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sexta-feira, 14 de junho de 2013

SMS [SHORT MESSAGE SERVICE] JIC CORRESPONDÊNCIA - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - 22.05.2013


Acórdãos TRP
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
74/07.3PASTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MELO LIMA
Descritores: SMS [SHORT MESSAGE SERVICE]
JIC
CORRESPONDÊNCIA

Nº do Documento: RP2013052274/07.3PASTS.P1
Data do Acordão: 22-05-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .

Sumário: I – As mensagens, depois de recebidas, deixam de ter a essência de uma comunicação em transmissão para passarem a ser uma comunicação já recebida, que terá porventura a mesma essência da correspondência, em nada se distinguindo de uma carta remetida por correio físico.
II - Tendo sido já recebidas, se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador ou no telemóvel, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo, visto o disposto no art. 194º, n.º 1 do C. Penal.
III – A junção voluntária aos autos feita pela pessoa que recebeu a mensagem, dispensa a intervenção de qualquer autoridade judiciária, designadamente do JIC.
Reclamações:

Decisão Texto Integral:
Processo 74.07.3PASTS.P1
Relator: Melo Lima
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I RELATÓRIO

1. RECURSO INTERLOCUTÓRIO
1.1 Na apreciação do requerimento formulado por B….., no âmbito da Contestação que, na qualidade de arguido, apresentou no processo acima identificado, foi proferida a seguinte decisão judicial:
«B....., arguido nos presentes autos, veio – aquando da apresentação de contestação – requerer o exame aos aparelhos de telemóvel de onde as supostas “sms” descritas na acusação terão sido transcritas, pedindo que lhe seja facultado o acesso aos ditos aparelhos móveis de telefone.
Notificada, a assistente veio dizer que já não se encontra na posse dos telemóveis.
Veio então o arguido invocar que a leitura das aludidas “sms” carece de autorização judicial, nos termos dos arts.190º, 187º a 189º do CPP e que a falta de tal despacho judicial gera a nulidade de tal meio de prova. Mais invoca que não podendo conferir, pelo exame do telemóvel, a veracidade da leitura das aludidas “sms” não poderão as mesmas ser valoradas.
Conclui reiterando que não enviou para a assistente os “sms” descritos e ainda que a sua leitura constitui meio proibido de prova.
Na sequência da aludida invocação, a assistente veio dizer que os arts.187º, 188º e 189º não têm aplicabilidade à situação em apreço e que não houve qualquer violação da vida privada do arguido, na medida em que o telefone era da propriedade da ofendida e foi disponibilizado pela própria, pelo que pode o aludido meio de prova ser livremente valorado pelo tribunal.
Decidindo.
No dia 11.1.2008, durante a fase de inquérito, a assistente compareceu nas instalações da PSP e ali exibiu a um agente daquela polícia o seu telemóvel mostrando-lhe mensagens escritas ali arquivadas e de que este órgão de polícia criminal tirou fotocópia, em aditamento à denúncia que dera origem aos presentes autos – cfr. fls.61-99.
No caso não se trata, portanto, de intercepção ou gravação por órgão de polícia criminal de conteúdo de telecomunicação.
Inexiste intercepção, porquanto não qualquer interferência (em tempo real) numa comunicação electrónica em curso.
Por outro lado, não foi o referido órgão de polícia criminal que procedeu ou obteve a gravação de tais mensagens.
Daí que não se lhe aplique o regime procedimental das escutas – cfr. arts.187º, nº1 e 188º ex vi art.190º do CPP.
Acresce que o seu remetente sabia que ao enviar mensagem escrita para o telemóvel da ofendida que a mesma ali ficaria gravada na respectiva caixa de mensagens. Assentiu, portanto, na respectiva gravação. Além disso, foi a sua própria destinatária, possuidora do aparelho de telemóvel, que voluntariamente delas deu conhecimento ao órgão de polícia criminal, a fim de em relação às mesmas exercer, legitimamente, o seu direito à denúncia.
Não existe, portanto, qualquer ilícita ou inconstitucional intromissão na reserva da vida privada, porquanto a gravação foi efectuada e o acesso a tais mensagens foi facultado pelos respectivos titulares, nos termos do art.126º, nº3, do CPP, 26º, 32º e 34º da CRP.
Assim e sendo válido o aludido consentimento não se pode falar de nulidade de prova – como refere o Prof. Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, 251, a gravação consentida (ou a sua utilização) configura uma forma paradigmática de exclusão do ilícito típico, não por força de qualquer justificação de lesão do bem jurídico, mas pela exclusão da tipicidade, por ausência de lesão do bem jurídico.
É de notar ainda que não se percebe como pode a leitura das aludidas mensagens violar a reserva da vida privada do arguido quando o próprio nega peremptoriamente que as tenha enviado…
De todo o modo, a verdade é que se mostra há muito ultrapassado o prazo legalmente concedido para a arguição de eventual invalidade (no caso, nulidade relativa), nos termos do art.120º, nº3, al. c) do CPP.
Como se lê no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.9.2006, in Bases de Dados Jurídico-Documentais do ITIJ: “XXIV - Nos termos do art. 126.º do CPP, os métodos proibidos de prova são de duas categorias, consoante a disponibilidade ou indisponibilidade dos bens jurídicos violados: os absolutamente proibidos, pelo uso de tortura, coacção ou em geral ofensas à integridade física ou moral - n.ºs 1 e 2 -, que não podem em caso algum ser utilizados, mesmo com o consentimento dos ofendidos, e os relativamente proibidos - n.º 3 -, que respeitam ao uso de meios de prova com intromissão na correspondência, na vida privada, domicílio ou telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular.XXV - A locução “sem o consentimento do respectivo titular” tem sido usado como pedra de toque para o estabelecimento da dicotomia prova absolutamente nula e prova relativamente nula. Se o consentimento do titular afasta a nulidade, então esta não é insanável e o decurso do prazo de invocação preclude o direito à declaração de invalidade do acto e dos que dela dependerem, no caso vertente até 5 dias sobre a notificação de encerramento de inquérito - n.º 3 do art. 120.º do CPP. XXVI - Os métodos absolutamente proibidos de prova, por se referirem a bens absolutamente indisponíveis, determinam que a prova seja fulminada de nulidade insanável, a qual está consagrada na expressão imperativa “não podendo ser utilizadas”, usada no art. 126.º, n.º 1, do CPP. XXVII - Com efeito, há casos de atentados extremos à pessoa humana em que os direitos fundamentais comportam uma dimensão tal que, em vista da protecção do cidadão ante o Estado e como forma de assegurar a sua subsistência e a convivência em segurança e polidireccionada dos cidadãos, com respeito pela dignidade respectiva e o justo equilíbrio entre a contribuição de todos e cada um para o bem comum, os meios de prova obtidos com violação daqueles é intolerável. Há, no entanto, outros em que, mediante certos condicionalismos, não repugna admitir a sua violação, abandonando o legislador ordinário aquela tutela absoluta e incontornável, para cair numa inadmissibilidade meramente relativa de tais meios de prova, como forma de salvaguardar «valores de irrecusável prevalência e transcendentes aos meros interesses da perseguição penal» nas palavras do Prof. Costa Andrade, in Sobre os Meios de Prova em Processo Penal, p. 45 (cf., ainda, Conde Correia, in RMP, Ano 20.º, Julho/Setembro, 1999, n.º 79, p. 53, e Manuel Monteiro Guedes Valente, op. cit . p. 121). XXVIII - Essa nulidade relativa resulta do facto de a proibição de utilização não se compendiar entre as nulidades insanáveis - art. 119.º do CPP -, atendendo a lei, quanto a tal meio de prova poder ser usado, à vontade do seu titular, ao seu consentimento , segundo o princípio volenti non fit injuris, dependente de arguição do interessado, em prazo fixado por lei - art.120.º, n.º 3, al. c), e 121.º do CPP (cf. Maia Gonçalves, in Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, 1989, p. 115). XXIX - Os métodos de proibição absoluta ou relativa de prova constituem limites, obstáculos absolutamente ou relativamente intransponíveis à descoberta da verdade, e têm a ver com a inadmissibilidade ou admissibilidade da sua valoração no processo, com a consequência da nulidade insanável da prova ou a simples anulabilidade, respectivamente.”
No caso dos autos, não se verifica a apontada nulidade, uma vez que a destinatária das ditas mensagens consentiu na sua visualização e registo, através de fotocópia, por órgão de polícia criminal, sendo que - ainda que assim não se entendesse - sempre se mostraria a mesma sanada, por extemporaneidade da invocação[1].
Nada impede, por isso, - nem mesmo a actual impossibilidade de o arguido examinar o aparelho de onde foram extraídas as mensagens em causa -, de o tribunal livremente as apreciar – cfr. art.127º do CPP.
Em face do exposto, indefere-se o requerido pelo arguido.Notifique.»

1.2 Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido B....., rematando a respetiva motivação com as seguintes 45 (!) conclusões:
1.2.1 O Arguido impugnou, na Contestação, quer o envio, quer a existência, das SMS referidas na Acusação, as quais supostamente constituiriam meio de prova contra o Arguido, e requereu como meio de prova o “2) Exame a Objectos”, i.e., aos aparelhos de telemóvel de onde as supostas “sms” descritas na Acusação terão sido transcritas, devendo ser-lhe facultado o acesso aos ditos aparelhos móveis de telefone.
1.2.2 Tal Exame a Objectos foi deferido pelo Tribunal, que ordenou à Ofendida/Assistente que viesse exibir o suporte original onde as SMS estariam depositadas, i.e., o próprio aparelho de telemóvel onde alegadamente teriam sido recebidas, mas a Ofendida/Assistente veio recusar a exibição para Exame, alegando (sem o provar!) que não dispõe do(s) aparelho(s) de telemóvel onde as SMS estariam depositadas.
1.2.3 Nessa sequência, em 30/10/2010 o Arguido apresentou Requerimento – que aqui se dá por integralmente reproduzido - pelo qual suscitou as questões infra, mas cujo pedido aí deduzido foi integralmente indeferido pelo Tribunal a quo através do Despacho recorrido, o qual se dá também por integralmente reproduzido.
1.2.4 O Desembargador Rui Rangel, em opinião dada à estampa num reputado órgão de comunicação social aquando da discussão pública de um caso semelhante, perfilha a já expressa posição de que “de facto, as mensagens arquivadas no cartão de telemóvel constituem, ainda, uma forma de comunicação que goza da protecção perfilhada pelo art. 189º do CPP, pelo que a sua utilização ou leitura, pelos órgãos de polícia criminal, deve ser precedida de autorização pelo juiz”[2]. Vai, no entanto, o referido Magistrado um pouco mais longe, afirmando mesmo que “não se podem diminuir garantias por via interpretativa. Temos para nós que, desde que o conteúdo esteja guardado num registo electrónico, carece de autorização de um juiz. Significa que qualquer mensagem escrita, recebida e lida no telemóvel, não pode servir de prova sem a autorização de um juiz e desde que este a considere indispensável para a prova de crime”. ([3])
1.2.5 Vem este raciocínio perfeitamente de encontro à consagração legal do art. 189º. Dir-se-á então, desde já, que, atendendo ao disposto para a intercepção e gravação de escutas telefónicas, será inquestionável que apenas se admitirá o uso das SMS como meio de prova estando preenchidos, primeiramente e desde logo, os requisitos do art. 187º/1. A prolação de Despacho judicial afigura-se assim claramente imprescindível, o que no caso em apreço não sucedeu.
1.2.6 Assente que está a primeira questão de especial importância, segue-se uma outra que pareceu suscitar resistência na abordagem geral deste processo – o consentimento, por parte do titular do direito à inviolabilidade das comunicações, no acesso, por parte do órgão de polícia criminal (OPC), ao conteúdo das mensagens.
1.2.7 Sucintamente, diga-se que, muito embora o artigo 126º/3 se refira às proibições relativas de prova e destaque, naqueles casos, o consentimento dado pelo detentor do suporte da informação a relevar, certo é que não poderá ser olvidada e posição do interlocutor activo – supostamente, o Arguido - na conversação (no caso, troca de mensagens), sendo que a tutela constitucional prevista no artigo 34º da CRP deverá naturalmente ser entendida não apenas na perspectiva de um dos intervenientes na conversação mas sim estendido a todos os respectivos interlocutores.
1.2.8 Atenta esta conjugação de factores, invariavelmente se retornará à necessidade de um Despacho judicial para o uso do conteúdo das SMS no processo, atento o disposto no artigo 269º/1 al. e), tendo em vista a tutela indispensável a dar aos preceitos constitucionalmente previstos, tutela essa entregue ao Juiz de Instrução Criminal (JIC). Assim se concluirá que, se a polícia apreender um telemóvel e abrir um SMS para conhecer o seu conteúdo, estará a ter um comportamento ilegal, pois necessitará de autorização de um Juiz.
1.2.9 Não obstante refute o entendimento de ser aplicável às SMS o regime previsto nos art.ºs 187º e 188º para a intercepção e gravação de escutas telefónicas, o Tribunal a quo não diz qual será, então, o regime aplicável. Tratar-se-á de prova documental? Que tipo de prova é? O Despacho a quo é omisso, indo ao ponto de refutar que a leitura das SMS violem a reserva da vida privada do arguido pelo facto de este peremptoriamente negar que as tenha enviado! Entenderá o Tribunal a quo que os arguidos perdem o direito de invocar nulidades dos meios de prova arrolados na Acusação pelo facto de negarem a autoria do crime?
1.2.10 Finalmente, veio o Tribunal recorrido prolatar que a invocação de nulidade do meio de prova sempre seria extemporânea. S.m.o., mais uma vez erra, destarte por três motivos.
1.2.11 Em primeiro lugar, porque o Tribunal a quo erradamente interpreta o Acórdão do STJ de 20-09-2006 que cita, pois se, na esteira desse aresto, o consentimento do titular afasta o regime da prova absolutamente nula, tornando a respectiva nulidade dependente de arguição, esse consentimento terá que ser dado pelo respectivo titular da comunicação, que, no caso de uma SMS, será tanto o receptor da mesma como o suposto emitente.
1.2.12 O engano do Tribunal a quo advém de considerar que o “titular”/“ofendido” seria o ofendido pelo teor da comunicação (o ofendido no processo penal), quando, na verdade, o Acórdão citado se refere ao ofendido pela intromissão na correspondência. In casu, são dois os ofendidos pela intromissão, enquanto titulares do direito à inviolabilidade da correspondência: a Assistente e o remetente (supostamente, o Arguido), sendo que apenas o receptor (a Assistente) consentiu (tacitamente) em tal intromissão na correspondência, ao passo que o suposto remetente (que os autos acusam ser o aqui Arguido) nunca consentiu nem sequer foi notificado para tal.
1.2.13 Assim, estamos em crer que o raciocínio do Tribunal a quo que levou a propugnar pela extemporaneidade da arguição da nulidade por proibição de prova, por aplicação do regime da prova relativamente nula (e não do regime da prova absolutamente proibida) está eivado de uma errada interpretação dos conceitos jurídicos utilizados pelo Acórdão do STJ onde se ancora.
1.2.14 Em segundo lugar, porque diz-nos o prof. Germano Marques da Silva [4] que, “Como ensina o Doutor Manuel da Costa Andrade há uma imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime das nulidades. Com efeito, é no título dedicado às nulidades que o CCP inscreve o preceito segundo o qual as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova (art. 118º, nº 3) e frequentemente a lei enuncia as proibições de prova, cominando com a sanção da nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais. São, porém, realidades distintas e autónomas, embora a utilização de uma prova proibida no processo tenha os efeitos da nulidade do acto.”. “Dispondo a lei que as condições de admissibilidade e os requisitos das escutas são estabelecidos sob pena de nulidade, deve entender-se que a sua inobservância acarreta a proibição de prova, imposta pelo art. 32º, nº 6, da CRP, e art. 126º.”. “Por isso, a nulidade resultante da produção proibida será de conhecimento oficioso até decisão final, mas diversamente da nulidade que fica sanada com a decisão final transitada em julgado, a utilização de provas proibidas para fundamentar a condenação é fundamento para o recurso extraordinário de revisão [art. 449º, nº 1, al. e)].”, nas palavras do mesmo autor, Pág. 145 (sublinhado nosso).
1.2.15 Em terceiro lugar, porque a arguição de nulidade foi feita logo que conhecido o vício, que ocorreu na sequência do meio de prova arrolado na Contestação de “2) Exame a Objectos”.
1.2.16 Aplicando-se às SMS o regime das escutas telefónicas, a partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar os suportes técnicos das conversações ou comunicações e obter, à sua custa, cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo, bem como dos relatórios elaborados pelo órgão de polícia criminal, até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura da instrução ou apresentar a contestação (art. 188º, nº 8) - pelo arguido, até ao termo do prazo para apresentar a contestação.( [5])
1.2.17 O meio de prova de “2) Exame a Objectos” foi arrolado na Contestação, e deferido pelo Tribunal, que ordenou à Ofendida/Assistente que viesse exibir o suporte original onde as SMS estariam depositadas, mas a Ofendida/Assistente veio recusar-se a exibir para Exame, alegando (sem o provar!) que já não dispõe do(s) aparelho(s) de telemóvel.
1.2.18 Foi tempestivamente que o Arguido solicitou o acesso ao suporte original onde as alegadas “conversações, comunicações e relatórios”, respeitantes aos SMS transcritos, estariam depositados, pois fê-lo na Contestação, tendo invocado, logo que tal acesso foi negado pela Assistente/Ofendida, a proibição de prova da transcrição, porquanto não confirmável através da prova por Exame requerida na Contestação.
1.2.19 Portanto, foi cometida a nulidade cominada no art.° 126.° n.° 3 do CPP, dado tratar-se de prova não autorizada pela totalidade dos intervenientes na conversação, pelo que foram ainda violados o princípio da reserva da vida privada previsto nos art.°s 26º n.º 1 e 34.° n.°4 da Lei Fundamental, bem como uma das mais basilares garantias do processo criminal, prevista no artigo 32º/8 da CRP, como é a nulidade das “provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada (…) ou nas telecomunicações.”
1.2.20 Termos em que, Vªs Exas. deverão declarar que as supostas SMS e respectivas transcrições não deverão ser valoradas ([6]) por configurarem método proibido de prova, o que foi devida e tempestivamente invocado junto do Tribunal a quo mas foi incorrectamente indeferido.
1.2.21 Caso assim não se entenda, deverá ser julgada inconstitucional a interpretação dada às sobreditas normais processuais penais, por violação dos arts 26º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 8 e 34.° n.° 4 da Lei Fundamental, a qual expressamente se arguiu em 1ª Instância e aqui novamente se argúi.
1.2.22 Ainda que assim não fosse, verifica-se a Nulidade pela falta presença (não dispensada) do Arguido e seu Defensor na realização da diligência – alínea c) do art. 119º do CPP.
1.2.23 Entende o Tribunal recorrido que inexistia necessidade de tal Despacho do JIC; tal entendimento encontra-se, s.m.o., errado, pelo ora exposto. Mas ainda que não fosse necessário Despacho do JIC, sempre a transcrição de SMS pelo OPC é um acto processual que diz directamente respeito ao Arguido e a alínea a) do n.º 1 do art. 61º do CPP estatui que o Arguido goza, em qualquer fase do processo, do direito de estar presente aos actos processuais que lhe digam directamente respeito.
1.2.24 Assim, o Arguido deveria ter sido convocado (ao abrigo do art. 112º CPP) para comparecer nas instalações do OPC que procedeu à transcrição das SMS, aquando da diligência de alegada transcrição das mesmas.
1.2.25 O direito do Arguido e do seu Defensor de estarem presentes nessa diligência de Inquérito impunha-se com vista à salvaguarda das suas garantias de defesa, do princípio do contraditório e do direito de acesso aos tribunais - artigo 32º n.ºs 1, 3, 5 e 8 e artigo 20º n.ºs 1 e 5, todos da Constituição da República, os quais foram, assim, violados, o que se arguiu em 1ª Instância e aqui se reitera junto de Vªs Exas
1.2.26 Para além de constituir violação dos trâmites legalmente exigíveis, tal prejudicou grave e irremediavelmente a defesa da posição do Arguido, pois o Arguido não pôde certificar-se que o aparelho sujeito à alegada transcrição de conteúdo efectivamente pertencia à Ofendida, que o emissor foi efectivamente algum número de telemóvel propriedade do Arguido, se tais alegados SMS efectivamente são reais ou tratavam-se de montagem criada no aparelho e que os parcos conhecimentos dos OPC acerca de telemóveis não lhes permitiram aperceber-se da falsificação, tudo isto porque no Inquérito e, agora, no Despacho recorrido, unanimemente se entende que o Arguido é obrigado a conformar-se com o princípio de que não tem direito sequer a assistir, e muito menos a formular quesitos, quanto a supostas diligências que motu proprium os OPCs entendem levar a cabo e que, na fase de julgamento, o Julgador aplaude, não obstante os conhecimentos técnicos especiais que tal transcrição requerer, de modo a triar situações de ludibriamento.
1.2.27 Cumpre não esquecer que os sujeitos processuais, mormente o Arguido, também podem requerer a formulação de quesitos nos termos gerais previstos no artigo 98º n.ºs 1 e 2 - assim GIL MOREIRA DOS SANTOS, 2003: 240. In casu não o pôde, e quando solicitou o acesso ao suporte original das supostas SMS, foi-lhe negado por causa imputável à Ofendida, justificação que, aliás, não convence, se efectivamente naquele aparelho estavam guardadas as provas do crime.
1.2.28 Summo rigor, tal diligência de transcrição de SMS, uma vez que requer conhecimentos específicos para triar situações de ludibriamento de quem a transcreve, deverá mesmo ser enquadrada como prova pericial - artigo 151.º do CPP.
1.2.29 Sucede que, do próprio Despacho recorrido resulta que inexistiu Despacho de autoridade judiciária que ordenasse a diligência de transcrição; sem prescindir, sempre ao Arguido não foi dada a possibilidade de assistir à realização dessa perícia já que não foi notificado de qualquer Despacho que a tenha ordenado, designadamente – conforme é de lei - contendo os elementos descritos no art. 154º n.º 1 do CPP.
1.2.30 Sem prescindir de não se verificarem os requisitos do regime de excepção previsto no n.º 4 do art. 154º do CPP, ainda que tal se verificasse, sempre o Arguido teria que ser notificado de que a sua presença na perícia não seria permitida, podendo reagir de tal Despacho, se dele tivesse sido notificado, sindicável, no caso de decisão tomada pelo Juiz, pelo tribunal de recurso e, no caso de decisão tomada pelo magistrado do Ministério Público, pelo respectivo superior hierárquico, por via de reclamação hierárquica. [7] A violação dos trâmites legalmente exigíveis, prejudicou grave e irremediavelmente a defesa da posição do Arguido nos mesmos termos ora alegados.
1.2.31 Não tendo o Arguido e seu Defensor Oficioso assistido e/ou tido a possibilidade de assistir à diligência de transcrição das supostas SMS, não lhe tendo sequer sido facultada a hipótese de formular quesitos e/ou esclarecimentos, para além de que os OPCs são incompetentes para ordenar a realização de tal prova, as SMS e respectivas transcrições são insanavelmente nulas por violação do art. 119º alínea c) do CPP e método proibido de prova (art. 126º do CPP).
1.2.32 Caso assim se não entenda, e considerando a transcrição das SMS como perícia, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das disposições legais do art. 151.º, dos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 154º, dos n.ºs 1 e 2 do art. 156.º, dos n.ºs 1 e 2 do art. 98º e da alínea c) do art. 119º, todos do CPP, quando interpretadas em sentido divergente daquele descrito supra, alegação para a qual se remete brevitatis causa, por violação do art. 32º n.ºs 1, 3, 6 e 8, e do art. 20º n.ºs 1 e 5, todos da CRP.
1.2.33 Centrando agora a análise na questão suscitada do confronto das transcrições das SMS por OPC com o suporte físico original, diz-nos o prof. Germano Marques da Silva [8] que “Também os elementos de prova podem ser inválidos, podem não ter qualquer valor no processo. A proibição de prova corresponde à sua inadmissibilidade no processo, isto é, não pode ser tida em conta para os fins do processo.”
1.2.34 É o próprio prof. Germano Marques da Silva [9] que, em matéria de prova, nos remete para a lei civil substantiva e concretamente para a definição do art. 341º do Código Civil.
1.2.35 Ainda que se enquadre a transcrição de SMS na mera reprodução mecânica – que o não é, já que depende das capacidades humanas de percepção, leitura e redacção, diversamente da mera reprodução mecânica, diz o artigo 167.º do CPP que “1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.” O n.º 2desse normativo estatui que “Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro.”, referindo-se aos exames, revistas e buscas, apreensões e escutas telefónicas.
1.2.36 O Prof. Pinto de Albuquerque ([10]) ensina que “Nos casos do artigo 167, há uma proibição de prova resultante da intromissão na vida privada. A violação desta proibição tem o efeito da nulidade das provas obtidas, salvo consentimento da pessoa alegadamente reconhecida (artigo 126, n.º 3, do CPP).”. Conforme acima se disse, o “reconhecido” seria o Arguido (supostamente) e este não consentiu na transcrição, sendo, também por este caminho, evidente, que a transcrição sem Despacho é prova proibida.
1.2.37 Veja-se ainda o regime civil substantivo, respeitante à Prova documental, do art. 368º do CC, para as “Reproduções mecânicas”, que prevê que “As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.”.
1.2.38 Na certeza, porém, que um SMS não vai assinado, não podendo por isso avaliar-se pericialmente a sua outorga aquando de impugnação de assinatura pela pessoa a quem é atribuída, o art. 379º do CC rege, quanto ao “Valor dos telegramas”, que “Os telegramas cujos originais tenham sido escritos e assinados ou somente assinados, pela pessoa em nome de quem são expedidos, ou por outrem a seu rogo, nos termos do nº 4 do artigo 373º, são considerados para todos os efeitos como documentos particulares e estão sujeitos, como tais, ao disposto nos artigos anteriores.”, ou seja, sujeitos a impugnação, não só da genuinidade do seu teor, mas também da sua autoria.
1.2.39 O art 544º do CódProcCivil prevê a impugnação da genuinidade de documentos particulares, permitindo o pedido de confronto da certidão ou da cópia com o original. Atento o preceituado no artigo 574º/1 do Código Civil, é licito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência, o que no caso parece assentar cabalmente. Note-se ainda que o artigo 1476º do Código de Processo Civil estatui que, “nos termos e para os efeitos dos artigos 574º e 575º do Código Civil o interessado poderá requerer a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar”.
1.2.40 Da Contestação é mais do que evidente que, para além de contestar a imputação da autoria das mesmas à sua pessoa, o Arguido impugnou as transcrições das SMS e as ilegíveis fotocópias que o OPC fez constar do inquérito, tanto mais que requereu como meio de prova o exame aos aparelhos de telemóvel de onde as supostas “sms” descritas na Acusação terão sido transcritas, devendo ser-lhe facultado o acesso aos ditos aparelhos móveis de telefone.”, o qual foi deferido pelo Tribunal, que ordenou à Ofendida/Assistente que viesse exibir o suporte original onde as SMS estariam depositadas, mas esta recusou-se a apresentá-lo para Exame.
1.2.41 Conclui-se assim, não só pelas normas do processo penal mas também pelas do processo civil (aplicável ex vi art. 4º CPP), pela necessidade da apresentação do aparelho telefónico de suporte de onde as mensagens foram supostamente transcritas a fim de o Arguido poder conferir a veracidade das respectivas transcrições, pois assim o requereu, na sequência de as ter impugnado.
1.2.42 Ao indeferir o requerido quanto à inadmissibilidade do ELEMENTO DE PROVA que constitui a transcrição das SMS, sujeitando-a ao princípio da livre apreciação da prova, o Despacho a quo parece querer fazer sanar por meios alheios o vício de que padece de proibição de prova, quando o prof. Germano Marques da Silva [11] é peremptório em ensinar que, “Finalmente, a nulidade da prova proibida não pode ser sanada por meios alheios, v.g., por declarações de um terceiro sobre os factos ou pela obtenção do documento por outras vias.”.
1.2.43 Assim, o Despacho a quo é nulo por não valorar devidamente o resultado da diligência probatória requerida pelo Arguido no ponto “2) Exame a Objectos” dos meios de prova arrolados na Contestação, resultado esse que consistiu na recusa pela Ofendida/Assistente da exibição do aparelho de telemóvel para que se procedesse a Exame, assim coarctando a possibilidade de o Arguido poder aceder ao suporte original das SMS e de o poder examinar, o que configura a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120º do CPP por “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”,
1.2.44 mais acrescendo que deverão ser declaradas inválidas e de nenhum valor probatório as alegadas transcrições das SMS, porquanto não ordenadas por um JIC, não validadas nem pelo MP nem pelo JIC, não transcritas na presença do Arguido de modo a poderem então ter sido e/ou agora ser conferidas, e nem sequer transcritas na presença de Juiz ou Magistrado, o que veniamente requer a Vªs Exas. seja declarado, com a consequente revogação do Despacho em crise, o qual deverá ser substituído por outra decisão que declare serem nulas e de nenhum valor probatório as alegadas transcrições das SMS.
1.2.45 Caso o Tribunal assim não entenda, deverá ser julgada inconstitucional a interpretação dada por Vª Exa. às normas processuais penais em apreço, designadamente dos art. 167º, art. 126º n.º 3 e do art. 120º n.º 2 alínea d), por violação dos arts 26º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 8 e 34.° n.° 4 da Lei Fundamental, a qual expressamente se argúi.

1.3 Reponderam, no Tribunal Recorrido,
1.3.1 O MºPº que, na subscrição in integrum da argumentação constante da decisão recorrida, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
1.3.2 A Assistente C....., concluindo:
1.3.2.1 Na verdade, em 11 de Janeiro de 2008, a Assistente compareceu nas instalações da PSP e ali exibiu a um agente daquela Polícia seu telemóvel mostrando-lhe mensagens escritas ali arquivadas.
1.3.2.2 Na presença do mesmo, o órgão de polícia criminal limitou-se a tirar fotocópias ao citado telefone, donde se retirava as mensagens escritas, o que fez em aditamento à denúncia que dera origem aos presentes autos.
1.3.2.3 Note-se, porém, que no caso em apreço não houve qualquer intercepção, porquanto não houve qualquer interferência ou intromissão, em tempo real, por parte do órgão de polícia criminal numa comunicação electrónica em curso.
1.3.2.4 Não tem, por isso, qualquer aplicação ao caso dos autos o Artigo 187.º, 188.º e 189.º .
1.3.2.5 Do Artigo 187.º do CPP retira-se que “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante inquérito…”.
1.3.2.6 De modo que, não teriam as “mensagens” que serem validadas pelo MP nem pelo JIC ou sequer autorizadas.
1.3.2.7 Até porque, no caso dos autos, o telefone fotocopiado era da propriedade da Assistente, que o disponibilizou para o efeito, não havendo, por isso, qualquer violação da vida privada do Arguido.
1.3.2.8 Note-se, porém, que no caso em preço as “mensagens” (fotocopias do telefone donde se retira as mensagens) funcionarão como meros documentos, não estando, por isso adstrito ao regime dos Artigos 187.º e ss, com a cominação do Artigo 190.º do CPP.
1.3.2.9 Nesta esteira rege Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual prescreve que: “I. A mensagem mantida em suporte digital, depois de recebida e lida, terá a mesma protecção da carta em papel que, tendo sido recebida pelo correio e aberta, foi guardada em arquivo pessoal. II. Sendo meros documentos escritos, aquelas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção específico da reserva da correspondência e das comunicações, implicada no artº 190º, do CPP.”
1.3.2.10 Em suma, não existe qualquer intromissão na vida privada, porquanto o telefone foi fotocopiado e o seu acesso foi facultado pela respectiva titular.
1.3.2.11 Inexistindo, por isso qualquer inconstitucionalidade nos termos do Artigo 126.º n.º 3, e Artigos 26.º, 32.º e 34.º da CRP.
1.3.2.12 É, até incongruente o conteúdo das Motivações do Arguido com a Defesa apresentada, na medida em que não se percebe como pode a leitura das aludidas mensagens violar a reserva da vida privada do Arguido, quando, na verdade, é o próprio que nega, peremptoriamente, que as tenha enviado.
1.3.2.13 Contudo, mesmo que subsistisse alguma nulidade, o que por mero exercício de raciocínio se concebe, sempre o prazo para a arguição da mesma se encontra deveras ultrapassado, em conformidade com o Artigo 120.º n.º 3 alínea c) do CPP.
1.3.2.14 Na verdade, a existir alguma nulidade, a mesma consubstanciaria uma nulidade sanável, por não se compreender dentro das nulidades insanáveis do Artigo 119.º do CPP.
1.3.2.15 O órgão de polícia criminal procedeu à fotocópia do telemóvel, no qual se retira as mensagens enviadas pelo Arguido à Assistente em 11-01-2008.
1.3.2.16 Pelo que a nulidade de tal meio de prova, derivada daquela diligência deveria ser arguida sobre o encerramento do inquérito, nos termos do n.º 3 do Artigo 120.º n.º 3 alinea a) e c) do CPP.
1.3.2.17 O Arguido interveio no processo logo em 21-04-2009.
1.3.2.18 A constituição de Advogado ocorreu a, pelo menos, 20-01-2010.
1.3.2.19 O Arguido foi notificado da acusação em 13-04-2010.
1.3.2.20 O seu advogado pediu a confiança do Processo a 08-07-2010, a qual lhe foi deferida a 09-07-2010.
1.3.2.21 Apresentou Contestação a 16 de Setembro de 2010.
1.3.2.22 E só em 03-11-2010 invocou a nulidade da reprodução das mensagens através de fotocópia do telemóvel.
1.3.2.23 Pelo que, a existir alguma nulidade, sempre mesma deveria mostrar-se sanada.
1.3.2.24 Deste entendimento perfilha o Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 20-09-2006 e o Acórdão da Relação do Porto de 27-01-2010, entre outros, dispniveis no site www.dgsi.pt
1.3.2.25 Entende o Recorrente/Arguido que a presença do mesmo na diligência de transcrição das SMS e que “… tal diligência de transcrição de SMS, uma vez que requer conhecimentos específicos ara tirar situações de ludribiamento de quem a transcreve, deverá mesmo ser enquadrada como prova pericial – artigo 151.º do CPP”.
1.3.2.26 Não houve qualquer diligência, onde fosse obrigatória a presença do Arguido.
1.3.2.27 Houve apenas o fotocopiar de um telemóvel, donde no visor do mesmo tinha aposto uns dizeres, às quais denominamos de mensagens, o que foi feito pelos órgãos de polícia criminal, em aditamento à queixa, e disponibilizado pela Assistente, a fim de em relação às citadas mensagens, exercer, legitimamente, o seu direito de denúncia.
1.3.2.28 De modo que, no caso dos autos as fotocópias de fls… consubstanciarão meros documentos.
1.3.2.29 De modo que, o único conhecimento técnico exigido ao órgão de polícia criminal era saber tirar uma fotocópia.
1.3.2.30 Até porque, duvidando o Arguido da genuidade das mensagens ou da sua reprodução, não se encontram vedados os seus direitos de defesa, na medida em que sempre poderia apresentar a sua Defesa, quer seja através da Abertura de Instrução, quer seja da Contestação, após a notificação da Acusação, e, poderia até requerer uma Perícia ao telemóvel, o que poderia fazer logo na fase de Inquérito.
1.3.2.31 Nunca o Arguido requereu uma Perícia ao Telemóvel da Assistente.
1.3.2.32 E na verdade também nunca o Arguido pôs em causa a existência das mensagens no telemóvel da Assistente, apenas, negou o seu envio.
1.3.2.33 As únicas disposições a observar são unicamente as relativas à Prova Documental, a qual poderia sempre ser atacada pelo Arguido nos termos legais.
1.3.2.34 Conclui-se, assim, pela inexistência de inconstitucionalidade das disposições legais d artigo 151.º, dos n.º 1 , 3 e 4 do artigo 154.º dos n.ºs 1 e 2 do artigo 156.º, dos n.º 1 e 2 do art. 98.º e da alínea c) do art 119, todos do CPP, por violação do artigo 32.º n.º 1, 3, 4, 6 e 8, e d art. 20.º n.ºs 1 e 5 todos da CRP
1.4 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Sr. Procurador da República, no Parecer emitido, pronunciando-se sobre esta questão, disse:
«O arguido não tem qualquer razão.
Nos termos do disposto no artigo 2°, alínea a), da Lei do Cibercrime, os factos agora em causa -15. e 16.- hão-de considerar-se praticados através de um sistema informático, razão pela qual lhe são aplicáveis as disposições processuais de tal lei —cfr. catálogo previsto no artigo 11° n°1 da mesma.
Estando os dados em que assentou a convicção —SMS’s-, referentes às comunicações, guardados no telemóvel, poderia dar-se o caso de ser necessário efectuar a pesquisa prevista no artigo 15° n°1 da Lei do Cibercrime, e a apreensão daqueles, mediante a realização de cópia deles em suporte autónomo, que seria junto ao processo —artigo 16° nos i, 2 e 7, alínea b), da Lei do Cibercrime.
A pesquisa de dados informáticos, prevista no artigo 15°, da Lei do Cibercrime, mais não é do que uma busca realizada em ambiente digital, aliás como se retira claramente do previsto no no 6 de tal preceito; assim, terá cabimento quando há indícios da existência de dados relevantes num suporte e que seja necessário procurar.
A apreensão de dados informáticos é a colocação coerciva de tais dados à ordem do processo que sustenta a investigação criminal —o artigo 16° da Lei do Cibercrime constitui, também ele, uma adaptação para o ambiente digital do regime previsto no artigo 178° do CPP. Se o suporte for apresentado voluntariamente por quem dele dispuser, dispensa-se despacho da autoridade judiciária e seguem-se os termos previstos nos artigos 150 n°3, alínea a), 16° n°s 2, 3 e 4, fazendo-se a pesquisa de dados informáticos e procurando o que for necessário —no fundo procede-se a uma busca autorizada, e daí a necessidade imposta de documentar o consentimento —artigo 15° n°3, alinea a), da Lei do Cibercrinie-, à semelhança do que sucede com as buscas fisicas —artigo 174° n°5, alínea b). Mas se os dados são apresentados por quem os detém ao órgão de polícia criminal, e entregues voluntariamente para junção aos autos, então não há qualquer pesquisa informática, nem apreensão de dados informáticos; à semelhança do que sucederia com qualquer objecto físico entregue para junção a inquérito, os dados são neste caso adquiridos processualmente mas não através de pesquisa informática (busca), nem através de apreensão. E como tal, não faz sentido convocar para tais casos o regime da pesquisa informática, nem da apreensão de dados informáticos. Ora, foi precisamente através de uma entrega voluntária que as SMS’s agora em causa foram adquiridas processualmente, aquisição que dispensava qualquer intervenção de qualquer autoridade judiciária —cfr. fis. 61 e 99. O raciocínio a fazer é exactamente igual ao que se faria com um objecto fisico —só a apreensão, ou seja a intervenção coerciva, justifica a validação a que alude o artigo 178° n°5 do CPP; nunca a entrega voluntária de um objecto probatonamente relevante na investigação. Resumindo dir-se-á que a aquisição processual das SMS’s em causa foi efectuada por entrega voluntária e e sem pesquisa informática, não supondo, por conseguinte, qualquer intervenção de autoridade judiciária.»
1.5 Respondeu o recorrente, dizendo em síntese, que o Parecer “passa ao lado da questão do direito do arguido ao exame ao aparelho de telemóvel”, olvidando a necessidade da apresentação deste a fim de o arguido poder conferir a veracidade das transcrições das (supostas) mensagens, (supostamente) recebidas.

2. RECURSO PRINCIPAL
2.1 Acusado em Processo Comum, perante tribunal singular, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º nº1 al. b) e nº2 do Código Penal, o arguido B….. viu, a final, ser proferida a seguinte deliberação:
2.1.1 Condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152º, nº1, al. B) e nº2 do C. Penal na pena de dois anos e oito meses de prisão; Pena esta
2.1.2 Suspensa na sua execução pelo período de dois anos e oito meses, sob a condição de o arguido proceder ao pagamento à lesada, no prazo de um ano, da indemnização civil em que vai condenado;
2.1.3 Na parcial procedência do pedido de indemnização civil, (i) condenado a pagar à demandante civil C….. a quantia de 7.500,00 €, acrescida de juros desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, (ii) sendo, no mais, absolvido do peticionado.
2.2 Inconformado com esta decisão dela recorre o arguido B….., rematando a respetiva Motivação com as seguintes Conclusões:
2.2.1 O Recorrente expressamente impugna os Factos Provados n.ºs 15 e 16 da Sentença, respeitantes a supostas ameaças e injúrias alegadamente perpetradas pelo Arguido através de SMS porquanto existe completa ausência de prova que possa corroborar tal matéria fáctica dada como provada, sendo que o fundamentos impugnatórios são os mesmos que se alegaram no Recurso interlocutório para o Venerando Tribunal da Relação do Porto do Despacho com conclusão de 29-11-2010, que aqui se dão por reproduzidos brevitatis causa mas a que ora sucintamente nos referiremos.
2.2.2 Vªs Exas. deverão declarar que as supostas SMS e respectivas transcrições não deverão ser valoradas por configurarem método proibido de prova, o que foi devida e tempestivamente invocado junto do Tribunal a quo mas foi incorrectamente indeferido. Caso assim não se entenda, deverá ser julgada inconstitucional a interpretação dada às sobreditas normais processuais penais, por violação dos arts 26º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 8 e 34.° n.° 4 da Lei Fundamental, a qual expressamente se arguiu em 1ª Instância e no recurso interlocutório, e aqui novamente se argúi.
2.2.3 Ainda que assim não fosse, verifica-se a Nulidade pela falta presença (não dispensada) do Arguido e seu Defensor na realização da diligência – alínea c) do art. 119º do CPP, pois sucede que, do próprio Despacho recorrido de 29-11-2010 resulta que inexistiu Despacho de autoridade judiciária que ordenasse a diligência de transcrição; sem prescindir, sempre ao Arguido não foi dada a possibilidade de assistir à realização dessa perícia já que não foi notificado de qualquer Despacho que a tenha ordenado, designadamente – conforme é de lei – contendo os elementos descritos no art. 154º n.º 1 do CPP.
2.2.4 Não tendo o Arguido e seu Defensor Oficioso assistido e/ou tido a possibilidade de assistir à diligência de transcrição das supostas SMS, não lhe tendo sequer sido facultada a hipótese de formular quesitos e/ou esclarecimentos, para além de que os OPCs são incompetentes para ordenar a realização de tal prova, as SMS e respectivas transcrições são insanavelmente nulas por violação do art. 119º alínea c) do CPP e método proibido de prova (art. 126º do CPP).
2.2.5 Caso assim se não entenda, e considerando a transcrição das SMS como perícia, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das disposições legais do art. 151.º, dos n.ºs 1, 3 e 4 do art. 154º, dos n.ºs 1 e 2 do art. 156.º, dos n.ºs 1 e 2 do art. 98º e da alínea c) do art. 119º, todos do CPP, quando interpretadas em sentido divergente daquele descrito supra, alegação para a qual se remete brevitatis causa, por violação do art. 32º n.ºs 1, 3, 6 e 8, e do art. 20º n.ºs 1 e 5, todos da CRP.
2.2.6 Ao indeferir o requerido quanto à inadmissibilidade do ELEMENTO DE PROVA que constitui a transcrição das SMS, sujeitando-a ao princípio da livre apreciação da prova, o Despacho de 29-11-2010 e consequentemente a Sentença Final a quo parecem querer fazer sanar por meios alheios o vício de que padece de proibição de prova, quando o prof. Germano Marques da Silva [13] é peremptório em ensinar que, “Finalmente, a nulidade da prova proibida não pode ser sanada por meios alheios, v.g., por declarações de um terceiro sobre os factos ou pela obtenção do documento por outras vias.”.
2.2.7 Assim, o Despacho de 29-11-2010 e consequentemente a Sentença Final a quo são nulos por não valorarem devidamente o resultado da diligência probatória requerida pelo Arguido no ponto “2) Exame a Objectos” dos meios de prova arrolados na Contestação, resultado esse que consistiu na recusa pela Ofendida/Assistente da exibição do aparelho de telemóvel para que se procedesse a Exame, assim coarctando a possibilidade de o Arguido poder aceder ao suporte original das SMS e de o poder examinar, o que configura a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120º do CPP por “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”, mais acrescendo que deverão ser declaradas inválidas e de nenhum valor probatório as alegadas transcrições das SMS, porquanto não ordenadas por um JIC, não validadas nem pelo MP nem pelo JIC, não transcritas na presença do Arguido de modo a poderem então ter sido e/ou agora ser conferidas, e nem sequer transcritas na presença de Juiz ou Magistrado, o que veniamente requer a Vªs Exas. Seja declarado, com a consequente revogação do Despacho interlocutório e Sentença Final em crise, os quais deverão ser substituídos por outra decisão que declare serem nulas e de nenhum valor probatório as alegadas transcrições das SMS.
2.2.8 Caso o Tribunal assim não entenda, deverá ser julgada inconstitucional a interpretação dada pelo tribunal às normas processuais penais em apreço, designadamente dos art. 167º, art. 126º n.º 3 e do art. 120º n.º 2 alínea d), por violação dos arts 26º n.º 1, 32º n.ºs 1 e 8 e 34.° n.° 4 da Lei Fundamental, a qual expressamente se arguiu e aqui novamente se argúi.
2.2.9 Mais: a Sentença padece mesmo do vício previsto no artigo 374º, nº. 2, do Código de Processo Penal, o que acarreta a nulidade da decisão por força do artigo 379º do mesmo Código [14], porquanto a Sentença, não procedeu sequer a uma perceptível indicação das provas ou meios de prova que permitiram dar resposta positiva aos factos provados aqui impugnados, e muito menos procedeu à caracterização do meio probatório gerador da convicção do julgador acerca de cada facto provado e à indicação das razões de credibilidade e da força decisiva reconhecidas aos meios de prova.
2.2.10 Note-se que as fotocópias constantes de fls. 65 a 99 dos autos são completamente imperceptíveis e insusceptíveis sequer (tratando se de reprodução mecânica do suposto visor do aparelho de telemóvel da Ofendida); desafia-se Vªs Exas. A consultá-las para seguramente ficarem com a mesma perplexidade que nós quanto ao valor probatório que lhes foi atribuído!
2.2.11 Mais se aduz que propugna a Sentença a quo que – para além da existência per se, que o Arguido sempre contestou - , as SMS teriam sido enviadas pelo Arguido, pois pese embora “O autor não se identifica pelo nome”, supostamente são “expressões que não precisam de assinatura para se saber que provêm da única pessoa que as podia ter escrito e enviado à ofendida – o aqui arguido.” – cfr. Pág. 10 da Sentença. É caso para perguntar: estará o Tribunal a quo convicto do que deu como provado com base em quê? Na simpatia pela posição da Ofendida e repúdio pela posição do Arguido (pessoa que nem conheceu!)? Quais as provas?
2.2.12 Perguntamos: então uma comunicação não necessita de autor firmado ou reconhecido? É evidente que sim! A autoria de uma declaração escrita extrai-se por ilacção, sem prova, qual culpa objectiva? Não, nunca! Então conclui-se que provêm da única pessoa que as podia ter escrito e enviado à ofendida – o aqui arguido, quando a própria Ofendida poderia ter querido capitalizar um meio de prova contra o Arguido, enviando, ela mesma, essas SMS, a partir de um qualquer número telefónico?
2.2.13 As declarações da Ofendida deveriam ter sido apreciadas muito criticamente pela Meritíssima Juiz a quo na medida em que a Ofendida é Assistente nos autos, tem neles um interesse pecuniário vertido no PIC que deduziu e, quando esteve no Instituto Nacional de Medicina Legal para ser avaliada por lesões que o médico-legista não encontrou, descaiu-se a reconheceu o verdadeiro móbil de todo este processo e das queixas que apresentou: confessou aí que apresentou a queixa de 19/10/2007 (a qual deu o primordial respaldo à Acusação Pública) para justificar administrativamente uma situação para ficar na Casa-Abrigo, onde tinha cama, mesa, roupa lavada e evitar que o Arguido, no âmbito do processo de regulação do poder paternal, pudesse reivindicar a guarda sobre o filho menor de ambos, o E..... – cfr. Relatório do INML constante dos autos (Apenso C). Note-se que, nessa deslocação ao INML, ficou a constar do Relatório que a Ofendida declarou que “não aconteceu agressão violência física” (cfr. Relatório do INML constante dos autos – Apenso C), mas radicalmente diferente foi já a versão relatada em Tribunal, onde a Ofendida/Assistente bem sabia das vantagens processuais e económicas que tinha em pugnar pela tese da violência doméstica física, tendo prevalecido tal intento.
2.2.14 Neste quid da “autoria presumida do arguido” quanto às supostas SMS (as quais não puderam ser constatadas em Juízo pelo expendido supra), nem mesmo a Ofendida estava segura de ter sido o Arguido a escrevê-las, pois, a fls. 251 dos autos, a Ofendida disse que ou era ele ou então ele a ditar as sms – cfr. Fls. 251 dos autos.
2.2.15 Assim o Tribunal a quo deveria ter ficado com dúvidas suficientes para não ter efectuado tal presunção não só, mas também, por poderia perfeitamente ter sido a actual namorada do Arguido, de seu nome D..... e cuja identidade foi relatada pelas testemunhas arroladas pela Acusação Pública e pela própria Ofendida/Assistente, uma vez que tal pessoa diligenciou por afastar sentimentalmente o Arguido da Ofendida e do filho E......
2.2.16 Note-se que a Sentença a quo nem sequer dá como provado nem curou de saber qual o número de telefone a partir do qual foram supostamente enviadas as SMS à Ofendida! Igualmente a Sentença em crise não dá como provado nem curou de saber quem é o dono do(s) número(s) do(s) qual (ais) foi(ram) enviada(s) as SMS. Aliás, de acordo com os autos, a propriedade do número de telemóvel ser atribuída ao Arguido não foi atestado pela operadora móvel OPTIMUS – cfr. Fls. 113 dos autos, não obstante inquirida para tal em sede de Inquérito – cfr. Fls. 103 dos autos.
2.2.17 Face ao expendido no recurso interlocutório e no presente recurso, deverão Vªs Exas. revogar a Sentença a quo, substituindo-a por outra que considere como NÃO PROVADOS os Factos Provados n.ºs 15 e 16 da Sentença.
A redacção do Facto Provado n.º 9 resultou de alteração não substancial dos factos prolatada pelo Tribunal a quo. Conforme em devido tempo nos pronunciámos, quanto à afirmação que “Noutra ocasião, ainda quando estavam a viver em S. …. e estando a ofendida grávida do filho E…., com cerca de 4 meses de gestação, o arguido abandonou-a num lugar ermo de madrugada”, o Arguido opôs-se, e agora impugna ter sido dada como provada, pois da prova produzida (gravada) se constata que a expressão “lugar ermo” nunca foi utilizada pela Ofendida nas suas declarações, sendo uma reminiscência do texto inicial da Acusação que não foi corroborada por qualquer prova testemunhal, designadamente pela Ofendida.
2.2.19 Mais acresce que, descrevendo essa situação, a instâncias do MP a Ofendida respondeu que SAIU LIVREMENTE do automóvel onde circulava então com o Arguido, e que os dois haviam discutido. Não referiu a Ofendida que tenha pedido ao Arguido para a ir buscar ou para a levar a destino algum; simplesmente, que saiu livremente do automóvel onde circulavam. Mais referiu a Ofendida que, depois de sair do automóvel, esteve pouco tempo parada e que então começou a caminhar, distanciando-se do local de onde tinha saído do automóvel.
2.2.20 Pelo que, não se vislumbra relevância urídico-criminal para tais factos, desde que integrados com a totalidade das declarações da própria Ofendida.
2.2.21 A Ofendida nunca referiu que caminhou em busca de “ajuda” e que encontrou “ajuda perto de Vila do Conde”. Aliás, o que é “ajuda”? É boleia? É alguém com quem conversar? É o empréstimo de um telemóvel para fazer uma chamada (quando a Ofendida sempre referiu ter telemóvel e não referiu a falta dele nesse episódio)? E que relevância criminal tem a expressão “o arguido empurrou a ofendida”? Foi com violência? Com intenção de a magoar ou de a proteger contra um mal maior (objecto pontiagudo, ficar trilhada, etc)?
2.2.22 Termos em que, deverá ser dada como não provada, por falta de prova e por irrelevante, a matéria do Facto Provado n.º 9 da Sentença.
2.2.23 A redacção do Facto Provado n.º 10 resultou igualmente de alteração não substancial dos factos prolatada pelo Tribunal a quo. Conforme em devido tempo nos pronunciámos, quanto à expressão “Quando o E..... tinha cerca de um ano de idade, na residência do casal, na altura sita em Vila Nova de Gaia, o arguido desferiu na ofendida C….. socos na cabeça, bofetadas na face, empurrões e dirigiu-lhe vários impropérios, nomeadamente dizendo que ela era uma puta.”, o Arguido opôs-se a tal alteração não substancial e que aqui reitera, uma vez que tal alteração visava (segundo nos pareceu) substituir a parte da Acusação que referia que “Na residência do casal, em Vila Nova de Gaia, o arguido desferiu na ofendida C..... muitos socos na cabeça, bofetadas na face, empurrões e dirigiu-lhe vários impropérios, causando-lhe vários hematomas e escoriações pelo corpo, mas nunca foi submetida a tratamento medico-hospitalar.” mas, nessa parte, o Arguido contestou a Acusação e igualmente impugna que seja provada a matéria da alteração, já que nenhuma testemunha corroborou as declarações da Ofendida nesse quid. Termos em que, por manifesta falta de prova, deverá ser dada como não provada, a matéria do Facto Provado n.º 10 da Sentença.
2.2.24 É notória a insuficiência da matéria de facto provada de que comungam os Factos Provados n.ºs 8 a 26. Pergunta-se como pode um arguido defender-se de uma Acusação que não concretiza em que momento temporal terão ocorrido os factos? É que, se tivessem sido concretizados os dias e horas em que os supostos factos teria sido perpetrados, o Arguido poder-se-ia defender, por exemplo, alegando e provando que seria impossível que os tivesse praticado porque, nesse dia e hora, estava no estrangeiro, estava internado no hospital, estava a trabalhar, etc, ou, por outro lado, demonstrando que a Queixosa estaria no estrangeiro, internada no hospital, a trabalhar, etc, ao ponto de tornar inverosímil ou mesmo impossível que os factos tivessem sucedido nos termos por ela relatados.
2.2.25 Mas como sanciona o Tribunal a falta de concretização de elementos que era imprescindível resultarem da matéria de facto provada para ser justa e verosímil a condenação? Não sancionado, ou seja, não fazendo constar da Acusação (através de alteração não substancial de factos) nem da Sentença qualquer referência à hora, dia, mês ou mesmo, em alguns deles, ao ano, em que os factos ilícitos supostamente teriam ocorrido, permitindo assim à Queixosa levar avante uma sua versão dos factos, muito pouco corroborada até pelos seus familiares, sua irmã F...., que apenas referiu ter presenciado uma situação de agressão, e filho G... (enteado do Arguido, mas para quem este foi mais do que um pai).
2.2.26 Assim, não se mostra suficientemente fundamentado na matéria de facto considerada provada, as condições de tempo, modo e lugar em que tais factos terão ocorrido, verificando-se assim o vício de insuficiência da matéria de facto provada, previsto na al. A) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
2.2.27 Termos em que, a Acusação é nula porquanto dela não brotam factos susceptíveis de se provar a prática dos factos exigíveis pela fattispecie do crime pelo aqui Arguido – art. 283º n.º 3 alínea b) do CPP e, consequentemente, por insuficiência da matéria de facto provada, deverá ser dada como não provada a matéria dos Factos Provados n.ºs 8 a 26 da Sentença.
2.2.28 Da Falta de Prova comungam os Factos Provados n.ºs 8 a 26. Da Sentença decorre que o Tribunal a quo baseou a sua motivação no depoimento da queixosa, de quem “viveu na pele” as agressões, acrescentando que os factos foram descritos e situados no espaço. O Tribunal atribuiu coerência e credibilidade ao depoimento da queixosa pelo facto de a mesma se recordar de moradas, datas (como a da gravidez) e idade do filho, o que não deixa de entrar em contradição com alguns dos factos concretamente apurados e baseados no seu depoimento: 9. “em data não concretamente apurada “ e “noutra ocasião”.
2.2.29 O Tribunal recorrido baseou a sua convicção no envio de mensagens telefónicas alegadamente enviadas à queixosa, fotocopiadas por agente de autoridade, e, ainda que não constasse assinatura nas mesmas (e note-se que qualquer pessoa o poderia ter escrito, até mesmo a queixosa), deduziu sem mais que as mesmas “provêm da única pessoa que as podia ter escrito e enviado à ofendida – o aqui arguido”.
2.2.30 Ora, com o devido respeito, tal suposição claramente ultrapassa os limites do princípio da livre apreciação da prova, tendo esta de ser reduzida a critérios objectivos e, deste modo, não se fez prova que o condenado tenha efectivamente enviado as ditas mensagens e ameaçado a queixosa.
2.2.31 O facto de a queixosa ter mostrado as mensagens telefónicas aos agentes da autoridade e à testemunha e psicóloga da I…., H…… , também não é urídico-probatoriamente relevante para formar convicção do Tribunal, uma vez que o visionamento das supostas SMS em sede de audiência de discussão e julgamento, nos moldes em que foi requerido na Contestação, seria o único que permitira aquilatar da sua genuinidade, mas a Queixosa inviabilizou tal meio.
2.2.32 O Tribunal a quo, sem existência de relatório médico-legal, deu como provadas agressões em S. Roque, Porto, Vila Nova de Gaia e Águas Santas, baseando-se, para tal, nos depoimentos da própria queixosa e no da sua irmã, F….., sendo que esta relatou apenas uma única situação, sem qualquer concretização quanto ao tempo e modo.
2.2.33 Ora, o Tribunal a quo deveria ter valorado a favor do in róo ró reo (que está fora de moda, aparentemente, quando de uma moda não se deveria tratar porquanto constitucionalmente consagrado), dado a alegada violência física das agressões, a queixosa não se ter dirigido, por nenhuma dessas vezes, ao Hospital, facto que deveria ter sido, portanto, criticamente analisado pelo Tribunal a quo como gerador de dúvida razoável, mas, quando se quer condenar, nada do que é dúbio é efectivamente valorado ró reo. Consequentemente, por falta de prova, deverá ser dada como não provada a matéria dos Factos Provados n.ºs 8 a 26 da Sentença.
2.2.34 No que concerne ao Facto Provado n.º 26 e Indemnização Civil, com o devido respeito, o Tribunal a quo julgou mal ao considerar aqui a impotência, uma vez que a assistente/queixosa deixou a casa de morada de família por duas vezes e sem qualquer entrave por parte do arguido, ora Recorrente, factos esses dados como provados pelo próprio Tribunal recorrido nos pontos 3 e 6 da Sentença. Logo, a queixosa não se encontrava numa situação de impotência, uma vez que não estava impedida de procurar auxílio junto de autoridades, o que até se chegou a verificar aquando da sua saída da casa da Trofa, até porque note-se que, mesmo depois de ter dado entrada na I… da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, em 10 de Outubro de 2006, voltou a sair de lá para voltar a coabitar com o condenado, de livre vontade e ciente do suposto comportamento violento deste. Pelo que, o Facto Provado n.º 26 da Sentença não o deveria ter sido, por falta de prova.
2.2.35 Quanto à indemnização cível, para que se verifique conculpabilidade do lesado [15], justificativa de eventual redução ou exclusão de indemnização nos termos do 570º CC, é necessário que a conduta daquele possa considerar-se uma concausa do dano em concorrência com o facto do responsável (sumário da anotação 29. I do Código civil anotado de Abílio Neto, 16ª edição revista e actualizada, Janeiro de 2009, Ediforum, edições jurídicas, Lda.
2.2.36 A Jurisprudência moderna é unânime que, nos crimes de injúria e difamação – raciocínio que se aplica à violência doméstica psicológica - , uma das características é a sua relatividade, o que quer dizer que em cada caso concreto haverá que ter em conta as condições ambientais, a classe social do ofendido e do seu agressor, o seu relacionamento, os laços de parentesco e confiança entre ambos, os hábitos de linguagem, a formação moral, etc.
2.2.37 Conforme se acabou de dizer, a queixosa não se encontrava numa situação de impotência, uma vez que não estava impedida de procurar auxílio junto de autoridades, o que até se chegou a verificar aquando da sua saída da casa da Trofa, e mesmo depois de ter dado entrada na I… da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, em 10 de Outubro de 2006, voltou a sair de lá para voltar a coabitar com o condenado, de livre vontade e ciente do suposto comportamento violento deste. Mais acresce que o Facto Provado n.º 13 da Sentença atesta que a Queixosa devolveu o insulto de que (supostamente) foi alvo por parte do Arguido.
2.2.38 O Tribunal a quo cumpriu apenas parte do disposto na alínea f), do número 2 do artigo 368º CPP, na medida em que teve em consideração os pressupostos mas ignorou o artigo 570º C.C., o qual não aplicou e que seria causa de redução ou perda do direito a indemnização civil [16], na medida em que, dando como provado que a queixosa por algumas das vezes devolveu os insultos e, por outro lado, voltou a coabitar, de forma livre e consciente, com o recorrente, muito embora soubesse que o seu alegado comportamento violento poderia voltar a ressurgir, auto-colocou-se numa situação em que, pelo menos, foi causadora do agravamento dos danos, dos quais veio, depois, deduzir o pedido civil, que o Tribunal recorrido condenou em 7.500€ e que se afigura manifestamente exagerado. Termos em que, a indemnização civil não será devida ou, pelo menos, deverá ser francamente reduzida por Vªs Exas., para valor nunca superior a €1.000 (mil euros).
2.2.39 Finalmente, quanto à Suspensão da Pena de Prisão, o Tribunal a quo não preconizou o desiderato que a função repressiva é própria da responsabilidade criminal enquanto a função reparadora è própria da responsabilidade civil conexa com a criminal (Dr. Pessoa Jorge em Lições de direito das obrigações, ed. Ass. Acad. Fac. Dto. Lisboa, 1966-67, p.509).
2.2.40 O artigo 40º CP estabelece que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. As penas e as medidas de segurança só têm natureza preventiva, de prevenção geral (enquanto meios de “protecção de bens jurídicos”) e de prevenção especial (como meio de reintegração do agente em sociedade).
2.2.41 “A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência, acrescendo que o Ac. Do TC nº 305/2001 configura a indemnização como um verdadeira tertitum genus, cumprindo uma função adjuvante das finalidades de punição.
2.2.42 Dispõe o número 2 do artigo51º do Código Penal “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, o que se verifica no caso em apreço. Os deveres não podem violar os direitos fundamentais do condenado, o que acontece no caso de dever cujo cumprimento pusesse em causa o mínimo necessário para a subsistência do condenado (Acórdão do TRE, de 1.04.2008, in CJ, XXXIII, 2, 270). Este mínimo necessário para a subsistência inclui, não apenas o direito à alimentação, vestuário e calçado, mas também o próprio direito à habitação e à saúde (sumário da anotação 5 do artigo 51º do Comentário do Código Penal do prof. Paulo Pinto de Albuquerque).[17]
2.2.43 Nos autos consta que ao Arguido foi concedido benefício de Protecção Jurídica - Apoio Judiciário nas modalidades de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo, pela sua manifesta situação de carência económica.
2.2.44 Termos em que, fazer depender a suspensão da pena de prisão aplicada, do pagamento de uma quantia pecuniária, por parte de um Arguido que foi julgado na ausência e que está em parte incerta (Facto Provado n.º 33 da Sentença) e que comprovadamente carece de meios económicos ao ponto de lhe ter sido atribuída protecção jurídica, é o mesmo que desde já condenar o Arguido a pena de prisão efectiva, o que não se coaduna com os antecedentes criminais do Arguido, matéria de facto provada e necessidades de prevenção especial.
2.2.45 O momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não o da prática do facto, razão pela qual o Tribunal pode ponderar factos novos que tenham ocorrido entre a prática do facto e a audiência de julgamento que relevem uma atenuação ou um agravamento das necessidades preventivas (sumário da anotação 4 ao artigo 70º do Comentário do Código Penal de Paulo Pinto de Albuquerque).
2.2.46 Ora, o Arguido encontra-se em parte incerta, há muito tendo cessado a coabitação com a Queixosa, facto que deverá relevar não só para uma diminuição da pena a aplicar, mas ainda para o não agravamento das necessidades preventivas, pelo que as finalidades de punição estão asseguradas com a aplicação do artigo 50º, nº 1 do CP, devendo o Recorrente, caso não seja absolvido, ser condenado a pena de prisão, suspendendo-se a mesma tout court, nos termos do mencionado artigo, e assim a Sentença a quo ser revogada na parte em que faz depender a suspensão da condenação em pena de prisão, do pagamento da indemnização civil.

2.3 Respondeu no Tribunal recorrido, O MºPº, dizendo:
2.3.1 Quanto à arguida nulidade da acusação, deverá a mesma ser julgada improcedente, porquanto há muito que decorreu o prazo previsto na alínea c) do n.°3 do artigo 120º do CPP para a sua arguição.
2.3.2 Quanto à arguida insuficiência da matéria de facto para a decisão, os factos estão circunscritos temporalmente por referência uns, ao tempo de coabitação do casal, outros à morada onde habitavam, outros ainda, à idade do filho do arguido, além de não tem qualquer suporte legal a exigência de que apenas poderá um arguido ser condenado quando seja provada a hora, dia, mês e ano em que praticou o facto delituoso;
2.3.3 Relativamente à apontada errada apreciação da matéria de facto na parte em que o tribunal julgou como provado (i) serem da autoria do arguido as mensagens descritas nos pontos 15. e 16. da sentença, (ii) ter o arguido abandonado a ofendida em lugar ermo (ponto 9.) e, grosso modo, todos os restantes factos, que deveriam ter sucumbido à aplicação do princípio in dubio pro reo, o recorrente carece em absoluto de qualquer razão, como se constata pela singela leitura da motivação, que de forma clara, exaustiva e até mesmo expressiva, sem quaisquer saltos lógicos e obedecendo às mais elementares regras de experiência comum, sustenta o juízo probatório que mereceu a apreciação da prova.
2.3.4 Nada tendo resultado provado quanto às condições sócio-económicas do arguido, entende-se ser de reduzir o montante indemnizatório, a cujo pagamento ficou condicionada a pena de prisão suspensa.
2.4 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador da República no douto Parecer emitido, pronunciou-se nos seguintes termos:
2.4.1 Relativamente ao imputado erro de julgamento: (i) o tribunal assentou a sua convicção, fundamentalmente no depoimento da ofendida, corroborado a espaços por outros testemunhos e elementos de prova, nestes se integrando as SMS’s que podem e devem ser valoradas. (ii) Este depoimento da vítima, o fundamental como é próprio da infracção em causa, considerou-o o tribunal natural, credível e isento de impostura, explicando minuciosamente por que razão o teve em tal conta. (iii) Discorda o recorrente desta valoração — acha que deveria ter sido corroborado por outros depoimentos testemunhais e por relatórios médico-legais, na parte das agressões. É a sua perspectiva, todavia, não defensável, face ao que os autos documentam do sucedido em audiência. (iv) De qualquer modo, não é, de modo algum, a única plausível. E, como tal, não impõe decisão diversa da proferida, devendo prevalecer a aferição que da matéria fáctica fez o tribunal.
2.4.2 Com referência ao invocado vício da decisão (Insuficiência), valem as razões aduzidas na Resposta oferecida na instância recorrida.
2.4.3 Porque o recorrente, apesar do recurso, já pagou, posteriormente a este, o que a sentença lhe impunha, nesta parte ocorre a inutilidade superveniente do recurso, não devendo ser conhecido —artigo 417° n°6, alínea a), do Código de Processo Penal .[Fls. 762]

II FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação objetiva dos recursos.
1.1 Recurso Interlocutório
São questões a conhecer:
A valoração das sms como meio de prova, consubstanciou: (i) a nulidade cominada no art.° 126.° n.° 3 do CPP, dado tratar-se de prova não autorizada pela totalidade dos intervenientes na conversação; (ii) a violação do princípio da reserva da vida privada previsto nos art.°s 26º n.º 1 e 34.° n.°4 da Lei Fundamental e/ou a violação de uma das mais basilares garantias do processo criminal, prevista no artigo 32º/8 da CRP, dizer a nulidade das “provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada (…) ou nas telecomunicações.”

1.2 Recurso Principal
São questões a conhecer:
i. Nulidade da sentença
ii Impugnação da decisão de facto:
a) Por apelo ao erro de julgamento (error in procedendo);
b) Por apelo ao vício da decisão – Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
ii. Indemnização: an debeatur - quantum debeatur/ condição da suspensão da execução da pena de prisão e Inutilidade superveniente da lide.

2. CONHECENDO

2.1 RECURSO INTERLOCUTÓRIO

O despacho sob recurso desenvolve-se sob dois segmentos: (i) num primeiro, a considerar que a exibição das “SMS” contidas num telemóvel (com atribuição da autoria ao recorrente), feita pela assistente C....., quando da apresentação de denúncia criminal, perante a autoridade policial, não consubstancia qualquer ilícita ou inconstitucional intromissão na vida privada, porquanto a gravação foi efetuada e o acesso a tais mensagens foi facultado pelos respetivos titulares, nos termos do artigo 126º nº3 do CPP e artigos 26º, 32º e 34º da CRP, do mesmo passo que, na consideração da inexistência de uma qualquer interferência numa comunicação eletrónica em curso, não ocorre fundamento para a invocação e/ou aplicação do regime procedimental ínsito nos artigos 187º/1 e 188º ex vi artº 190º do CPP; (ii) num segundo segmento, a considerar que, mesmo a admitir a verificação de uma nulidade, sempre esta revestiria natureza de nulidade relativa de modo que havia muito que o prazo para a sua arguição se mostrava ultrapassado.

Desta decisão discorda o recorrente e argumenta sob a seguinte ordem de razões, que se sintetizam: (i) qualquer mensagem escrita, recebida e lida no telemóvel, não pode servir de prova sem a autorização de um juiz e desde que este a considere indispensável para a prova do crime, que o mesmo é dizer, apenas se admitirá o uso das “SMS” como meio de prova estando preenchidos os requisitos do artº 187º/1; (ii) a tutela constitucional prevista no artº 34º da CRP deverá ser entendida não apenas na perspetiva de um dos intervenientes na conversação (o destinatário/recetor) mas sim estendida a todos os respetivos interlocutores, a exigir, in casu, o consentimento ao órgão de polícia criminal para aceder ao conteúdo das mensagens por parte do emitente/interlocutor ativo, dizer o Recorrente; (iii) erradamente – na aplicação do regime da prova relativamente nula e não do regime da prova absolutamente proibida - o tribunal recorrido exceciona a extemporaneidade da arguição da nulidade, sendo certo, de todo o modo, que a arguição de nulidade (cominada no artigo 126º/3 CPP), por parte do recorrente foi feita logo que conhecido o vício; (iv) Porque o arguido deveria ter sido convocado para comparecer nas instalações do OPC que procedeu à transcrição dos SMS, uma tal omissão comporta a nulidade prevista na alínea c) do artigo 119º do CPP e um prejuízo grave e irremediável para a defesa do recorrente; (v) Devendo a transcrição de SMS, enquanto “requer conhecimentos específicos para triar situações de ludibriamento de quem a transcreve”, (sic) ser considerada como prova pericial, verdade é que, com prejuízo irremediável para o recorrente, não foi proferido despacho judiciário a ordenar a diligência de transcrição, nem, de todo o modo, foi dada ao arguido a possibilidade de assistir à realização dessa perícia; (vi) é nulo o despacho sob recurso por não valoração da recusa pela ofendida a exibir o telemóvel para que se procedesse ao exame requerido pelo recorrente como diligência probatória.

QUID IURIS?

Toda esta panóplia de argumentação tem por pomo de discórdia – punctum prurens – as mensagens que a ofendida apresentou à entidade policial como emitidas pelo arguido e recebidas no seu (dela) telemóvel.
O cenário fáctico que envolve tal questão tem a ver, na sua realidade histórico-prática, com o aditamento ao Auto de Denúncia registado sob o NUIPC 190/07.1 P6PRT, em que o Chefe da PSP J….. dá conta de que
“No dia 11 de Janeiro de 2008, pelas 16.30H, compareceu nas instalações da PSP a ofendida nos autos C....., acompanhada pela Srª Drª K…., assistente social na I..., a dar conhecimento dos seguintes factos:
- No dia 30.11.2007, 21:31, a ofendida recebeu uma mensagem no respetivo telemóvel (9362…..) proveniente do telemóvel com o número 9367…., do qual desconhece o respetivo proprietário, com as seguintes referências «É só para lhe dizer que o B... está bem doente. Você não é mulher nem merece viver ao que lhe faz e o que lhe está a fazer não é de gente você não presta e vai pagar tudo pago».
- Posteriormente, em concreto no dia 12.12.2007, pelas 03:52H, recebeu no mesmo telemóvel e proveniente do mesmo número a seguinte mensagem: «Filha da puta me leva o meu filho como se eu não fosse pai dele. Tu nunca vais ter paz nunca sua vaca eu te vou fazer a vida negra olha para o que eu te digo».
Segue-se a transcrição de outras mensagens, conforme foi dado conhecimento pela ofendida.
A final, o Sr. Agente lavrou nota no sentido de que: «Para um melhor esclarecimento junto se envia trinta «e cinco (35) fotocópias das mensagens recebidas no telemóvel da ofendida e anteriormente já descritas.» [Fls. 61 a 64 Vol. I]
O recorrente, que na contestação negaria o envio de tais mensagens, suscita, à sobreposse, a questão da legitimidade jusprocessual de um tal meio de prova.
À cabeça, exige o recorrente a autorização de um juiz: qualquer mensagem escrita, recebida e lida no telemóvel, não pode servir de prova sem a autorização de um juiz e desde que este a considere indispensável para a prova do crime, que o mesmo é dizer, apenas se admitirá o uso das “SMS” como meio de prova estando preenchidos os requisitos do artº 187º/1 do CPP.

Entendemos que sem razão, importando desmistificar o argumento.
Desmistificando, desde logo, com a razão - ainda que de índole prevalentemente formal - de que “as normas processuais, atinentes às proibições de prova, têm como destinatários (privilegiados) as autoridades processuais”. ([18])
Aliás, o artigo 34º da Constituição da República que determina que «o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis», não deixa de definir no seu item 4 que «É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.» ([19])
Na realidade, não foi nenhuma autoridade processual que, violando as regras da aquisição da prova, nomeadamente as definidas nos artigos 187º e 189º do CPP, procedeu, de seu livre alvedrio, sem autorização do juiz de instrução criminal, à interceção das comunicações feitas via SMS.
Diferentemente, foi a destinatária/recetadora das SMS que, por seu motu próprio, as apresentou à autoridade policial, limitando-se esta a tomar registo da denúncia nos termos em que formulada.
Merece, aqui, inteiro acolhimento, independentemente da diferença no registo da agulha ([20]), a argumentação expendida pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto quando refere:
«Mas se os dados são apresentados por quem os detém ao órgão de polícia criminal, e entregues voluntariamente para junção aos autos, então não há qualquer pesquisa informática, nem apreensão de dados informáticos; à semelhança do que sucederia com qualquer objecto físico entregue para junção a inquérito, os dados são neste caso adquiridos processualmente mas não através de pesquisa informática (busca), nem através de apreensão.
E como tal, não faz sentido convocar para tais casos o regime da pesquisa informática, nem da apreensão de dados informáticos. Ora, foi precisamente através de uma entrega voluntária que as SMS’s agora em causa foram adquiridas processualmente, aquisição que dispensava qualquer intervenção de qualquer autoridade judiciária —cfr. fis. 61 e 99. O raciocínio a fazer é exactamente igual ao que se faria com um objecto fisico —só a apreensão, ou seja a intervenção coerciva, justifica a validação a que alude o artigo 178° n°5 do CPP; nunca a entrega voluntária de um objecto probatoriamente relevante na investigação. Resumindo dir-se-á que a aquisição processual das SMS’s em causa foi efectuada por entrega voluntária e e sem pesquisa informática, não supondo, por conseguinte, qualquer intervenção de autoridade judiciária.».

Subscrevendo Pedro Verdelho (referenciado na nota 20), entende-se que as mensagens deixam de ter a essência de uma comunicação em transmissão para passarem a ser antes uma comunicação já recebida, que terá porventura a mesma essência da correspondência», em nada se distinguindo de uma «carta remetida por correio físico». E tendo sido já recebidas, «se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador (ou no telemóvel, acrescenta-se) a que se destinavam, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel em que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo», visto o disposto no art. 194.º, n.º 1, do CP.
Assumindo esta equivalência à correspondência e levando em linha de conta o respetivo regime decorrente da norma ínsita no artº 179º do CPP, não se olvide que uma tal disposição protege toda a correspondência enquanto ela não for aberta pelo seu destinatário. ([21])

Sabido é, porém, que o regime constitucional específico dos direitos, liberdades e garantias obriga a que os preceitos constitucionais que lhes digam respeito sejam diretamente aplicáveis e vinculem as entidades públicas e privadas.

Nesta ordem de ideias, para o Recorrente acresce, à sobredita inobservância da exigência jusprocessual penal da intervenção de um juiz a autorizar a leitura das SMS, que objectivamente, sempre a ofendida ao exibir aquelas teria incorrido em violação do direito à integridade pessoal, de raiz constitucional.
Subjacente a ideia, que não se discute, de que (mutatis mutandis) «Parece fundamental que a correspondência circule de forma fechada, porque só dessa forma se pode concretizar a dimensão constitucional de proteção da esfera privada, da qual o sigilo da correspondência é tributário. O remetente ao fechar a correspondência está, de forma inequívoca, a declarar que pretende manter sigiloso o conteúdo da sua comunicação até que esta chegue ao destinatário e que a informação pertence à esfera privada das pessoas entre as quais circula” ([22])
É à luz deste entendimento que o recorrente, se bem se interpreta, alega que a tutela constitucional prevista no artº 34º da CRP deverá ser entendida não apenas na perspetiva de um dos intervenientes na conversação (o destinatário/recetor) mas sim estendida a todos os respetivos interlocutores, a exigir, in casu, o consentimento ao órgão de polícia criminal para aceder ao conteúdo das mensagens por parte do emitente/interlocutor ativo, dizer o Recorrente.

Não é líquido nem absoluto que assim haja de ser entendido.
Desde logo, ninguém dirá, hoje, que os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, são absolutos, ilimitados.
“Não o são na sua dimensão subjectiva, porque os preceitos constitucionais não remetem para o arbítrio do titular a determinação do âmbito e do grau de satisfação do respetivo interesse, e também porque é inevitável e sistémica a conflitualidade dos direitos de cada um com os direitos dos outros”.
“Não o são também enquanto valores constitucionais, visto que a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos a uma ideia de responsabilidade social e integra-os no conjunto dos valores comunitários. Assim, além dos limites «internos» do subsistema jusfundamental, que resultam das situações de conflito entre os diferentes valores que representam a s diversas facetas da dignidade humana, os direitos fundamentais têm também limites «externos», pois hão-de conciliar as suas naturais exigências com as imposições próprias da vida em sociedade: a ordem pública, a ética ou moral social, a autoridade do Estado, a segurança nacional, entre outros” ([23])
É a propósito da necessidade de superação desta tensão dialética que se fala do princípio da harmonização ou da concordância prática ([24]), como se fala ainda do princípio da proporcionalidade ([25]) ([26]).
Procurando descer ao caso concreto.
O artigo 32.º da Constituição da República, depois de consagrar (nº1) uma cláusula geral de garantias de defesa, preceituando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, estabelece no seu n.º 8, no que concerne ao regime da prova proibida, que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Do que logo decorre uma diferenciação entre a absoluta interdição da tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa e a relativa interdição na intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
Dizer, então: «a garantia constitucional de defesa no âmbito da privacidade apenas incide quando essa intrusão ou ingerência se revelarem abusivas. Não o sendo será a mesma constitucionalmente aceitável desde que tal intromissão se mostre proporcional entre a observância dos direitos, liberdades e garantias em geral (18.º, n.º 2 Constituição), tanto do agente, como da vítima, e o exercício da acção penal, no âmbito de um processo justo (20.º, n.º 1 e 4; 219.º, n.º 1 Constituição), atenta uma das finalidades primaciais do processo penal, que consiste na restauração da paz jurídica comunitária, a qual foi quebrada com a prática criminosa.
Tal sucederá quando essa interferência se mostre idónea ou adequada (i), necessária ou exigível (ii), no sentido da optimização relativa do que é factualmente possível, e tudo isto na sua justa medida (iii), que diz respeito à respectiva optimização normativa (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008).» ([27])

Valoração de prova proibida, in casu?

Com referência à Lei Penal Substantiva, previne-se na mesma o crime de violação de correspondência, praticando-o “Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebida pelo destinatário” [Artigo 194º do CP]
De sua vez a lei penal adjectiva delimita os termos em que o juiz pode autorizar ou ordenar a apreensão de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, no artigo 179º do CPP.
O Recorrente não coloca a questão ao nível penal substantivo.
Diferentemente, tem por violado o regime jusprocessual penal relativamente à aquisição e uso como prova das SMS.
Se não seria correcto que o fizesse ali – no dizer de Costa Andrade, “um caso paradigmático da privacidade em sentido formal”, porque o que se pune “é apenas a ultrapassagem de uma barreira física e o tabu que ela representa e assinala”([28]), aqui, falece-lhe a razão porque não está em causa a prática de um qualquer acto judiciário de apreensão com violação das regras definidas no sobredito normativo.

A idêntica solução se chegará, socorrendo-nos da lei civil e da lei fundamental.

A partir desta, considerando a norma ínsita no citado artigo 34º, poderá dizer-se que “O direito ao sigilo de correspondência e restantes comunicações privadas implica não apenas o direito de que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de que terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem. É o que ocorre, desde logo, com o destinatário de cartas missivas confidenciais (C.Civil Art. 75º). Esse dever de guardar sigilo impende, todavia, principalmente sobre aqueles que, por motivos funcionais, têm acesso à correspondência ….. decorrendo daí um dever de segredo profissional como garantia do direito ao sigilo da correspondência e que não poderá ser violado.” ([29])
Já na específica referência à lei civil substantiva, importará ter em conta o artigo 75º, ora referenciado, onde se dispõe: “1.O destinatário da carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento”.

No caso concreto, não está em causa, obviamente, a prática de qualquer crime de violação de correspondência.
Sequer, qualquer violação do dispositivo que define os termos da apreensão judiciária da correspondência no âmbito da investigação criminal.
Está em causa o uso, pela ofendida, de umas SMS de que foi a destinatária, cuja autoria imputou ao recorrente mas que este nega.
Prova proibida?
Entende-se que não.
A axiologia suposta na norma que define os métodos proibidos de prova (Artº 126º do CPP) tem a ver, se bem se ajuíza, com as garantias de defesa do arguido.
Em causa, no processo criminal, o bem inestimável da liberdade.
Porém, não se olvide que, com garantia constitucional, o ofendido “tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei”.
Embora não especificando o conteúdo do direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua densificação, certo é «que a lei não pode retirar ao ofendido, direta ou indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objeto a ofensa de que foi vítima” ([30])
Nomeadamente não lhe pode ser negado o “estado de necessidade probatório”, como o crime tipificado nos autos pode levar a configurar. ([31])
Ora, a ofendida usou documentação sua, que lhe foi destinada sem declaração, expressa ou tácita, de “CONFIDENCIALIDADE”.
Mesmo que pudesse, de algum modo, merecer objecção cível a prova que levou aos autos, não deixaria a mesma de poder ser validamente considerada, na ideia de que não deve “desatender-se a possibilidade de o processo penal se constituir em sede autónoma de revelação, actualização ou mediação de conflitos de interesses, susceptíveis de - em nome, v.g. da prevenção de crimes concretos – ditar a utilização de um meio de prova criminalmente obtido. Como sucederá quando a valoração configure o único meio de salvaguarda de valores de irrecusável prevalência e transcendentes aos meros interesses da perseguição penal, máxime em se tratando de valores encabeçados por particulares e atinentes aos direitos fundamentais. ([32]) ([33])
Se o expendido vale relativamente à utilização de um meio de prova criminalmente obtido, por maioria de razão há-de valer relativamente a um meio de prova legalmente usado para defesa de um direito fundamental.
Em face da conformidade constitucional e jusprocessual da decisão proferida, como decorre da fundamentação que vem de ser expendida, improcede a argumentação que flui dos citados itens i e ii da resenha acima enunciada, relativamente à motivação recursiva.
Pari passu, resulta prejudicada a apreciação da extemporaneidade da arguição da nulidade – considerada, na decisão recorrida, de forma subsidiária - visto a inexistência de qualquer nulidade, absoluta ou relativa. (Item iii)
As questões decorrentes dos itens iv e v, sem necessidade de particulares lucubrações exegético-normativas carecem, manifestamente, de fundamento.
Carece, desde logo, de qualquer sentido a pretensão de uma convocação do denunciado para o ato da formalização de uma denúncia. Maxime, na consideração de que esta ocorria, como se infere do acima exposto, porque a denunciante, ida da I….., se sentia ameaçada pelo arguido ora recorrente.
De todo o modo – e assim respondendo também à última questão (exigência da prova pericial) – acolhe-se a resposta acertada da Assistente:

«Ora, salvo o devido respeito, somos do entendimento que é vã a pretensão do Recorrente, porquanto não houve qualquer diligência, onde fosse obrigatória a presença do Arguido, na medida em que, tal como já se referiu, houve apenas o fotocopiar de um telemóvel, donde no visor do mesmo tinha aposto uns dizeres, às quais denominamos de mensagens, o que foi feito pelos órgãos de policia criminal, em aditamento à queixa, e disponibilizado pela Assistente, a fim de em relação às citadas mensagens, exercer, legitimamente, o seu direito de denúncia.
De modo que, no caso dos autos as fotocópias de fls… consubstanciarão meros documentos, e nesta conformidade, não parece que seja necessária grande perícia ou conhecimentos técnicos, pois, naquele momento, o que se exigia ao órgão de polícia criminal era saber tirar uma fotocópia.
Ora, má estava a justiça se para se exercer o Direito à Denúncia Criminal, com a exibição de prova documental, fosse necessária a presença do Arguido.
Até porque, duvidando o Arguido da genuidade das mensagens ou da sua reprodução, não se encontram vedados os seus direitos de defesa, na medida em que sempre poderia apresentar a sua Defesa, quer seja através da Abertura de Instrução, quer seja da Contestação, após a notificação da Acusação, e, poderia até requerer uma Perícia ao telemóvel, o que poderia fazer logo na fase de Inquérito.»

2.2. RECURSO PRINCIPAL

2.2.1 É a seguinte a decisão proferida pelo tribunal recorrido em termos de factos provados, factos não provados e motivação da decisão de facto:
A- FACTOS PROVADOS:
1- O arguido B….. e a ofendida C….. viveram em união de facto a partir de 1996.
2- Desde o início da vida em comum, o arguido e a ofendida C..... residiram, pelo menos, em quatro moradas diferentes, pela seguinte ordem: primeiramente na Rua ….., no Porto; na Rua ….. em Vila Nova de Gaia; na Rua …., n.° …., ….., em Águas Santas - onde estiveram, pelo menos, a partir de 2004 - e, por fim, foram residir para a cidade da Trofa, área desta comarca.
3- Em 10 de Outubro de 2006, C..... deu entrada na I... da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, sita na Rua Dr. …., nesta cidade e comarca de Santo Tirso, onde foi acolhida.
4- Em 19.2.2007, a ofendida saiu dessa I… voltando a viver com o arguido, na altura, na casa que anteriormente habitavam, sita em Águas Santas.
5- Em meados de 2007, o arguido e a ofendida mudaram de residência para a Trofa, nesta comarca
6- Em 11 de Outubro de 2007, C….. saiu da casa onde residia com o arguido, à data sita na Trofa e deu entrada na I… do Porto, de onde saiu no dia 6.3.2009, não mais retomando o relacionamento marital.
7- Da relação entre o arguido e a ofendida nasceu, em 11 de Junho de 1999, o menor E......
8- Na Rua …. No Porto, no interior da residência do casal, o arguido desferiu na ofendida C….. socos, com maior incidência na cara, e pontapés.
9- Em data não concretamente apurada, mas quando o arguido e a ofendida estavam a residir em ….., no Porto, numa viagem que fazia com o arguido no veículo automóvel no Porto, o arguido, no interior do aludido veículo, empurrou a ofendida. Noutra ocasião, ainda quando estavam a viver em S. Roque e estando a ofendida grávida do filho E….., com cerca de 4 meses de gestação, o arguido abandonou-a num lugar ermo de madrugada. Desorientada, a ofendida caminhou várias horas até encontrar ajuda perto de Vila do Conde.
10- Quando o E….. tinha cerca de um ano de idade, na residência do casal, na altura sita em Vila Nova de Gaia, o arguido desferiu na ofendida C….. socos na cabeça, bofetadas na face, empurrões e dirigiu-lhe vários impropérios, nomeadamente dizendo que ela era uma puta.
11- Na residência do casal em Águas Santas, Maia, o arguido desferiu pancadas no corpo da ofendida C….., dirigiu-lhe ameaças de morte e apelidou-a com diversos impropérios, nomeadamente “puta”, “vaca”
12- Na cidade da Trofa, o arguido dirigiu à ofendida C….. as seguintes palavras “Não prestas para nada, vaca, filha da puta”.
13- Em todas estas moradas o arguido dirigiu à ofendida ameaças de morte e apelidou-a com diversos impropérios, sendo que em algumas dessas situações a ofendida respondeu, devolvendo o insulto.
14- O arguido desferiu pancadas no corpo da ofendida apenas nas residências de …., Porto, Vila Nova de Gaia e Águas Santas, Maia.
15- Em várias ocasiões desde o dia 12 de Dezembro de 2007 até ao dia 7 de Janeiro de 2008, o arguido enviou mensagens escritas, via telemóvel para a ofendida dizendo-lhe que: “nunca mais ia ter paz, que lhe ia fazer a vida negra, que a destruía, que ia pagar por tudo, que ia ter um fim muito mau, que o ano de 2008 ia ser um pesadelo e que ia pagar por tudo, que ia sofrer muito, que ia ter um fim infeliz, que o dia dela estava para chegar”, querendo com isso significar que atentaria contra a sua vida e integridade física.
16- Nas mesmas datas e pelo mesmo modo, o arguido apelidou a ofendida de “filha da puta; vaca, toura, demónio, porca, animal selvagem”.
17- O arguido sabia que a sua conduta descrita provocaria as dores e lesões físicas, supra descritas, na ofendida, o que quis e fez.
18- Com a conduta descrita, o arguido criou um ambiente de medo e temor de que as agressões e as ameaças se repetissem e fez com que a ofendida sentisse receio das agressões deste, vivendo em clima de constante intranquilidade.
19- O arguido sabia que a sua conduta provocaria dores e lesões físicas e psíquicas, na ofendida, o que quis e fez.
20- Com tais atitudes, igualmente vinha o arguido humilhando a ofendida, causando-lhe vexame, quer perante ela própria, quer perante terceiros.
21- O arguido agia do modo descrito, sabendo que infligia maus-tratos à ofendida, sua companheira e que, assim, a molestava física, moral e psicologicamente, não se abstendo de agir do modo descrito, o que quis e fez.
22- A conduta do arguido é meio idóneo para provocar medo ou inquietação à ofendida, o que aconteceu, na medida em que esta em consequência da mesma ficou a temer pela sua vida e integridade física.
23- O arguido proferiu as ameaças de morte na pessoa da ofendida C….. e agrediu-a fisicamente, bem sabendo da relação que entre eles existia.
24- O arguido agiu de modo livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.
25- O arguido sabia que a sua conduta era apta a provocar tal resultado, o que quis e fez.
26- Em consequência da actuação do arguido, a assistente sofreu constrangimento, humilhação, temor pela sua vida, impotência, vexame, vergonha e sofrimento psíquico.
27- Além disso, as condutas descritas em 8., 10. e 11. (primeira parte) provocaram à assistente dores físicas.
28- Saiu várias vezes de casa procurando ajuda, em duas dessas ocasiões, em instituições de apoio à vítima, recomeçando a sua vida em locais diferentes, longe do arguido.
29- O arguido mantinha com o filho E….. forte e recíproco relacionamento afectivo
30- No fim dos anos lectivos de 2004 e 2005, a ofendida saiu de casa, levando consigo o filho menor E….., tendo permanecido fora da residência do casal, à data sita em Águas Santas, Maia, durante cerca de um mês, em cada uma dessas ocasiões, após o que a ela regressou.
31- Por sentença de 8.9.2009 proferida no processo que correu termos pelo 1º Juízo – 1ª secção do Tribunal de Família e Menores do Porto foi homologado acordo entre o arguido e a ofendida quanto à regulação do poder paternal do menor E….., ficando este à guarda e cuidados da progenitora, sendo esta incumbida do exercício do poder paternal. Mais foi acordado que as visitas do progenitor à criança se fariam em fins de semana alternados, sendo que na semana em que a criança não passa o fim-de-semana com o progenitor este iria buscá-la dois dias por semana, com pernoita, dias esses em que a criança não tenha aulas no dia a seguir da parte da manhã, e na semana em que a criança passa com o progenitor o fim de semana, este iria buscá-la um dia por semana, com pernoita, dia esse em que a criança não tenha aulas no dia a seguir da parte da manhã. Relativamente ao período de férias ficou estipulado que a criança passaria com cada um dos progenitores, metade das férias de verão destes, período esse a combinar entre ambos, não podendo exceder os quinze dias. A criança passaria conjuntamente e alternadamente, com o progenitor e com a progenitora os dias festivos, sendo que nesse ano o dia da véspera de Natal seria passado com o progenitor e o dia de Natal com a progenitora, a véspera de Ano Novo com o progenitor, o dia de Ano Novo com a progenitora, a sexta-feira santa com o progenitor e o domingo de Páscoa com a progenitora. Em dia de aniversário da criança, esta fará uma refeição com o progenitor e em dia de aniversário dos progenitores a criança passará o dia com estes. No dia do Pai e no dia da Mãe, a criança passaria o dia com estes. A título de alimentos, os progenitores acordaram em fixar a prestação de alimentos em 100,00 € mensais, a ser pago por qualquer forma documentada, acrescido de metade das despesas de saúde e escolares desde que devidamente documentadas. Tal pensão será actualizada anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE.
32- Por sentença de 21.5.2004, o arguido foi condenado pela prática em 26.3.2002 de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas em pena de multa.
33- O arguido encontra-se actualmente em paradeiro desconhecido.
B - Factos Não Provados
Da acusação pública não se logrou provar que na R. …., no Porto, o arguido deu muitos socos e pontapés, nomeadamente no nariz da ofendida, provocando-lhe inúmeros hematomas; nem que o arguido tentou fazer com que a ofendida caísse fora do veículo, no Porto; nem que noutra ocasião a obrigou a caminhar cerca de 3 horas até encontrar um café numa aldeia do concelho da Póvoa de Varzim; nem que na residência sita em Vila Nova de Gaia, o arguido desferiu muitos socos por todo o corpo da ofendida, causando-lhe vários hematomas e escoriações pelo corpo.
Tão-pouco se provou que na residência do casal em Águas Santas, Maia, o arguido desferiu na ofendida C..... um violento pontapé no lado esquerdo do estômago que a deixou com muitas dores; nem que na Trofa, o arguido disse à ofendida ”nunca nos separamos, se nos separarmos, morres tu ou morro eu”.
Também não se provou que, no dia 14 de Fevereiro de 2007, cerca das 15h00, o arguido contactou telefonicamente a ofendida C..... que se encontrava na I…. da Santa Casa da Misericórdia, sita na Rua ….., nesta cidade e comarca de Santo Tirso, juntamente com o filho de ambos E....., nascido em 11 de Junho de 1999, e, em tom sério e agressivo disse-lhe: “Vou-te matar, vou espetar-te uma espada, vou cortar-te aos bocados a ti e ao teu outro filho, nunca mais vais ver o nosso filho.” , nem que no dia 11 de Outubro de 2008, o arguido, cerca das 18h00, foi à Urbanização Nova, na cidade da Trofa, área desta comarca para entregar à ofendida o filho E..... e disse-lhe, em tom sério e agressivo que: “vai morrer, mas que não vai morrer sozinho e que o filho de ambos não ficará com ela.”.
Não se provou ainda que o arguido actuou na presença do filho menor de ambos E....., o que quis e fez.
Do pedido de indemnização civil não se provou, nomeadamente, que a demandante ainda hoje revive este sofrimento em pensamentos e pesadelos e que tem medo e pavor de reencontrar o demandado vivendo em pânico, com medo que o demandado cumpra as respectivas ameaças, nomeadamente contra o seu filho.
Da contestação não se provou que o arguido e a ofendida estão separados como casal desde 2004 e que os mesmos se desentenderam na sequência da descoberta, por parte do arguido, que a ofendida voltara a levar a cabo práticas “profissionais” consideradas pelo arguido – bem como socialmente – por menos honrosas, como forma de se dotar de alguma remuneração monetária, delas discordando o arguido, tendo-lhe dito não pactuar com que o filho E..... convivesse com aquela realidade da mãe.
Qualquer outro facto articulado ou alegado em audiência em contradição com os provados.
À demais matéria não se responde por ser impertinente, conclusiva ou de direito.

C MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão do tribunal estribou-se no conjunto da prova produzida, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência comum, nomeadamente da ofendida C..... que depôs como quem “viveu na pele” os factos que resultaram provados, os quais foram pela mesma descritos com coerência. Ao longo do seu depoimento foi situando os acontecimentos com referência às moradas em que residiu com o arguido e a acontecimentos que ficam gravados, de forma perene, na memória, como seja a gravidez ou idade do filho E....., o que – dada a natureza e número das situações em causa – se nos afigurou ser natural, merecendo-nos, por isso, credibilidade. Na sua simplicidade e sem impostura, admitiu mesmo que em algumas das situações em que o arguido lhe lançava impropérios respondia, devolvendo o insulto. Explicou que saiu de casa no fim dos anos lectivos de 2004 e 2005, sem apoio de qualquer instituição, com ajuda das suas irmãs, para Vila do Conde e Braga, respectivamente. Chegou a fazer a transferência da escola do filho para Braga e foi, por isso, que nessa altura, o arguido descobriu onde a mesma se encontrava. Acontece que a ofendida sempre acabou por regressar – após curta ausência - à casa de Águas Santas onde, na altura, residiam, sempre com a expectativa, que se veio a frustrar, de que o arguido alterasse o respectivo comportamento – no sentido do seu depoimento veja-se a referência a denúncias de 17.8.2004 e 29.7.2005 efectuada no auto de notícia de fls.8 do apenso B. Acresce que L…., técnica da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso deu nota do estado de fragilidade psicológica em que se encontrava a ofendida quando ali deu entrada, em 10.10.2006, tendo-a acompanhado durante todo o período em que a mesma ali permaneceu, até 19.2.2007. Nessa data, a ofendida regressou à casa de Águas Santas, com o seu filho G... onde permaneceu por algumas semanas, sendo que, em meados de 2007, se mudou com o arguido e respectivo agregado familiar para residência sita na Trofa, nesta comarca. Por fim, em 11 de Outubro de 2007, C..... deixou a casa da Trofa - desta vez levando consigo apenas com o filho E..... - e deu entrada na I... do Porto, de onde saiu no dia 6.3.2009, não mais retomando o relacionamento marital. A assistente esclareceu que, quando estava na instituição do Porto, tinha o seu telemóvel desligado e que, quando o ligou, à frente de H…., tinha na caixa de correio, além do mais, as mensagens que a ofendida reconheceu inequivocamente como sendo do arguido e que foram vertidas nos factos provados. O autor não se identifica pelo nome, mas o que é certo que em discurso directo diz “me leva o meu filho como se eu não fosse pai dele”; “me vais pagar (…) por este dia não ter o meu menino”; “me levas o menino para te darem abrigo”; “tu deste cabo da minha vida e do meu filho”; isso que tu me tens feito a mim e ao meu filho “; “tu vais sofrer muito muito mesmo até o G... ninguém mete a mão a nada eu não recebo nada aqui em casa porque sabes bem o que fizeste…”, expressões que não precisam de assinatura para se saber que provêm da única pessoa que as podia ter escrito e enviado à ofendida - o aqui arguido. É de notar que a ofendida exibiu voluntariamente tais mensagens às autoridades policiais que, por seu turno, as registaram em fotocópia – cfr. fls.68-99. Por sua vez, a testemunha H…., psicóloga da I... do Porto, confirmou que a ofendida lhe mostrou as ditas mensagens, descrevendo o estado emocional que os respectivos dizeres causaram à sua destinatária. Realça-se ainda o lapidar depoimento de G..., filho primogénito da ofendida, nascido em 12.9.1989, que começou a viver com o casal após o nascimento do irmão, em S. Roque da Lameira. Frisou que sempre existiram, tanto quanto se lembra, de agressões verbais, inclusive ameaças de morte e deu nota do mal-estar que em casa se fazia sentir (“habituei-me a ouvir filha da puta, vaca), descrevendo a desvalorização e humilhação contínua a que o arguido sujeitava a ofendida. Relatou os acontecimentos sem qualquer empolamento e até com a salutar preocupação de ser o mais isento possível, na medida daquilo a que assistiu e que a sua memória conseguiu alcançar, descrevendo não só as atitudes mais reprováveis do arguido, mas também o que de positivo lhe podia reconhecer, nomeadamente e com interesse para o caso, o estreito relacionamento afectivo que o arguido mantinha com o filho E...... Não se recordou de agressões físicas em S. Roque da Lameira, local em relação ao qual não demonstrou ter grandes e claras lembranças. Assistiu a um episódio de agressão física que o marcou, ocorrido em Soares dos Reis, Gaia e que, de forma pungente e assertiva descreveu (“no meio das minhas lágrimas, vi”). Explicou ainda que a mãe tentava evitar que os filhos assistissem a situações de conflito, mandando-os para o quarto. Por outro lado, o depoente encontrava-se em idade escolar e, por isso, passava muito tempo fora de casa. Notava, no entanto, que a mãe ficava psicologicamente abatida e, por vezes, queixosa. Esta reuniu forças para sair de casa várias vezes, mas depois acabava por voltar, cedendo ao arguido que dizia que as coisas iam mudar e ficar bem e, inclusive, ao desejo do próprio depoente de permanecer em Águas Santas, onde, na altura, tinha os seus amigos de adolescência. Referiu que, na última ocasião em que a ofendida deixou o arguido já não levou consigo o depoente, uma vez que este, na altura, vivia maritalmente – embora na mesma casa, à data sita na Trofa - com M…. (que conhecera aquando da estada na I... de Santo Tirso). Esta testemunha fez ainda menção do número de telemóvel habitualmente usado pelo arguido: 93-32….. Por seu lado, M….., de forma insuspeita, atestou do ambiente de tensão e das frequentes discussões que existiam entre arguido e assistente, bem como dos praticamente diários maus tratos verbais que o arguido infligia à ofendida e de como isso a afectava, nomeadamente, nas respectivas emoções. Por fim, F….., irmã da assistente, narrou o único episódio de agressão física e verbal a que assistiu, o qual ocorreu na residência de Águas Santas, enquanto ali morou, durante cerca de 3 meses, em 2004.
Os factos não provados resultaram da falta/insuficiência da prova que sobre eles foi produzida em audiência, nomeadamente das declarações da própria ofendida que, ou não os referiu, ou os arredou, ou apresentou deles versão diversa e que também não resultaram claros de qualquer um dos depoimentos produzidos em audiência. Acresce que, em consequência das agressões físicas sofridas, a ofendida nunca foi submetida a tratamento em urgência médico-hospitalar, inexistindo, por outro lado, qualquer exame médico de onde resulte que a assistente tenha sofrido hematomas e/ou escoriações. Anota-se que o exame médico a que foi sujeita a fls.18 e ss. do apenso B foi efectuado na sequência da denúncia de 17.10.2007, após a saída da casa da Trofa, onde o arguido não chegou a concretizar qualquer acto de violência física, mas apenas maus tratos verbais, como resultou das declarações da própria assistente em audiência e dos elucidativos depoimentos de G... e M…..
O antecedente criminal do arguido resulta do CRC de fls.472-473.
*
2.2.2 Conhecendo

2.2.2.1 Nulidade da sentença
Alega o recorrente que, na sentença proferida, o tribunal não procedeu sequer a uma perceptível indicação das provas ou meios de prova que permitiram dar resposta positiva aos factos provados e muito menos procedeu à caracterização do meio probatório gerador da convicção do julgador acerca de cada facto provado e à indicação das razões de credibilidade e da força decisiva reconhecidas aos meios de prova.
Nos termos do referido artigo 379º do CPP,
«1. É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na alínea b) do nº3 do artigo 374º.»

Dispõe, de sua vez, o nº2 do artigo 374º:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”

Esta exigência de fundamentação pode dizer-se que constitui, de modo mediato, um corolário do princípio do estado de direito democrático e, de modo imediato, um corolário da exigência constitucional nos termos da qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei [Artº 205º/1 da C.R.P.)]
De modo mediato, ainda, numa correlação direta com aquele princípio do Estado de direito democrático, o dever de fundamentação é corolário do princípio do processo devido.
Dizer, o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process), no qual o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, actue com respeito pela pessoa do arguido.
É sob esta ordem axiológico-normativa que se entende constituir a fundamentação da decisão uma exigência com vista à realização de uma tríplice finalidade: seja lograr a legitimação democrática do exercício da iuris dictio e, por via dela, uma maior confiança do cidadão na justiça; seja, permitir o autocontrolo à própria autoridade judiciária que profere a decisão; seja garantir o exercício do direito de defesa na dedução do recurso.
Uma decisão fundamentada ajuda, desde logo, à compreensão e, depois, à aceitação e à convicção por parte dos destinatários, sejam estes os imediatos – as partes, os sujeitos processuais -, seja, mediatamente, a comunidade social.
Já o autocontrolo – dizer também, a necessidade de justificar a decisão – pelo esforço em garantir e demonstrar a apreciação racional da prova, garantirá, à outrance, que a convicção não se formou a partir de meras conjecturas ou suspeitas.
Ao motivar a decisão, o julgador indica, desde logo, os meios probatórios e, por via deles, consente o juízo da legalidade da prova produzida, que o mesmo é dizer consente a avaliação quanto a ter sido produzida ou não valoração ilícita de prova ou ter sido utilizado ou não meio de prova proibido.
Mas para além da indicação dos meios de prova compete-lhe tornar claro o iter formativo da convicção, de modo a que a sentença revele os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos levaram a que os valorasse de determinada forma.
A todo este propósito vai-se tornando usual dizer, na doutrina como na jurisprudência, que a motivação da decisão, sob uma perspetiva extraprocessual, valerá enquanto condição de legitimação na justa medida em que consinta a verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão e que, sob uma perspetiva intraprocessual, a exigência de fundamentação visará consentir a reapreciação da decisão em sede de recurso e, assim, na justa medida em que para a poder reapreciar o tribunal de recurso tem de conhecer o modo e o processo de formação do juízo lógico nela contido que hajam sido determinativos do sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo, a respeito nomeadamente da coerência lógica, da conformidade com as regras da ciência e/ou da experiência comum.
Ponto nuclear no normativo sob referência a exigência da “indicação e exame crítico das provas”.
Na verdade, o segmento final do n° 2 do artigo 374° do CPP, acima transcrito, exige a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Indicação das provas, desde logo, de modo a que, como se deixou já referido, o destinatário imediato da decisão, como o tribunal de recurso, possam aferir da conformidade legal dos meios de prova utilizados e/ou das provas produzidas em sede de julgamento, seja no sentido de obviar à valoração de prova proibida, seja no sentido de obviar à valoração ilícita de prova.
À indicação das provas, acresce a exigência do «exame crítico das provas»,
Exame crítico que deverá consistir
“Na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.” ([34])

Dizer, então: sendo certo, como é, que o rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, torna-se fundamental que a decisão explicite, ela mesma, as razões e/ou o processo lógico que a suportam, de modo a permitir que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos decorrentes da decisão sob apreço, a reexamine para verificar, nomeadamente, da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410°, n° 2 do CPP.
O exame crítico das provas deverá, em síntese, permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão, do processo lógico que lhe serviu de suporte de modo a poder o mesmo tribunal de recurso concluir se sim ou não, na decisão posta em causa, se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, se a decisão sobre a matéria de facto não foi arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

Maxime, tratando-se de um caso de condenação, situação em que compreensivelmente mais se exige que o tribunal explicite as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. ([35])

No caso concreto
Argumenta o recorrente que o tribunal “não procedeu sequer a uma perceptível indicação das provas ou meios de prova que permitiram dar resposta positiva aos factos provados”.
Com o devido respeito, em face da motivação da decisão de facto que fica transcrita, é de crer que o Recorrente não a terá lido, pelo menos com a necessária atenção.
Percorrendo-a, vê-se a enunciação dos meios de prova: os depoimentos da assistente, das testemunhas L…. (técnica da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso, onde a ofendida deu entrada, em 10.10.2006), H….. (psicóloga da I... do Porto), G..., (filho primogénito da ofendida), M….., F….. ( irmã da assistente), bem assim as SMS transcritas do telemóvel, estas conjugadamente com os depoimentos da assistente e da testemunha H…..
Discorda, é sabido, o recorrente do recurso às SMS como meio de prova, todavia manifestamente trata-se de meio de prova que o tribunal pode valorar livremente, visto a licitude que se deixa justificada.
Entende o recorrente, ainda, que o tribunal não procedeu à caracterização do meio probatório gerador da convicção do julgador acerca de cada facto provado e à indicação das razões de credibilidade e da força decisiva reconhecidas aos meios de prova.
É seguramente certo que o tribunal não justificou um a um (in singulos) os factos que considerou provados e os que considerou não provados.
Nem isso lhe podia ser exigível. ([36])
Necessário, sim, era que o recorrente como este tribunal de recurso pudessem acompanhar e perceber qual o iter formativo da convicção firmada.
Ora, de forma que se há-de considerar clara e intelectualmente honesta, o Tribunal, aberta e lealmente disse as razões da sua convicção.
Razões explicitadas, algumas vezes, logo a partir da imediação e/ou recolhidas na transmissão de trechos indiciadores de uma vivência real : «C..... que depôs como quem “viveu na pele” os factos que resultaram provados, os quais foram pela mesma descritos com coerência. Ao longo do seu depoimento foi situando os acontecimentos com referência às moradas em que residiu com o arguido e a acontecimentos que ficam gravados, de forma perene, na memória, como seja a gravidez ou idade do filho E....., o que – dada a natureza e número das situações em causa – se nos afigurou ser natural, merecendo-nos, por isso, credibilidade. Na sua simplicidade e sem impostura, admitiu mesmo que em algumas das situações em que o arguido lhe lançava impropérios respondia, devolvendo o insulto. Explicou que saiu de casa no fim dos anos lectivos de 2004 e 2005, sem apoio de qualquer instituição, com ajuda das suas irmãs, para Vila do Conde e Braga, ….»
Fica-se, aliás, por perceber a crítica que subjaz à afirmação de que “As declarações da Ofendida deveriam ter sido apreciadas muito criticamente pela Meritíssima Juiz na medida em que a ofendida é assistente nos autos, tem neles um interesse pecuniário vertido no PIC…”.
Esquece o Recorrente a apreciação crítica que ressuma da motivação relativamente a factos não provados denunciando a falta/insuficiência da prova que sobre eles foi produzida em audiência, “nomeadamente das declarações da própria ofendida que, ou não os referiu, ou os arredou, ou apresentou deles versão diversa”?!
Deu conhecimento das razões de ciência dos demais depoimentos que lhe suportaram a convicção.
Justificou, de modo que não contraria as regras da ciência ou da experiência comum, o porquê da atribuição da autoria das SMS ao arguido recorrente.
Este tribunal de recurso consegue compreender, em face da motivação emprestada à decisão de facto, o porquê da decisão, compreender, enfim, o processo lógico que lhe subjaz.
Permite-lhe, de igual passo, concluir no sentido de que o tribunal seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, conforme às regras da experiência comum.
Improcede, destarte, a invocada nulidade da sentença por insuficiência da fundamentação.

2.2.2.2 Impugnação da decisão de facto

O recorrente que impugna a decisão de facto, tendo em vista a sua modificação, pode fazê-lo ora pela invocação dos vícios previstos no artigo 410º do C. P. Penal, ora com apelo directo aos elementos de documentação da prova produzida e gravada na audiência (Artigos 412º/3 e 431º do C.P. Penal).
Certo, porém que, enquanto ali visará o propósito da modificação pelo recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, já aqui, será pelo reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, através da análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, que o recorrente procurará atingir o mesmo desiderato.
In casu, o Recorrente impugna a decisão de facto quer por referência ao vício da decisão “Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, (410º/2 a) CPP), quer por apelo aos erros de julgamento (error in iudicando)(412º CPP).

2.2.2.2.1 Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

Consabidamente, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, afere-se cotejando os factos acolhidos na decisão com aqueles que, nos termos do artigo 339º/4 do CPP, constituem o objecto do processo - «os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência» -, que o mesmo é dizer afere-se averiguando se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais, concluindo-se pela verificação de tal vício –insuficiência – quando houver factos relevantes para a decisão – assim para condenar, assim para absolver – cobertos pelo objecto do processo, que, indevidamente foram descurados na investigação do tribunal.
Em abundante jurisprudência assinala-se, outrossim, a respeito deste mesmo vício, que ele ocorre quando a decisão proferida não cabe, não se ajusta aos factos (àqueles factos) dados como provados, ou, num sentido mais amplo, quando ocorre um “vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei” e, assim, na justa medida em que “a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa”.
Exige-se, então e de todo o modo, para a sua verificação uma omissão de pronúncia, pelo tribunal, relativamente a factos alegados por algum dos sujeitos processuais ou resultantes da discussão da causa, que sejam relevantes para a decisão. Dizer, ainda: quando o tribunal não dá como «provado» nem como «não provado» algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, resultando óbvio que a matéria de facto tida por provada não permite uma decisão de direito, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para tal.

No caso concreto como identificou o recorrente o anotado vício da decisão?
Identificou-o com a insuficiente fundamentação da matéria de facto no respeitante às condições de tempo, modo e lugar em que os factos terão ocorrido:
«É notória a insuficiência da matéria de facto provada de que comungam os Factos Provados n.ºs 8 a 26. Pergunta-se como pode um arguido defender-se de uma Acusação que não concretiza em que momento temporal terão ocorrido os factos? É que, se tivessem sido concretizados os dias e horas em que os supostos factos teria sido perpetrados, o Arguido poder-se-ia defender, por exemplo, alegando e provando que seria impossível que os tivesse praticado porque, nesse dia e hora, estava no estrangeiro, estava internado no hospital, estava a trabalhar, etc, ou, por outro lado, demonstrando que a Queixosa estaria no estrangeiro, internada no hospital, a trabalhar, etc, ao ponto de tornar inverosímil ou mesmo impossível que os factos tivessem sucedido nos termos por ela relatados»

Impõe-se a apreciação de uma tal argumentação.
A estrutura acusatória do processo penal obriga a que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados na acusação, na justa medida em que esta constitui-se no D..... de toda a estrutura acusatória do processo.
Acusação que, como é de todos sabido, sob a unidade lógica da conclusão – identificável com a sanção penal requerida - deve ser construída de maneira que possa converter-se num silogismo, em que a premissa maior sejam os elementos-do-tipo do ilícito (fattispecie penal) e a premissa menor os factos histórico-concretos que preenchem aqueles.
Exige-se, então, sob pena de comprometimento irremediável do êxito da lide, que a narração destes contenha os factos pertinentes à causa, ou dizer os factos necessários e suficientes, verdadeiramente relevantes, que sejam indispensáveis para a definição do direito para o caso concreto (iuris dictio).
Tenham-se presentes, a este propósito, os termos que a lei adjectiva penal aponta relativamente à descrição do conteúdo da acusação.
Diz o artigo 283º/3 do C.P.Penal que “A acusação contém sob pena de nulidade: b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção”
Se bem se interpreta, a norma não estabelece qualquer vinculação narrativa, posto que, sem prejuízo de que a narração deva ser sintética, determina que seja de factos, de factos com relevância juspenal, assim com referência aos elementos objectivos do tipo-do-ilícito, assim com referência ao elemento subjectivo - como sejam a consciência da prática do acto, o conhecimento da ilicitude, a voluntariedade da conduta - assim, ainda, com referência aos elementos pertinentes ao apuro do grau de censurabilidade ético-jurídica merecida (culpa).
Factos que, devendo pertencer à realidade histórico-existencial, tanto podem revestir a natureza material como assumir natureza espiritual (v.g. a consciência da ilicitude, a voluntariedade na prática do acto, a decisão livre e consciente, a motivação/ intenção ou propósito de).
De todo o modo, na decorrência do princípio da vinculação temática, exigir-se-á que a narração dos factos que constituem os elementos do crime seja, de uma parte, suficientemente clara, perceptível e inequívoca, – até para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado – como, de outra parte, exigir-se-á que contenha, ainda que de forma sintética, uma descrição dos factos efectuada «descriminada e precisa com relação a cada um dos actos constitutivos do crime», mencionando «todos os elementos da infracção» e quais «os factos que o arguido realizou», ([37]) num e outro caso para que o objecto do processo fique claramente definido e fixado visto que será perante o quadro fáctico nele assim descrito que o mesmo arguido deverá elaborar a sua estratégia de defesa e que a acusação definirá e fixará o objecto do processo, limitando a actividade cognitiva e decisória do tribunal.
A par do acusatório exige-se a observância do princípio do contraditório.
A Lei Fundamental previne-o expressamente, inserindo-o no âmbito das garantias da defesa: «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório» [Artigo 32º/5 C.R.P.]
Assenta, como decorre daquela inserção sistemática, no direito de defesa, direito que é, desde logo e antes de tudo, um direito a ser ouvido.
No caso concreto.
Se a exegese é correta, a descrição acusatória realça por diversas vezes as datas – Ex.g. 14.02.2007 – 15:00H; 12 de Dezembro de 2007 a 7 de janeiro de 2008; 11 de Outubro de 2008 – 18:00H - e os lugares da prática dos factos.
No que a estes concerne concretizou as quatro moradas diferentes e as diferentes práticas de agressão cometidas pelo arguido em cada uma delas.
É certo que também chega a dizer “em datas não concretamente apuradas”, mas mesmo aqui não deixa de referenciar os locais da prática dos factos.
Dizer: é num restrito quadro espácio-temporal que se desenvolve a factualidade imputada à responsabilidade criminal do recorrente.
Na sua materialidade, resulta óbvio que o tribunal do julgamento e da prolação da decisão sob recurso não violou o princípio da vinculação temática: não foi além do thema probandum.
Outrossim, em termos pragmáticos, não se vê nem o recorrente alega que o princípio do contraditório haja sido postergado na audiência do julgamento, na perspetiva de que, de alguma forma, lhe tenha sido vedado o direito elementar a ser ouvido ou, de todo o modo, a ver discutidas as suas razões de facto ou de direito e/ou a instar a prova produzida em sentido contrário à sua pretensão de inculpabilidade.
A argumentação do recorrente assenta no fundamento de que a acusação não cumpriu a exigência legal de uma narração fáctica clara, percetível e inequívoca (a respeito do tempo, modo e lugar) de modo a que o arguido pudesse saber com precisão do que era acusado.
A uma tal insuficiência seguir-se-á, qual corolário lógico e necessário, uma impossibilidade do contraditório: se não me dizem quando nem onde, como posso defender-me? Como posso contraditar o que não conheço?

Atalhando, não se acompanha a argumentação do recorrente.
Deixou-se referido que a estrutura acusatória do processo penal obriga a que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados na acusação, que esta contenha os factos pertinentes à causa, dizer os factos que o arguido realizou, relevantes e indispensáveis à definição do direito para o caso concreto (iuris dictio).
Ficou, igualmente, referido, o sentido da justa medida (quantum satis) que perpassa pela exigência jusprocessual relativamente à descrição fáctica na acusação: a acusação contém sob pena de nulidade: b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção (283º/3).
Bem se compreende este tom relativo quanto à delimitação do tempo e do lugar, in casu as circunstâncias em que o recorrente fundamenta a sua crítica.
Se A mata B e o lança ao fundo do mar, não será fácil, mesmo com recurso aos mais avançados apoios científicos, determinar com a exatitude reclamada pela defesa da pessoa acusada, o lugar, o dia, a hora da prática do homicídio.
De igual passo, sairá humanamente compreensível que relativamente a uma vida em comum durante cerca de 11 anos, a memória não retenha de forma precisa no tempo (dia/hora) todos os factos praticados, nomeadamente quando eles são múltiplos.
Daí que a exigência legal relativamente à descrição imputada se contenha, nas referências ao tempo e lugar na medida do possível.
Na apreciação do princípio do processo devido, enquanto garante da defesa do arguido, fez-se coincidir a respetiva essência axiológico-normativa com a ideia de que nenhum procedimento é admissível desde que implique um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
Eis, ao cabo e ao cabo, a questão a que importa responder: a acusação, nos termos em que deduzida, esmaga o acusado e constitui um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do recorrente?
Com o devido respeito, entende-se que não.
Seguramente, a acusação não delimita e/ou de-fine e/ou precisa todos e cada um dos factos ilícitos relativamente ao dia, hora e local da respetiva prática.
Mas não se pode dizer, que raie o irrazoável, que uma tal narrativa fáctica encurte de modo inadmissível a possibilidade da defesa.
Lidos os pormenores e descrições circunstanciais de tempo e lugar, que, aqui e ali, ressumam da acusação e perante a prova produzida no julgamento, não podia o recorrente contraditá-los na audiência, palco e crivo da prova?!
Impõe-se, pois, concluir: nem a acusação violou as regras jusprocessuais relativas ao conteúdo fáctico a que a norma ínsita no artº 283º/3 do CPP obriga, nem de todo o modo, se pode dizer que a mesma, nos termos em que concretamente foi deduzida, violou o princípio do processo devido.
Para além de tudo: invocou o Recorrente alguma falha na matéria de facto tida por provada que comprometa e/ou não permita uma decisão de direito?
Obviamente que não. Pelo que, decai no vício da decisão invocado, assim soçobrando nesta vertente da impugnação da decisão de facto.

2.2.2.2.2 Erro de julgamento

Traduzindo-se a impugnação na invocação de erros de julgamento - como dizer, o tribunal tem por provados e/ou não provados, factos em manifesta contradição com a prova produzida em sede de audiência de julgamento - “a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) ali produzida e visando a respetiva modificação.
Consabidamente, porém, esta análise da prova documentada está subordinada a quatro tipos de limitações: i) uma limitação decorrente da necessidade de observância dos requisitos formais da motivação do recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos que o recorrente considera incorrectamente julgados com especificação das provas e referência concreta ao conteúdo dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida; ii) ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, a limitação decorrente da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o ‘contacto’ com as provas ao que consta das gravações; iii) limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2ª Instância: a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto pelo recorrente; iv) a jusante, um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão” ([38])

Definindo, ainda, critérios, importa dar conta que, de acordo com a regra geral contida no artigo 127° do C.P.P., a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Por isso que, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos por referência ao homem médio suposto pela ordem jurídica (homo normativus).
Verdade que a livre apreciação da prova, para além de estar vinculada a tais regras, está, igualmente, sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova (cfr. arts. 32° n° 8 da C.R.P., 125° e 126° do C.P.P. ) e ao princípio de prova da presunção da inocência, na vertente "in dubio pro reo".
Dentro destes limites, o juiz que julga em 1ª instância goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova, nada obstando, então, a que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade.
Relevante é reconhecer, de igual passo e como logo decorre dos sobreditos limites, que é na audiência de julgamento que o princípio da livre apreciação assume especial relevância, por ser esse o local onde se cumpre a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova. ([39])
Perguntar-se-á: proferida uma decisão em 1ª instância, fundamentada na livre convicção do julgador e assente na imediação e na oralidade, poderá a mesma ser objecto de censura no Tribunal de recurso?
Por certo que sim.
Previne-o a lei penal adjectiva: quer quando obriga o recorrente que “… impugne a decisão proferida sobre matéria de facto” a especificar: b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (Artigo 412º/3 CPP), quer, depois, quando previne expressamente a modificabilidade da decisão recorrida (Artigo 431º CPP)
Dizer, então: se o recurso às provas indicadas evidenciar que, ex.g., o Tribunal decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido - ou deverem ter subsistido - dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum, obviamente a decisão de facto proferida no tribunal recorrido tem de ser alterada.
Dizer, ainda: se é verdade, como é frequente ler em jurisprudência publicitada, que o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, não será menos verdade que, se ao Tribunal de Recurso for dado concluir no sentido da irrazoabilidade ou da desconformidade da convicção firmada com as regras do saber e da experiência comuns, não poderá o mesmo tribunal de recurso deixar de ter por verificada uma incorrecta apreciação e valoração das provas (erros de julgamento) e, por aí, de proceder à correcção na exacta medida do que resultar do filtro da documentação.

Manifestamente, o recorrente na impugnação em termos de error in procedendo não cumpriu o desiderato normativo da especificação das concretas provas que imporiam decisão diversa da recorrida.
Começa por repetir, passo a passo, a motivação do recurso intercalar com referência às SMS.
Obviamente, por despiciendo, não se repete aqui a argumentação que, no conhecimento daquele recurso, aquela contrariou.

Percorrida a demais motivação, sabe-se que o recorrente põe em causa “os factos provados nºs 8 a 26”, porém já não se vê que em algum momento tenha observado a exigência formal consignada no item 4 do artigo 312º do CPP: «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) [dizer, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida] e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na Ata , nos termos do disposto no nº2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».
Na verdade, limita-se o recorrente a divergir quanto à convicção firmada pelo tribunal, discutindo, argumentando, apreciando a credibilidade conferida à Assistente.
Mas mesmo aqui socorre-se, manifestamente, de prova que escapa à apreciação deste tribunal de recurso, visto o apoio não na prova produzida em audiência mas na prova que vai buscar a declarações produzidas em sede de inquérito.
Seja exemplo: «Voltando à “autoria presumida do arguido” quanto às supostas SMS (as quais não puderam ser constatadas em Juízo pelo expendido supra), nem mesmo a Ofendida estava segura de ter sido o Arguido a escrevê-las, pois, a fls. 251 dos autos, a Ofendida disse que ou era ele ou então ele a ditar as sms – cfr. fls. 251 dos autos»
Nesta conformidade, a crítica formulada não traduz mais do que um conflito de convicções ou dizer uma mera divergência de convicção: onde o Tribunal acolheu, a partir das provas produzidas, a suficiência para um juízo de convicção, acima de uma qualquer dúvida razoável, quanto à prática pelo Recorrente dos factos, nos termos em que os descreveu – colhendo-se exemplo paradigmático relativamente à convicção firmada a respeito das sms (Supra I, 2.2.29 2.2.31)-, pretende este, divergindo, que a prova não podia consentir uma tal convicção.

Repetindo, embora, dir-se-á que, lendo a motivação emprestada pelo Tribunal recorrido à decisão de facto, dela ressuma o cuidado assumido em tornar transparente o iter formativo da sua convicção.
Indicou os meios de prova, cuja legalidade o Recorrente em parte questionou, sem fundamento, todavia, como se entende.
Disse de forma aberta o porquê da sua convicção, uma convicção adquirida quanto “à verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.
E, aqui, nesta explicitação da formação lógica da sua convicção, sem vislumbre de qualquer excesso ou pura arbitrariedade, sem ponta de atropelo às regras da experiência comum.
Através da motivação da decisão de facto oferecida, o Tribunal recorrido, ao dizer de modo transparente o substrato racional que conduziu a que a sua convicção se tivesse formado em determinado sentido ou por via do qual havia valorado de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência, cumpriu não apenas a referenciada e desejável legitimação democrática do exercício do ius dicere, como cumpriu, pari passu, os desideratos do auto/altero controlo intraprocessual e do exercício do direito de defesa via recurso.
Sobra, por isso, a conclusão de que, nem da motivação emprestada à decisão de facto emerge qualquer fumo de ilogicidade e/ou de violação das regras da ciência ou da experiência comum, nem, de todo o modo, existe, a partir da motivação do recurso deduzido, indicação de qualquer prova que, em concreto, pudesse impor uma decisão diversa.
Antes, a fundamentação da decisão mostra-se alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando, repete-se, a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.
O recorrente, no pressuposto de “quando se quer condenar (sic) nada do que é dúbio é efetivamente valorado pro reo”, argumenta ainda no sentido de uma violação do princípio de prova in dubio pro reo.
Sem razão, como se entende.
O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. ([40]) Emanação da garantia constitucional da presunção de inocência, ([41]) o princípio in dubio pro reo, enquanto dirigido à apreciação dos factos objectos de um processo penal, leva a que, em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação ou na pronúncia, o tribunal deve decidir a favor do arguido.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 1998/Nov./04 [in BMJ 481/265], “Se, por força da presunção de inocência, só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável”.
Desta arte: verificado que se mostre que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. ([42])
Vale dizer: «Não tem qualquer sentido falar em violação do princípio “in _dubio pro reo”, se do texto da decisão recorrida não resulta que o tribunal recorrido ficou com dúvidas sobre a prática do facto pelo recorrente e solucionou essa dúvida contra ele.» ([43])
Ou dizer, ainda: a eventual violação do princípio in dúbio pro reo só pode ser aferida em sede de recurso quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tendo chegado a um estado de dúvida “insuperável”, neste estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.
Manifestamente, lida a motivação, resulta, sem sombra de dúvida, que o Tribunal decidiu na firme convicção dos factos, dizer, sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, pelo que improcede o argumento deduzido.
*
Em resumo: face à legalidade dos meios de prova utilizados pelo Tribunal; não se descortinando, de outra parte, fundamento de ilogicidade ou irracionalidade no indicado iter formativo da convicção; acrescendo, ainda, o facto de que o Recorrente não indicou, relativamente aos factos controvertidos quaisquer provas que pudessem impor decisão diversa da decisão ora submetida a recurso, improcede a argumentação deduzida pelo Recorrente relativamente aos mesmos.
2.2.2.3 Indemnização: an debeatur - quantum debeatur/ condição da suspensão da execução da pena de prisão e Inutilidade superveniente da lide.

Pôs o recorrente em causa a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento do quantum indemnizatório em que, na parcial procedência do pedido cível, foi condenado.
No desenvolvimento da instância, veio a Assistente dar conta nos autos, ter sido já paga do valor indemnizatório.
O Recorrente não contrariou o facto.
O cumprimento da condição torna inútil a apreciação da questão suscitada, que se considera prejudica e dela não se conhece.
*****************
IV DECISÃO

Termos em que:
1. Na improcedência do recurso interlocutório, confirma-se o despacho recorrido;
2. Na improcedência do recurso principal, confirma-se a sentença recorrida.
Da responsabilidade do recorrente taxas de justiça respetivamente de 3UC (Recurso interlocutório) e 4UC (Recurso principal)

Porto, 22 de Maio de 2013
Joaquim Maria Melo Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
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[1] No mesmo sentido do decidido veja-se a título exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.7.2008, da Relação de Coimbra de 29.3.2006 e Acórdãos da Relação do Porto de 27.1.2010 e de 7.7.2010 in Bases de Dados Jurídico-Documentais do ITIJ.
[2] Rui Rangel in Correio da Manhã, 20 de Agosto de 2008 – disponível em http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/rui-rangel/sms-como-prova;
[3] Rui Rangel, idem - http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/rui-rangel/sms-como-prova;
[4] In “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, Pág. 144.
[5] Assim Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, Pág. 254.
[6] Na esteira da pág. 144 da obra citada do prof. Germano Marques da Silva, onde explana que “São configuráveis pelo menos três situações diversas. A proibição da prova é descoberta antes da sua admissão no processo, depois de admitida, mas antes de valorada e depois de valorada. No primeiro caso a proibição há-de comportar a não admissão da prova; no segundo a sua não valoração e no terceiro a viciação da decisão por violação da lei.”. In casu, estamos perante a segunda situação.
[7] Assim o Prof. Pinto de Albuquerque in op. cit, pág. 441, na anotação 3. ao artigo 156º do CPP.
[8] In “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, pág. 91.
[9] In “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, pág. 110.
[10] In Comentário do Código de Processo Penal, pág. 436, Univ. Católica Editora, na anotação 1. ao art. 167º.
[11] In “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, pág. 146.
[12] Na esteira da pág. 144 da obra citada do prof. Germano Marques da Silva, onde explana que “São configuráveis pelo menos três situações diversas. A proibição da prova é descoberta antes da sua admissão no processo, depois de admitida, mas antes de valorada e depois de valorada. No primeiro caso a proibição há-de comportar a não admissão da prova; no segundo a sua não valoração e no terceiro a viciação da decisão por violação da lei.”. In casu, estamos perante a segunda situação.
[13] In “Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, pág. 146.
[14] Na esteira do Acórdão da RP de 17-12-97, processo nº. 9640768, BMJ 472º, 567, «A motivação da sentença quanto à matéria de facto não pode bastar-se com a mera indicação das provas, ou meios de prova, devendo proceder--se à caracterização do meio probatório gerador da convicção do julgador acerca de cada facto provado e indicando-se, na medida do possível, as razões de credibilidade e da força decisiva reconhecidas aos meios de prova»; no mesmo sentido foi decidido no Acórdão da RL de 26-5-99, processo nº. 1237/99, BMJ 487º, 361.
[15] “A questão da concorrência de culpas surge com mais frequência no domínio da responsabilidade extracontratual. Daí que para haver culpa co-responsabilizante do lesado e ser afastada a teoria da diferença com ressarcimento dos danos em valor inferior aos que o credor efectivamente sofreu, importará a evidência de uma conduta culposa do lesado violadora das regras da boa-fé e que essa conduta – omissiva ou negligente – seja causa adequada do dano ou do seu agravamento” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2009).
[16] “O artigo 570º C.C. aplica-se não só ao instituto da responsabilidade como a todos os casos em que a lei imponha ao agente ou a terceiros o dever de indemnizar o lesado” (Código Civil Anotado de Abílio Neto, 16ª edição revista e actualizada, Janeiro de 2009 e RLJ, 101.º - 217).
[17] “Estes deveres podem ser modificados em função de circunstâncias novas, mas também em virtude do conhecimento superveniente pelo tribunal de circunstâncias pré-existentes” (sumário da anotação 6 ao artigo 51º do Comentário ao Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque, 2ª edição actualizada, Universidade Católica Editora).
[18] Neste sentido, vide COSTA ANDRADE, SOBRE AS PROIBIÇÕES E PROVA EM PROCESSO PENAL, Coimbra Editora, 1992, pág.44
[19] Sem prejuízo de que, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira «O preceito em análise refere-se apenas às “autoridades públicas”, mas a proibição de ingerência vale, por maioria de razão, para as entidades privadas»[J.J. GOMES CANOTILHO - VITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA – VOL.1º, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora 2007 – pág.545]
[20] A pressupor, se bem se interpreta e com recurso a parte do Sumário do Ac.do STJ de 20.09.2006 no Processo 06P2321 – Relator: Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt, que «O cartão do telemóvel é o repositório de mensagens, a respectiva caixa de correio, que as recebe até serem inutilizadas pelo seu destinatário; a mensagem uma forma de telecomunicação, por meio diferente do telefone, à qual se aplicam as regras sobre as escutas telefónicas, por força do art. 190.º do CPP.
Aquela mensagem reveste a forma de telecomunicação (electrónica), conceito que se mostrava delineado no art. 2.º da Lei 91/97, de 01-08, revogada pela Lei 5/2004, mas que se alcança do art. 2.º, n.º 1, al. a), da Lei 41/2004, de 18-08 (Lei das Comunicações Electrónicas, definindo o tratamento de dados pessoais e a privacidade no sector das comunicações electrónicas), enunciando a comunicação electrónica enquanto informação trocada ou enviada entre um número finito de pessoas mediante um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público.
A sua intercepção em tempo real, como algo incorpóreo, ocorrendo «num lapso de tempo localizado», que começa e cessa quando se «entra e sai de uma rede de comunicações» (Pedro Verdelho, Apreensão de Correio Electrónico em Processo Penal, in RMP, Ano 25.º, 2004, p. 157 e ss.) é uma interferência numa comunicação electrónica, interferência que, sem a devida autorização judicial, não pode deixar de constituir clara ofensa às normas sobre escutas, nos termos dos arts. 187.º, n.º 1, e 188.º do CPP, aplicáveis por força do art. 190.º do mesmo diploma legal, que para aqueles remete, importando aquela crime de violação de telecomunicações - art. 194.º, n.º 2, do CP.»
[21] Assim: PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do CPP, à luz da CRP e da CEDH, 2ªEd. Univ. Católica Editora, Lx.2008, pág.494
[22] GERMANO MARQUES DA SILVA – FERNANDO SÁ ; CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA [JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROIS] Tomo I, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág.772
[23] VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ B... – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976, 2ª Edição, Almedina, pág.275-276 [Sublinhados do Relator]
[24] “O princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo), consagrado na parte final do artº18ºnº2 constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador” GOMES CANOTILHO, DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO, 3ªEdição, Almedina, Pág. 429
[25] “ (…) A Constituição portuguesa refere-se expressamente no nº2 do artigo 18º à necessidade da restrição, referência que deve ser entendida como consagração do princípio da proporcionalidade em sentido amplo incluindo a proibição de restrições inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais dos direitos, liberdades e garantias…” VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ B... – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976, 2ª Edição, Almedina, pág.296
[26] Princípio da proporcionalidade (ou princípio da proibição do excesso) desdobrável: i. No princípio da adequação (as medidas restritivas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados); ii. No princípio da exigibilidade ou da necessidade (as medidas restritivas devem revelar-se necessárias porque os fins visados pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); iii No princípio da proporcionalidade em sentido restrito (os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. [Cfr. J.J. GOMES CANOTILHO - VITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ANOTADA – VOL.1º, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora 2007 – págs. 392 e 393]
[27] Ac. TRP. 09.01.2013, Processo 1516/08.6PBGMR.P1, Relator: Joaquim Gomes, un www.dgsi.pt
[28] Comentário Conimbricense, I,754
[29] GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Vol. I, Coimbra Editora 2007, págs.544-545
[30] GERMANO MARQUES DA SILVA- HENRIQUE SALINAS, CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA [JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROIS] Tomo I, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág.735
[31] Nos termos do artigo 31.º, n.º 1 do Código Penal, “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando-se no seu n.º 2 que “[Nomeadamente], não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa; b) No exercício de um direito; c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”.
[32] Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Ed. 1992, pags.45, 46
[33] No sentido exposto: «….podem ser valorados como meio de prova:
a) As reproduções da materialidade da palavra criminosa, uma vez que o artigo 26º nº1 da CRP não reconhece um direito à palavra criminosa e, portanto o direito penal, incluindo a incriminação do artigo 199º do CP não protege a palavra criminosa, isto é, as conversas relativas aos atos preparatórios e de execução de crimes, como por exemplo, a utilização como meio de prova de um crime de ameaças de uma cassete que contém a gravação automática de uma mensagem com a meaças ditadas pelo arguido para o telemóvel do ofendido para ai ficar gravada (Ac.TRP 17.12.1997 in CJ XXII,5 240 que equipara a situação à carta que contém ameaças, enviada pelo pelo arguido ao ofendido, e Ac. TRLx de 05.02.2003, in CJ XXVIII,1,134), a transcrição de mensagens do arguido dirigidas ao ofendido registadas no gravador telefónico deste (Ac.TRE de 04.12.2001 in CJ XXVI,5, 282…
b) As reproduções feitas ao abrigo de causas de justificação, designadamente para os que entendam que não deve proceder-se a uma redução teleológica do tipo do artigo 199º do CP de modo a tutelar os direitos fundamentais da vítima (….) PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit. Pág. 450-451
[34]Ac. do S.T.J. de 30.01.2002, proferido no Proc. n° 3063/01.
[35] Ac. T. Constitucional Nº680/98 de 2.12.1998 (Processo Nº456/95 – 2ªSec. Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)
[36] No sentido de que o dever de fundamentação da sentença não exige a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado como provado: Ac. TC 258/2001; Ac. STJ 09.01.1997 in CJ Acs. STJ, 5,1,172
[37] Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal, 4º vol., Coimbra Editora, 1933, nota VII ao artigo 359º, pág. 494, e nota VIII ao artigo 366º, pág. 531)
[38] Ac. STJ de 12.06.2008, Rec. 07P4375 – Relator: Raul Borges
[39] Na expressão de Figueiredo Dias, só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais" Direito Processual Penal, 1° Vol., Coimbra Ed, 1974, págs. 233-234.
[40] Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 213.
[41] Artigo 32 da Constituição da República. Vide, ainda: artigo 11º/1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
[42] Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, pág. 213
[43] Ac. TRP 21.09.2005, Processo 0514163 (Relator: Manuel Brás), www.dgsi.pt

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/abf6a7fedb6f7ba580257b88004ed413?OpenDocument

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