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sexta-feira, 31 de maio de 2013

EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE SUSTENTO DO INSOLVENTE SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DO DEVEDOR- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - 02.05.2013


Acórdãos TRL
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1915/12.2T2SNT-B.L1-2
Relator: MAGDA GERALDES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
SUSTENTO DO INSOLVENTE
SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DO DEVEDOR

Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02-05-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S

Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE

Sumário: I - O total de 3 salários mínimos referido no artº 239º, nº 3, al.b) i), do CIRE constitui, salvo decisão devidamente fundamentada, o limite máximo a excluir dos rendimentos auferidos pelo devedor e que este deve entregar ao fiduciário;
II - O montante a excluir, nos termos referido supra deve ser o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e respectivo agregado familiar, cabendo ao juiz a tarefa de, caso a caso e atentas as circunstâncias específicas de cada devedor, concretizar este limite.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, 2ª Secção Cível


“A”, identificado nos autos, interpôs recurso de apelação do despacho de exoneração do passivo restante, na parte em que ali se determina a cessão ao fiduciário do rendimento disponível “com exclusão da quantia equivalente a um salário mínimo, que se destinam ao sustento da insolvente.”, sendo recorridos nos autos “B” e OUTROS, todos identificados nos autos.

Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões.
(…).

Não existem contra-alegações.

Questão a apreciar: montante da quantia a excluir do rendimento disponível do recorrente.
(A nulidade da decisão recorrida está invocada subsidiariamente)

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS

A decisão recorrida não fixou qualquer facto dado como assente.
Os factos que, apesar de não terem sido referidos pelo Tribunal a quo no relatório de sentença, deviam ter sido considerados e dados como provados, na medida em que foram alegados na petição inicial e não foram impugnados, são os seguintes:
a) – o recorrente apresentou-se à insolvência no Tribunal Judicial da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, correndo a respectiva acção no Juízo do Comércio (Sintra) sob o processo com n.º 19151/12.2 T2SNT;
b) – na sequência do mesmo, foi proferida sentença que declarou insolvente o aqui apelante no dia 24.07.2012, tendo esta já transitado em julgado;
c) – o recorrente trabalha por conta de outrem, exercendo a profissão de montador de andaimes de 1.ª, na empresa ““C” – SERVIÇOS ANDAIMES, LDA.”, auferindo o rendimento líquido mensal de € 780,00;
d) – o agregado familiar do recorrente é composto unicamente pelo apelante e a sua companheira.
e) – o recorrente suporta as seguintes despesas mensais
€ 150,00 para a habitação,
€ 150,00 para a alimentação,
€ 150,00 para o transporte,
€ 75,00 para a saúde,
€ 75,00 para o vestuário e calçado,
€ 75,00 para despesas quotidianas (pão, leite, água, legumes e hortaliças frescas, etc.);
f) – o requerente é solteiro, residindo de favor na habitação da sua companheira.

O DIREITO

Da decisão da exoneração do passivo restante ora recorrida consta, designadamente, o seguinte:
“(…) c) Determino que o rendimento disponível que os Devedores venham a auferir, no prazo de 5 anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência que se denomina período de cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia mensal equivalente ao salário mínimo nacional, actualizado anualmente, em Janeiro, em função da taxa de inflação prevista para o ano anterior, que se destina ao sustento da insolvente e seu agregado familiar.(…)”.
Para tanto, e no que à apreciação da questão objecto do presente recurso interessa, a decisão recorrida considerou o seguinte: “(…) O devedor é solteiro e vive com a namorada com quem partilha a casa e as respectivas despesas. Aufere um rendimento líquido mensal de € 780. Das despesas que indica mostram-se supérfluas as referentes a telefone; e excessivas as atinentes a vestuário, calçado e transportes. Acresce que o devedor não documenta nenhuma doença que justifique despesas médicas no valor mensal de € 75, sem prejuízo do acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Assim, o valor equivalente ao salário mínimo nacional mostra-se ajustado. (…)”.

O recorrente alegou na petição inicial, designadamente, que:
– o recorrente trabalha por conta de outrem, exercendo a profissão de montador de andaimes de 1.ª, na empresa ““C” – SERVIÇOS ANDAIMES, LDA.”, auferindo o rendimento líquido mensal de € 780,00;
– o agregado familiar do recorrente é composto unicamente pelo apelante e a sua companheira;
– o recorrente suporta as seguintes despesas mensais:
€ 150,00 para a habitação,
€ 150,00 para a alimentação,
€ 150,00 para o transporte,
€ 75,00 para a saúde,
€ 75,00 para o vestuário e calçado,
€75,00 para despesas quotidianas (pão, leite, água, legumes e hortaliças frescas, etc.), perfazendo um total de € 675,00;
- o requerente é solteiro, residindo de favor na habitação da sua companheira.
Esta é a factualidade que deve ser atendida.
Importa, pois, apurar se o valor excluído do rendimento disponível que o devedor venha a auferir e que foi cedido ao fiduciário, que foi fixado em um salário mínimo nacional, como sendo aquele que é o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor, é suficiente para garantir o sustento minimamente digno do ora recorrente.

Vejamos.
Nos termos do disposto no nº 3 do artº 239º do CIRE, “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não
devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes
o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
Assim, está excluído do rendimento disponível, referido no nº 2 do mesmo artº 239º, o que seja razoavelmente necessário para “o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”- b)i; “o exercício pelo devedor da sua actividade profissional”- b)ii); “outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”b)iii).”
As despesas mensais do recorrente ascendem a um total de € 675,00, auferindo o mesmo o vencimento líquido mensal de € 780,00.
Pela decisão recorrida foi excluído do rendimento disponível o montante equivalente a um salário mínimo nacional, como sendo aquele que é o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor, ou seja, o equivalente a € 485,00 mensais.
Relativamente às despesas referidas, considerou-se na decisão recorrida que se mostram “supérfluas as referentes a telefone; e excessivas as atinentes a vestuário, calçado e transportes” e que “o devedor não documenta nenhuma doença que justifique despesas médicas no valor mensal de € 75, sem prejuízo do acesso ao Serviço Nacional de Saúde”.
Tais despesas foram alegadas pelo ora recorrente e a decisão recorrida considerou-as como existentes tendo, porém, entendido que eram supérfluas as referentes a telefone e excessivas as atinentes a vestuário, calçado e transportes. Quanto às alegadas despesas médicas no valor mensal de € 75 considerou a decisão recorrida que o recorrente devedor não documenta nenhuma doença que as justifique.
Diga-se, a este propósito, que ao fazer-se fé nas declarações do ora recorrente, relativamente às alegadas despesas mensais, devem as mesmas ser contempladas, ao menos, em abstracto. O que não foi feito na decisão recorrida. Tendo o ora recorrente alegado na petição inicial determinadas despesas mensais relativas ao seu sustento, habitação, saúde, transporte, vestuário e calçado, das quais não juntou prova mas que não foram impugnadas nos autos, perante a ausência de quaisquer factos que permitam questionar os montantes de tais despesas, não podia o tribunal recorrido ter feito o juízo de que umas são supérfluas, algumas excessivas e outras não provadas, no caso concreto do recorrente. Aliás, estes juízos de valor contidos na decisão recorrida não estão, sequer, fundamentados, não se percebendo como se chegou a eles. Importa referir que o recorrente nem sequer invocou qualquer montante como despesa referente a telefone.
Ora, tendo presente o disposto no artº 239º, nº 3, al. b) (i) do CIRE supra transcrito, deverá entender-se que o legislador consagrou um limite máximo para o que considera ser o razoavelmente necessário para o sustento minimamente condigno do indivíduo, fixando-o, de forma objectiva, no montante equivalente a três salários mínimos nacionais.
Sucede que para lá deste montante já não estará em causa a dignidade humana, o que justificará, assim, a exigência acrescida de fundamentação no caso desse limite máximo ser excedido.
“(…) No que concerne ao limite mínimo, a técnica legislativa foi diversa, uma vez que em lugar de uma formulação objectiva como no limite máximo, se enveredou por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar), a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor. Estamos, deste modo, perante um conceito aberto, a objectivar face à singularidade que reveste a situação concreta de cada devedor/insolvente e que tem como subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na definição do montante que é indispensável a uma existência digna, o que deverá ser avaliado na peculiaridade do caso de cada devedor. Em suma, o juiz terá que efectuar um juízo de ponderação casuística relativamente ao montante a fixar. Deverá, contudo, entender-se que o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo. O salário mínimo nacional é assim o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade. (…)” (cfr. Ac. RP de 12.06.12, in Proc. 51/12.2TBESP-E.P1, disponível in www.dgsi.pt).
A jurisprudência constitucional (cfr. Ac. do TC nº 177/2002, com força obrigatória geral, publicado in DR, 1ª Série-A, nº 150, de 02.07.2004, p. 5158), de que são reflexo as alterações introduzidas ao art.º 824.º do CPC pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08.03, é no sentido de que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna.
Tais critérios não devem, todavia, ser utilizados de forma automática, sem se atender aos aspectos particulares do caso concreto em apreciação. De igual modo, o critério do padrão de vida do homem-médio português que a decisão recorrida utiliza, de forma automática, estabelecendo uma estreita conexão desse com o valor do ordenado mínimo nacional, não pode ser aceite, sem mais, sob pena de uma interpretação restritiva do disposto no artº 239º, nº 3, al. b) (i) do CIRE, o que a lei não permite.
Sendo certo que a exoneração do passivo restante não pode ser vista como a possibilidade de o insolvente se liberar, quase automaticamente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações para com os seus credores durante o período de cessão, o montante a excluir deve, todavia, ser o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e respectivo agregado familiar, cabendo ao juiz a tarefa de, caso a caso e atentas as circunstâncias específicas de cada devedor, concretizar este limite.
A prevalência da função interna do património, enquanto suporte da vida económica do seu titular sobre a sua função externa, que como é sabido, é a garantia geral dos credores, devem harmonizar-se, sacrificando-se a garantia dos credores na justa medida do que seja razoavelmente necessário para o sustento condigno do devedor e o seu agregado familiar e para o exercício condigno da sua actividade profissional e outras despesas que se integrem nesse conceito – neste sentido cfr. Ac. TRL de 05.07.12, in Proc. nº 7373/11.8TBALM-A.L1-2, disponível in www.dgsi.pt.
Ora, tais despesas, no caso concreto dos autos ascendem a € 675,00 sendo certo que o recorrente pretende ver excluído do passivo restante este montante. Ascendendo tais despesas ao montante de € 675,00, o rendimento disponível será aquele que o insolvente venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento da insolvência que exceda tal montante.

Assim sendo, considerando o montante das despesas apresentado pelo recorrente, o valor que o este pretende ver retido em seu proveito - € 675,00 - não extravasa o conceito do “razoavelmente necessário”,devendo o mesmo, porém, consciencializar-se de que existem credores que aguardam a satisfação dos seus créditos, mesmo que parcial, e que o período de cessão visa, precisamente, afectar o rendimento disponível do insolvente a esse cumprimento.
Considerando o que se acaba de expor entende-se que a peticionada quantia de € 675,00 (seiscentos e setenta e cinco euros) acautela o sustento minimamente digno do insolvente que, com maior rigor na execução do orçamento familiar, que tem vindo a gerir com o rendimento no montante mensal de € 780,00, poderá assim cumprir, com as obrigações subjacente à exoneração das suas dívidas nos termos dos artºs 239º a 245º do CIRE.
Pelo exposto, atentos os fundamentos invocados, mostram-se procedentes as conclusões das alegações de recurso, merecendo este provimento, carecendo a decisão recorrida de ser revogada, decidindo-se que o insolvente fica obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos globais que exceda a quantia mensal de € 675,00 (seiscentos e setenta e cinco euros).


DECISÃO
Atentos os fundamentos invocados, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do TRL, em:

a) – conceder provimento ao recurso nos termos supra referidos, com
b) – custas pela massa falida.

Lisboa, 2 de Maio de 2013

Magda Geraldes
Farinha Alves
Ezagüy Martins

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3d077b60f614d93180257b6c0040c678?OpenDocument

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