Acerca de mim

A minha foto
Porto, Porto, Portugal
Rua de Santos Pousada, 441, DE Telefone: 225191703; Fax: 225191701; E-mail: cabecaisdecarvalho@gmail.com

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

INIR, VIA VERDE, PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL, EXECUÇÃO FISCAL - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - 13/01/2011


Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 06825/10

Secção: CA- 2º JUÍZO


Data do Acordão: 13-01-2011

Relator: CRISTINA DOS SANTOS

Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL – FASE ADMINISTRATIVA
RECURSO JUDICIAL DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS OU FINAIS
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

Sumário: 1.O processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no artº 1º do CPA.

2. Na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, tendo-se por contra-ordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – artº 1º DL 433/82.

3. No processo contra-ordenacional o regime normativo que compete em matéria de impugnação de actos interlocutórios ou finais praticados pela autoridade administrativa é determinado por disposição de lei expressa nos termos conjugados dos artºs 55º e 61º nº 1, 64º e 73º DL 433/82 de 27.10, pelo que a jurisdição compete aos Tribunais Comuns e não aos Tribunais Administrativos.






Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: C............. & Filhos Lda., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Por douta sentença de fls.., o Meritíssimo Juiz "a quo" julgou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria incompetente em razão da matéria para apreciar a acção administrativa especial intentada pela Autora;
2. Porém, salvo o devido respeito, não decidiu bem o Meritíssimo Juiz "a quo";
3. Com a presente acção administrativa especial a Autora não pretende, nem nunca pretendeu, impugnar a decisão de aplicação de coima proferida pela entidade administrativa - ao contrário do que parece ser a interpretação do Meritíssimo Juiz;
4. O que pretende a Autora, ora Recorrente, é a anulação de um acto administrativo praticado pela Ré;
5. Determina o artigo 4° n°1 alínea c) do ETAF que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que pertençam à Administração Pública;
6. Dispõe o artigo 46° do CPTA que a acção competente para dirimir litígios sobre a nulidade ou anulação de actos administrativos é a acção administrativa especial;
7. Na situação em apreço, não obstante estar em causa um procedimento administrativo contra-ordenacional, peticiona-se a anulação de um acto administrativo proferido no âmbito de um procedimento administrativo;
8. O que se impugna não é a coima aplicada (ou a decisão de aplicação por violação de uma conduta);
9. O que se peticiona, por violação das formalidades legais (fiscalização da legalidade referida na alínea c) do artigo 4° n°1 do ETAF), é a invalidade de um acto jurídico unilateral praticado, no exercício de um poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade publica ou privada habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta;
10. A apreciação desta questão compete aos tribunais administrativos;
11. Em momento algum da petição inicial se confunde a impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima com a impugnação de um acto administrativo proferido pela Administração;
12. Salvo o devido respeito, essa conclusão resulta do próprio tribunal que não distingue entre o que é a decisão de aplicação de coima e o acto administrativo praticado;
13. A Autora não pode ser cerceada nos seus direitos pelo facto de o acto que pretende impugnar ser aquele que põe fim ao procedimento administrativo e que, eventualmente (o que não se concede), pode ser confundível com a decisão de aplicação de coima "stricto sensu";
14. Na petição inicial a Autora alegou todos os factos necessários à impugnação de um acto administrativo;
15. É, pois, competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para apreciar a acção administrativa especial intentada pela Autora;
16. Violadas foram, pois, entre outras, as normas insertas nos artigos 4° n°1 alínea c) do ETAF e artigo 46° do CPTA;
17. Deve a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que admita como materialmente competente para julgar a acção o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

*
O Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP, ora Recorrido, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A ora recorrente identifica expressamente, no artigo 12° da petição inicial, o acto administrativo objecto de impugnação: "é, pois, inválido (por ser anuiável) o acto administrativo que, no caso concreto, é de decisão de aplicação de uma coima à Autora e respectivas custas, proferida pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, IP, na sequência do procedimento administrativo movido à Autora (..............) - Doe.2)" (sublinhado nosso);
2. Reiterando no artigo 21° da mesma petição inicial: "Co/7? efeito, o acto administrativo que ora se impugna (decisão de aplicação de coima no processo ..............) foi notificado à Autora em 30.11,2009 (Doe.2)"
3. Afigura-se ininteligível a afirmação da Recorrente, em sede de alegações: "Acontece que, com a presente acção administrativa especial, a Autora não pretende, nem nunca pretendeu, impugnar a decisão de aplicação de coima proferida pela entidade administrativa - ao contrário do que parece ser a interpretação do Meritíssimo Juiz";
4. Continuando a Recorrente "0 que pretende a Autora, ora Recorrente, é a anulação de um acto administrativo praticado pela Ré" (sublinhado nosso);
5. Pretendendo esclarecer que: "O que se peticiona, por violação das formalidades legais (fiscalização da legalidade referida na alínea c) do artigo 4°, n° l do ETAF), é a invalidade de um acto jurídico unilateral praticado, no exercício de um poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta";
6. Ora, no caso vertente, a decisão de aplicação de uma coima pela Autoridade Administrativa está incluída na própria decisão condenatória tomada por aquela entidade pelo que, pretendendo a Autora impugnar aquela decisão, está naturalmente a impugnar a decisão de condenação proferida no processo contra-ordenacional: pagamento da quantia global em que foi condenada, que inclui os valores das taxas de portagem, da coima aplicada e respectivas custas;
7. Mas, ainda que o acto jurídico unilateral praticado pela Administração fosse dissociável da decisão que aplicou uma coima à ora Recorrente, o que manifestamente não sucede no caso vertente, o procedimento adoptado foi o adequado, uma vez que seguiu o Regime Geral das Contra-Ordenações, não enfermando, por isso, de qualquer vício susceptível de conduzir à respectiva anulação;
8. Ora, o artigo 59° do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aprovado pelo Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro, prescreve que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, mediante recurso de impugnação;
9. 0 que significa que a reacção contra a decisão de aplicação de coimas não é compatível com a forma processual de acção administrativa especial, a qual está reservada à reacção contra os actos administrativos feridos de ilegalidade, destinando-se à sua anulação, não servindo para atacar a decisão de aplicação de coimas resultantes do não pagamento de taxas de portagem em infra-estruturas rodoviárias;
10. Nos termos do art. 212°, n°3 da Constituição da República Portuguesa compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais;
11. 0 art. 1°, n°l do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) prescreve que "Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.";
12. Por sua vez, o art. 4° do ETAF define o âmbito de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estabelecendo a respectiva competência (em razão da matéria), enquanto jurisdição especial, relativamente aos tribunais judiciais de competência genérica, ficando excluído o processo contra-ordenacional, uma vez que se rege pelo Regime Jurídico do Ilícito de Mera Ordenação Social;
13. Ora, o artigo 61°, n°l do RJIMOS, que contém o regime material e processual aplicável ao processo contra-ordenacional, estabelece expressamente que “é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção", isto é, o tribunal comum;
14. Aliás, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) aprovada pela Lei n° 52/2008, de 28 de Agosto, estabelece nos artigos 73°, 74°, 110°, 132° e 133° que os tribunais competentes em razão da matéria relativamente aos recursos de impugnação de decisões administrativas em processos de contra-ordenação são, em primeiro lugar, os tribunais judiciais de competência específica e especializada ou os tribunais de competência genérica se o recurso não puder ser interposto para os primeiros;
15. Resulta, assim, expressamente da lei que a competência para conhecer do recurso de impugnação de decisão administrativa tomada em processo de contra-ordenação cabe aos tribunais judiciais, nunca aos tribunais administrativos;
16. Assim, face ao art. 101° do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, acarretando a absolvição da instância como cominação legal prevista no artigo 13° do CPTA, artigo 4° do ETAF e 101°, 105°, 288°, n° l, alínea a), 493, n° 2 e 494°, alínea a) do CPC ex vi artigo 1° do CPTA.

*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

*
Matéria de facto julgada pertinente:

1. Em sede de processo contraordenacional nº CO .............. levantado pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias IP, foi proferida a decisão condenatória tendo por destinatário a ora Recorrente C.............. & Filhos Lda, cujo teor se transcreve:
“(..) NOTIFICAÇÃO DE DECISÃO CONDENATÓRIA
Nos termos do art° 58° e demais disposições aplicáveis do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada peto Decreto-Lei n9 244/95, de 14 de Setembro, fica o (a) arguido(a) C....................... & FILHOS LDA notificado(a) da presente Decisão Condenatória objecto de deliberação do Conselho Directivo do InIR, IP, de 20091012 que se transcreve
C................... & FILHOS LDA, no dia 2008-08-27, pelas 13:19 horas, transpôs a barreira de portagem Almeirim Pv, comarca de Almeirim, integrada na A13, concessionada a BRISA, conforme fotografia que consta dos Autos através de via reservada a aderentes ao sistema electrónico de cobrança de portagem da Via Verde Portugal, sem que o veículo utilizado estivesse a esse sistema associado, por meio de contrato de adesão válido.
"Tal facto, consubstancia uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 5,°, alínea a) e 7.°, ambos da Lei n.° 25/2006, de 30 de Junho, sancionava! com coima de valor mínimo EUR 375,00, mas nunca inferior a EUR 25,00 e valor máximo EUR 1875,00, à qual acresce o valor da taxa de portagem no montante de EUR 37,50, calculada ao abrigo do n.º 2 do artigo 7 ° da referida Le.
Notificado nos termos legais, o arguido apresentou: defesa, invocando, em suma, os seguintes factos: A arguida solicitou. a consulta dos autos junto da Brisa, tendo sido informada de que estes apenas poderiam ser consultados nas instalações do InIR, Contactado telefonicamente o InIR, foi informada de que os autos seriam disponibilizados após requerimento, nas instalações do InIR e após o seu envio pela entidade autuante, o que só acontece após o decurso do prazo de defesa. Requereu por escrito a consulta dos autos, não tendo obtido resposta, A proibição de consulta do processo viola o direito de defesa da arguida, gerando nulidade processual. Acresce que os autos de notícia não são assinados pelo autuante. Ao não estar assinado, não só não fazem fé dos factos como também gera nulidade insanável nos termos do art° 119°, al. d) do CPP.
Analisados os factos constantes dos autos, bem corno os argumentos apresentados peio arguido, conclui-se que a arguida foi notificada nos dias 6 de Agosto de 2009, pelo que o seu prazo de defesa terminava no dia 27 de Agosto.
A arguida solicitou a consulta dos processos, por carta registada, expedida a 26 de Agosto, ou seja, no último dia do prazo de defesa. Seria impossível para a Autoridade Administrativa permitir a consulta dos autos em tempo, não podendo pois, a arguida fazer-se valer desse argumento para sustentar urna nulidade processual. Acresce que o auto de notícia inclui todos os requisitos do art° 9° da Lei n° 25/2006, não carecendo de assinatura do autuante na medida em que a detecção da infracção è feita por meios mecânicos, nos termos do artº 8° do diploma citado, pelo que se decide nos termos seguintes:
DECISÃO:
Ao agir da forma descrita, o arguido agiu dolosa e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era ilícita, pois sabia que a viatura em causa não estava associada ao sistema electrónico de cobrança de portagens e que, consequentemente, ao não pagar a taxa devida pela utilização daquela infra-estrutura rodoviária, lesava, com a sua conduta, a concessionária da mesma,
Pelo exposto, é condenado o arguido no pagamento ao InIR, IP da quantia global de EUR 612,75, que inclui o valor da taxa de portagem EUR 37,50, da coima aplicada EUR 562,50 e das custas EUR 12,75, fixadas estas nos termos do artigo 92.° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, para cujo pagamento dispõe de 15 (quinze) dias, apôs decorrido prazo de 20 (vinte) dias para eventual impugnação da presente decisão ou do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de, não o fazendo, serem os Autos remetidos ao Ministério Público para execução, podendo ser indicado o veículo com que a infracção foi cometida como bem a executar.
A decisão torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do art.° 59° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, podendo o Tribunal decidir mediante audiência de julgamento ou, caso o arguido ou o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
Finalmente, no caso de impossibilidade de pagamento tempestivo do valor em que é condenado, deve comunicar o facto, por escrito, ao InIR, IP para o Apartado acima indicado, no prazo de 15 (quinze) dias apôs o recebimento desta Notificação e requerer, querendo, o pagamento em prestações.
Lisboa, 2009-11-18
Pelo Conselho Directivo (assinaturas) (..)” – fls. 10/11 dos autos.
2. Da supra transcrita decisão condenatória foi a ora Recorrente notificada em 30.11.2009.



DO DIREITO


1. actos jurídicos processuais;

No caso concreto trazido a recurso, o interesse pretensivo da ora Recorrente evidenciado pelo pedido deduzido na petição substancia-se em “(..) ser anulado o acto administrativo de decisão de aplicação de coima à Autora, praticado no processo 100815708 (..)”.
Todavia, na defesa do seu interesse a Recorrente labora em erro de direito adjectivo no tocante ao meio processual escolhido e jurisdição a que se dirige, pois que, na circunstância do acto que constitui o objecto da pretensão jurisdicional deduzida, o processo devido é o contra-ordenacional e a jurisdição que compete é a dos Tribunais Comuns, não a dos Administrativos, à luz do disposto nos artºs. 33º, 41º nº 1 e 59º DL 433/82 de 27.10.
Efectivamente, nos termos gerais de direito e de acordo com o regime jurídico estatuído no DL 433/82 de 27.10, a produção de efeitos jurídicos na instância contra-ordenacional pendente por acto praticado pelo arguido tem por pressuposto e está condicionada a que esse acto jurídico seja praticado ou levado ao concreto processo a que respeita determinado pelo respectivo objecto de ilícito, e não fora dele.
Como nos diz a doutrina, os articulados das partes, na medida em que traduzem a prática de actos jurídicos no processo, estão submetidos ao formalismo estrito legalmente estipulado e necessário ao regular e expedito desenvolvimento da lide pelo que “(..) a observância do formalismo estabelecido na lei torna, sem mais, o acto operativo dos efeitos que a lei lhe atribui (..)” de modo que “(..) na medida em que os actos processuais estão legalmente tipificados, quer na sua configuração, quer nos seus efeitos, a parte sabe de antemão que a prática de um certo acto produz determinado efeito. E na medida em que ela é obrigada à observância de um certo ritualismo, o acto só estará perfeito quando verificados todos os seus requisitos (..)” (1).
O que significa que todo e qualquer acto jurídico do arguido, tenha ele por objecto carrear para os autos ou controverter matéria de facto relacionada com o tipo de ilícito de mera ordenação social que lhe é imputado no concreto processo contra-ordenacional, ou suscitar estritamente matéria de direito adjectivo, seja, o acto jurídico praticado por sua iniciativa ou na sequência de notificação da autoridade administrativa que detém os poderes de instrução processual, esse acto tem, sempre, de ser praticado ou levado ao processo de contra-ordenação a que respeita, e tem, sempre, de ser dirigido à autoridade administrativa que dirige a instrução – artº 33º DL 433/82.

2. regime remissivo processual penal;

Com reflexos na economia do caso presente, importa o regime legal estatuído desde logo em sede de recurso de decisões interlocutórias, ou seja, uma vez proferida decisão rege, conforme as circunstâncias constantes da hipótese normativa, o disposto nos artºs 41º nº 1 e 55º nºs 1, 2 e 3 do DL 433/82 de 27.10.
Pelo primeiro, surge absolutamente claro o sentido expresso de remissão para o regime adjectivo processual penal, seja em sede de Código de Processo Penal ou de legislação especial, dependendo da configuração das circunstâncias concretas que determinam a relação de analogia, sendo, pois, o bloco normativo processual penal erigido a regime integrador do domínio adjectivo contra-ordenacional.
Quanto ao segundo normativo, nele se estabelece “(..) a possibilidade de impugnação judicial de todos os actos praticados pelas autoridades administrativas no processo contra-ordenacional que afectem direitos ou interesses de qualquer pessoa (..) Esta possibilidade de impugnação é exigida pelo nº 4 do artº 268º da CRP que assegura a possibilidade de impugnação contenciosa de todos os actos administrativos lesivos. (..)
Todos os actos preparatórios de que resulte uma imediata lesão de direitos ou interesses são autónoma e imediatamente impugnáveis através de recurso para o Tribunal Judicial que for competente, à face do disposto no artº 61º (..) estes recursos seguirão os termos dos recursos cuja regulamentação é indicada neste diploma, que são os recursos judiciais das decisões de aplicação de coimas (..)” – relevo a negrito, nosso. (2)
Efectivamente, o processo de contra-ordenação instruído e decidido pela autoridade administrativa não tem a natureza jurídica de procedimento administrativo na acepção em que este conceito é tomado no artº 1º do CPA, isto é, na acepção de “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”, e não tem porque na fase administrativa o processo de contra-ordenação tem por escopo o apuramento da existência de um tipo de ilícito de mera ordenação social, ou seja, da existência “da notícia de uma contra-ordenação”, constituindo contra-ordenação “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” – artº 1º DL 433/82.
Na sua fase administrativa o processo contra-ordenacional participa funcionalmente dos mesmos fins do inquérito em processo penal, configurado como a “(..) fase em que se busca essencialmente investigar os factos em ordem à eventual formulação da pretensão punitiva – a fase de inquérito (..) para procurar esclarecer o que se terá passado e só depois, se tiver recolhido indícios de que um crime foi praticado e quem foram os seus agentes, formula em juízo uma acusação. (..)” (3)
Sendo este o procedimento análogo que compete no domínio do DL 433/82, atento o disposto nos artºs. 48º e 54º, funcionando o regime processual penal subsidiariamente em tudo quanto importa à recolha da prova juridicamente relevante para apurar do preenchimento ou não de um tipo de ilícito contra-ordenacional, imputação do facto ao agente e determinação da coima. – artº 41º nº 1 DL 433/82.

*
No sentido aqui propugnado a doutrina expressa no Parecer da ProcuradoriaGeral da República, nº 2941 de 28.02.2008, que se transcreve na parte que importa na circunstância, sendo nossos os segmentos a negrito, “(..) A referida norma do artigo 41º do Decreto-Lei de 27 de Outubro, tem eficácia em todas as fases do processo das contra-ordenações, sendo aplicável quer na fase administrativa, quer na fase do recurso de impugnação.
Na verdade, o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no nº 7 do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste código à fase administrativa do processo das contra-ordenações.
Embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase administrativa, uma actuação materialmente administrativa, esta forma de actuar sempre obedeceu a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário.
Trata-se de uma fase de um processo que tem como direito subsidiário, na sua globalidade, o processo penal, nos termos do referido nº 1 do artigo 41º daquele Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Os procedimentos especiais previstos no nº 7 do artigo 2.° do Código do Procedimento Administrativo são aqueles que se encontram dispersos pela legislação administrativa, nomeadamente, os licenciamentos, os loteamentos urbanos, os procedimentos concursais e outros.
Não cabem nesse âmbito os procedimentos sancionatórios na medida em que tenham como direito subsidiário o direito processual penal, uma vez que é com este ramo do direito que aqueles procedimentos se articulam, já que foram moldados a partir dele, e é nesse procedimento que sistematicamente se inserem.
O Código do Procedimento Administrativo só seria, deste modo, direito subsidiário do processo das contra-ordenações se se desse como revogado o disposto no nº 1 do artigo 41º do regime geral das contra-ordenações, o que dada a especialidade desta norma, não seria possível sem uma referência expressa.
Acresce que sendo o processo das contra-ordenações um todo que se desdobra por várias fases, não pode o mesmo procedimento ter como direito subsidiário numa fase o Código do Procedimento Administrativo e noutra fase o Código de Processo Penal, o que criaria distorções inaceitáveis.
Tal como refere COSTA PINTO, a solução que se defende, “apesar de implicar como que uma metamorfose jurídica dos actos administrativos em actos de um processo de contra-ordenação, parece ser aquela que é ditada não só pelo enquadramento constitucional das garantias em processo de contra-ordenação, mas também pelo facto de o regime geral das contra-ordenações determinar a aplicação subsidiária do processo penal (artigo 41º do regime geral) e equiparar os poderes instrutórios em processo de contra-ordenação aos poderes de polícia de investigação criminal (artigo 48º, nº 2), negando implicitamente qualquer recurso subsidiário ao Direito Administrativo” [10]). (4)
Por outro lado, importa também não perder de perspectiva, tal como refere FIGUEIRDO DIAS, a “dificuldade prática -que em certos casos será mesmo de impossibilidade - de manter uma estrita e completa separação entre processo de contra-ordenação e processo penal. Não raramente sucederá, desde logo, que só no decurso do processo se poderá determinar se a conduta do arguido integra um crime, uma contra-ordenação, ou até uma e outro” ([11]), o que justifica o regime de conversão do processo de contra-ordenação em processo penal, previsto no artigo 76º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, ou o regime de conhecimento de contra-ordenações no processo penal, decorrente dos artigos 77º e 78º do mesmo diploma.
4 - Um dos segmentos em que a autonomia do direito das contra-ordenações se afirma face ao Direito Penal é o do regime processual que, apesar das ligações que mantém com o processo penal, se distancia do mesmo, quer na estrutura do processo, quer no regime de múltiplos actos processuais.
De facto, concebido o Direito das Contra-ordenações como um instrumento de intervenção administrativa de natureza sancionatória no sentido de dar maior eficácia à acção administrativa, o núcleo fundamental dos poderes sancionatórios, quer ao nível da iniciativa processual, quer ao nível decisório propriamente dito, é atribuído à Administração, relegando a intervenção judiciária para um nível de subsidiariedade.
Incumbe deste modo à Administração o conhecimento das infracções e o respectivo sancionamento, sendo os Tribunais chamados apenas a intervir, pela via do recurso de impugnação, em caso de discordância dos condenados relativamente às decisões proferidas, em primeiro nível, pela Administração.
Os Tribunais intervêm igualmente em sede de execução das coimas emergentes das decisões condenatórias, quando não sejam pagas voluntariamente, e em caso de discordância de medidas de natureza transitória tomadas pela Administração ao longo do processo (artigo 55º do regime geral).
Costuma falar-se em fase administrativa do processo para designar a intervenção administrativa no mesmo - que vai da notícia da infracção à decisão propriamente dita, prevista no artigo 58º do regime geral - e em fase do recurso de impugnação, para designar o conjunto de actos processuais que vão da interposição do recurso à decisão do mesmo nos tribunais (artigos 62º e ss. daquele regime).
Na fase administrativa do processo relevam três momentos que integram conjuntos de actos cuja compreensão é decisiva no contexto das questões colocadas no âmbito do presente parecer.
Configura-se assim um primeiro momento do processo que vai da notícia da infracção ao cumprimento do artigo 50º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro; os actos subsequentes à intervenção prevista nesta norma agrupam o segundo momento do processo, seguindo-se a decisão final. (..)”

3. direitos de audiência e defesa em processo de contra-ordenação - artº 32º nº 1 CRP

Para a unicidade de regime jurídico subsidiário em sede de processo contra-ordenacional muito contribuiu a explicitação constitucional da garantia dos direitos de audiência e defesa em processo de contra-ordenação, cfr. artº 32º nº 1 CRP, acrescentado pela revisão constitucional de 1989 extensível, naturalmente, às pessoas colectivas, cfr. artº 12º nº 2 CRP, nos termos em que lhes sejam aplicáveis na medida em que podem ser responsáveis no âmbito deste tipo de ilícito.
Como nos diz a doutrina, “(..) o enquadramento constitucional do direito de defesa em processo de contra-ordenação forneceu mais um elemento para a compreensão do regime do ilícito de mera ordenação social, em especial na fase orgânicamente administrativa do processo de contra-ordenação.
38. Do ponto de vista da autoridade administrativa a competência para processar contra-ordenações pode ter algo de peculiar: trata-se de Direito aplicável por uma entidade administrativa, mas que não é em rigor Direito Administrativo. O que significa que iniciado um processo de contra-ordenação existe a possibilidade de actos da Administração – que fora desse contexto seriam actos administrativos tout court (sujeitos, portanto, ao regime e garantia próprias do Direito Administrativo – passarem a ser regulados por outro sector do sistema jurídico.
Nestes termos, quando um acto de uma autoridade administrativa possa ser visto simultaneamente como um acto administrativo e um acto integrador de um processo de contra-ordenação o seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos de impugnação, deverá ser em princípio o do ilícito de mera ordenação social e subsidiariamente o regime do processo penal, mas não o regime do Código de Procedimento Administrativo.
Uma solução diferente criaria o risco de um bloqueio completo da actividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias jurídicas.
Este enquadramento do processo de contra-ordenação assume relevância a todos os títulos: por um lado, a sindicabilidade de tal acto ocorrerá no contexto de um processo de contra-ordenação e não no âmbito da actividade administrativa (123) (..)
(..) (123) A questão pode ser passível de debate quanto a actos de arquivamento dos processos de contra-ordenação e actos que decidam sobre a consulta do processo quando ele findar. Penso, no entanto, que quanto aos actos de arquivamento não existem dívidas que são actos do processo de contra-ordenação e uma forma típica de pôr fim a um processo desta natureza, pelo que o seu regime não é o do Direito Administrativo. Relativamente aos actos que decidam sobre a consulta do processo que findou suscita-se a dúvida de saber se são actos regulados pelo regime do artº 90º do Código de Processo Penal ou antes o regime da consulta dos processos findos do Código de Procedimento Administrativo (cfr. artº 65º do CPA). Apesar da permanência no arquivo da administração, deve entender-se que o processo de contra-ordenação não perde a sua natureza quando arquivado. Razão pela qual se deve sujeitar a sua consulta ao regime do artº 90º do Código de Processo Penal. (..)”(5)
Pelo que vem dito e como afirmado supra louvando-nos na doutrina citada, o caso dos autos compete não a um procedimento administrativo autónomo mas a procedimento enquadrado no domínio da actividade administrativa sancionatória própria do ilícito de mera ordenação social submetida especificamente ao regime estatuído no DL 433/82 de 27.10 e, subsidiáriamente, ao regime do CPP.

4. incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos;

De modo que, em síntese, no processo contra-ordenacional o regime normativo que compete em matéria de impugnação de actos interlocutórios ou finais praticados pela autoridade administrativa é determinado por disposição de lei expressa nos termos conjugados dos artºs 55º e 61º nº 1, 64º e 73º DL 433/82 de 27.10, pelo que a jurisdição compete aos Tribunais Comuns e não aos Tribunais Administrativos.

O que significa que, em razão da natureza da matéria da causa e dos critérios legais constantes do complexo normativo referido supra, se tem por verificada a incompetência absoluta dos Tribunais Administrativos por falta de jurisdição suficiente para a sua apreciação, impondo-se, dada a incompetência absoluta do Tribunal a quo, absolver da instância o ora Recorrido Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP- cfr. artºs. 13º CPTA e 105º nº 1, 288º nº 1 a), 494º a) e 493º nº 2 CPC.
No mesmo sentido a corrente jurisprudencial derivada dos Acórdãos do STA, in rec. nº 679/07 de 13.11.07 e deste TCA-Sul, in rec. nº 1615/06 de 25.05.06, rec. nº 1834/06 de 13.09.06 e 2416/07 de 6.6.07.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 13.JAN.2011


(Cristina dos Santos)

(António Vasconcelos)

(Paulo Gouveia)


(1)Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, pág. 22.
(2) Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contravenções – anotações ao regime geral, 3ª edição, 2006, VISLIS, págs. 379/380.
(3) Germano Marques da Silva, Curso de processo penal, Vol. I, Verbo, 1996, pág.334.
(4) Frederico da Costa Pinto, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, 1º, 1997, Coimbra Editora, pág. 82.
(5) Frederico da Costa Pinto, Obra citada na nota (4), págs. 80/81.

http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d04ff50ec1aa852c8025781d002c393d?OpenDocument

Pesquisar neste blogue