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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Condenação do Estado Português por Atraso na Justiça - Ac. do Supremo Tribunal Administrativo - 01/03/2011

Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo: 0336/10

Data do Acordão: 01-03-2011

Tribunal: 2 SUBSECÇÃO DO CA

Relator: FERNANDA XAVIER

Descritores: CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
ESTADO
TRIBUNAL
NEXO DE CAUSALIDADE
ATRASO NA DECISÃO
PRAZO RAZOÁVEL
DEMORA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Sumário: I – Excedido que se mostre o prazo razoável de decisão do processo é ao Estado que o devia garantir, que incumbe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constitui matéria de excepção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao Réu, nos termos gerais (cf. artº 342º, nº2 do CC).
II – Para efeitos de aferição da violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, o exercício pelos interessados dos direitos processuais que a lei lhes confere, como o direito ao contraditório, a deduzir incidentes e a reclamar ou recorrer nos termos da lei, das decisões que lhes são desfavoráveis proferidas no processo, não exclui, naturalmente, a responsabilidade do Estado, a não ser que deles seja feito um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
III – É que o prazo razoável para resolver um litígio judicial não pode deixar de garantir a defesa dos intervenientes, nos termos da lei.


Nº Convencional: JSTA00066830
Nº do Documento: SA1201103010336
Data de Entrada: 22-04-2010
Recorrente: ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1: A... E OUTROS
Votação: UNANIMIDADE


Meio Processual: REC JURISDICIONAL.
Objecto: SENT TAF PORTO.
Decisão: NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1: DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE ENTRA.
Área Temática 2: DIR INT PUBL - DIR HOMEM.
Legislação Nacional: CONST97 ART20 N4 ART22.
CCIV66 ART342.
Referências Internacionais: CONV EUR DIREITOS DO HOMEM ART6 PAR1.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC319/08 DE 2008/10/09.; AC STA PROC308/07 DE 2007/11/28.
Jurisprudência Internacional: AC TEDH BUCHOLZ A42 PAG21 PAR63.
AC TEDH ZIMMERMANN E STEINES A66 PAG29 PAR19.
AC TEDH PULIDO GARCIA QUEIXA 11499/85 DEC RAP 68 PAG5.


Aditamento:

Texto Integral
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO:
O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, veio interpor recurso para este STA da sentença do Mmo. juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida a fls. 360 e segs., na parte em que julgou parcialmente procedente a presente acção de indemnização instaurada pelos AA A…. e mulher B… e C…, com fundamento em violação do direito dos Autores a uma decisão em prazo razoável previsto nos artº20, nº4 da CRP e artº6º da CEDH e condenou o recorrente a pagar uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) aos primeiros dois AA e também no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) à terceira A., julgando, no mais, a acção improcedente e absolvendo o R. do restante pedido.
O recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A responsabilidade civil extracontratual do Estado não pode revestir natureza objectiva, antes tem de se fundar na verificação dos respectivos elementos constituintes, a saber, o facto ou omissão, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
2. No caso de se pretender a condenação do Estado por não ter implementado legislação, meios organizativos e de gestão a que, mesmo que os prazos processuais de um processo sejam todos observados ele tenha uma duração excessiva no seu todo, tal tem de vir devidamente alegado e ser provado, não podendo haver condenação com esse fundamento se não houve alegação prévia.
3. Os atrasos provocados pela actividade processual das partes interessadas na indemnização não podem ser contabilizados como sendo da responsabilidade do Estado.
4. A longa pendência do processo de inventário facultativo em causa deveu-se essencialmente a uma actividade processual conflituosa e aguerrida dos interessados, que provocaram numeroso incidentes e delongas, incluindo os AA.
5. Não se pode assim falar em responsabilidade do Estado por tal exagerada pendência.
6. A não ser pelas razões expostas no ponto 2 destas conclusões, mas aí não pode haver lugar a condenação do Estado, porque elas não vinham alegadas, nem foram provadas, sob pena de violação do direito à defesa, previsto no artº6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
7. Na hipótese de se entender que é de atribuir uma indemnização a título de danos não patrimoniais aos AA, a mesma deve ter em conta as consequências que foram provadas do atraso alegado, que no caso se resumem a «forte ansiedade».
8. O que nos reconduz a uma situação equiparável aquelas em que os lesados estão inclusivamente dispensados de demonstrar qualquer consequência porque, de acordo com a experiência comum, o atraso injustificado na resolução de uma lide em que alguém é interessado, provoca sempre algum desconforto e incerteza que são indemnizáveis de acordo com os critérios que têm vindo a ser seguidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
9. Assim sendo, numa situação destas, tendo em consideração a jurisprudência que tem vindo a ser produzida pelo STA, a indemnização a atribuir a cada um dos AA não poderia exceder os €2.500.
10. A sentença recorrida, ao condenar o Réu Estado por atrasos que, na sua parte significativa não lhe são imputáveis e ao atribuir duas indemnizações no valor de €10.000, incorreu na violação do disposto designadamente dos artº20º, nº4 da CRP e 6º§1º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.
*
Contra-alegaram os AA propugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- OS FACTOS
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos, que se não mostram impugnados:
A) Na sequência do óbito de D…, pai do A. marido, foi instaurada pelos primeiros AA A… e esposa D. B…, acção especial de inventário facultativo, que foi distribuída a 13 de Dezembro de 1981 ao 1º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia, tendo-lhe sido atribuído o nº 1633/81, acção essa que a data da presente acção ainda se encontrava pendente.
B) Foram necessários cerca de cinco anos e meio para conseguir tomar declarações à cabeça de casal, demora esta motivada por sucessivos pedidos de escusa para exercer o cabeçalato, de prorrogações de prazo para identificação de interessados e apresentação de relações de bens, tudo isto aliado à necessidade de recurso a cartas precatórias, conforme resulta do doc.1 junto com a contestação do Réu Estado, de fls.53 a 106 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. também o artº3º da pi).
C) Prestadas as declarações pela cabeça de casal em 8 de Maio de 1987, foi pela mesma pedido prazo para a apresentação de bens, que lhe foi fixado em 60 dias, mas tendo, no entanto, a relação sido apenas apresentada em 13 de Junho de 1988, ou seja, treze meses mais tarde (cf. doc. nº2 junto com a contestação do R, a fls. 107-108 dos autos).
D) A relação de bens mereceu sucessivas reclamações pelos interessados, seguidas da realização de inúmeras diligências, algumas das quais através de deprecada, de forma que só em 20 de Fevereiro de 1990 foi possível mandar proceder à descrição de bens (cf. doc. nº3 junto com a contestação do R., de fls.109 a 139 dos autos).
E) Na sequência da conferência de interessados, realizada em 28 de Junho de 1990, foram expedidas em 3 de Outubro de 1990 (após férias judiciais do Verão) cartas precatórias para avaliação de bens (cfr. doc. 4 junto com a contestação do R., a fls.140 e 143 dos autos).
F) Ainda antes de devolvidas tais cartas, já a avaliação suscitava reclamações por parte de alguns interessados, que se mantiveram após conhecimento do resultado das avaliações (cfr. docs. 5 e 6 juntos com a contestação do R., a fls.144-147 e 148-153 dos autos).
G) A 7.10.91 foi dada como concluída a avaliação deprecada.
H) A 31.10.91, os primeiros AA deram entrada de requerimento, solicitando esclarecimentos aos peritos sobre os critérios de avaliação dos bens sitos em …, de igual teor ao doc. 2 junto com a p.i., a fls.10-11 dos autos (cf. também fls. 150-151), tendo sido aberta conclusão para apreciação deste e outros requerimentos em 25.03.1992, tendo sido proferido despacho somente em 21.12.93, ou seja, cerca de 18 meses depois, despacho esse de igual teor ao documento 3 junto com a p.i., a fls.12-13 dos autos, no qual se ordenou que as cartas fossem devolvidas às comarcas deprecadas para obtenção de esclarecimentos por parte dos peritos (cfr. também fls.154-155 dos autos- doc. 7 junto com a contestação do R.).
I) Do despacho de 21.12.93 anteriormente referido vieram os primeiros AA a ser notificados por carta com registo de 5 de Janeiro de 1994, ou seja, cerca de dois anos e dois meses depois do requerimento que lhe deu causa.
J) Entendendo que o despacho se não havia pronunciado sobre a alínea b) desse requerimento apresentado no dia 31 de Outubro de 1991, a 12 de Janeiro de 1994 foi requerido ao tribunal que sobre o mesmo se pronunciasse, o que só veio a ocorrer por despacho de 28 de Novembro de 1994, cerca de 10 meses depois, indeferindo o requerido por não se ter cumprido o prazo de cinco dias a contar da notificação da junção das cartas precatórias. (cf. doc. 4 junto com a pi, a fls.14 dos autos).
K) Os ora primeiros AA apresentaram novo requerimento em 09.12.94, alegando que nem sequer tinham ainda sido notificados da junção das deprecadas, pelo que o prazo não poderia sequer estar a correr (cf. doc. 5 junto com a pi), tendo sobre esse requerimento recaído novo despacho, agora de 15 de Dezembro de 1994, que manteve o anteriormente decidido.
L) Com datas de 22 de Dezembro de 1994 e de 20 de Fevereiro de 1995, os ora primeiros AA, deram entrada a dois requerimentos em que vêm arguir a nulidade das avaliações deprecadas a … e … e, caso assim se não entendesse, se considerasse interposto recurso de agravo (cfr. docs. fls.6 e 7 juntos com a pi, a fls.16 e 17 dos autos).
M) Face à ausência de notificação do despacho que recaiu sobre tais requerimentos, vêm os primeiros AA a 21 de Setembro de 1995, solicitar que a mesma seja efectuada (cf. doc. 8 junto com a pi a fls.18 dos autos).
N) Sobre tais requerimentos recaiu despacho que se limitou a admitir o recurso de agravo, com data de 3 de Junho de 1997, de igual teor ao documentado no doc. 9 junto com a pi, a fls.19 dos autos, que aqui dou por integralmente reproduzido.
O) O recurso admitido pelo despacho de 3.06.97, referido na antecedente alínea N), não era de subida imediata, tendo subido após despacho de 19.07.2000, de igual teor ao constante do doc. 9 junto com a contestação do R. a fls.158vº-159 dos autos.
P) Tal recurso de agravo veio a ser julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.10.2000, de igual teor ao doc. 10 junto com a pi, de fls. 20 a 32 dos autos, que determinou fosse proferido despacho a ordenar a repetição de avaliações quanto aos bens das verbas nº76 e 77 da descrição de bens.
Q) Em 27 de Junho de 1997 cumpre-se o disposto no artº1373º, nº1 do Código de Processo Civil, com vista a dar forma à partilha, e em 14 de Setembro de 1997, o mapa de partilha é colocado em reclamação.
R) Por sentença de 21 de Novembro de 1997 é homologada a partilha.
S) A 3 de Dezembro de 1997, os primeiros AA recorreram de apelação da sentença homologatória tendo a 19 de Dezembro, sido lavrado despacho a admitir o recurso (cfr. docs. 11 e 12 juntos com a pi, a fls.33-34 dos autos).
T) Juntas as alegações e contra-alegações de recurso, o processo vai concluso ao Mmo juiz a 14 de Julho de 1998, nos termos que resultam do doc. 10 junto com a contestação do R., de fls.160 a 164vº dos autos.
U) Decorridos mais oito meses sobre a conclusão de 14.07.98, é lavrado despacho a 5 de Março de 1999, notificando os ora primeiros AA para esclarecer se juntaram alegações de recurso de agravo e, em hipótese afirmativa, em que data (cfr. doc.13 junto com a pi a fls.35 dos autos).
V) Em 17 de Março de 1999 vêm os AA juntar cópia das alegações de agravo com carimbo de entrada de 19 de Junho de 1997, só em 15 de Setembro de 2000 tendo tido conhecimento do teor do despacho de 19 de Julho de 2000 de manutenção e de subida do processo ao Tribunal da Relação do Porto (artº24º e 25º da pi, não impugnados).
W) Tendo sido efectuada nova avaliação, o processo foi feito “concluso” em 30.05.2001, após o que apenas foi proferido despacho em 05.06.2002, de igual ao certificado a fls.174 e 175 dos autos, que aqui dou por integralmente reproduzido.
X) Os atrasos do processo em causa levaram o ora A. A…, a apresentar um pedido de intervenção da Provedoria de Justiça (cf. doc. 14 junto com a pi a fls.36 dos autos), dando causa a um processo de inspecção cujo relatório foi elaborado em 06.01.94 e que foi notificado ao Autor por carta registada de 3 de Julho de 1995, de igual teor ao doc. 15 junto com a pi que aqui dou por integralmente reproduzido.
Y) Em causa está a herança constituída por mais de 80 imóveis de valor considerável e localizados, a grande maioria, em zonas de grande procura, e que permitiriam aos AA realizar mais valias.
Z) A duração temporal do processo de inventário facultativo nº1633/81 está a causar forte ansiedade nos AA, que não prevêem um termo nesta acção.
*
IV- O DIREITO
1- Quanto à violação do direito a uma decisão em prazo razoável – conclusões 1ª a 6ª das alegações de recurso:
A decisão recorrida julgou verificada a invocada violação do direito a uma decisão em prazo razoável consagrado no artº 20, nº4 da CRP e no artº6º§1º da CEDH, seguindo de perto a jurisprudência do TEDH e do STA sobre a matéria, que cita e, em especial, o acórdão do STA de 09.10.2008, P. 319/08, de que salientou as seguintes passagens que transcreveu:
«…a jurisprudência mais recente deste STA, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), tem vindo a entender que a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável previsto no artº 20º, nº 4 da CRP e no artº 6º da CEDH, pode constituir o Estado na obrigação de indemnizar, beneficiando, nesse caso, o interessado de uma presunção natural de existência de um dano moral decorrente daquela violação.
Mas isso, segundo a mesma jurisprudência, não dispensa os AA de alegar e provar factos que demonstrem os restantes requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, já que eles são de verificação cumulativa (o facto ilícito e culposo e o nexo de causalidade entre o facto e o dano moral presumido), sendo certo que, tratando-se de uma presunção natural ou judicial de dano moral, e portanto assente em regras de experiência e não estabelecida na lei, é a mesma ilidível por mera contra-prova (cf. artº 346º e 351º do CC). Cf. neste sentido, A. Varela, RLJ 122º, p.218
Isso nos dá conta, o acórdão deste STA de 17.01.07, aliás citado pelos recorrentes a este propósito e onde se refere:
«(…)
5 – Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar. Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:– de 12-4-1994, recurso n.º 32906, AP-DR de 31-12-96, 2478;– de 17-6-1999, recurso n.º 44687, AP-DR de 30-7-2002, 4038;– de 1-2-2001, recurso n.º 46805, AD n.º 482, 151, e AP-DR de 21-7-2003, 845;
– de 9-4-2003, recurso n.º 1833/02;– de 17-3-2005, recurso n.º 230/03.
No entanto, para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados.
(…)
A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, é imposta pelo próprio artigo 22.º da CRP, que, ao estabelecer que «o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem», admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos (danos materiais).
No entanto, ao contrário do que defende a Autora, não se trata de um «dano automático», decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental.
Com efeito, como se refere no comentário do Senhor Prof. GOMES CANOTILHO que consta da Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, n.º 3799, página 306, (…), «a responsabilidade por facto da função jurisdicional e, mais concretamente, por omissão de pronúncia de sentença em prazo razoável, não dispensa a análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos». (Também no sentido de que não há obrigação de indemnizar sem danos podem ver-se:
– JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1988, página 268, e – RUI DE MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Actos Legislativos, página 112.).
Portanto, para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada. (Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados.
A título de exemplo, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 9-1-2007, proferido no caso KŘÍŽ contra REPÚBLICA CHECA, processo n.º 26634/03, em que se escreve:
97. La Cour ne relève aucun lien de causalité entre le prétendu dommage matériel et la violation constatée des articles 6 § 1 et 8. Pour ce qui est du préjudice moral tel qu’allégué par l’intéressé, elle note qu’il se rapporte uniquement au grief tiré du droit au respect de la vie familiale au sens de l’article 8 de la Convention; dès lors, il n’y a pas lieu à indemnisation du chef de la violation de l’article 6 § 1 de la Convention.
– de 9-1-2007, proferido no caso MEZL contra REPÚBLICA CHECA, processo n.º 27726/03, em que se escreveu:
114. La Cour note que le préjudice moral tel qu’allégué par l’intéressé se rapporte uniquement au grief tiré du droit au respect de la vie familiale; dès lors, il n’y a pas lieu à indemnisation du chef de la violation de l’article 6 § 1 de la Convention.).
Porém, o TEDH vem entendendo que é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral.
Esta jurisprudência do REDH foi adoptada pelo STA. Esta jurisprudência, foi reiterada no acórdão deste STA de 28.11.07, rec. P.308/07, salientando-se a propósito da densificação do conceito de danos morais indemnizáveis para efeitos do artº 6º § 1.º da CEDH, o seguinte:
«(…)
Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa ao caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94. do acórdão nº 62361, de 29 de Março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália):
(i)O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;
(ii)O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente.
Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo.
Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral (vide Ireneu Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, p. 300; acórdão de 26 de Junho de 1991, processo nº 12369/86, no caso Letellier c. França; acórdão de 21 de Abril de 2005, processo nº 3028/03, no caso Basoukou c. Grécia)».
A jurisprudência do TEDH, relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral (vide, por exemplo: acórdão de 21 de Março de 2002, processo nº 46462/99, no caso F… c. Portugal; acórdão de 29 de Abril de 2004, processo nº 58617/00, proferido no caso G… c. Portugal). Razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6º § 1º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496º/1 do C.Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80. do acórdão de 29 de Março de 2006, proferido no processo nº 64890/01, no caso Apicella c. Itália).»
Reitera-se aqui a adesão a esta jurisprudência, tal como à recensão que dela faz o Ac. deste STA de 28.11.2007, P. 0308/07.
(…)
« …o direito à decisão em prazo razoável mediante processo equitativo consagrado no art.º 6.º da CEDH e n.º 4 do art.º 20.º da Constituição remete o aplicador para operar a determinação, apreciando as circunstâncias de cada caso, do que é o prazo razoável.
Esta determinação tem de adoptar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual.
São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora.
Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. Mas, existem casos destes.
É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada acto processual e respectivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável.
Numa segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspectos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável.
Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os actos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa.
Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação.
Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante.» (sic)
Após o que, passando à análise do caso concreto, o MMo. Juiz a quo concluiu, a este propósito, o seguinte:
«Ora, aplicando os critérios jurisprudenciais supra referidos ao caso concreto e considerando que o processo de inventário facultativo em causa em que os AA são parte, foi distribuído no Tribunal competente em 13.12.1981 e à data da instauração da presente acção (28.11.2000), ou seja, quase 20 anos depois, ainda se encontrava pendente, assim continuando na data do julgamento da matéria de facto da presente acção, em Julho de 2007, como resulta do teor da motivação das respostas dadas pelo Tribunal Colectivo aos itens da base instrutória, formulados nos autos (cf. fls.355-356 dos autos), tendo assim decorrido cerca de 26 anos sem que tenha sido proferido uma decisão judicial que apreciasse o direito dos ora AA, com força de caso julgado, há que concluir inequivocamente que no caso sub júdice, foi manifestamente ultrapassado o prazo razoável para a obtenção de uma decisão final, mediante um processo equitativo, nos termos consagrados no artº6º da CEDH e no nº4 do artº20º da Constituição, sendo pois, despiciendo conceder relevância, sequer analítica, ao que se passou, concretamente, com os actos atomísticos que preenchem o processo, já que a demora processual em causa, superior a 20 anos, num inventário facultativo como o de que se trata (e ainda que tal demora possa em parte explicar-se por se tratar de herança constituída por mais de 80 imóveis de valor considerável, que implicou a necessidade de se proceder a diversas avaliações, nomeadamente por meio de cartas precatórias, algumas das quais tiveram de ser repetidas), é claramente inaceitável para os critérios do homem comum e das suas expectativas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.
Mostra-se, assim, preenchido o pressuposto da ilicitude, tal como o pressuposto da culpa, pois como se refere no acórdão do STA de 21.03.1996, 1ª Secção, Rec. 35909, o elemento culpa dilui-se na ilicitude quando é violado o dever de boa administração, assumindo a culpa o aspecto subjectivo da ilicitude, resultando essa culpa igualmente, no caso, do próprio facto de os serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos. (…)»
*
O recorrente Estado, embora reconhecendo, na sua alegação de recurso, que a duração do processo em causa foi excessiva e aceitando a jurisprudência do TEDH e do STA supra citada, não se conforma com o assim decidido, porque, em síntese, considera que:
- por um lado, não tendo sido alegado e provado, pelos AA, que a pendência do processo em causa se deveu ao Estado não ter implementado meios organizativos e de gestão e não ao incumprimento dos prazos processuais, não pode condenar-se o Estado com esse fundamento, sob pena de violação do direito à defesa, também previsto no artº6º§1º da CEDH;
- por outro lado, a longa pendência do processo de inventário facultativo aqui em causa deveu-se, essencialmente, a uma actividade processual conflituosa e aguerrida dos interessados, que provocou numerosos incidentes e delongas, incluindo os AA, pelo que o Estado não pode ser responsabilizado por tal exagerada pendência.
Mas sem qualquer razão.
É que, contrariamente ao que pretende o recorrente, não cabia aos AA alegar e provar que o Estado não adoptou as medidas adequadas, designadamente não implementou legislação, meios organizativos e de gestão, para garantir uma justiça célere e eficaz.
Excedido que se mostre o prazo razoável de decisão do processo, o que o recorrente, aliás, reconhece, é ao Estado que o devia garantir, que incumbe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constitui matéria de excepção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao Réu, nos termos gerais (cf. artº 342º, nº2 do CC).
Deve ainda referir-se que, segundo a jurisprudência do TEDH, só razões de ordem meramente conjuntural e, portanto, passageiras, sejam elas de natureza económica ou política, podem ser invocadas pelo Estado como causa justificativa da duração excessiva do processo e, mesmo assim, é necessário que o Estado adopte, com a prontidão adequada, medidas apropriadas para ultrapassar essas situações excepcionais; justificação que não tem sido aceite quando a justificação assuma carácter estrutural (Acórdãos Bucholz, A 42, p.21, §63, Zimmermann e Steines, A 66, p. 29§29caso Pulido Garcia, Queixa nº 11499/85, Déc. Rap, 68, p.5.).
Improcedem, pois, as conclusões 1ª, 2ª e 6ª das alegações do recorrente.
*
E também, contrariamente ao que refere o recorrente, o reconhecidamente longo tempo que o processo de inventário facultativo aqui em causa esteve pendente no tribunal sem decisão não se deveu, essencialmente, ao comportamento dos interessados durante esse processo ou, no dizer do recorrente, a «uma actividade processual conflituosa e aguerrida dos interessados, que provocaram numeroso incidentes e delongas, incluindo os AA».
Diga-se, desde logo, que para efeitos de aferição da violação do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, o exercício pelos interessados dos direitos processuais que a lei lhes confere, como o direito ao contraditório, a deduzir incidentes e a reclamar ou recorrer nos termos da lei, das decisões que lhes são desfavoráveis proferidas no processo, não exclui, naturalmente, a responsabilidade do Estado, a não ser que deles seja feito um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo, o que não se provou.
É que o prazo razoável para resolver um litígio judicial não pode deixar de garantir a defesa dos intervenientes, nos termos da lei. Face ao exposto, improcedem também as conclusões 3ª, 4ª e 5ª das alegações do recorrente.
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2- Quanto ao montante da indemnização fixada – conclusões 7ª a 10ª das alegações de recurso:
A sentença recorrida condenou o Réu Estado a pagar aos AA, por danos não patrimoniais, o montante de € 10.000,00 aos dois primeiros AA e o montante de €10.000,00 à terceira A.
Entende o Recorrente Estado que a indemnização não devia exceder os €2.500, para cada um dos AA, face à jurisprudência do STA e porque apenas se provou como dano não patrimonial, que os AA sofreram «forte ansiedade», com o excessivo atraso na duração do processo em causa.
Mas também aqui sem razão.
Os AA haviam peticionado por danos morais, uma indemnização de 5.500.000$00 (cerca de € 27.500), para os dois primeiros AA e de igual montante para a segunda A [sendo 4.000.000$00 (cerca de €20.000), pelo dano de lesão do direito fundamental violado e mais 1.500.000$00 (€ 7.500), pela ansiedade sofrida].
Ora, tendo em conta que se provou que a duração temporal do processo está a causar «forte ansiedade» nos AA (cf. alínea Z) do probatório), com especial relevo para a situação da A C…, como se fez constar da motivação do julgamento da matéria de facto (cf. fls. 355 dos autos) e atento a longa pendência do processo, que à data do julgamento da matéria de facto perfazia cerca de 26 anos em tribunal, o montante fixado, equitativamente, pelo Mmo. Juiz, em € 10.000, para os dois primeiros autores (marido e mulher) e €10.000, para a segunda Autora, pelos danos não patrimoniais sofridos, não se mostra exagerado, nem fora dos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência deste STA para situações semelhantes.
Improcedem, pois, também as conclusões 7ª a 10º das alegações de recurso.
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IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 8 UC.
Lisboa, 01 de Março de 2011. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Alberto Augusto Oliveira.

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/88d795a267dbfd6f80257848004ff310?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1

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