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sexta-feira, 16 de março de 2012

DANO BIOLÓGICO MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA EQUIDADE - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - 27/02/2012


Acórdãos TRG
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2861/07.3TABRG.G1
Relator: LUÍSA ARANTES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EQUIDADE
CÁLCULO
RETRIBUIÇÃO
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 27-02-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE IMPROCEDENTE

Sumário: I) O dano biológico consiste «na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão» - João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2001, p. 272.
II) No caso em apreço, considerando as sequelas com que ficou a demandante em consequência das lesões, concretamente limitação na marcha acelerada e ao subir e descer escadas, a correr, a ajoelhar-se, ao acocorar-se, às dificuldades acrescidas na vida diária, bem como ao síndrome de insuficiência venosa e tendo 42 anos aquando dos factos, afigura-se justa e adequada a indemnização pelo dano biológico no montante de €12.000,00.
III) Só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem recorrendo à equidade.
IV) In casu, tendo-se apenas provado que a demandante tinha, juntamente com o marido, uma exploração agrícola, cuja actividade principal era um rebanho com 150 ovelhas, desconhecendo-se quanto é que auferia mensalmente com tal actividade, é legitimo, recorrendo aos parâmetros de normalidade dos rendimentos da agricultura e da pastorícia, lançar mão do salário mínimo nacional, sendo do conhecimento comum que estas actividades não são muito lucrativas, para a partir daí ser calculada a indemnização.


Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

No processo comum n.º2861/07.3TABRG do Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, por sentença proferida em 5/9/2011, e depositada em 6/9/2011, foi decidido:
a) Condenar a arguida Cláudia V... como autora material da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art. 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena 250 dias de multa, à taxa diária de €.6,00 (seis euros).
b) Condenar a arguida Cláudia V... como autora material da prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art. 148.º, n.º 1 do Código Penal, na pena 70 dias de multa, à taxa diária de €.6,00 (seis euros).
c) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenar a arguida Cláudia V..., na pena única de 280 dias de multa, à taxa
diária de €.6,00, num montante global de €.1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros).
d) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Vera V... e, em consequência, condenar a demandada “C... Seguros, S.A.” no pagamento de €.47.652,40 (deduzindo a quantia de €.2.000,00 já paga), sendo que sobre a quantia de €.7.352,40 vencem-se juros de mora desde a notificação do pedido de indemnização civil e sobre o restante valor vencem-se juros de mora desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.
A demandada “C... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA.” inconformada com a decisão, na parte cível, veio interpor recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcritas]:
1.ª – O presente recurso visa a revogação da douta Sentença porquanto se discorda do entendimento do ilustre tribunal “a quo” quanto ao facto de considerar a I.P.G. sofrida pela Demandante/recorrida, como sendo dano patrimonial futuro.
2.ª – Mais discorda a ora recorrente da decisão proferida pelo julgador “a quo” por considerar que o rendimento auferido pela recorrida se cifra em equivalente ao salário mínimo nacional, o que, por sua vez, leva a que se discorde do montante da indemnização fixada quer a título das retribuições perdidas, quer a título de danos patrimoniais decorrentes da I.P.G. de 8 pontos de que ficou a padecer.
3.ª – Discorda ainda a ora recorrente da decisão recorrida quanto à indemnização atribuída à recorrida a título de danos não patrimoniais;
4.ª – Relativamente à indemnização atribuída à recorrida a título das retribuições perdidas em virtude da incapacidade temporária de que padeceu, atribuída com base no salário mínimo nacional alegadamente auferido pela recorrida, na falta de prova concreta de rendimentos, certas circunstâncias lógicas se impõe aqui frisar, que impedem que se concorde com tal a decisão do tribunal recorrido nesta matéria.
5.ª – Desde logo, a recorrida não provou os rendimentos que auferia nas actividades que desempenhava, mas mais do que não provar os seus rendimentos, não provou quais os rendimentos da empresa agrícola que explora com o marido, como impõe o artigo 342.º do Código Civil.
6.ª - Ou o julgador relega este conhecimento para decisão posterior – em sede de liquidação; ou simplesmente se entende que como a Autor não logrou provar o rendimento auferido, o julgador tem de considerar improcedente o pedido feito a este propósito.
7.ª - Nesta sede, o julgador deveria ter-se abstido de conhecer este segmento do pedido.
8.ª – Deste modo, mal andou o tribunal recorrido ao assumir que tal empresa agrícola produzia dividendos suficientes para permitir à recorrida, por si só, auferir o salário mínimo nacional, sem que para isso, tenha quaisquer elementos, tal como o próprio tribunal reconheceu e bem!
9.ª – Nesse sentido, deveria o tribunal “a quo” ter considerado que o rendimento auferido pelo casal (lesada e marido), a partir da exploração da empresa agrícola, na falta de prova que permita extrapolar um qualquer montante concreto de rendimento, seria equivalente ao salário mínimo nacional e não que o rendimento da recorrida, por si só, seria equivalente ao salário mínimo nacional.
10.ª – Nesse sentido, e porque nenhum elemento probatório permite inferir o contrário, deverá efectuar-se a divisão, em partes iguais, de tal rendimento, o referido salário mínimo nacional a fim de apurar o rendimento da recorrida!
11.ª – Em função do supra alegado a indemnização a atribuir à recorrida neste particular deverá montar a € 2.176,20 e não a € 4.352,40.
12.ª – Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 342.º, 483.°, 562.º e 564.°, n.º 2, todos do Código Civil.
13.ª – No que à I.P.G. de 8 pontos de que a Demandante ficou a padecer diz respeito, sempre se diga que é pequena, pelo que deveria o Tribunal recorrido tê-la considerado como se de um dano não patrimonial se tratasse, não atribuindo nenhuma indemnização à recorrida a título de dano patrimonial futuro.
14.ª - Nesse sentido, consideramos justa a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, incluindo o dano de I.P.G., na importância de € 8.000,00 a atribuir à Demandante/lesada, não obstante as doutas considerações do aresto recorrido.
Sem conceder e caso assim se não entenda,
15.ª - Quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros, sempre se dirá que nos presentes autos, e atenta esta matéria de facto provada, verifica-se que da I.P.G. de que da recorrida ficou a padecer, não se vislumbra nem se verifica uma perda efectiva de rendimento. Tal facto releva, pois, se é certo que o julgador não está obrigado a seguir rigidamente fórmulas e valores pré-definidos nesta matéria, o aspecto que supra se indicou vai, na sua essência, mais longe nas implicações que daí resultam.
16.ª - Mais ainda, encontra-se apenas provado, e o tribunal “a quo” assim o reconhece, que a I.P.G. de 8 pontos não se reflecte numa Incapacidade efectiva, ou seja, uma perda de rendimento efectiva para o trabalho.
17.ª - No caso sub judice a I.P.G. da recorrida não é de molde a dificultar-lhe o seu acesso ou mobilidade no emprego e mesmo o constrangimento sobre a sua capacidade física não envolve desconforto de monta sobre o exercício das tarefas inerentes a uma actividade profissional diária. Mesmo que o fosse, deveria ter-se, fundamentalmente, em conta um limite de idade activa de 65 anos e a sua idade de 42 anos à data do sinistro, pelo que não se justifica - à luz dos critérios que vimos adoptando e têm sido sufragados pelo STJ - que a indemnização seja fixada em montante superior a € 8.000,00 , reportado à data da citação como foi decidido.
18.ª – Somos, ainda assim, e de qualquer forma a reiterar que a incapacidade permanente parcial é, de "per se", um dano patrimonial futuro indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços, trata-se de uma mera incapacidade funcional - "handicap" -, a repercussão negativa centra-se apenas na diminuição da condição física, resistência e capacidade por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo e no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral.
19.ª - Mais se diga até, que o relatório médico-legal, tido em conta pelo tribunal “a quo” na fundamentação da douta sentença, apenas refere que em virtude do handicap de que padece a Demandante, resultante da I.P.G. atribuída, apenas acarreta “… esforços suplementares”.
20.ª - Efectivamente, entendemos que este dano, tendo em conta que o mesmo não se traduz num prejuízo pecuniário concreto, dela resultante, é na mesma indemnizável dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços - cfr. acórdãos do STJ de 5/2/87, BMJ 364, pág. 819, de 17/5/94, CJ/STJ, Tomo II, pág. 101, e de 24/2/99, BMJ 484, pág. 359.
21.ª - No cálculo indemnizatório a efectuar haverá que considerar que o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não sofrer qualquer correcção, propiciar um enriquecimento injustificado à custa da recorrente.
22.ª - Pelo que, pelo disposto no seu teor, a sentença recorrida violou, designadamente, os artigos 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º e 566.º, todos do Código Civil.
23.ª – No que aos danos não patrimoniais diz respeito, não se discute que os danos provados ostentam aquela gravidade que reclama a tutela do direito. Porém, é liquido que a indemnização apenas pode ser fixada segundo critérios de equidade e normalidade, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exactamente o dano sofrido. Daí que a lei, no art. 496º/3, do Código Civil, determine que o montante da indemnização seja fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do C.C. O que vale por dizer que se abre aqui uma excepção à teoria da diferença, operador de cálculo do quantum da indemnização.
24.ª - Ora, valorando todos os factos dados como provados (Factos provados: 16) e 21) a 39)) e num quadro de uma fixação equitativa (artigo 496.°, n.° 3 do C.C.), sem provocar um enriquecimento injustificado, e não obstante a gravidade das lesões e sequelas sofridas pela Demandante, não pode a ora recorrente conformar-se com o montante fixado pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.
25.ª - No circunstancialismo apontado, pelo que sofreu com o acidente e posterior tratamento, pelas dores que suportou e continuará a suportar, pela limitação funcional que o afecta, entende-se justo e adequado, para compensar esse dano não patrimonial sofrido, considerando os padrões de vida reportados à data da citação, o montante de € 10.000,00.
26.ª - Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483.°, 494.º, 496, n.º 3, 562.º e 564.°, n.º 2, todos do Código Civil.
A demandante respondeu ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida [fls.1086 a 1088].
Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação, onde o Ministério Público não emitiu parecer por se tratar de recurso respeitante a matéria cível.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
A sentença deu como provados e não provados os seguintes factos:
“2.1. Matéria de Facto Provada
Da prova produzida em audiência de julgamento e com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) Pelas 11.00 horas do dia 14 de Dezembro de 2007, a arguida Cláudia V... conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula 96-51-..., propriedade de seu pai, na Rotunda da Boavista em direcção à saída de acesso à Rua da Boavista (no sentido Rua da Boavista – Av. Francisco Sá Carneiro), Refojos de Basto, concelho de Cabeceiras de Basto.
2) No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar referidos em 1), as vítimas Conceição M... e Vera V... caminhavam no passeio situado na berma esquerda de tal estrada, atento o mesmo sentido de marcha (sentido Rua da Boavista – Av. Francisco Sá Carneiro), do local onde se situa o estabelecimento comercial de café denominado “Café Boavista”, pretendendo, ambas, atravessar a faixa de rodagem ali situada, dirigindo-se na direcção das bombas de abastecimento de combustível, situadas no lado direito da mesma, tendo sempre em conta o sentido de marcha do referido veículo.
3) Naquele local, a Rua da Boavista configura-se como o início de uma recta, após a saída de uma rotunda, com boa visibilidade, com uma passagem de peões devidamente assinalada, com sinal vertical e marcas longitudinais, com duas hemi-faixas de rodagem para cada lado, cada uma delas com a largura de 5,00 metros, com um ilhéu a fazer a separação dos sentidos de trânsito de cada uma das vias em causa, sendo a velocidade máxima aí permitida de 50 km/hora, uma vez que se trata de uma localidade.
4) A passadeira referida em 3) é bem visível para quem circula no sentido Rotunda da Boavista – Av. Francisco Sá Carneiro.
5) A arguida conduzia o referido veículo automóvel na Rotunda da Boavista a uma velocidade inferior a 50 km/hora, pretendendo dirigir-se para a Rua da Boavista.
6) Uma vez junto de tal saída, a arguida direccionou o automóvel que conduzia para a sua direita, assim entrando no início da citada recta pertencente à Rua da Boavista e onde se situa uma passadeira.
7) Acto contínuo, nesse preciso instante Conceição M... e Vera V... encontravam-se ambas sensivelmente a meio da travessia da citada passadeira, caminhando do lado esquerdo para o lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do referido veículo.
8) Por sua vez, a arguida, no preciso instante em que se aprestava a cruzar tal passadeira de peões, conduzindo o aludido veículo, apesar de não ter nessa altura nenhum veículo a circular, nem à sua frente, nem à sua rectaguarda e/ou ao seu lado, por motivos que se desconhecem, e no momento em que poderia ter avistado as ofendidas, perdeu o controlo do seu automóvel e devido à sua inexperiência, deixou que o motor “soluçasse” acabando por acelerar tal viatura na direcção da vítimas Conceição M... e Vera V... atropelando-as em cima da passadeira, a cerca de 0,50 cm do ilhéu central ali existente, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha e embatendo-lhes com o lado
esquerdo da viatura que conduzia.
9) Não havia, na altura referida em 8), qualquer obstáculo que perturbasse a visibilidade da arguida para a referida passadeira de peões.
10)O referido atropelamento deu-se em cima da passadeira junto do ilhéu situado que divide as duas hemi-faixas de rodagem existentes, sendo que a assistente Vera V... ficou caída na parte da passadeira, entre os dois pequenos canteiros, que dividem a faixa de rodagem da Rua da Boavista, junto do referido ilhéu, enquanto a vítima Conceição M... foi projectada cerca de 2 metros para a frente da citada passadeira, também do lado esquerdo.
11)Não obstante se poder ter apercebido da citada passadeira a uma distância aproximada de, pelo menos, 10 metros, tal como poderia ter visto as vítimas, a arguida não tomou as medidas de segurança que se impunham, nomeadamente, não reduziu a velocidade que imprimia ao automóvel que conduzia, nem o imobilizou, atenta a referida circulação de peões, a fim de salvaguardar a sua integridade física e vida, pelo que, ao não fazê-lo, acabou por não conseguir controlar a referida viatura, acabando por acelerar, indo embater e atropelar, em cima da referida passadeira de peões as vítimas.
12)Por outro lado, o veículo conduzido pela arguida não deixou no pavimento, antes ou após o embate, qualquer rasto de travagem, tendo, a mesma, apenas conseguido imobilizá-lo depois de ter embatido nos corpos das vítimas e a uma distância de cerca de 3 a 4 metros à frente do local onde aquelas ficaram prostradas.
13)No dia e hora do acidente, estava sol e o piso da via estava bom, encontrando-se enxuto e em boas condições de aderência.
14)Como consequência directa e necessária do referido em 8), 10) e 11) Conceição M... sofreu as seguintes lesões: na cabeça apresentava hematoma peri-orbitário à direita, equimose da pálpebra superior e inferior esquerdas, escoriação de dois por um centímetro localizada na região frontal esquerda; duas soluções de continuidade de bordos irregulares marcados e equimosados de um centímetro de comprimento localizada na região temporo-occipital esquerda; no tórax apresentava equimose de três por quatro centímetros localizada no quadrante superior interno da mama esquerda; nos membros superiores apresentava equimose no dorso das mãos direita e esquerda e deformidade/fractura do punho esquerdo; nos membros inferiores
apresentava edema no terço inferior da perna e pé direitos; nas meninges apresentava hematoma subdural agudo localizado na região fronto parieto-temporo-occipital e do cerebelo direitos; no encéfalo apresentava hematoma fronto parieto-temporo-occipital e do hemisfério cerebelar direitos.
15)As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas referidas em 14) foram a causa directa e necessária da morte de Conceição M..., falecida no dia 17.12.2007.
16)Por sua vez, como consequência directa e necessária do referido em 8), 10) e 11) Vera V... sofreu traumatismo na perna esquerda, com fractura exposta dos ossos da perna de grau III, a qual necessitou de uma primeira cirurgia de urgência e outras duas mais tarde, as quais lhe determinaram o tempo de doença e de cura de 314 dias, para a
consolidação médico-legal, com igual incapacidade para o trabalho profissional (período de repercussão temporária na actividade profissional total) e com afectação da capacidade para o trabalho geral (período de défice funcional temporário total) de 60 dias. 17)A arguida revelou imperícia no exercício da condução.
18)Os atropelamentos das vítimas ficaram a dever-se em exclusivo à falta de cuidado e atenção da arguida, na condução do seu automóvel, que lhe era exigível, bem como se deveu ao excesso de velocidade que a mesma imprimiu à viatura que conduzia, atentas as condições da via e as imposições legais estradais que se impunham, nomeadamente o de reduzir a velocidade e/ou imobilizar o veículo automóvel que conduzia, sendo certo que se as tivesse cumprido teria evitado a referida colisão, o que não fez, nem foi capaz, acabando assim, por sua única culpa e responsabilidade, embater e atropelar as vítimas, quando estas caminhavam na citada passadeira para peões.
19)Mais sabia a arguida que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
20)A assistente Vera V... quando se apercebeu do veículo conduzido pela arguida, ainda recuou a perna direita a fim de evitar ser embatida, sem o conseguir.
21)Em consequência do atropelamento e da fractura exposta dos ossos da perna esquerda, a assistente Vera V... foi assistida no Centro de Saúde de Cabeceiras de Basto, onde recebeu os primeiros socorros.
22)A assistente Vera V... foi transferida para o Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do Alto do Ave, E.P.E. – Unidade de Guimarães, onde foi submetida a intervenção cirúrgica da osteotaxia com fixadores externos Hotman II e correcção do esfacelo e onde esteve internada até ao dia 17.12.2007.
23)No dia 17.12.2007, a assistente Vera V... foi transferida para o Centro Hospitalar do Alto Ave – Unidade de Fafe, onde ficou internada.
24)No dia 23.01.2008, na referida Unidade Hospitalar de Fafe, foi efectuada a extracção dos fixadores externos da tíbia esquerda e aplicada tala engessada posterior cruropodálica por atraso de consolidação do foco de fractura e drenagem de serosidade na cicatriz do esfacelo.
25)Em 04.02.2008 foi efectuado encavilhamento AO com cavilha (30X11) aparafusada na tentativa de resolução do atraso de consolidação.
26)Na data referida em 25) efectuou fisioterapia por apresentar alterações do tonus e da mobilidade do membro inferior esquerdo devido ao edema.
27)A assistente Vera V... teve alta do internamento no Centro Hospitalar do Alto Ave – Unidade de Fafe em 11.02.2008.
28)A partir do dia 12.03.2008 a assistente Vera V... passou a ser seguida pelos serviços clínicos da demandada Seguradora, continuando a fazer fisioterapia até 22.10.2008.
29)Em consequência do referido 8), 10), 11) e 16), a assistente Vera V... ficou com as seguintes sequelas: dificuldade acrescida nos esforços de carga sobre o membro inferior esquerdo; desconforto nos
períodos de descanso nocturno; limitação dolorosa na marcha acelerada e ao subir e descer escadas, de correr, de ajoelhar-se e de acocorar-se; dores fortes na perna e pé esquerdos, nos primeiros movimentos da manhã, marcha em pisos irregulares, ao subir ou descer escadas ou rampas inclinadas e com as mudanças de tempo; edema na perna esquerda, tornozelo e pé esquerdos que obriga ao uso de meia elástica para amenizar o edema e as queixas álgicas; dificuldades acrescidas na sua higiene pessoal, despir-se, lavar-se e executar as tarefas domésticas.
30) A assistente Vera V..., em consequência do V referido 8), 10), 11) e 16), apresenta uma cicatriz vertical, de natureza cirúrgica, localizada na fase anterior do joelho com 9 cm de comprimento e uma cicatriz de natureza distrófica, e sem marca de sutura, que circunda a quase totalidade do perímetro da perna no seu terço inferior e que mede 13 cm por 2 cm, compatível com o esfacelo prévio e ferida com cicatrização lenta.
31)A assistente Vera V..., em consequência do referido 8), 10), 11) e 16), apresenta ainda síndrome de insuficiência venosa.
32)As lesões sofridas pela assistente Vera V... causaram-lhe uma diminuição de capacidade funcional decorrente das sequelas, ficando afectada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos.
33)As sequelas de que a assistente Vera V... ficou a padecer na sequência do acidente são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
34)A assistente Vera V..., atendendo ao sofrimento físico e psíquico vivenciado durante o período de 314 dias que decorreram entre o dia do acidente e o dia 22.10.2008, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados, sofreu de um quantum doloris fixável no grau 5 numa escala de 7.
35)A assistente Vera V... em consequência do acidente e das cicatrizes referidas em 30), ficou a padecer de um dano estético permanente no grau 3 numa escala de 7.
36)Na data referida em 1), a assistente Vera V... tinha 42 anos de idade, tendo nascido em 27.05.1965.
37)Era uma pessoa forte e saudável, não lhe sendo conhecida qualquer doença, alegre, calma e feliz.
38)A assistente Vera V..., em consequência do acidente, das dores que padeceu e continua a padecer e das sequelas de que ficou afectada, tornou-se uma pessoa tristonha, agitada, irascível e angustiada.
39)Tem necessidade de tomar medicamentos para dormir e combater a ansiedade.
40)A assistente Vera V..., conjuntamente com o marido, tinha à data do acidente, uma exploração agrícola cuja principal actividade era a criação de gado ovino, possuindo um rebanho com 150 cabeças.
41)A assistente Vera V..., conjuntamente com o marido, também explorava uma horta para consumo próprio.
42)A mãe da assistente, Ana D..., vivia em casa da assistente que dela cuidava.
43)À época do acidente era a assistente quem pastoreava o rebanho de 150 ovelhas e quem delas cuidava e fazia todo o serviço doméstico da sua casa.
44)O marido da assistente trabalhava na construção civil, como trolha, em número de dias não concretamente apurado por mês, auferindo com esta sua actividade €.50,00, por dia.
45)Em consequência do acidente o marido da assistente deixou de trabalhar na construção civil para tratar do rebanho, durante um período de tempo concretamente não apurado.
46)A demandante e seu marido reduziram o rebanho para cerca 100 cabeças.
47)Durante cerca de 10 meses, e em consequência das lesões sofridas com o acidente, a assistente recorreu aos serviços de Rosa P..., para executar parte das tarefas domésticas da sua casa, nomeadamente cozinhar, limpar a casa, lavar a roupa e passar a ferro, a qual trabalhou diariamente, incluindo sábados e domingos, todas as manhãs até cerca das 13 horas, auferindo €.10,00 por dia.
48)A assistente e o seu marido, pelo trabalho na exploração agrícola, englobando a produção agrícola para consumo próprio, a venda de cordeiros e o subsídio atribuído pela manutenção do rebanho, obtinham um rendimento anual de montante não concretamente apurado.
49)A demandada seguradora já pagou à assistente Vera V... a quantia de €.2.000,00.
50)Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00238832, em vigor à data do acidente, José V... tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação do automóvel com a matrícula 96-51-..., para a Seguradora R... Seguros, actualmente C... Seguros, S.A..
51)A arguida não tem antecedentes criminais.
52)Na data referida em 1), a arguida residia no concelho de Cabeceiras de Basto, com os pais e um irmão, mais novo.
53)A arguida tem uma conduta social adequada, sem registo de problemáticas comportamentais, quer desviantes, quer criminais, estando bem integrada socialmente.
54)A arguida era, à data dos factos, Bombeira Voluntária e fora catequista.
55)Em 2009, e após um percurso escolar bem sucedido, com assiduidade e bom aproveitamento, entrou no curso de Medicina na Faculdade dos Açores, passando, então, a residir em Ponta Delgada.
56)A arguida mantém um percurso académico bem sucedido, frequentando o 2.º ano de Medicina com aproveitamento.
57)A arguida mantém uma relação próxima e gratificante com os progenitores, com quem contacta diariamente, sendo a dinâmica familiar caracterizada por sentimentos de pertença e adequado suporte sócio-afectivo.
58)A arguida demonstra possuir capacidade de auto-crítica e reconhece os danos causados com os factos em causa nos autos.
59)A arguida apresenta competências interpessoais, pensamento convencional e atitudes pró-sociais.
60)Na sequência dos factos a arguida sentiu vergonha e fragilidade emocional, tendo sido acompanhada psicologicamente durante 5 meses.
61)A arguida é pessoa considerada por todos no seu meio, sendo respeitada
e respeitadora e perfeitamente inserida.
*
2.2. Matéria de Facto não Provada
Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que:
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), a arguida pretendia dirigir-se, depois, para a Rua General Humberto Delgado.
b) A assistente Vera V... após o embate foi projectada 1,50 metros para a frente da passadeira referida em 3).
c) A arguida avistou Conceição M... e Vera V... quando se aprestava a cruzar a passadeira.
d) A arguida ao acelerar a viatura tal como se refere em 8) o tenha feito de forma brusca.
e) A assistente em consequência do acidente ficou a padecer de claudicação na marcha e parestesias e guinadas no halux esquerdo que a obrigam a interromper a marcha; de rigidez das articulações do joelho e tornozelo, nomeadamente desta última na dorsiflexão e diminuição da força de dorsiflexão do hallux.
f) A assistente em consequência do acidente ficou a padecer de uma diminuição de capacidade funcional decorrente das sequelas, ficando afectada da Incapacidade Permanente Geral de 22%.
g) A assistente em consequência do acidente ficou a padecer de Incapacidade Permanente Profissional superior a 30%.
h) O rebanho tinha 180 ovelhas.
i) O marido da assistente, não trabalhou na construção civil, durante cerca de 5,5 meses, deixando de auferir quantia não inferior a €.2.200,00.
*
O demais alegado no pedido de indemnização civil e na contestação constitui matéria de negação, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa ou constitui matéria de direito.”

Apreciação do recurso
Nos termos do art.412.º n.º1 do C.P.Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente.
Analisadas as conclusões do presente recurso, as questões a apreciar são as seguintes:
-saber se a IPG de 8% sofrida pela demandante pode ser considerada um dano patrimonial futuro e se o montante indemnizatório fixado a esse título é adequado
-saber se os montantes indemnizatórios fixados a título de retribuições perdidas e a título de danos não patrimoniais são adequados.

1ªquestão: Sustenta a recorrente que a IPG sofrida pela demandante, por ser muito pequena, não afectando a sua capacidade de ganho deve ser atendida em termos de dano não patrimonial e ser atribuída a esse título uma indemnização de €8.000,00.
O art.564.º n.º2 do C.Civil prevê a ressarcibilidade dos danos futuros, ao dispor «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Destarte, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis.
No caso vertente, ficou provado que as lesões sofridas pela demandante causaram-lhe uma diminuição da capacidade funcional decorrente das sequelas, ficando afectada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixada em 8 pontos (facto 32) e que as sequelas de que a demandante ficou a padecer na sequência do acidente são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares (facto 33).
Apesar de não acarretar a perda de rendimentos do trabalho, esta incapacidade permanente geral de 8% de que a demandante ficou a padecer é um dano corporal, o chamado dano biológico, que consiste «na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão» - João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2001, p. 272.
Este dano biológico é indemnizável e nem isso é posto em causa pela recorrente. A questão que se coloca é se será indemnizável a título de dano patrimonial ou não patrimonial?
A jurisprudência, maioritariamente, atribui cariz patrimonial ao dano biológico [v., entre outros, Ac.STJ de 19/5/2009 e 7/6/2011, in www.dgsi.pt].
Em abono deste entendimento, o acento é posto no esforço suplementar que uma limitação funcional implica, tornando mais penosa a vida da pessoa afectada. «Mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta - pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.» -Ac.STJ de 27/10/2009, proc.560/09.0YFLSB, in www.dgsi.pt
Porém, também é licito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Como se escreveu no citado Ac.STJ de 27/10/2009 «Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos …) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.»
Revertendo ao caso concreto, desde logo cabe referir que a recorrente incorre num equívoco ao afirmar que o tribunal a quo considerou a IPG da demandante um dano patrimonial. Basta atentar na motivação de direito da sentença, onde se lê: « as lesões sofridas pela assistente Vera Vieira causaram-lhe uma diminuição de capacidade funcional decorrente das sequelas, ficando afectada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos, sendo certo que tais sequelas de que a assistente Vera V... ficou a padecer na sequência do acidente são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. Já relativamente à actividade que a assistente/demandante Vera Vieira, exercia, temos que se provou aquela, conjuntamente com o marido, tinha à data do acidente, uma exploração agrícola cuja principal actividade era a criação de gado ovino, possuindo um rebanho com 150 cabeças, sendo a assistente quem delas cuidava, tal como realizava, todo o trabalho doméstico e cuidava da mãe, e ainda explorava uma horta para consumo doméstico, ainda que não tenha resultado provado qual o concreto valor que auferia com essa actividade. Isto posto, e considerando tal factualidade temos que, em nosso entender, a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, ou seja, necessita de esforços suplementares, traduz-se antes num sofrimento psico-somático, ou seja, num dano não patrimonial, do que, propriamente, num dano patrimonial, pois não determina a privação da capacidade de ganho, nem implica que aquele tenha de abandonar mais cedo do que o normal.» [sublinhado nosso].
Tendo a decisão recorrida atribuído cariz não patrimonial ao dano biológico sofrido pela demandante, afinal o que a recorrente discorda é com montante fixado a esse título, pretendendo que seja reduzido de €15.300,00 para €8.000,00.
Este dano, pela sua gravidade, merece a tutela do direito, pelo que é indemnizável.
O montante indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais é fixado de acordo com a equidade, uma vez que estes danos não são materialmente mensuráveis. Assim, pondera-se a culpa do agente, a sua situação económica, bem como a situação económica do lesado e as especiais circunstâncias do caso – art.496.º n.º3 do C.Civ. Equidade é a justiça do caso concreto. Aqui, a indemnização visa compensar os danos sofridos pelo lesado, atribuindo-lhe uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento provocado pela lesão, na medida em que lhe pode proporcionar alegrias que compensem a dor, a tristeza ou o sofrimento ocasionado pelo dano.
Sendo essa a função da indemnização pelo dano não patrimonial, não há que chamar à colação regras de cálculo aritmético, como também não pode a indemnização ser meramente simbólica. Para o ressarcimento destes danos a lei, conforme resulta do art. 496.º do C. Civil, «confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, no que fundamentalmente releva, não o rigor algébrico de quem faz a adição de custos, despesas, ou de ganhos (como acontece quando se procede ao cálculo da maior parte dos danos patrimoniais), mas, antes, o desiderato de, prudentemente, dar alguma correspondência compensatória ou satisfatória entre uma maior ou menor quantia de dinheiro a arbitrar à vítima e a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afectada» - [Ac.R.Porto de 9/7/1998, Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo IV, pag. 185, citando Pessoa Jorge, in Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil.]
No caso em apreço, considerando as sequelas com que ficou a demandante em consequência das lesões, concretamente limitação na marcha acelerada e ao subir e descer escadas, a correr, a ajoelhar-se, ao acocorar-se, às dificuldades acrescidas na vida diária, bem como ao síndrome de insuficiência venosa – pontos 29, 31 e 32 dos factos provados – e tendo 42 anos aquando dos factos, afigura-se justa e adequada a indemnização pelo dano biológico no montante de €12.000,00.
2ªquestão: Desde logo, insurge-se a recorrente que no cálculo das retribuições perdidas em virtude da incapacidade temporária de que padeceu a demandante tenha sido utilizado o salário mínimo nacional, dado que aquela não provou os rendimentos que auferia nas actividades que desempenhava, pelo que deveria remeter-se para liquidação em execução de sentença o montante indemnizatório a atribuir a esse título.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste razão à recorrente.
Ficou assente que a demandante tinha uma exploração agrícola, conjuntamente com o marido, cuja principal actividade era a criação de gado ovino, possuindo um rebanho com 150 ovelhas, sendo que, aquando do acidente, era a demandante quem o pastoreava.
A decisão recorrida, ao utilizar o critério do salário mínimo nacional, lançou mão de critérios de equidade, referindo “considerando o tipo de actividade em causa, a situação da agricultura e da pastorícia, e a normalidade da vida, entendemos que, à luz das regras da equidade, se deve lançar mão do salário mínimo nacional como sendo o rendimento que a mesma auferia de tal actividade mensalmente (no mesmo sentido, vejam-se os Ac. do T.R. Porto, de 20.03.2001, proc. 0120295, relatado por Cândido Lemos, e Ac. do. T.R.Porto, de 03.07.200, proc. 0050633, relatado por Ribeiro de Almeida (este acórdão referente a uma situação de um lesado que era agricultor), ambos in www.dgsi.pt), que no ano de 2007 era de €.403,00 e no ano de 2008 foi de €.426,00.”
Tendo-se apenas provado que a demandante tinha, juntamente com o marido, uma exploração agrícola, cuja actividade principal era um rebanho com 150 ovelhas, desconhecendo-se quanto é que auferia mensalmente com tal actividade, é legitimo, recorrendo aos parâmetros de normalidade dos rendimentos da agricultura e da pastorícia, lançar mão do salário mínimo nacional, sendo do conhecimento comum que estas actividades não são muito lucrativas, para a partir daí ser calculada a indemnização.
E não é correcto, como pretende a recorrente, que a indemnização a este título fosse liquidada em execução de sentença.
Dispõe o n.º2 do art. 661.º do C.P.Civil, que «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida».
Por sua vez, art. 566, n.º3 do C.Civil dispõe que, «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem recorrendo à equidade.
No caso em apreço, o tribunal a quo lançou mão da equidade e baseou-se no salário mínimo nacional, o que se afigura legítimo.
Também não tem fundamento a pretensão da recorrente no sentido de que, em caso de se lançar mão do salário mínimo nacional para cálculo da indemnização das retribuições perdidas, o tribunal só poderia atender a metade do valor do salário mínimo nacional, dado o marido da demandante também trabalhar na exploração agrícola. Esquece-se a recorrente que o marido da demandante trabalhava na construção civil, auferindo €50,00 por cada dia de trabalho (ponto 44 dos factos provados) e que quem pastoreava o rebanho era a demandante, sendo que o rebanho era a principal actividade da exploração agrícola. Daí que o valor do salário mínimo nacional se afigura compatível com a actividade exercida pela demandante e não com os rendimentos globais da exploração agrícola.
Não há assim qualquer reparo a fazer ao cálculo do montante indemnizatório fixado a título de retribuições perdidas.
A recorrente também não concorda com a quantia (€ 25.000,00) arbitrada na decisão recorrida a título de compensação pelos danos não patrimoniais que sofreu, pugnando pela sua fixação nos € 10.000,00.
É sabido que os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496.º n.º 1 C.Civil -, e que no ressarcimento dos mesmos não existe uma genuína indemnização, pois a atribuição de uma indemnização a este título destina-se a aumentar o património do lesado para que, com tal acréscimo, este encontre compensação para a dor, o sofrimento. Por isso é que o seu «quantum» deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida [Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. 1, 9ª ed., pgs. 627 a 630].
Considerando a factualidade provada nos pontos 16, 21 a 31 e 34 a 39 da decisão recorrida, que traduzem muito sofrimento e por um longo período, em que a demandante foi sujeita a intervenções cirúrgicas, fisioterapia, ficou com cicatrizes, tornou-se uma pessoa tristonha, angustiada, com necessidade de tomar medicamentos para dormir e combater a ansiedade, salientando-se ainda que é tempo de abandonar as indemnizações meramente simbólicas ou miserabilistas, mostra-se adequado o montante de €25.000,00 atribuído à demandante pelos danos morais sofridos, para além do dano biológico.
Nesta conformidade, mantém-se a decisão recorrida, exceptuando no que se refere ao dano biológico, cujo montante indemnizatório se fixa em €12.000,00.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e em consequência alterar para €12.000,00 (doze mil euros) o montante indemnizatório referente ao dano biológico, mantendo quanto ao mais a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente e da recorrida na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 27/2/2012

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1f81c0c1601ae2b5802579b80043e939?OpenDocument

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