura da instrução [RAI] no decurso do prazo processual estabelecido.
7. O despacho recorrido refere que o tribunal não pode dirigir ao assistente convite ao aperfeiçoamento do RAI e, por maioria de razão, também não poderá admitir um articulado de aperfeiçoamento espontaneamente apresentado por aquele [ver supra]. O recorrente, por seu lado, salienta que o segundo requerimento foi apresentado ainda dentro do prazo concedido para requerer a abertura da instrução, pelo que não vê razões para a sua rejeição.
8. O recorrente tem razão: se o prazo estava a correr, nenhuma expetativa se podia ter consolidado, junto do arguido, quanto aos termos em que a assistente havia requerido o pedido de abertura da instrução.
9. Na verdade, a assistente foi notificada do despacho de arquivamento do inquérito por carta datada de 13 de dezembro de 2011 [fls. 44]. O prazo de 20 dias concedido para requerer a abertura da instrução [artigo 287.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal] esgotava-se, pois, a 20 de janeiro de 2012. No dia 16 de janeiro, a assistente deu entrada do RAI [fls. 49]. E dois dias depois [18 de janeiro], apresenta uma nova versão do mesmo [fls. 63]. Portanto, ainda dentro do prazo.
10. Se a apresentação é feita enquanto decorre o prazo concedido por lei, não há qualquer razão (legal ou lógica) que impeça a admissão do requerimento.
11. Prazo – é um lapso de tempo dentro do qual deve ser exercido um direito, cumprida uma obrigação, praticado determinado ato ou produzido um efeito jurídico. A lei não estabelece qualquer efeito cominativo que, na sequência da apresentação do requerimento, proíba o apresentante de o corrigir, dentro do prazo processual estipulado. Com efeito, não faria sentido que, estando ainda em curso o prazo, o apresentante se visse impedido de aperfeiçoar ou melhorar o RAI por si apresentado. Por razões lógicas, mas também por razões substantivas: se o prazo ainda não se esgotou, a substituição do RAI apresentado não contende com qualquer direito (ou expetativa) do arguido ou do assistente [consoante a abertura da instrução seja requerida pelo assistente ou pelo arguido].
12. Não há, portanto, qualquer efeito processual, automático e imediato, que vincule o apresentante ao conteúdo do requerimento, podendo este ser substituído por outro desde que apresentado (ainda) no prazo legal estabelecido. O despacho recorrido é, assim, ilegal. E deve ser substituído por outro que, não ocorrendo uma nova causa, aprecie o RAI apresentado a 18 de janeiro [fls. 63 e ss.].
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – face à procedência do recurso [artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Conceder provimento ao recurso interposto pela assistente B…, revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, não ocorrendo outra causa, aprecie o requerimento para abertura da instrução apresentado em substituição do anterior.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 6 de fevereiro de 2013
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade

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